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PROCEDIMENTO CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
Sumário
I– O procedimento cautelar de restituição provisória de posse possui natureza antecipatória, pois assegura a satisfação provisória do possuidor, traduzindo-se num mecanismo de defesa da posse, do qual aquele se serve contra actos de esbulho violentos, de forma a garantir, célere e eficazmente, a reconstituição ou reposição da situação possessória anterior e impedir o persistir de um estado danosos e agravante dos danos; II– O processo judiciário de defesa da posse destina-se, assim, à protecção do estado de facto que constitui a essência da posse contra qualquer acto que signifique uma ameaça, ou uma violação à existência da relação material, acautelando a perturbação do seu exercício e obrigando á restituição do objecto possessório sempre que o possuidor dele tenha sido esbulhado, salvaguardando, deste modo, o processo possessório aquele estado de facto, enquanto não for demonstrado que não corresponde a uma concreta relação jurídica; III– no procedimento cautelar de restituição provisória de posse, a característica da provisoriedade surge potenciada ou redobrada pois, se por um lado a sua procedência depende de uma sumária prova da posse, por outro, fica igualmente dependente da não invocação, com sucesso, da questão da titularidade do direito – cf., 2ª parte, do nº. 1, do artº. 1278º, do Cód. Civil -, capaz de inoperacionalizar a simples tutela daquele direito aparente; IV– é sobre os Requerentes da presente providência cautelar que incide o ónus probatório dos factos constitutivos ou pressupostos, nomeadamente a posse, o esbulho e a violência; V–abarcando, com êxito, a oposição apresentada pelos Requeridos, nos termos da alínea b), do nº. 1, do artº. 372º, do Cód. de Processo Civil, a impugnação da qualidade de possuidores dos Requerentes, nomeadamente através da invocação do direito de propriedade sobre a parcela de terreno, que lhes é oponível (nos termos do citado 2º segmento do nº. 1, do transcrito artº. 1278º, do Cód. Civil), não pode subsistir a providência anteriormente decretada.
Texto Integral
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
I–RELATÓRIO:
1–JD…, residente à Rua …, nº …, Edifício …, Bl. …, fr. B,– C... L..., e VIVEIROSOUSA, LDA., pessoa colectiva e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de C... L... sob o número único de matrícula/NIPC 51.....5, com sede ao C... H..., nº...50, CP 9...-0..., freguesia e concelho de C... L..., vieram intentar a presente providência cautelar de restituição provisória de posse contra:
JC… e mulher MM…, residentes ao Caminho …, nº … freguesia e concelho de C... L..., deduzindo o seguinte petitório:
- que seja ordenada a restituição provisória da posse “(…) DA PARCELA DE TERRENO com sensivelmente 4,5m de largura e 3,5m de cumprimento (área de 15,75 m2), do prédio indicado no artigo 6 do presente articulado, pertencente aos Requeridos, conforme documento junto sob o nº 5”.
Alegaram, em suma, o seguinte: –têm utilizado a referida parcela, como rampa de acesso às estufas da segunda Requerente, pelo menos, desde Fevereiro de 2016; –o que sucede por acordo de permuta com os Requeridos, utilizando a mesma para chegarem de carro e a pé até às estufas referidas; –tal sempre sucedeu sem qualquer oposição dos Requeridos, até que, a 15 de Março do corrente ano, colocaram um gradeamento e uma escadaria de ferro não permitindo o acesso, quer pedonal, que por veículo para as estufas dos Requerentes; –pelo que pretendem a restituição da posse da referida parcela, consubstanciada na citada “rampa de acesso”.
Os Requerentes juntaram documentos e arrolaram testemunhas, tendo o procedimento cautelar sido instaurado em 14/05/2020.
2–Conforme despacho de fls. 26, datado de 04/06/2020, foi designada data para a inquirição da prova testemunhal arrolada.
3–Tal inquirição veio a ocorrer conforma acta de fls. 27 e 28.
4–Em 30/06/2020, foi proferida decisão, em cujo DISPOSITIVO consta o seguinte:
“V– Decisão Pelo exposto julgo o presente procedimento cautelar nominado procedente por provado e, em consequência, decido: a)- Ordenar a restituição provisória da posse aos REQUERENTES da rampa de acesso aos prédios descritos em 1) dos factos dados como provados, a qual ocupa cerca de 4,5m de largura e 3,5m de cumprimento (área de 15,75 m2), do prédio indicado em 6) dos factos dados como provados nos termos descritos no documento junto sob o nº 5 ao requerimento inicial, retirando para o efeito, se tal necessário, o portão com gradeamento nela implantado, deixando livre e desimpedida a referida rampa até aos prédios dos REQUERENTES. b)- Condenar os REQUERIDOS, a absterem-se da prática de qualquer ato que impeça ou dificulte, por que meio for, a utilização pelos REQUERENTES da referida rampa de acesso”.
5–Conforme fls. 40 a 47, concretizou-se a determinada restituição provisória de posse, com elaboração do respectivo auto e registo fotográfico da diligência.
6–Notificados nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366º, nº 6 e 372º, ambos do Código de Processo Civil vieram os Requeridos apresentar oposição, alegando em suma que:
- nunca existiu qualquer acordo verbal para que os Requerentes procedessem á construção da referida rampa de acesso, nem nunca os Requeridos lhes deram qualquer autorização nesse sentido;
- inexistiu, ainda, qualquer alegada permuta acordada entre os Requeridos , o Requerente JS… e seus irmãos e mãe;
- o Requerido marido comprou-lhes duas parcelas de terreno, mas pagou o preço estipulado;
- nunca tendo ocorrido qualquer PERMUTA, AUTORIZAÇÃO e/ou CEDÊNCIA da alegada parcela de terreno com a área de 15,75 m2, por parte do Requerido marido, para a aludida construção da rampa de acesso;
- pois, por volta do mês de Fevereiro de 2016, apenas autorizou o Requerente JS… a que temporariamente passasse no local com uma máquina para efectuar trabalhos de regularização do terreno, de forma a ali plantar produtos agrícolas;
- todavia, contrariamente ao acordado, o referido J… procedeu à construção de estufas no seu terreno, tendo construído a dita rampa de acesso automóvel às mesmas estufas, altura em que cimentou a passagem em terra batida;
- sendo certo não serem proprietários de tal área de terreno, nem nunca tiveram a posse exclusiva daquela.
Concluem, requerendo que:
“a)-Deve declarar-se que não estão reunidos nenhum dos requisitos para o decretamento da providência cautelar, devendo a mesma ser recusada e julgada totalmente improcedente, por não provada, o que aqui se requer, para todos os efeitos legais; b)-Declarar-se que a referida faixa de terreno com a área de 15,75 m2, é propriedade e pertence em exclusivo aos Requeridos; c)- Ordenar-se a restituição da referida faixa de terreno com a área de 15,75 m2 aos Requeridos, deixando a mesma livre e totalmente desimpedida; d)-Condenar os Requentes a absterem-se da prática de qualquer ato que impeça ou dificulte, seja por que meio for, a utilização pelos Requeridos da referida faixa de terreno com a área de 15,75 m2; e)-Condenar os Requentes solidariamente no pagamento da quantia de €1.061,40 (mil e sessenta e um euros e quarenta cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal em vigor, resultante dos danos que foram provocados aos Requeridos e descritos nos artigos 47.º e 48.º supra”.
Juntaram documentos e arrolaram prova testemunhal.
7– Foi designada data para a inquirição das testemunhas, a qual veio a ocorrer, conforme acta de fls. 81 e 82. 8– Posteriormente, em 31/08/2020 – cf., fls. 83 a 86 -, foi proferida Decisão, nos termos do nº. 3, do artº. 372º, do Cód. de Processo Civil, em cujo DISPOSITIVO consta o seguinte:
“DECISÃO:
Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, decido, julgar a presente oposição parcialmente procedente, por provada, e, em consequência revogo integralmente a providência decretada nos presentes autos, improcedendo o demais constante do “petitório” inserto na oposição. Fixo ao presente procedimento o valor de € 5.000,01 (cinco mil euros com um cêntimo). Custas, solidariamente, pelos Requeridos, sendo a taxa de justiça paga atendida a final na ação respetiva (cfr. arts. 527.º, e 539.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil) Registe e notifique”.
9–Inconformado com o decidido, o Requerente JD… interpôs recurso de apelação por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na íntegra):
“A.–O Recorrente interpôs providência cautelar de restituição provisória de posse porquanto: i.- Encontra-se registado, a favor do requerente JS…, o direito de propriedade incidente sobre dois prédios rústicos, sitos no C... G... P..., freguesia e concelho de C... L..., um com a área de 1.973 m2, inscrito na matriz sob o artigo 3/5 e 3/6 ambos da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … daquela freguesia e outro com a área de 573 m2, inscrito na matriz sob o artigo 3/8 da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … daquela freguesia. ii.-Os referidos prédios foram dados de exploração à sociedade VIVEIROSOUSA, Lda., da qual são sócios o requerente J… e sua mãe ME…, tendo sido instalado nos prédios rústicos identificados em 1., sitos no Caminho …, nº …, na freguesia e concelho de C... L..., 6 (seis) estufas de flores e mais 2 (duas) que se encontram em construção. iii.-As referidas estufas foram construídas no ano de 2016, ano em que a sociedade Requerente iniciou efetivamente a sua atividade comercial. iv.-Aquando da construção das estufas, foi construída pelo Requerente J… uma rampa de acesso automóvel às referidas estufas.
v.-Sendo esse o único acesso de carro à referida produção de produtos frutícolas em vasos. vi.-Por sua vez, os Requeridos têm registado, a seu favor, o direito de propriedade incidente sobre o prédio misto sito no C... G... e P..., freguesia e concelho de C... L..., inscrito a parte rústica na matriz sob os artigos 3/2, 3/5 (parte), 3/6 (parte) e 3/8 (parte) todos da seção … e a parte urbana inscrita na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … (anteriormente 2147) daquela freguesia). vii.-Por escritura datada de 12 de Fevereiro de 2016, os Requerentes (e a Requerente MS…, menor à data e representada pela sua mãe, ES…) venderam aos Requeridos uma porção de terreno com a área de 53 m2 que foram desanexados do prédio rústico, com a área de 1663 m2, localizado ao sítio do C... G... e P..., freguesia e concelho de C... L..., inscrito na matriz sob o artigo 3/5 e 3/6 ambos da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … e uma porção de terreno com a área de 60 m2 que foram desanexados do prédio rústico, com a área de 573 m2, localizado ao sítio do C... G... e P..., freguesia e concelho de C... L..., inscrito na matriz sob o artigo 3/8 da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … daquela freguesia, e que se destinavam a dar acesso ao caminho das H... e ao aumento do solo e logradouro da parte urbana do prédio misto confinante propriedade dos Requeridos. viii.-Em Dezembro de 2019, a irmã do Requerente, MS… assinou a ratificação da escritura datada de 2 de Fevereiro de 2016. ix.-A Requerente “ViveirosSousa, Lda.” exerce a sua atividade diariamente, não tendo a sua atividade sido suspensa ou prejudicada atendendo à situação pandémica existente na Região. x.-A Requerente “ViveirosSousa, Lda.” tem clientes fixos a quem vende diariamente os seus produtos de floricultura. xi.-Em primeiro lugar, no início deste ano a Requerente sociedade efetuou um investimento na construção de 2 novas estufas.
xii.-A sociedade não consegue terminar a construção das estufas sem o acesso por veículo automóvel. xiii.-Em segundo lugar, a sociedade comercializa produtos frutícolas em vasos, que são extremamente pesados e atendendo ao volume de vendas, é impensável colocar os mesmos nas costas dos trabalhadores. xiv.-Ademais ainda que se conseguisse contratar mais trabalhadores no sentido de escoar a produção, tornaria os produtos mais caros, sendo difícil a sua comercialização, atendendo à concorrência. xv.-Os Recorridos colocaram um gradeamento e escadas colocadas na rampa de acesso às estufas dos Recorrentes os quais impedem o normal decurso dos trabalhos e o escoamento da produção de floricultura.
B.–Sucede que, o Tribunal a quo indeferiu a providência requerida, na sequência de oposição apresentada posteriormente pelos Recorridos, entendendo que não havia posse do Recorrente e como tal não estavam preenchidos os requisitos para o deferimento da providência, tendo a mesma sido revogada;
C.–Contudo, do depoimento das testemunhas arroladas nos autos, bem como pelos documentos e fotografias juntas, entende o Recorrente que não poderá haver dúvidas quando à posse da dita “rampa de acesso” e, neste sentido, deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada, considerando-se como provado que: i.-Por acordo verbal com os Requeridos, o Requerente J… construiu a referida rampa de acesso, ocupando cerca de 4,5m de largura e 3,5m de cumprimento (área de 15,75 m2), do prédio indicado em 6) nos termos descritos no documento junto sob o nº 5 ao requerimento inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
ii.-A referida construção ocorreu na sequência de permuta acordada entre os Requeridos, o Requerente J… e seus irmãos e mãe, herdeiros do seu pai JJ…, proprietário inicial dos prédios descritos em 1). iii.-Naquela data os Requeridos e o Requerente, bem como a suas irmãs e a mãe, acordaram não outorgar escritura de permuta “porque uma das herdeiras, MJ… era menor e não poderiam realizar escritura sem prévio consentimento do Ministério Público.”
iv.-Nestes termos, acordaram que logo após a menor MS… atingir a maioridade, esta assinaria a ratificação do negócio e os Requeridos assinariam a respetiva escritura de cedência dos 15,72 m2 referentes à rampa de acesso. v.-Pelo menos desde 12 de fevereiro de 2016 que os Requerentes sempre se comportaram como proprietários do espaço, onde se encontra construída a rampa de acesso, usando e fruindo do espaço à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse.
vi.-Que na sequência dos factos descritos em 7) o Requerente ficou na expectativa de que, em cumprimento do acordado, os Requeridos assinassem escritura de cedência dos 15,72 m2, a favor do Requerente J…. vii.-Contudo, não só os Requeridos não mostraram qualquer disponibilidade para esse efeito, recusando cumprir a sua parte do acordo, como, quando não se esperava, em 15 de Março do corrente ano, colocaram um gradeamento e uma escadaria de ferro não permitindo o acesso, quer pedonal, que por veículo para as estufas dos Requerentes, conforme documento nº 8 junto.
viii.-Os Requerentes tentaram falar com os Requeridos, tendo todas as tentativas sido goradas. ix.-Na sequência do ato dos Requeridos descrito em 15), a Requerente sociedade tem sofridos diversos prejuízos. x.-Os Requerentes, desde 2016 e até aos factos descritos em 15), sempre utilizaram a parcela de terreno descrita em 7), com o acordo dos requeridos, de boa-fé, sendo que a casa dos Requeridos fica em frente às Estufas e estes nunca se opuseram, ou de qualquer forma manifestaram desconforto ou contrariedade com a construção e o funcionamento das mesmas.
D.–inda que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerasse que não havia uma aquisição por permuta, que há, sempre teria de considerar face à factualidade evidenciada que existiria uma servidão de passagem de veículo, sempre tutelável;
E.–Na verdade, trata-se do convencimento do juiz quanto à prova produzida em momentos distintos mas com a tónica no facto de as testemunhas do Recorrido só saberem que não ouviram falar em aquisição por permuta, não tendo estado nenhuma delas presentes aquando a celebração do negócio;
F.–Acresce ainda que, as testemunhas arroladas pelo Recorrente são aquelas que não só sabem no negócio, porque participaram no mesmo, como aqueles que diariamente desde o ano de 2016 ali transitam em trabalho;
G.–Denote-se que, até as testemunhas arroladas pelo Recorrido confirmaram que: “Pelo menos desde 12 de fevereiro de 2016 os Requerentes sempre se comportaram como proprietários do espaço, onde se encontra construída a rampa de acesso, usando e fruindo do espaço à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse.”
H.–Temos pois que as testemunhas arroladas pelo Requerido, aqui Recorrido, nada trouxeram de novo ao processo, tendo apenas confirmado que o Recorrente, seus trabalhadores e clientes acediam desde 2016, sem qualquer oposição do Recorrido, às estufas, propriedade do Requerente;
I.–Na verdade, o testemunho dirige-se à narração de factos pretéritos, assente na sua percepção (pela testemunha ou por terceiro) de um facto: ora, por comparação, entre os depoimentos de umas e outras testemunhas, resulta que as mesmas nunca poderiam estar em pé de igualdade, porquanto umas só não ouviram dizer pelo Requerido aqui Recorrido, que tinha celebrado um negócio (mas sabem de toda a vida do mesmo? teriam que saber?) e as outras testemunhas que vivenciaram a passagem contínua de pessoas e veículos por uma faixa de terreno construída pelo Requerente.
J.–Há ainda que referir que as fotografias juntas aos presentes autos a fls. … demonstram a existência, ainda que indiciária, de um acordo, qualquer ele que seja, já que a rampa construída apenas serve o Recorrente e foi por este construída;
K.–Porque iria o Recorrente construir e utilizar durante anos uma rampa, construindo estufas (que obrigam a um grande investimento económico) se não existisse um direito tutelável?
L.–Na verdade, as testemunhas não sabiam porque o Recorrido nunca lhes tinha dito o acordo que tinha feito com o Recorrente e sua família, não obstante a verdade é que desde que foi celebrada a escritura de “venda” ao Recorrido, em Fevereiro de 2016 e até à ratificação por parte da menor, que o Recorrido permitiu, sem qualquer oposição que o Recorrido usasse a dita “rampa”, tendo inclusive permitido que a mesma fosse cimentada, sem nada dizer;
M.–O Recorrente entende que tem um direito de propriedade pleno, mas subsidiariamente, irá ser avaliado em sede de acção principal e poderia ter sido atendido nos presentes autos, uma servidão de passagem;
N.–Da análise do Direito verifica-se que, nos termos do art.º 377º do Código de Processo Civil, no âmbito dos procedimentos cautelares especificados, que “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.
O.–Foi feita prova nos presentes autos da posse, esbulho e violência, motivo pelo qual devem ser julgados provados os factos descritos em C (supra) e em consequência revogada a decisão que decidiu revogar a decisão inicialmente decretada, substituindo-se por outra que decida pelo decretamento da providência de restituição provisória de posse requerida“.
Conclui, no sentido de ser dado provimento ao recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida.
10–Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais deduziram as seguintes CONCLUSÕES:
“a)-A sentença ora impugnada não padece de qualquer nulidade, designadamente da prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do Código do Processo Civil, na medida em que contém, de forma exaustiva a respetiva fundamentação da decisão proferida. b)-Sendo certo que a jurisprudência é uniforme ao considerar que apenas há nulidade da sentença quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito, o que não é, de todo, o caso. c)-A impugnação da matéria de facto deduzida pelo Recorrente deverá ser indeferida por não terem sido cumpridos os requisitos legais para o exercício de tal faculdade. d)-O âmbito de um recurso é definido nas conclusões da respetiva alegação, não podendo o Tribunal ad quem apreciar outras matérias ou questões que nelas não se mostrem devidamente suscitadas e, por esse motivo, nas conclusões formuladas no final da sua alegação, quando seja impugna a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente, sob pena de rejeição, (i) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) identificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diferente; (iii) indicar com exatidão as passagens da gravação e identificar e localizar no processo os documentos em que funda a sua impugnação, bem como a decisão (de facto) que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um dos pontos de factos impugnados (vd. n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código do Processo Civil). e)-O Recorrente não cumpre tal ónus no recurso a que ora se responde, pelo que deve a referida impugnação ser rejeitada. f)-Caso assim não se entenda, carece em absoluto de fundamento a impugnação do Recorrente relativamente à decisão sobre a matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal a quo. g)-Acresce que, o Recorrente limita-se a questionar a valoração da prova pelo Digníssimo Tribunal a quo, valoração essa, livremente formada e fundamentada, com aplicação dos princípios da oralidade e da imediação. h)-Falecem, assim, as críticas apontadas à sentença em apreço, que se baseia apenas e só na opinião do Recorrente, não tendo sido demonstrado que, face às regras da experiência comum, deveria ter sido outro o entendimento do Tribunal a quo. i)-É unânime a jurisprudência dos tribunais superiores, ao esclarecer que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum. j)-O Tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, devendo os raciocínios expendidos na sentença merecerem total concordância pois foi observado um processo lógico e racional de apreciação da prova, não se mostrando a decisão proferida sobre a matéria de facto sentença ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. k)-Neste contexto, nenhuma censura merece a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual deverá ser mantida integralmente. l)-Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, muito bem andou o Digníssimo Tribunal a quo ao ter julgado a oposição dos Requeridos procedente, por provada, e, em consequência, revogou a providência decretada nos presentes autos. m)-Acresce dizer que os Requeridos beneficiam da presunção do registo (artigo 7.º do Código do Registo Predial), pois que a referida parcela alegadamente denominada pelos Requerentes como “rampa de acesso” encontra-se integrada em prédio cujo direito de propriedade se encontra registado a favor dos Requeridos. n)-Também é verdade que, ao contrário do que é referido pelo Recorrente, não existe nem nunca existiu qualquer servidão a onerar o prédio dos Requeridos a favor do prédio dos Requerentes.
o)-Ora, não se tendo provado a posse justificadora da pretendida restituição por parte dos Requerentes, nem qualquer outro direito real de gozo que goze da proteção possessória concedida pelo artigo 377.º do Código de Processo Civil, tem, efetivamente, que proceder a oposição deduzida pelos Requeridos e, por via disso, improceder a providência cautelar”.
Concluem, no sentido de improcedência do recurso interposto.
11–O recurso foi admitido por despacho de fls. 130, datado de 27/10/2020, como de apelação, com subida nos próprios autos, de imediato e com efeito devolutivo, consignando-se previamente não terem sido arguidas quaisquer nulidades da sentença, ou a reforma desta.
12–Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
***
II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)- As normas jurídicas violadas; b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina apurar se deve ser decretada a peticionada restituição provisória da posse da identificada parcela de terreno “com sensivelmente 4,5 m de largura e 3,5 m de comprimento (área de 15,75 m2)”, do prédio identificado no artigo 6º da petição inicial, pertencente aos Requeridos, de acordo com o documento junto sob o nº. 5, em virtude de se deverem considerar preenchidos os legalmente previstos requisitos/pressupostos.
Na pretensão recursória apresentada, o Apelante delimita o objecto de apreciação nos seguintes termos:
1.–DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que determina a aferição:
I)–Da indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados
=) Dos factos não provados: 16) a 25) – da pretensão que passem a figurar como provados,
o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA (Conclusões A. a L. e Conclusões contra-alegacionais f) a j); 2.–Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto das alterações infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA ; nesta, conhecer-se-á fundamentalmente acerca das seguintes questões:
I)–da invocada situação possessória do Requerente;
II)–do (não) preenchimento dos pressupostos da presente providência cautelar nominada (Conclusões M. a O. e Conclusões contra-alegacionais M. a O..
Previamente, na ponderação do aduzido nas conclusões contra-alegacionais c) a e), conhecer-se-á acerca da pugnada rejeição da impugnação da matéria de facto, por alegado não cumprimento do estatuído no nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil.
QUESTÃO PRÉVIA: do aparente incumprimento do disposto no artº. 640º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, conducente à rejeição do recurso interposto, no segmento da impugnação da matéria de facto
Na presente apelação, e aludindo à impugnação da matéria de facto, pugnam os Apelados pelo seu indeferimento, “por não terem sido cumpridos os requisitos legais para o exercício de tal faculdade”.
Acrescentam que não podendo o Tribunal de recurso conhecer outras questões para além das suscitadas nas conclusões apresentadas, que delimitam o âmbito do recurso apresentado, no final da sua alegação, quando seja impugnada a matéria de facto, “o recorrente deve obrigatoriamente, sob pena de rejeição, (i) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) identificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diferente; (iii) indicar com exatidão as passagens da gravação e identificar e localizar no processo os documentos em que funda a sua impugnação, bem como a decisão (de facto) que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um dos pontos de factos impugnados (vd. n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código do Processo Civil)”.
Pelo que, não tendo o Recorrente cumprido tal ónus, deve a impugnação apresentada ser rejeitada.
Vejamos.
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que: “ 1– A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2– A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b)- Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d)- Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que: “ 1–Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2.–No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3.– O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º” (sublinhado nosso).
Presentemente, o sistema vigente nas situações em que o recurso de apelação envolve a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica que “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos”.
E, ainda que “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”.
Acrescentando, ainda, dever ainda o Recorrente deixar “expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente” (sublinhado nosso).
Pelo que deve ocorrer rejeição, total ou parcial, do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, sempre que se verifique “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº. 1, al. a))”, servindo igualmente esta especificação “para delimitar o objecto do recurso”.
Bem como deve ainda ocorrer igual rejeição, total ou parcial, na “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
Assim, ainda que se reconheça dever interpretar-se tais exigências legais à luz de um necessário critério de rigor, como consequência ou decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, se “em lugar de uma sincopada e por vezes estéril localização temporal dos segmentos dos depoimentos gravados, o recorrente optar por transcrever esses trechos, ilustrando de forma mais completa e inteligível os motivos das pretendidas modificações da decisão da matéria de facto, deve considerar-se razoavelmente cumprido o ónus de alegação neste campo. A indicação exacta das passagens das gravações não passa necessariamente pela sua localização temporal, sendo a exigência legal compatível com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos” [2].
Acrescenta, todavia, o mesmo Ilustre Conselheiro, importar que “não se exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”. E, citando douto aresto do STJ de que foi Relator [3] aduz ser “necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640º seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material”, aludindo, ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, a uma “tendência consolidada no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640º”.
Lavrou, então, o mesmo Relator em tal aresto sumário, no sentido de dever “considerar-se satisfeito o ónus de alegação previsto no art. 640º, se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou”, sendo que “na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (sublinhado nosso).
O mesmo Acórdão referencia jurisprudência do STJ, no pugnado sentido, donde se realça, por atinente ao caso sub júdice, a seguinte:
- datado de 09/07/2015, onde se refere que “tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos pontos da base instrutória, indicado o depoimento das testemunhas que entendeu mal valorados, fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e o início e o termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição e referido qual o resultado probatório que deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar” (sublinhado nosso) ;
- de 19/02/2015, no qual se referencia que “enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já o mesmo se não se afigura que a especificação dos meios de prova ou a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações” (sublinhado nosso).
Acrescenta, ainda, o Ilustre Autor ser frequentemente constatável “que uma leitura concertada das alegações, e não apenas das respectivas conclusões, permite afirmar o preenchimento dos requisitos mínimos a que deve obedecer uma peça processual para a qual não está legalmente prevista uma estrutura rígida quer na parte da motivação, quer no segmento conclusivo”, pelo que os aspectos “fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido” [4].
Deve ter-se ainda em consideração, realçando-se, o sumariado no douto aresto do STJ de 29/10/2015 [5], no qual se refere que “face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).
2.–Este ónus de indicação exactadas passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso” (sublinhado nosso).
Referencie-se, igualmente, o sumariado em aresto do mesmo Alto Tribunal de 19/02/2015 [6], no sentido de que “a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC”.
Assim, “é em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC”, pelo que “nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”.
Pelo que “tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art.º 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC” (sublinhado nosso).
Por fim, referencie-se, ainda, o sumariado no douto aresto do STJ de 01-10-2015 [7], no sentido de que:
“I–No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II–Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III–Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV–Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”.
Do exposto, resulta, assim, ser legítimo concluir-se, da articulação ou concatenação do prescrito nos artigos 639.º e 640.º, do Cód. de Processo Civil, que o ónus principal a cargo do recorrente exige, pelo menos: –a indicação nas conclusões recursórias, com precisão, dos concretos pontos de facto da sentença que são objecto de impugnação, ou seja, cuja modificação é pretendida pelo recorrente, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto; –a indicação expressa, na motivação ou corpo alegacional, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, ou seja, relativamente a cada questão de facto impugnada.
Ora, compulsadas as conclusões recursórias apresentadas pelo Requerente/Apelante, constata-se que sob a alínea C. encontram-se identificados os pontos factuais que aquele entende deverem ser alterados, ou seja, os pontos que entende deverem ser considerados como provados, em distonia com a sua não prova fixada na sentença apelada.
E, no corpo alegacional consta a enunciação dos elementos probatórios que impõem, na visão do Recorrente, diferenciada decisão acerca da matéria factual ali feita constar, nomeadamente de natureza documental e constantes da gravação efectuada (testemunhais por declaração de parte), com indicação das passagens da gravação e transcrições parciais.
Donde decorre, com nitidez, existir claro cumprimento do enunciado ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto recursório e fundamentação concludente da impugnação, bem como das pretendidas consequências desta, o qual é ainda acompanhado pelo efectivo e concreto cumprimento do ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados.
O que determina, logicamente, juízo de improcedência da requerida rejeição da impugnação da matéria de facto que, assim, se admite e de que se conhecerá infra.
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III–FUNDAMENTAÇÃO
A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como INDICIARIAMENTE PROVADO o seguinte (procedeu-se à correcção de lapsos de redacção):
1)-Encontra-se registado, a favor do requerente JS…, o direito de propriedade incidente sobre dois prédios rústicos, sitos no C... G... e P..., freguesia e concelho de C... L..., um com a área de 1.973 m2, inscrito na matriz sob o artigo 3/5 e 3/6 ambos da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … daquela freguesia e outro com a área de 573 m2, inscrito na matriz sob o artigo 3/8 da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número 2148 daquela freguesia. 2)-Os referidos prédios foram dados de exploração à sociedade VIVEIROSOUSA, Lda., da qual são sócios o requerente J… e sua mãe ME…, tendo sido instalado nos prédios rústicos identificados em 1., sitos no C... …, nº …, na freguesia e concelho de C... L..., 6 (seis) estufas de flores e mais 2 (duas) que se encontram em construção.
3)-As referidas estufas foram construídas no ano de 2016, ano em que a sociedade Requerente iniciou efectivamente a sua actividade comercial.
4)-Aquando da construção das estufas, foi construída pelo Requerente J… uma rampa de acesso automóvel às referidas estufas.
5)-Sendo esse o único acesso de carro à referida produção de produtos frutícolas em vasos. 6)-Por sua vez, os Requeridos têm registado, a seu favor, o direito de propriedade incidente sobre o prédio misto sito no C... G... e P..., freguesia e concelho de C... L..., inscrito a parte rústica na matriz sob os artigos 3/2, 3/5 (parte), 3/6 (parte) e 3/8 (parte) todos da seção … e a parte urbana inscrita na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … (anteriormente …) daquela freguesia). 7)-Por escritura datada de 12 de Fevereiro de 2016, os Requerentes (e a Requerente MS…, menor à data e representada pela sua mãe, ES…) venderam aos Requeridos uma porção de terreno com a área de 53 m2que foram desanexados do prédio rústico, com a área de 1663 m2, localizado ao sítio do C... G... e P..., freguesia e concelho de C... L..., inscrito na matriz sob o artigo 3/5 e 3/6 ambos da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … e uma porção de terreno com a área de 60 m2 que foram desanexados do prédio rústico, com a área de 573 m2, localizado ao sítio do C... G... e P..., freguesia e concelho de C... L..., inscrito na matriz sob o artigo 3/8 da seção …, descrito na Conservatória do Registo Predial de C... L... sob o número … daquela freguesia, e que se destinavam a dar acesso ao caminho das H... e ao aumento do solo e logradouro da parte urbana do prédio misto confinante propriedade dos Requeridos.
8)-Em Dezembro de 2019, a irmã do Requerente, MS… assinou a ratificação da escritura datada de 2 de Fevereiro de 2016. 9)-A Requerente “ViveirosSousa, Lda.” exerce a sua actividade diariamente, não tendo a sua actividade sido suspensa ou prejudicada atendendo à situação pandémica existente na Região. 10)-A Requerente “ViveirosSousa, Lda.” tem clientes fixos a quem vende diariamente os seus produtos de floricultura.
11)-Em primeiro lugar, no início deste ano a Requerente sociedade efetuou um investimento na construção de 2 novas estufas.
12)-A sociedade não consegue terminar a construção das estufas sem o acesso por veículo automóvel. 13)-Em segundo lugar, a sociedade comercializa produtos frutícolas em vasos, que são extremamente pesados e atendendo ao volume de vendas, é impensável colocar os mesmos nas costas dos trabalhadores. 14)-Ademais ainda que se conseguisse contratar mais trabalhadores no sentido de escoar a produção, tornaria os produtos mais caros, sendo difícil a sua comercialização, atendendo à concorrência. 15)-O gradeamento e escadas colocadas pelos Requeridos impedem o normal decurso dos trabalhos e o escoamento da produção de floricultura.
E, foram considerados como INDICIARIAMENTE NÃO PROVADOS, após produção da prova arrolada na oposição, os seguintes factos (corrigem-se os lapsos de redacção):
16)-Por acordo verbal com os Requeridos, o Requerente J… construiu a referida rampa de acesso, ocupando cerca de 4,5m de largura e 3,5m de cumprimento (área de 15,75 m2), do prédio indicado em 6) nos termos descritos no documento junto sob o nº 5 ao requerimento inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 17)-A referida construção ocorreu na sequência de permuta acordada entre os Requeridos, o Requerente J… e seus irmãos e mãe, herdeiros do seu pai JJ…, proprietário inicial dos prédios descritos em 1). 18)-Naquela data os Requeridos e o Requerente, bem como a suas irmãs e a mãe, acordaram não outorgar escritura de permuta “porque uma das herdeiras, MJ… era menor e não poderiam realizar escritura sem prévio consentimento do Ministério Público.” 19)-Nestes termos, acordaram que logo após a menor MS… atingir a maioridade, esta assinaria a ratificação do negócio e os Requeridos assinariam a respectiva escritura de cedência dos 15,72 m2 referentes à rampa de acesso.
20)-Pelo menos desde 12 de Fevereiro de 2016 os Requerentes sempre se comportaram como proprietários do espaço, onde se encontra construída a rampa de acesso, usando e fruindo do espaço à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse. 21)-Que na sequência dos factos descritos em 7) o Requerente ficou na expectativa de que, em cumprimento do acordado, os Requeridos assinassem escritura de cedência dos 15,72 m2, a favor do Requerente J…. 22)-Contudo, não só os Requeridos não mostraram qualquer disponibilidade para esse efeito, recusando cumprir a sua parte do acordo, como, quando não se esperava, em 15 de Março do corrente ano, colocaram um gradeamento e uma escadaria de ferro não permitindo o acesso, quer pedonal, que por veículo para as estufas dos Requerentes, conforme documento nº 8 junto. 23)-Os Requerentes tentaram falar com os Requeridos, tendo todas as tentativas sido goradas. 24)-Na sequência do ato dos Requeridos descrito em 15), a Requerente sociedade tem sofridos diversos prejuízos. 25)-Os Requerentes desde 2016 e até aos factos descritos em 15) sempre utilizaram a parcela de terreno descrita em 7), com o acordo dos requeridos, de boa-fé, sendo que a casa dos Requeridos fica em frente às Estufas e estes nunca se opuseram, ou de qualquer forma manifestaram desconforto ou contrariedade com a construção e o funcionamento das mesmas.
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B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I)–Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto
Após conhecimento da questão prévia supra exposta, a impugnação da matéria de facto tem por objecto os: –os factos não provados sob os nºs. 16) a 25), que haviam sido considerados como provados na primeira decisão proferida, prévia à apresentação da oposição.
Tendo por pressuposto o enquadramento legal supra exposto, constata-se que no caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, o Recorrente/Apelante invoca os concretos meios probatórios a ponderar, nomeadamente os resultantes de prova testemunhal, documental e mesmo do teor das declarações de parte proferidas pelo Requerido marido.
Ora, tendo o Apelante identificado tais meios probatórios, por referência às passagens da gravação fundantes do recurso, que se mostram relevantes, o que se mostra devidamente precisado, efectuando, ainda, transcrições (totais e parciais), não vemos qualquer óbice a tal apreciação.
Pelo que os invocados meios probatórios serão ponderados no que concerne á sua potencialidade probatória, e adequação à matéria de facto considerada não provada, nomeadamente na aferição se os mesmos impunham, por referência aos concretos pontos de facto impugnados, diferenciada decisão.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [8].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” [9](sublinhado nosso).
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DA INDICAÇÃO DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS
- DOS FACTOS NÃO PROVADOS
- Dos factos 16) A 25)
Relembremos a factualidade em equação:
“16)- Por acordo verbal com os Requeridos, o Requerente J… construiu a referida rampa de acesso, ocupando cerca de 4,5m de largura e 3,5m de cumprimento (área de 15,75 m2), do prédio indicado em 6) nos termos descritos no documento junto sob o nº 5 ao requerimento inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 17)- A referida construção ocorreu na sequência de permuta acordada entre os Requeridos, o Requerente J… e seus irmãos e mãe, herdeiros do seu pai JJ…, proprietário inicial dos prédios descritos em 1). 18)- Naquela data os Requeridos e o Requerente, bem como a suas irmãs e a mãe, acordaram não outorgar escritura de permuta “porque uma das herdeiras, MJ… era menor e não poderiam realizar escritura sem prévio consentimento do Ministério Público.”
19)- Nestes termos, acordaram que logo após a menor MS… atingir a maioridade, esta assinaria a ratificação do negócio e os Requeridos assinariam a respectiva escritura de cedência dos 15,72 m2 referentes à rampa de acesso. 20)- Pelo menos desde 12 de Fevereiro de 2016 os Requerentes sempre se comportaram como proprietários do espaço, onde se encontra construída a rampa de acesso, usando e fruindo do espaço à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse. 21)- Que na sequência dos factos descritos em 7) o Requerente ficou na expectativa de que, em cumprimento do acordado, os Requeridos assinassem escritura de cedência dos 15,72 m2, a favor do Requerente J…. 22)- Contudo, não só os Requeridos não mostraram qualquer disponibilidade para esse efeito, recusando cumprir a sua parte do acordo, como, quando não se esperava, em 15 de Março do corrente ano, colocaram um gradeamento e uma escadaria de ferro não permitindo o acesso, quer pedonal, que por veículo para as estufas dos Requerentes, conforme documento nº 8 junto. 23)- Os Requerentes tentaram falar com os Requeridos, tendo todas as tentativas sido goradas. 24)- Na sequência do ato dos Requeridos descrito em 15), a Requerente sociedade tem sofridos diversos prejuízos.
25)- Os Requerentes desde 2016 e até aos factos descritos em 15) sempre utilizaram a parcela de terreno descrita em 7), com o acordo dos requeridos, de boa-fé, sendo que a casa dos Requeridos fica em frente às Estufas e estes nunca se opuseram, ou de qualquer forma manifestaram desconforto ou contrariedade com a construção e o funcionamento das mesmas”.
Referencia o Apelante Requerente que “o Tribunal a quo indeferiu a providência requerida, na sequência de oposição apresentada posteriormente pelos Recorridos, entendendo que não havia posse do Recorrente e como tal não estavam preenchidos os requisitos para o deferimento da providência, tendo a mesma sido revogada”.
Todavia, com base nos depoimentos das testemunhas e prova documental junta, entende não poderem existir “dúvidas quando à posse da dita “rampa de acesso” e, neste sentido, deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada”.
Acrescenta que, ainda que o Tribunal considerasse inexistir uma aquisição por permuta, “sempre teria de considerar face à factualidade evidenciada que existiria uma servidão de passagem de veículo, sempre tutelável”.
Pelo que, “trata-se do convencimento do juiz quanto à prova produzida em momentos distintos mas com a tónica no facto de as testemunhas do Recorrido só saberem que não ouviram falar em aquisição por permuta, não tendo estado nenhuma delas presentes aquando a celebração do negócio”, diferentemente do que sucede com as por si arroladas, que “não só sabem no negócio, porque participaram no mesmo, como aqueles que diariamente desde o ano de 2016 ali transitam em trabalho”, sendo que até as testemunhas arroladas pelo ora Recorrido confirmaram que “pelo menos desde 12 de fevereiro de 2016 os Requerentes sempre se comportaram como proprietários do espaço, onde se encontra construída a rampa de acesso, usando e fruindo do espaço à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse”.
Assim, por comparação entre os depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes, “resulta que as mesmas nunca poderiam estar em pé de igualdade, porquanto umas só não ouviram dizer pelo Requerido aqui Recorrido, que tinha celebrado um negócio (mas sabem de toda a vida do mesmo? teriam que saber?) e as outras testemunhas que vivenciaram a passagem contínua de pessoas e veículos por uma faixa de terreno construída pelo Requerente”.
Aduz, ainda, que “as fotografias juntas aos presentes autos a fls. … demonstram a existência, ainda que indiciária, de um acordo, qualquer ele que seja, já que a rampa construída apenas serve o Recorrente e foi por este construída”, sendo certo que “desde que foi celebrada a escritura de “venda” ao Recorrido, em Fevereiro de 2016 e até à ratificação por parte da menor, que o Recorrido permitiu, sem qualquer oposição que o Recorrido [é Recorrente, sendo evidente o lapso]usasse a dita “rampa”, tendo inclusive permitido que a mesma fosse cimentada, sem nada dizer”.
Entende, assim, que “tem um direito de propriedade pleno, mas subsidiariamente, irá ser avaliado em sede de acção principal e poderia ter sido atendido nos presentes autos, uma servidão de passagem”.
Em sede de resposta às alegações, defendem os Recorridos carecer em absoluto a impugnação de qualquer fundamento, tendo a valoração da prova sido efectuada com aplicação dos princípios da oralidade e imediação.
Acrescentam não ter sido demonstrado que, “face às regras da experiência comum, deveria ter sido outro o entendimento do Tribunal a quo”, sendo unânime a “jurisprudência dos tribunais superiores, ao esclarecer que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Pelo que, conclui, o “Tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, devendo os raciocínios expendidos na sentença merecerem total concordância pois foi observado um processo lógico e racional de apreciação da prova, não se mostrando a decisão proferida sobre a matéria de facto sentença ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum”.
Na motivação/fundamentação da matéria factual em equação, o Tribunal a quo exarou nos seguintes termos:
“A factualidade ora apurada decorreu da análise da documentação constante dos autos, por si e em conjugação com a prova oferecida pelos Requeridos. Vejamos.
Em audiência foram ouvidos RC…, JA…, JF…, tendo prestado declarações de parte JC…. Assim, RC…, agricultor, conhece os terrenos em causa, prestou um depoimento simples e espontâneo, merecedor de credibilidade. Esclareceu então que a “rampa de acesso” era uma fazenda integrada em prédio dos Requeridos, o qual é limítrofe com o dos Requerentes. Esclarece que em tempos foi-lhe transmitido pelo Requerido marido que ia permitir que os Requerentes passassem pelo seu prédio a fim de fazer passar uma máquina para trabalhar no prédio dos mesmos, o que sucedeu pelo ano de 2016, nunca ouviu a versão da “troca de terrenos” entre requeridos e Requerentes. Mais teve conhecimento de que os Requeridos, por não concordarem com o facto dos Requerentes estarem a utilizar a parcela em causa para além do que lhes tinha sido permitido, sem nada falarem com aqueles, procederam à instalação de um portão na linha divisória dos prédios. Esclareceu que os clientes das estufas propriedade dos Requerentes estavam, também, a utilizar a referida rampa de acesso levando os automóveis até ao terreno dos Requerentes. JA…, irmão da Requerida e cunhado do Requerido, não obstante tal facto prestou um depoimento isento e merecedor de credibilidade. Referiu que o Requerido nunca autorizou que a parcela de terreno em causa (rampa de acesso) fosse cimentada, sendo que nunca ouviu o cunhado dizer que não queria que o Requerente J… passasse pela referida rampa. JF…, filho dos requeridos, não obstante tal facto prestou um depoimento simples, espontâneo e com conhecimento direto dos factos, assim, esclareceu que a parcela de terreno em causa está em terreno do pai, o qual tem por limítrofe, numa das suas partes, o terreno dos Requerentes. Lembra-se que o Requerente J… em tempos pediu ao Requerido seu pai autorização para passar pelo terreno deste, a fim de levar uma máquina para o seu terreno para “cavar e plantar cebolinho”, o que o pai permitiu. Dessa forma, o tempo foi passando e o Requerente nunca mais se dirigiu aos Requeridos com o assunto “rampa de acesso”, sendo que, utilizava a rampa já como meio de acesso ao seu terreno. Os requeridos estavam desagradados com a situação mas esperavam um contacto dos Requerentes, o que não sucedeu. Assim, um dia em que a testemunha saiu com o pai pela manhã para trabalhar em terrenos seus, ao regressar, ao fim do dia, verificou que todo o caminho, inclusive a referida parcela de terreno estava cimentada, o que, manifestamente não tinha sido autorizado. A certa altura, o Requerido enviou uma carta ao Requerente a solicitar a devolução da parcela de terreno em causa, tendo a testemunha referido que o Requerente J…, nessa altura, ofereceu-lhe € 2.000,00 pela venda da mesma, o que, não foi aceite. Por fim, JC…, prestou declarações de parte, as quais foram, espontâneas e merecedoras de credibilidade. Esclareceu que nunca “trocou nada” com os Requerentes nem fez qualquer acordo verbal para o efeito, limitou-se a permitir que os Requerentes utilizassem parte do seu prédio para poderem chegar com uma máquina ao prédio dos mesmos, a fim de proceder ao plantio que disseram que iriam fazer. Assim que começaram a utilizar a referida rampa constatou que os Requerentes estavam a dar um uso diverso daquele para o qual tinham sido autorizados, levando carros pessoais e de clientes para o terreno deles por meio do acesso permitido, o que não agradou aos Requeridos, sendo que, “ficaram à espera que os Requerentes lhes fossem dizer qualquer coisa”, o que não sucedeu, tendo, inclusivamente cimentado a rampa em causa, o que, no entender do Requerido “foi a gota de água”, tendo escrito uma carta solicitar a devolução da parcela de terreno em causa, tendo o Requerente J… efetuado oferta de compra o que não foi aceite. Como o terreno não era devolvido resolveu instalar o portão/vedação em causa no limite dos dois prédios. Ora, os depoimentos conjugados, entre si, das testemunhas, com especial relevo para o do filho dos requeridos, e com as declarações de parte prestadas, permitiu causar ao tribunal a dúvida quanto à ocorrência do facto nuclear em causa, ou seja, quanto à existência do alegado “acordo verbal de permuta quanto à parcela do terreno em causa”, não sendo assim afastada a presunção do registo do qual beneficiam os Requeridos, uma vez que a parcela em causa faz parte integrante do prédio cujo direito de propriedade se encontra registado a favor dos Requeridos (cfr. art. 7.º, do Cód.Reg.Predial) pelo que, a única solução possível é o mesmo ser decidido contra quem o aproveita, ou seja, os Requerentes (cfr. art. 342.º, e 346.º, ambos do Código Civil), motivo pelo qual os factos 16) a 25), anteriormente dados como (indiciariamente) provados foram, agora, dados como (indiciariamente) não provados”.
Decidindo:
Procedeu-se á audição da totalidade da prova produzida, nos dois diferenciados momentos da audiência, cumprindo, desde já, referenciar que as transcrições juntas, quer em sede de alegações, quer em sede de resposta, evidenciam, salvo irrelevantes lapsos (de conteúdo e de localização da temporalidade da gravação), global fiabilidade. Acresce ser integral a transcrição dos depoimentos prestados pelas testemunhas MJ… (irmã do Requerente), AF… (pedreiro), JAm… (agricultor) e AG… (encarregado geral de obras da Câmara Municipal de C... L...).
Por outro lado, consigne-se que a temporalidade dos depoimentos feita constar na acta de 07/08/2020 não é totalmente idónea, pois, o depoimento de JA… (pintor de automóveis e irmão da Requerida) tem a duração de 14.10 minutos e não 11.10 minutos, enquanto que o de JF… (agricultor, filho dos Requeridos) prolonga-se muito para além dos consignados 14.11 minutos.
Logicamente que procuraremos não repetir o teor das transcrições, pelo que, para além destas, urge referenciar, ainda, o teor dos seguintes trechos dos depoimentos:
- de FC…, irmã do Requerente, a qual mencionou que a parte cuja passagem foi obstruída é de uma ramificação do acordo inicial efectuado entre os proprietários dos prédios no local a quando da abertura da estrada, e que aquela ramificação foi desde logo falada.
Acrescentou acerca da impossibilidade de ser efectuada a aludida permuta, pelo facto da irmã M… ser menor, e que a alegada parte da parcela da ramificação seria para integrar um local de passagem para todos,e não propriamente para integrar o prédio do Requerente irmão
- de RC…, agricultor e primo em 2º grau dos Requeridos.
Mencionou que o Requerido afirmou-lhe que nunca cedeu o terreno, de forma a que ficasse uma passagem aberta, mas que apenas o cedeu para que o Requerente ali acedesse com uma máquina, o que terá sucedido há 3 ou 4 anos. Tal autorização tinha assim natureza provisória, pois era só para desenrascar.
Acrescentou que o Requerente J… tem outras passagens para o terreno a pé, sendo que de carro aquela era a única, tendo-lhe aquele dito não saber o motivo pelo qual o Requerido havia colocado a vedação.
Precisou que a rampa ou parcela de terreno de que se está a falar nada tem a ver com a rampa grande, pois aquela era de terra batida, enquanto que o acesso principal nunca o foi, fazendo parte da abertura da estrada ou acesso efectuado há muitos anos ;
- de JA…, pintor de automóveis e irmão da Requerida, o qual aludiu á passagem de terra batida e á existência de uma autorização de passagem até á construção das estufas, pois, que saiba, nunca houve qualquer cedência definitiva.
Aludiu à existência de outros acessos a pé ao terreno do Requerente e que os produtos das estufas continuaram a ser escoados pela vereda ;
- de JF…, agricultor e filho dos Requeridos, que referiu que o Requerente pretendia passar com uma máquina para o seu terreno para alegadamente plantar cebolinho, tendo pedido ao pai, que facilitou e autorizou, pois o terreno pertence-lhe.
Constataram que a passagem foi então utilizada para outras coisas (exemplificativamente, passagem de carros com terra e transporte de materiais para a construção das estufas), mas que nunca pensaram que o mesmo ia fazer caminho por ali.
Acrescentou que o pai não agiu desde logo, pois esperou que o Requerente viesse falar consigo, mas que este nunca disse nada, e que após a construção de duas estufas foi colocado cimento na rampa, o que constataram quando chegaram a casa no final do dia.
Mais tarde o pai falou então com o J…, sendo que não falavam muito um com o outro, pois já existiam “chatices anteriores”, que lhe enviou uma carta antes da colocação da vedação e que esta foi colocada, bem como uma escadaria para o pai aceder ao seu terreno.
Inquirido acerca da escritura pública de compra e venda, através da qual o pai comprou duas parcelas de terreno junto à casa, mencionou, incisivamente, que tal nada teve a ver com a parcela ora em questão, sendo coisas distintas, pois não houve qualquer permuta, tendo o pai pago aquelas parcelas ;
- as declarações de parte do Requerido JC…, o qual negou a existência de qualquer acordo de permuta com a família do Requerente, que o pedaço de rampa era em terra batida, que foi aguentando a situação e que o Requerente J… nunca chegou ao pé de si para tentar chegar a acordo relativamente ao terreno que estava a ocupar, o que para si se tornou insustentável, mencionando que o mesmo abusou da autorização que lhe havia dado.
Confirmou ter adquirido dois pedaços de terreno, junto á sua casa, quer á família do ora Requerente quer a um outro senhor, mas que tal nada teve a ver com a rampa ora em questão, tendo pago por tal aquisição.
Da ponderação da totalidade da prova produzida, podemos enunciar, basicamente, terem-se-nos suscitado as seguintes convicções e dúvidas:
- nas declarações prestadas, algumas das testemunhas aludem a um acordo existente entre a família do Requerente e os Requeridos, relativamente à cedência de terrenos para a abertura de uma estrada ou rampa grande, situando a aludida permuta ao tempo de tal acordo e, por vezes, confundindo os dois planos claramente distintos, ocorrido em temporalidades muito distintas ;
- com efeito, aquele acordo de cedências entre os proprietários ali confinantes terá mais de 20 anos (depoimento de AG…), ainda efectuado em vida do pai do Requerente, sendo que este acordo nada tem a ver com o espaço de terreno ora equacionado ;
- todavia, algumas testemunhas (exemplo, a irmã do Requerente, FB…) referenciam que aquando da obtenção daquele acordo já havia sido igualmente acordado fazerem uma ramificação dessa rampa (ou estrada), que já era uma passagem pedonal, o que teria sido apenas concretizado em 2016, altura da legalização do terreno que os Requeridos adquiriram (aos herdeiros do pai do Requerente e a um terceiro), falando que na sequência daquela cedência do terreno junto às casas, os Requeridos também cediam o acesso da rampa (ora em questão) ;
- porém, não resulta minimamente claro que esta aludida cedência do espaço da rampa, ora questionada, tenha surgido ainda no âmbito daquele acordo inicial para a construção da rampa maior (ou estrada), ocorrido muitos anos antes, ou da aludida cedência da tal parcela de terreno junto à casa dos Requeridos, adquirida pela escritura pública de 02/02/2016 ;
- aliás, a ter sido consequência daquele acordo inicial, não se entende o motivo pelo qual a sua concretização ou efectivação, apenas ocorrida em 2016, tenha demorado tantos anos ;
- e, por outro lado, a ser fruto de um acordo posterior, a alegadamente envolver a cedência de uma parcela aos Requeridos, junto do prédio destes, que era pertença dos pais do Requerente, formalizada na escritura pública celebrada, não se percebe o motivo pelo qual a formalização do aludido acordo não foi efectivada através desta, mediante outorga de permuta ;
- e, nem se diga, conforme é reiteradamente referido, que a menoridade da filha M… (irmã do Requerente) a tal obviava, atento o prescrito na alínea a), do nº. 1, do artº. 1889º, do Cód. Civil, pois igualmente obviava à outorga da escritura de compra e venda celebrada, sendo que esta foi efectivamente celebrada, sem que se conheça prévia autorização do Tribunal ;
- ademais, em termos da afectação dos interesses da menor, o acto de venda sempre parece, pelo menos em teoria, capaz de afectá-los de forma mais incisiva e concludente, do que a outorga de permuta ;
- com efeito, nesta, sempre ficar-lhe-ia a pertencer uma parte ideal do bem recebido em permuta, enquanto que na venda a quantia recebida, a título de pecunia, sempre seria muito mais facilmente dissipável ;
- por outro lado, tendo a escritura de compra e venda, por subjacente, a alegada permuta, e ainda que se compreenda a estipulação de um preço, o que é certo é que ninguém referenciou que tal preço não tenha sido pago ou exigido. Aliás, aquando da inquirição da testemunha JF…, filho dos Requeridos, foi este mesmo confrontado, pela Ilustre Mandatária dos Requerentes, com a comparação entre o preço pago naquela escritura com o alegado valor não aceite pelo Requerido, e alegadamente proposto pelo Requerente, para a obtenção de entendimento relativamente à parcela ora em controvérsia ;
- donde se entende a não indiciação da existência de qualquer acordo de permuta, nos termos invocados pelos Requerentes, capaz de questionar, decisivamente, o teor do alegado em sede de requerimento inicial, e confirmado por parte da prova testemunhal arrolada pelos mesmos Requerentes ;
- nem a indiciação de qualquer acordo verbal, entre o Requerente J… e os Requeridos, que vá para além de uma mera autorização de passagem naquele espaço de terreno para acesso ao prédio do Requerente, com uma determinada finalidade ou circunscrita temporalidade ;
- por fim, também não logramos descortinar que a prova documental mencionada, nomeadamente a resultante dos registos fotográficos, inculque diferenciada leitura factual, pois não se discute que houve utilização da faixa de terreno e mesmo posterior cimentar da mesma ;
- e também não nos impressiona, sobremaneira, que os Requeridos não tenham desde logo agido relativamente aos actos considerados como abusivos do Requerente, antes esperando uma satisfação deste, pois tal utilização havia-se iniciado mediante prévia autorização, entendendo-se a situação de expectativa em que ficaram.
Pelo exposto, reapreciados os meios probatórios invocados, não nos é possível concluir, com segurança e sustentáculo firme, ter existido erro, por parte do Tribunal a quo, na apreciação da matéria factual impugnada, sendo a fixação desta perfeitamente coerente e coadunável com o princípio da livre apreciação das provas.
O que inviabiliza, consequentemente, a introdução das reivindicadas alterações, assim se julgando improcedente a impugnação da matéria de facto, o que determina a manutenção, na elencagem não provada, dos factos identificados sob os nºs. 16) a 25). Inviabilizando, neste segmento, a pretensão recursória apresentada.
II)–Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO da causa
A sentença apelada começou por enunciar estar em causa a restituição provisória da posse da parcela de terreno que consubstancia uma rampa de acesso ao prédio dos Requerentes.
Passou a elencar os três requisitos para a procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse, nomeadamente:
a)- a posse ;
b)- o esbulho ;
c)- a violência.
Concluiu, no sentido dos Requeridos beneficiarem da presunção de propriedade decorrente do registo (artº. 7º, do Cód. de Registo Predial), pois a referenciada parcela denominada “rampa de acesso” encontra-se integrada em prédio cujo direito de propriedade se encontra registado a favor dos Requeridos.
E, acrescenta, não terem os Requerentes a posse do direito de propriedade, ou de outro direito real, que mereça a tutela do direito, determinando, assim, a revogação da providência anteriormente decretada, ou seja, concluindo por juízo de improcedência da pretensão dos Requerentes.
Invoca o Apelante entender no sentido de ter um direito de propriedade pleno, mas que subsidiariamente irá ser avaliado em sede de acção principal, e poderia ter sido atendido nos presentes autos, a existência de uma servidão de passagem.
Acrescenta ter sido efectuada prova dos três requisitos enunciados – posse, esbulho e violência-, devendo, assim, ser revogada a decisão apelada, substituindo-a por outra que decida pelo decretamento da providência requerida.
Na resposta apresentada, os Apelados negam existir, ou que tenha sequer existido, qualquer servidão a onerar o prédio dos Requeridos e a favor do prédio do Requerente.
Pelo que, “não se tendo provado a posse justificadora da pretendida restituição por parte dos Requerentes, nem qualquer outro direito real de gozo que goze da proteção possessória concedida pelo artigo 377.º do Código de Processo Civil, tem, efetivamente, que proceder a oposição deduzida pelos Requeridos e, por via disso, improceder a providência cautelar”.
Analisemos.
- da providência cautelar de restituição provisória de posse
Prevendo acerca de um dos procedimentos cautelares especificados ou nominados, prescreve o artº. 377º, do Cód. de Processo Civil, que “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.
Acrescenta o normativo seguinte – 378º -, acerca dos termos em que a restituição é ordenada, que “se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.
Por fim, o artº. 379º, nº. 1, do mesmo diploma, salvaguardado a defesa da posse mediante providência não especificada, estatui que “ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 377.º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum”.
A correspondência substantiva dos presentes normativos, no âmbito da tutela possessória, encontra-se plasmada nos artigos 1277º a 1279º, do Cód. Civil, dispondo o primeiro, acerca da acção directa e defesa judicial (defesa da posse), que “o possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336.º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse”.
Acrescenta o nº. 1 do artº. 1278º, estatuindo acerca da manutenção e restituição da posse, que “no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”, aduzindo o normativo seguinte, acerca do esbulho violento, que “sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.
A restituição provisória constitui, assim, “um meio de defesa da posse (….), ao serviço do possuidor, contra actos de esbulho violentos”, de forma a garantir-se a “reconstituição da situação possessória anterior (…), de modo célere e eficaz”, e facultar-se ao lesado “a devolução da posse” e impedir-se “a persistência da situação danosa e o agravamento dos danos”.
Desta forma, os possuidores, “ao menos enquanto não forem convencidos da existência de uma posição jurídica que se sobreponha ao exercício dos seus poderes, são merecedores de tutela jurisdicional pelo simples facto de publicamente se apresentarem como titulares dos bens”.
Configura-se, assim, como uma medida cautelar “através da qual os tribunais podem revelar a sua função social na defesa de interesses juridicamente protegidos, o que ressalta com mais evidência quando o esbulho incide sobre prédio destinado a habitação ou ao exercício de uma actividade económica, casos em que a actuação ilícita do esbulhador é susceptível de causar graves prejuízos a exigir a reposição urgente da anterior situação”.
E, apesar de intimamente ligado à tutela possessória, nada impede que o presente procedimento cautelar seja aproveitado “como instrumento adequado a tutelar, a final, o direito de propriedade ou outro direito real posto em causa com a conduta do requerido” [10].
Ora, um dos pressupostos da admissibilidade de recurso ao presente procedimento cautelar, com natureza antecipatória, pois assegura a satisfação provisória do possuidor, é a qualidade de possuidor do requerente. O que nos conduz, ainda que abreviadamente, á análise do instituto da posse.
- do conceito e natureza do instituto da posse
Conceptualizando a sua noção, prescreve o art.º 1251º do Cód. Civil, que “posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
Afigurando-se como aparência jurídica, a posse é configurada como “um direito provisório, enquanto que a propriedade e outros direitos reais são definitivos. A posse não constitui um ónus sobre a coisa. Os direitos do possuidor aproximam-se do proprietário, mas são, ao mesmo tempo menos fortes do que os deste. Perante o proprietário é sempre uma posição debilitada” [11].
Esta realidade é, porém, susceptível de tutela jurídica, começando por aparecer “como uma realidade jurídica (ou com consequências jurídicas) primária, mal conformada, envolvida num ambiente caótico, mas destinada a matéria única, pródiga e fecunda de todo o direito patrimonial”, justificando-se a sua protecção “porque a lei quer combater a defesa privada, a fraude, a violência, etc.; intervindo contra o esbulhador ou perturbador em nome da paz social, que, por ser interesse colectivo, é o que a lei directamente protege”, configurando-se assim a tutela possessória como a “protecção da paz em geral, oposição á justiça privada, que uma sociedade medianamente organizada não pode tolerar” [12].
O processo judiciário de defesa da posse destina-se, assim, á protecção do “estado de facto que constitui a essência da posse contra qualquer acto que signifique uma ameaça, ou uma violação à existência da relação material, proibindo as ameaças à sua existência, a perturbação do seu exercício e impondo a restituição do objecto da posse sempre que o possuidor dele tenha sido esbulhado”, mantendo, deste modo, o processo possessório “a relação material, o estado de facto, enquanto não se demonstrar, embora no próprio processo (….) que ele não corresponde a uma relação jurídica” [13].
De acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, no direito português foi consagrada a concepção subjectiva da posse [14]. Desta forma, será necessário que se concretizem no caso concreto dois elementos, um material designado por corpus e outro psicológico com o nome de animus.
O corpus traduz-se na realização de actos materiais (detenção, fruição, ou ambos conjuntamente) praticados sobre a coisa com o exercício de certos poderes sobre a mesma [15], ou no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício [16].
Por sua vez, o animus traduz na intenção por parte do sujeito interessado em se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados, ou na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto [17]. Esses actos materiais que o sujeito desenvolve correspondem ao exercício dos poderes que compõem o conteúdo de um direito real. O interessado actua com a vontade de criar a convicção nas outras pessoas que é o titular do direito a que corresponde a actividade que realiza. A aquisição de um direito real por intermédio do instituto da usucapião tem, assim, por base dois elementos essenciais, que consistem no exercício duma actividade possessória por parte do sujeito interessado e a necessidade de haver decorrido um determinado período de tempo em que se efective tal posse [18].
Relativamente aos caracteres da posse, encontram-se os mesmos elencados nos artigos 1258º a 1262º do Cód. Civil, prescrevendo o primeiro dos normativos que aquela “pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta”, sendo que os demais normativos definem e conceptualizam tais espécies.
E, por posse titulada, deve entender-se a “fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico” – cf., art.º 1259º do Cód. Civil. Sendo que, por modo legítimo de adquirir não pretende afirmar-se qualquer juízo de validade ou procedência, mas antes um juízo de existência e susceptibilidade de, em abstracto, atribuir ou constituir um direito, sendo que, os vícios de forma determinam, inquestionavelmente, a falta de título da posse.
- Da defesa da posse e do ónus probatório na tutela possessória
Através da tutela e da acção possessória pretende-se a “manutenção do estado de facto e, como este é afinal a base de todos os efeitos da posse, é frequente dizer-se que a acção possessória, em rigor um elemento da relação jurídica possessória, é o efeito principal da posse”. E, acrescenta-se, ser “claro que uma das razões porque o estado de facto é tutelado por lei, é porque esta parte do princípio que ele corresponde a um estado de direito ; mas como a defesa possessória é independente da existência da relação jurídica que a posse traduz, sucede haver quem defenda um estado de facto que sabe não traduzir um estado de direito” [19].
A acção possessória revela-se ou reveste-se de várias modalidades, consoante a natureza do acto violador da posse, urgindo in casu ter em consideração a acção de restituição da posse, a qual é definida como aquela que é “concedida ao possuidor que foi esbulhado do uso da coisa possuída, a fim de lhe ser restituída e indemnizado dos prejuízos”, ocorrendo a situação de esbulho quando “o possuidor era privado inteiramente da coisa, ou parte dela, de sorte a não poder continuar a exercer em toda a sua amplitude os seus direitos de possuidor” [20]. Através desta acção, consagrada no citado art.º. 1277º, o possuidor “goza de um direito cujo conteúdo consiste em impor respeito à sua situação, quando se veja inquietado, ou em definitivo, prejudicado de algum modo, inclusive pelo esbulho”, assim se legitimando o direito de accionar, sendo certo que o esbulho, para ser violento, não tem que ser exercido sobre pessoas, podendo-o ser sobre as coisas [21] .
No âmbito do ónus probatório da acção de restituição possessória, é essencial que a parte autora afirme, e prove, a sua situação possessória, incumbindo ao demandado impugná-la, procurando demonstrar “a inexistência de relação entre a parte autora e o objecto que diz possuído, ou também tentando destruir a afirmação de que essa posse vem sendo gozada de um modo independente. Procurará o demandado demonstrar que a relação possessória se processa na clandestinidade, provém de mera tolerância do proprietário ou nasceu da violência”.
Como segundo elemento da afirmada pretensão, surge a necessidade de alegação, e prova, da existência de esbulho, o qual pode ser total ou parcial relativamente ao objecto esbulhado, sendo evidente que “a privação do exercício da detenção ou fruição da coisa só constitui esbulho se for ilícita” [22].
Assim, efectuada tal prova, independentemente da intencionalidade ou requisito psicológico presente na conduta do esbulhador, o julgador ordenará que o demandante seja reposto na posse, decisão esta que “supõe sempre um momento declarativo: o reconhecimento da posse. O Juiz, porém, ao expressar tal declaração e ao reconhecer que mediaram actos de perturbação ou esbulho, sanciona a posse do Autor como direito interdictal face aos restantes sujeitos processuais. Na acção de manutenção impõe o Juiz ao demandado que se abstenha dos actos perturbadores, ou, no caso do esbulho, que o Autor volte a entrar na sua posse” [23][24].
Deste modo, na tutela possessória (e com maior ênfase na acção principal possessória) o possuidor deve provar a sua posse reportada aos seguintes elementos:
“a)- momento inicial ou facto de aquisição ;
b)- qualidade que caracteriza a sua origem ;
c)- continuação dela por todo o tempo prefixado na lei ;
d)- qualidade que ela reveste durante o seu curso.
Esta prova, segundo as regras gerais, incumbe ao autor ; mas a tarefa, que poderia ser difícil, é-lhe largamente facilitada, por uma série de presunções legais, derivadas duma prática multisecular, e que, embora juris tantum, importam a inversão do ónus da prova, cumprindo ao réu a prova dos factos em contrário”. Como exemplo, aduz a situação da presunção de não-precaridade, donde decorre presumir-se que o possuidor possui em nome próprio – cf., o nº. 2 do art.º. 1252º [25].
Todavia, a tutela possessória “assenta num juízo provisório no que concerne à aferição do direito, condicionado à não sobreposição de uma situação jurídica invocada pela parte contrária correspondente á titularidade de um direito real de gozo ou a melhor posse”.
Pelo que, se a provisoriedade já é uma característica ínsita aos procedimentos cautelares, no que concerne à restituição provisória da posse “essa característica surge redobrada: por um lado, o seu deferimento está subordinado à prova sumária da posse ; por outro, a medida fica condicionada a que não seja suscitada, com sucesso, a questão da titularidade do direito real que faça decair a simples protecção do direito aparente.
Deste modo, devido à sua própria natureza, a medida apenas persiste se e enquanto a situação de posse prevalecer no confronto com a posição jurídica do requerido. Deixará de subsistir se o requerente decair na questão da qualidade de verdadeiro possuidor ou quando, apesar dessa qualificação, for dada prevalência ao requerido”.
Acresce que o paradigma da tutela possessória relaciona-se, conforme definição do instituto, “com o exercício de poderes de facto sobre coisas corpóreas susceptíveis de constituírem objecto de direitos reais de gozo”.
Todavia, “ainda que falte a titularidade de qualquer desses direitos reais, a simples prova dos poderes de facto que normalmente correspondem à sua exteriorização, é suficiente para motivar a procedência da pretensão cautelar, sem embargo do disposto no art. 1253º do C.C.” (sublinhado nosso)[26].
- Do esbulho
Já supra enunciámos que o segundo pressuposto ou requisito cujo preenchimento é necessário para a procedência do presente procedimento cautelar, traduz-se no esbulho, o qual, sendo difícil de delimitar relativamente aos actos de mera turbação, “mostra-se imprescindível para definir o âmbito da intervenção das acções de manutenção relativamente às acções de restituição de posse de que a restituição provisória é instrumental”.
A delimitação opera no sentido de que “o esbulho abarca os actos que impliquem a perda da posse, ao passo que os actos de turbação, embora situados para além das simples ameaças dirigidas ao possuidor, não assumem proporções que impeçam a sua conservação” [27].
Na definição de Manuel Rodrigues [28] configura-se uma situação de esbulho “sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar”.
- Da violência
O último dos pressupostos do presente procedimento cautelar exige ou demanda a existência de comportamentos do requerido que traduzam actos de violência.
Doutrinária e jurisprudencialmente têm existido divergências no preenchimento do presente conceito.
Assim, enquanto parte entende que “a violência relevante deve ser necessariamente exercida contra a pessoa do possuidor”, outros entendem que “basta a violência exercida sobre a coisa, designadamente quando esteja ligada à pessoa do esbulhado ou quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral”.
Acrescenta o mesmo Autor, após identificar doutrina e jurisprudência acolhedora de ambas as teses, que “sendo o esbulho uma das formas através das quais se pode adquirir a posse, a sua qualificação como violento deve ser o resultado da aplicação do art. 1261º do CC, com o que somos transportados, por expressa vontade do legislador, para o disposto no art. 255.º do CC, norma que integra na actuação violenta tanto aquela que se dirige directamente à pessoa do declaratário (leia-se, do possuidor), como a que é feita através do ataque aos seus bens” [29][30].
-do (não) preenchimento dos pressupostos da presente providência cautelar nominada
Parece incontornável e incontroverso que é sobre os Requerentes da presente providência cautelar que incidia o ónus probatório dos factos constitutivos ou pressupostos, nomeadamente a aludida posse, esbulho e violência.
Todavia, urge reconhecer, no que concerne ao requisito da posse, que nem sempre é necessária a prova, em simultâneo, do corpus (elemento objectivo) e do animus (elemento subjectivo), pois o quadro legal prevê presunções (exemplificativamente, o nº. 2, do artº. 1252º e o nº. 2, do artº. 1257º, ambos do Cód. Civil), que implicam fazer incumbir sobre a contraparte o ónus da sua elisão. O que pode permitir, em certas situações em que ocorre apenas o exercício de poderes de facto sobre a coisa, e á míngua de outros elementos factuais, concluir-se pela configuração de uma situação de admissibilidade da tutela possessória.
Ora, a oposição apresentada pelos Requeridos, nos termos da alínea b), do nº. 1, do artº. 372º, do Cód. de Processo Civil, abarcou a impugnação da qualidade de possuidores dos Requerentes, o que logrou obter êxito, nomeadamente através da invocação do direito de propriedade sobre a referenciada parcela de terreno, oponível aos Requerentes, nos termos do 2º segmento do nº. 1, do transcrito artº. 1278º, do Cód. Civil [31].
Pelo que, fazendo a parcela de terreno, incontroversamente, parte do prédio dos Requeridos, pelo funcionamento da presunção registral, e á míngua de outros elementos factuais, pois não provou que a ocupação tenha ocorrido em consequência de uma aludida permuta de propriedades, não poderia proceder a tutela possessória invocada pelos Requerentes.
Acresce que a situação documentada e apurada, pareceria antes indiciar, ainda que sem respaldo factual, que sobre a identificada parcela de terreno os Requerentes apenas se pudessem identificar como meros detentores, nos termos definidos na alínea b), do artº. 1253º, do Cód. Civil, e não como verdadeiros possuidores. E, como tal, insusceptível da provisória tutela reivindicada.
Por fim, sempre se dirá, ainda, que in casu não se colocaria qualquer questão de reconhecimento de alegada servidão de passagem.
Efectivamente, não só a mesma não foi alegada pelos Requerentes, que não fundaram a tutela possessória na decorrência de qualquer direito real de servidão (que só ora alvitram), como, na presente sede, não tendo tal questão sido sequer apreciada e decidida na sentença recorrida, e não se estando perante matéria de oficioso conhecimento, nunca poderia ser objecto da presente apelação. Destinada, obviamente, á sindicância de decisões onde foram concretamente apreciadas determinadas questões, e não mecanismo ou meio de apreciação de questões novas.
O que determina, sem ulteriores delongas, juízo de improcedência das conclusões recursórias apresentadas, conducente à confirmação da decisão de total improcedência do intentado procedimento cautelar nominado, decorrente da parcial procedência da oposição apresentada.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo o Recorrente/Apelante/Requerente, é este responsável pelo pagamento das custas da presente apelação.
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IV.–DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a)- Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Recorrente/Requerente JD…, em que figuram como Recorridos/Apelados/Requeridos JC… e MM… ;
b)- Em consequência, decide-se:
I)- Confirmar a decisão (sentença) de total improcedência do intentado procedimento cautelar nominado, decorrente da parcial procedência da oposição apresentada;
Custas da presente apelação a cargo do Recorrente/Apelante/Requerente – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
Lisboa, 03 de Dezembro de 2020 Arlindo Crua António Moreira Carlos Gabriel Castelo Branco
_______________________________________________________ [1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 155, 156, 158 e 159. [3]Acórdão datado de 28/04/2016, disponível in www.dgsi.pt . [4]Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 164 e 165. [5]Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 233/09.4TBVNG.G1.S1, in www.dgsi.pt . [6]Relator: Tomé Gomes, Processo nº. 299/05.6TBMGD.P2.S1, in www.dgsi.pt . [7]Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt . [8]Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 285. [9]Idem, pág. 285 a 287. [10]António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimentos Cautelares Especificados, IV Volume, Almedina, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 24 e 25. [11]Guerra da Mota, Manual da Acção Possessória, Vol. I, Athena Editora, Porto 1980, pág. 21. [12]Idem, pág. 22 e 23. [13]Manuel Rodrigues, A Posse, Coimbra, 1996, Almedina, pág. 324. [14]cf.. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 5 ; Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 189; Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 69, segs. ; Orlando Carvalho, RLJ, 122º, p. 65, segs. ; Penha Gonçalves, Direitos Reais, 2ª ed., pág. 243. [15]vide Mota Pinto, ob. cit., pág. 180. [16]vide Henrique Mesquita, ob. cit., pág. 66 e 67. [17]Acerca do animus e corpus da posse, cf.., o douto Acórdão do STJ de 12/02/87, in BMJ, n.º 364, pág. 855 e segs.. [18]Nas palavras do douto Acórdão do STJ de 07/06/2005 – Doc. nº SJ200506070016076, Relator: Fernandes Magalhães -, “a posse na sua força jurísgena aspira ao direito, tende a converter-se em direito.
Daí que o ordenamento não somente a proteja, como a reconheça como um caminho para a dominialidade, reconstituindo, através dela, a própria ordenação definitiva. É o fenómeno da usucapião, cuja "ratio" Heck vislumbra no valor do conhecimento (Erkentnisverten) que a posse é.
A usucapião é, no que importa agora considerar, uma forma originária de aquisição do direito de propriedade e requer que a posse tenha certas características, que seja, de algum modo, "digna" do direito a que conduz. O que nela se homenageia, é menos a posse em si do que o direito que a mesma indicia, que é a prefiguração do direito a cujo título se possui”.
Acrescenta, citando Orlando de Carvalho – Introdução à Posse, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, pág. 67 - “donde a exigência, em qualquer sistema possessório de uma posse em nome próprio, de uma intenção de domínio, e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade”. [19]Manuel Rodrigues, ob. cit., pág. 326. [20]Guerra da Mota, ob. cit., pág. 35. [21]Idem, pág. 39. Neste artigo 1277º como que se conflui ou articula o “interesse do Estado na manutenção da paz jurídica com o interesse do possuidor em que se respeite a sua posse (…)” – cf., pág. 44. [22]Ibidem, pág. 133 e 134 ; enquanto o possuidor conservar “a retenção material da coisa ou a fruição real do direito, há simples turbação ; quando as lesões da posse produzem a privação ou perda da retenção ou fruição, estamos perante o facto do esbulho [23]Ibidem, pág. 136. [24]Refere Manuel Rodrigues – ob. cit., pág. 336 e 337 – que quem alegar a posse, em acção ou excepção, “há-de provar a sua existência – é princípio geral de direito. E como a posse é constituída por uma detenção exercida no próprio interesse, aquele que a invoca terá de demonstrar que detém o objecto, ou que outrem o detém por ele, e que a detenção é exercida em seu proveito, se não tiver em seu favor alguma presunção, ou então que adquiriu a posse de quem tinha possuído”. [25]Guerra da Mota, ob. cit., pág. 235 e 236. [26]Abrantes Geraldes, Temas da Reforma….ob. cit., pág. 30 e 31. [27]Idem, pág. 42. [28]Ob. cit., pág. 363. [29]Abrantes Geraldes, Temas da Reforma….ob. cit., pág. 44 a 47. [30]Referenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de processo Civil Anotado, Vol. I, 2019, Almedina, pág. 446 -, que o entendimento mais adequado a uma efectiva tutela dos direitos é o que inclui “no conceito de «violência» não apenas a que é exercida contra a própria coisa mas também, e de uma forma que nos parece inteiramente justificada, a que é exercida contra o possuidor, sem exclusão sequer dos atos intimidatórios que se repercutam na manutenção da paz pública que a providência visa finalisticamente assegurar”. [31]Nas palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre - Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, 3ª Edição, Almedina, Julho 2017, pág. 90 -, “a posse constitui mera presunção ilidível da titularidade do direito real do possuidor (art. 1268-1 CC) e cede perante o direito real incompatível de outrem”.