INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
TEMPESTIVIDADE
HABILITAÇÃO
TITULARES DE ENCARGOS DA HERANÇA
Sumário


I- Tendo os recorrentes sido habilitados nos autos de Inventário para prosseguirem os mesmos no lugar do herdeiro falecido, a sua posição processual é a mesma daquele, ou seja, não podem praticar nos autos atos que aquele tenha deixado de poder praticar.
II- Assim, ultrapassada a fase da Reclamação à Relação de bens, não podem os habilitados ver aditados à Relação de Bens, alegados créditos do falecido sobre a herança.
III- Por via da habilitação, os sucessores do falecido encontram-se no processo de Inventário por transmissão do direito de suceder, que pertencia ao seu falecido marido e pai, e que lhes foi transmitido por morte daquele.
IV- Por isso, eles não podem exercer neste processo outros direitos eventualmente pertencentes à herança aberta por morte do falecido, nomeadamente créditos da herança daquele, que apenas poderiam ser atendidos numa situação de cumulação de inventários.

Texto Integral


Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Fernanda Fernandes Proença
2ª Adjunta: Maria da Conceição Sampaio
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AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, e LL, todos melhor identificados nos autos, vieram requerer Processo Especial de Inventário, por óbito de MM, alegando em síntese o seguinte:

- Aos .../.../2013 faleceu, na freguesia ..., Concelho ..., MM, maior, solteiro, sem descendentes nem ascendentes, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, deixando como únicos herdeiros cinco irmãos - AA; BB; CC; NN; e OO -, e cinco sobrinhas, em representação de PP, irmão pré-falecido do autor da herança -  DD; EE; FF; GG; e HH -, também todos melhor identificados nos autos.
- Entretanto, aos .../.../2019 faleceu o irmão do autor da herança, NN, no estado de casado com II, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo deixado como herdeiros legitimários, para além do cônjuge sobrevivo, três filhos - JJ; KK; e, LL -, também todos melhor identificados nos autos.
- O acervo hereditário do falecido é composto pelo Ativo (bens imóveis) e Passivo contante da relação de bens que juntam, indicando para cabeça de casal AA, o herdeiro mais velho do falecido.

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O cabeça de casal veio apresentar a Relação de bens, na qual indica dois Bens Imóveis, sitos na freguesia ..., concelho ... – Um Prédio urbano (verba nº1) e um Prédio rústico (verba nº 2) – e o seguinte Passivo:
Verba nº.1 – Dívida da herança ao Sr. Eng.º QQ - 2.100 €;
Verba nº. 2 – Dívida da herança à Sr.ª Solicitadora RR - 1.297,15€.
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Não foi apresentada reclamação à Relação de Bens.
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Vieram entretanto os requerentes do inventário dar conta nos autos de que em .../.../2020 faleceu o cabeça de casal, AA, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, deixando como únicos herdeiros legitimários: a) O cônjuge, SS; e b) Dois filhos, LL, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com TT, e UU, divorciada – todos melhor identificados nos autos.
Mais alegam os requerentes, que mostrando-se já reconhecida em habilitação notarial a qualidade de herdeiros das pessoas identificadas, deverão as mesmas passar a ocupar a posição de seu falecido marido e pai (respetivamente), a fim de com eles prosseguirem os autos a sua ulterior tramitação processual.
De igual modo, face ao falecimento do cabeça de casal, deverá o cargo passar a ser exercido pelo irmão mais velho do inventariado, o interessado BB.
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Foi realizada a Conferência de Interessados, em 2 de Novembro de 2021, com a presença de todos os interessados (por si, ou representados por mandatário), e por acordo de todos, foi aprovado o passivo; foi adjudicado ao interessado OO a verba nº 2, pelo valor de € 1.000,00; e foi acordado que a verba nº 1 seria vendida, pelo preço base de € 75.000,00, para que o produto da mesma fosse posteriormente partilhado por todos os herdeiros.
Por despacho proferido no final da Conferência de Interessados foi ordenada a venda da verba nº1, por negociação particular, encarregando-se da venda da mesma pessoa a nomear.
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Entretanto, os habilitados SS, UU, e LL, na qualidade de únicos e universais herdeiros de AA, vieram aos autos dar conta do seguinte:
- Para além das dívidas relacionadas na Relação de Bens, apresentada em juízo por AA - de € 2.100,00 e de €1.297,15, respetivamente -, aprovadas em conferência de interessados, tal como é do conhecimento de todos os herdeiros, existem outras dívidas a cargo da herança aberta por óbito de MM, designadamente despesas que foram suportadas pelo falecido AA.
Assim:
- Foi o falecido AA que procedeu ao pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dos anos de 2013 a 2020, relativo aos imóveis descritos sob as verbas nºs 1 e 2 da relação de bens, no valor global de €1.816,58, que deverá ser pago por todos os herdeiros, sendo que até à data, apenas alguns interessados (que indicam) procederam ao pagamento de parte das quantias aí mencionadas, designadamente o valor de € 222,82.
- Foi também o falecido AA que procedeu ao pagamento do Imposto do Selo, devido pela transmissão gratuita decorrente do óbito do inventariado MM, relativa aos imóveis descritos sob as verbas nºs 1 e 2 da relação de bens, no valor global de €6.566,55, que deverá ficar  a cargo de todos os herdeiros, sendo que, até à data, apenas alguns herdeiros procederam ao pagamento das respetivas quotas-partes.
- Acresce que o inventariado MM tinha várias dívidas à Segurança Social, as quais deram origem, junto da Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., ao Processo n.º ...75, e respetivos apensos, perfazendo uma quantia exequenda global de € 6.526,63.
Com o intuito de evitar a penhora e venda dos bens imóveis descritos sob as verbas nºs 1 e 2 da relação de bens, o falecido AA formulou, em nome do seu irmão e aqui inventariado, MM, um pedido de pagamento da dívida em prestações.
E entre .../.../2008 e .../.../2010, o falecido AA procedeu ao pagamento de todas as prestações devidas ao Instituto da Segurança Social, I.P., no valor global de €8.759,36, sendo que essa dívida também é da responsabilidade de todos os herdeiros, nenhum deles tendo procedido, até à data, ao pagamento das quantias aí mencionadas.
- Foi também o falecido AA que procedeu ao pagamento do funeral relativo ao inventariado MM, no valor global de €1.555,00. Como recebeu, a título de subsídio de funeral da Segurança Social, o valor de €1.257,66, em termos reais, apenas despendeu, por conta desse funeral, a quantia de €297,34, a qual é da responsabilidade de todos os herdeiros, sendo que, até à data, nenhum deles procedeu ao pagamento das quantias aí mencionadas.
- Acresce ainda que o inventariado MM tinha várias dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, as quais deram origem a processos de execução fiscal e à aplicação de coimas.
Com o intuito de evitar a penhora e venda dos bens imóveis descritos sob as verbas nºs 1 e 2 da relação de bens, o falecido AA procedeu ao pagamento de todas as verbas devidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor global de €1.272,40, da responsabilidade de todos os herdeiros, os quais, até à data, nenhum deles procedeu ao pagamento das quantias aí mencionadas.
- Foi também o falecido AA que procedeu ao pagamento das taxas devidas ao Município ..., para legalização do prédio urbano descrito sob a verba n.º 1 da relação de bens, e obtenção do alvará de autorização de utilização necessário para a alienação do mesmo, no valor global de €1.656,06. Porém, até à presente data, nenhum dos interessados procedeu ao pagamento das quantias aí mencionadas.
- No âmbito do Processo n.º ...00 (Execução para Prestação de Facto), que correu termos pelo extinto ... Juízo do Tribunal da Comarca ..., o inventariado MM foi condenado a proceder à demolição e reconstrução de um muro existente junto à casa de habitação descrita sob a verba n.º 1 da relação de bens.
Foi o falecido AA que procedeu ao pagamento das despesas destinadas à demolição e reconstrução daquele muro, no valor global de €709,00. Porém, até à presente data, nenhum dos interessados procedeu ao pagamento das quantias aí mencionadas.
- Foi o falecido AA que procedeu ao pagamento da escritura de habilitação de herdeiros atinente ao inventariado, e da escritura de justificação relativa aos imóveis descritos sob as verbas nºs 1 e 2 da relação de bens, no valor global de €427,65. Porém, até à presente data, nenhum dos interessados procedeu ao pagamento das quantias aí mencionadas.
- Finalmente, foi o falecido AA que procedeu ao pagamento dos serviços de pintura das paredes exteriores da casa de habitação descrita sob a verba n.º 1 da relação de bens, tendo em vista a respetiva legalização junto do Município ..., no valor global de €600,00 (seiscentos euros). Porém, até à presente data, nenhum dos interessados procedeu ao pagamento das quantias aí mencionadas.
Concluem a final os habilitados, que lhes são devidos, pelos restantes interessados, os montantes globais indicados, na proporção dos respetivos quinhões (que indicam), por se tratar de despesas da massa da herança aberta por óbito de MM, mas que foram integralmente suportadas pelo falecido AA.
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Notificados todos os interessados para esclarecerem se aceitam a inclusão do referido passivo na Relação de Bens, vieram os interessados BB, II, JJ, KK, LL, DD, CC, EE, FF, GG, e HH, opor-se a essa inclusão, dizendo, no essencial, que o falecido AA exerceu o cargo de cabeça-de-casal, tendo nessa qualidade apresentado a Relação de bens, na qual não relacionou qualquer passivo do qual fosse titular, sendo certo que seria ele próprio o credor da herança, não tendo também os reclamantes invocado quaisquer motivos que tenham impedido o seu falecido marido e pai de relacionar tal passivo no momento oportuno.
Assim sendo, tendo tido já lugar a Conferência de Interessados, na qual foi acordado por todos a adjudicação de um dos imóveis a um dos interessados; a venda do outro imóvel (urbano), com a repartição do produto da sua venda por todos os interessados; e aprovado o passivo relacionado, concluem pela inadmissibilidade do relacionamento, nesta altura, das alegadas dívidas, sob pena de se deturparem as regras processuais em prejuízo dos demais interessados.
Aduzem ainda que existiu um convénio entre todos os herdeiros (com exceção do interessado OO), quer na instauração do presente inventário, quer na apresentação da Relação de Bens (ativo e passivo), pelo que sempre seria de rejeitar o requerimento apresentado.
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Foi então proferido (em 16-03-2023), o seguinte Despacho (do qual se recorre):
“Levando em consideração a não concordância manifestada pelos interessados BB, II, JJ, KK, LL, DD, CC, EE, FF, GG e HH, indefiro liminarmente o requerido por SS, UU e LL, porquanto o estado dos autos já não permite a apreciação das questões colocadas pelos interessados – reclamação contra a relação de bens, que já serviu de base aos trabalhos da conferência de interessados.
Notifique (…).
Na primeira sessão da conferência de interessados foi deliberada a aprovação do passivo constante da relação de bens e, bem assim, a adjudicação da verba n.º 2 da relação de bens a OO. Por outro lado, deliberou-se a venda da verba n.º 1, a qual veio a concretizar-se. Destarte, para a continuação da conferência de interessados para deliberar sobre o pagamento do passivo, a distribuição do produto da alienação da dita verba n.º 1, a composição dos quinhões e pagamentos de acordo com a forma da partilha fixada no despacho de 17.09.2021 designo o dia 8 de Maio de 2023 pelas 15 horas e 30 minutos, neste Tribunal. Notifique, cumprindo previamente o previsto no n.º 1 do art.º 151.º do Código de Processo Civil.…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os interessados SS, UU, e LL, interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“I. O presente recurso tem por objecto a incorrecta subsunção jurídica efectuada pela Meritíssima Juiz a quo no despacho com a referência citius ...07, datado de 16 de Março de 2023, designadamente no que diz respeito à decisão de indeferimento liminar do articulado apresentado em juízo em 17 de Março de 2022.
II. Com efeito, mediante articulado e respectivos documentos instrutórios, apresentados em juízo em 17 de Março de 2022 sob as referências citius ...98, ...01, ...03 e ...57, os Recorrentes, devidamente habilitados nos presentes autos como únicos e universais herdeiros de AA, vieram peticionar que as despesas referenciadas nos artigos 5.º, 9.º, 15.º, 21.º, 26.º, 31.º, 36.º, 40.º e 44.º desse articulado fossem declaradas despesas da massa da herança aberta por óbito do aqui inventariado MM, bem como fosse reconhecido que as mesmas foram integralmente suportadas pelo de cujus AA.
III. Nesse articulado, os Recorrentes alegaram que, tal como é do conhecimento de todos os herdeiros em apreço nestes autos, além dos encargos constantes da relação de bens e aprovados em sede de conferência de interessados realizada em 2 de Novembro de 2021, existem outras dívidas a cargo da herança aberta por óbito do aqui inventariado MM, designadamente despesas que foram suportadas pelo de cujus AA e que se encontram referenciadas nos artigos 5.º, 9.º, 15.º, 21.º, 26.º, 31.º, 36.º, 40.º e 44.º do articulado sub judice.
IV. Mediante despacho com a referência citius ...29, datado de 24 de Novembro de 2022, a Meritíssima Juiz a quo determinou a notificação dos demais interessados para, querendo, exercerem o contraditório relativamente ao requerimento apresentado pelos Recorrentes em 17 de Março de 2022.
V. Notificados os demais interessados para se pronunciarem sobre o articulado apresentado pelos Recorrentes em 17 de Março de 2022, os mesmos nada vieram dizer e, nessa sequência, mediante despacho com a referência citius ...45, datado de 6 de Janeiro de 2023, a Meritíssima Juiz a quo determinou nova notificação daqueles para esclarecerem se aceitavam a inclusão, na partilha em curso, do passivo referenciado nos artigos 5.º, 9.º, 15.º, 21.º, 26.º, 31.º, 36.º, 40.º e 44.º desse articulado.
VI. Mediante requerimento apresentado em juízo pela quase totalidade dos demais interessados (com exclusão do interessado OO) em 10 de Janeiro de 2023, sob a referência citius ...78, vieram os mesmos pronunciar-se sobre o articulado sub judice, declarando não aceitarem a inclusão, na partilha em curso, do passivo referenciado nos artigos 5.º, 9.º, 15.º, 21.º, 26.º, 31.º, 36.º, 40.º e 44.º desse articulado.
VII. Nessa sequência, mediante despacho com a referência citius ...07, datado de 16 de Março de 2023, a Meritíssima Juiz a quo proferiu a seguinte decisão: "Levando em consideração a não concordância manifestada pelos interessados BB, II, JJ, KK, LL, DD, CC, EE, FF, GG e HH, indefiro liminarmente o requerido por SS, UU e LL porquanto o estado dos autos já não permite a apreciação das questões colocadas pelos interessados – reclamação contra a relação de bens que já serviu de base aos trabalhos da conferência de interessados."
VIII. Ainda nesse despacho, a Meritíssima Juiz a quo designou o dia 8 de Maio de 2023, pelas 15 horas e 30 minutos, para a continuação da conferência de interessados, nos seguintes termos: "Na primeira sessão da conferência de interessados foi deliberada a aprovação do passivo constante da relação de bens e, bem assim, a adjudicação da verba n.º 2 da relação de bens a OO. Por outro lado, deliberou-se a venda da verba n.º 1, a qual veio a concretizar-se. Destarte, para a continuação da conferência de interessados para deliberar sobre o pagamento do passivo, a distribuição do produto da alienação da dita verba n.º 1, a composição dos quinhões e pagamentos de acordo com a forma da partilha fixada no despacho de 17.09.2021 designo o dia 8 de Maio de 2023 pelas 15 horas e 30 minutos, neste Tribunal."
IX. Não podem os Recorrentes conformar-se com tal despacho de indeferimento liminar do articulado apresentado em juízo em 17 de Março de 2022, evidenciando tal decisão erro na subsunção jurídica concretamente efectuada.
X. Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1088.º do Código de Processo Civil, que, ainda que os encargos da herança referenciados nos artigos 5.º, 9.º, 15.º, 21.º, 26.º, 31.º, 36.º, 40.º e 44.º do articulado sub judice não tenham sido relacionados pelo cabeça de casal, os Recorrentes, enquanto titulares activos, podem sempre reclamar os seus direitos até à conferência de interessados.
XI. É certo que a conferência de interessados, no âmbito dos presentes autos, teve lugar no dia 2 de Novembro de 2021, bem como que o articulado sub judice apenas foi apresentado em juízo pelos Recorrentes em 17 de Março de 2022.
XII. Todavia, importa não olvidar que a conferência de interessados realizada no dia 2 de Novembro de 2021 não ficou concluída nesse dia, tanto mais que ainda há alguns aspectos a apreciar numa nova sessão dessa conferência de interessados.
XIII. Prova disso mesmo é o facto de a Meritíssima Juiz a quo ter determinado, no âmbito do despacho em crise (com a referência citius ...07, datado de 16 de Março de 2023), a continuação da conferência de interessados para o dia 8 de Maio de 2023, pelas 15 horas e 30 minutos.
XIV. Por conseguinte, tendo em conta que os titulares activos - como é o caso dos Recorrentes - podem sempre reclamar os seus direitos até à conferência de interessados, imediatamente se conclui que, estando prevista a continuação dessa conferência para o dia 8 de Maio de 2023, pelas 15 horas e 30 minutos, o requerimento apresentado em juízo no dia 17 de Março de 2022 é manifestamente tempestivo e deverá ser submetido à apreciação de todos os interessados nesse dia, nomeadamente para efeitos de cumprimento do disposto nos artigos 1088.º, n.º 1, 1106.º e 1111.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
XV. Tendo por base a hipótese normativa prevista no n.º 2 do artigo 1088.º do Código de Processo Civil, caso não seja permitido aos Recorrentes reclamar, neste processo, o pagamento das quantias em apreço no articulado datado de 17 de Março de 2022, os mesmos ficarão definitivamente inibidos de exigir esse pagamento através dos meios judiciais comuns, o que representa uma consequência totalmente iníqua, desajustada e penalizadora dos interesses daqueles, sobretudo porque estão em causa encargos da herança, correspondentes a despesas realizadas em benefício do inventariado e dos bens integrantes do património hereditário, que também acabaram por beneficiar, em último termo, os demais interessados.
XVI. Não tendo a Meritíssima Juiz a quo admitido liminarmente o articulado apresentado pelos Recorrentes em 17 de Março de 2022 e determinado a respectiva submissão à apreciação dos interessados aquando da data que foi designada para a continuação da conferência de interessados (8 de Maio de 2023), a mesma incorreu na violação do disposto nos artigos 1088.º, n.º 1, 1106.º e 1111.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
XVII. Deverá, consequentemente, ser revogado o despacho proferido pela Meritíssima Juiz a quo em 16 de Março de 2023, na parte em que indeferiu liminarmente o articulado apresentado em juízo pelos Recorrentes em 17 de Março de 2022, e substituído por outro que admita liminarmente tal articulado e o submeta à apreciação dos interessados aquando da continuação da conferência de interessados designada para o dia 8 de Maio de 2023, pelas 15 horas e 30 minutos…”.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:
I- A de saber se os recorrentes ainda estavam em tempo de apresentar Reclamação à Relação de bens; e 
II- Se eles são titulares ativos das dívidas reclamadas.
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Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os referidos no Relatório deste acórdão (retirados da tramitação dos autos).
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I- Da tempestividade da apresentação da Reclamação à Relação de bens:

Como resulta do acima exposto, por despacho de 16 de Março de 2023, foi indeferido liminarmente o articulado apresentado pelos recorrentes, datado de 17 de Março de 2022, no qual os mesmos, devidamente habilitados nos presentes autos como únicos e universais herdeiros de AA, vieram peticionar que as despesas por eles referenciadas naquele articulado fossem declaradas despesas da massa da herança, aberta por óbito do inventariado MM; que fosse reconhecido que as mesmas foram integralmente suportadas pelo falecido AA (seu marido e pai); e que as mesmas lhes fossem pagas.
Nesse articulado, os Recorrentes alegaram que, como é do conhecimento de todos os herdeiros, além dos encargos constantes da relação de bens e aprovados em conferência de interessados, existem outras dívidas da herança, consubstanciadas em despesas que foram suportadas pelo falecido AA, por eles discriminadas no referido articulado.
Tal requerimento foi liminarmente indeferido, com o fundamento de que o estado dos autos já não permite a apreciação das questões colocadas pelos interessados – reclamação contra a relação de bens, que já serviu de base aos trabalhos da conferência de interessados.
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E nenhum reparo temos a fazer à decisão recorrida.
Começando pelo argumento invocado na mesma - de que o estado dos autos já não permite a apreciação da reclamação contra a relação de bens -, diremos que é bem verdade o afirmado na sentença recorrida, pois que os recorrentes foram habilitados nos autos para prosseguirem os mesmos no lugar do seu falecido marido e pai, o que pressupõe que a sua posição processual é a mesma daquele, ou seja, não podem praticar nos autos atos que aquele tinha deixado de poder praticar.
A lei é, de facto, muito clara sobre o momento em que os interessados devem apresentar Reclamação à Relação de bens: no prazo de 30 dias a contar da sua citação (art.º 1104º nº1, alínea d) do CPC), sendo certo que nem faria aqui sentido falar em Reclamação à Relação de bens por parte do falecido AA, que foi um dos requerentes do Inventário, e o próprio cabeça de casal, a quem competia apresentar, como apresentou, a Relação de bens, com a descrição de todos os bens sujeitos a inventário, assim como a relação de todas as dívidas da herança (art.º1097º, nº 1, 2, e 3, alíneas c) e d) do CPC).
Ora, como é bom de ver, na Relação de bens apresentada pelo falecido AA, apenas vêm relacionadas duas dívidas da herança (acima mencionadas), sobre as quais não incidiu qualquer reclamação, tendo todos os interessados, incluindo os ora recorrentes, na Conferência de Interessados, por acordo, aprovado as mesmas. Digamos que ficou esgotada, quanto aos interessados intervenientes no Inventário, a fase processual destinada, quer à apresentação da Relação de bens, quer à Reclamação quanto à mesma.
Efetivamente, ultrapassada a Fase Inicial do processo (da Apresentação da Relação de bens), segue-se a fase da Oposição (à Relação de Bens), a da Audiência Prévia (caso haja lugar à mesma), e a do Saneamento e Conferência de Interessados, na qual são decididas as questões relacionadas com a partilha (sobre a adjudicação dos bens e a aprovação do passivo).
Ora toda a tramitação processual enunciada foi cumprida e respeitada nos autos com a presença do interessado AA, cabeça de casal, que conduziu o processo nos termos formais enunciados, até à sua morte, apresentando a relação de bens, na qual discriminou as dívidas de que era titular a herança, assim como indicou os respetivos credores, nos quais não se incluiu a si, assim como não incluiu na Relação de bens, nenhuma das dívidas agora reclamadas pelos seus herdeiros habilitados.
Com a sua morte, foram habilitados seus sucessores os recorrentes, que vieram ocupar no processo a posição do falecido, competindo-lhe retomar a tramitação processual no ponto onde o seu falecido marido e pai a deixou.
Existem de facto normas especiais no processo de inventário, relativas ao modo como se processa a habilitação dos sucessores do interessado na partilha, falecido durante a pendência do processo de inventário, constantes do art.º 1089.º do CPC epigrafado “Habilitação de interessados”, nos termos do qual “Se falecer algum interessado direto na partilha antes de concluído o inventário, o cabeça de casal deve indicar os sucessores do falecido e juntar os documentos necessários. A indicação realizada pelo cabeça de casal é notificada aos outros interessados e procede-se à citação das pessoas indicadas. Qualquer interessado ou citado pode impugnar a legitimidade do sucessor indicado pelo cabeça de casal. Na falta de impugnação, nos termos no número anterior, têm-se como habilitadas as pessoas indicadas…”.
Prevê assim o preceito legal transcrito, a habilitação incidental, através da qual se vai proceder à habilitação dos sucessores do interessado falecido, para se poder partilhar o seu quinhão na herança, devendo interpretar-se a expressão “antes do concluído o inventário” no sentido de tal momento se situar antes da sentença homologatória da partilha transitada em julgado (Carvalho de Sá, “Do Inventário, Descrever, Avaliar e Partir”, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 1998, p. 91-92).
Claro que se o referido falecido, interessado direto na partilha, for o cabeça-de-casal, como foi o caso dos autos, a norma carece de ser interpretada de forma adaptada, ou seja, é necessário que previamente o juiz procede à designação de quem vai exercer o cabecelato, dando cumprimento à ordem referida no artigo 2080.º do Código Civil, colhidas as informações necessárias ao abrigo do artigo 1339.º, n.º1 do CPC, sendo ainda certo que, no deferimento do cargo de cabeça-de-casal, pode o juiz atender, nos termos do n.º 2 do último preceito legal, ao acordo dos interessados (Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, vol. III, Coimbra, Almedina, 1991, p. 179 (3743).
Resulta assim do exposto, que a habilitação dos herdeiros dos interessados diretos na partilha, falecidos antes de concluído o inventário, faz-se pela forma estabelecida no n.º 1 do art.º 1089.º do CPC. Trata-se de um incidente de habilitação especial (inserido no processo especial de Inventário), com regras próprias de tramitação, e que divergem das regras de tramitação gerais do incidente da instância, relativo à Habilitação de herdeiros - regulado nos artºs 351º e ss do CPC.
Ainda assim, a posição processual dos habilitados é semelhante em ambos os incidentes; eles devem prosseguir os termos da demanda com respeito pelos termos e atos processuais já praticados pela parte entretanto falecida.
Assim sendo, a conclusão a tirar de tudo quanto se expôs é a de que a posição processual dos habilitados não lhe confere mais poderes processuais dos que o habilitante possuía, devendo o sucessor habilitado prosseguir os autos a partir do momento do decesso do seu representado, e no preciso estado em que ele se encontrava aquando da sua habilitação.
Deve o sucessor aceitar, no fundo, o processo no estado em que ele se encontrar no momento da sua habilitação (Ac. da RE, de 25/1/2023, disponível em www.dgsi.pt), sendo por isso acertada, em nossa opinião a decisão tomada no tribunal recorrido, de que se encontrava já ultrapassada a fase processual destinada à Reclamação quanto à Relação de bens.
Sendo essa a tramitação regular dos autos, não se vê fundamento legal – nem mesmo em sede de adequação formal dos autos -, para se atender à pretensão dos recorrentes, e levar-se em consideração, nesta fase processual - da Conferência de Interessados - a reclamação à relação de bens, de molde a nela incluir as dívidas por eles entretanto apresentadas.
Aliás, estão aqui em causa princípios fundamentais a respeitar, relacionados com o princípio do dispositivo e com ele intimamente ligados, como sejam os princípios da preclusão e da auto responsabilidade das partes, no sentido de que, embora com um sentido muito mais atenuado no atual CPC, continuam a impor-se às partes prazos perentórios para a prática dos atos processuais (princípio da preclusão), e consequências (negativas) para a inércia da prática dos mesmos atos (princípio da auto responsabilidade) – art.º 139º nº3 do CPC.
Improcede, assim, esta primeira questão colocada.
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Os recorrentes invocam no entanto, nas suas conclusões de recurso, um outro fundamento legal para fazer valer a sua pretensão: Dizem que nos termos do n.º 1 do artigo 1088.º do CPC, têm direito a reclamar os seus créditos até à conferência de interessados, a qual, segundo alegam, ainda não se mostra encerrada.
Mas não cremos que lhes assista razão, uma vez que os recorrentes se arrogam titulares ativos de créditos – os créditos que descrevem no seu requerimento de 17 de Março de 2022 -, que não lhes pertencem, de facto.
É certo que nos termos do nº1 e 2 do art.º 1088º do CPC, epigrafado “Titulares de encargos da herança”, “Mesmo que os encargos da herança não tenham sido relacionados pelo cabeça de casal, os titulares ativos podem reclamar os seus direitos até à conferência de interessados. Os titulares ativos de encargos da herança são citados com a advertência de que devem reclamar os seus direitos, sob pena de, tendo sido citados pessoalmente, ficarem inibidos de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns”
O que verificamos, no entanto, e é assumido pelos recorrentes, é que o eventual titular dos encargos da herança (por eles referidos no requerimento apresentado), era o falecido cabeça de casal, por ter sido ele, nos dizeres dos recorrentes, que pagou dívidas do autor da herança, o falecido MM.
Ora, como é bom de ver, o n.º 1 do artigo 1088.º do CPC refere-se apenas – e destina-se apenas -, aos titulares ativos dos encargos da herança, que não tenham visto os seus créditos relacionados pelo cabeça de casal, concedendo-lhes a lei a possibilidade de os reclamar até à conferência de interessados.
Essa possibilidade vem, aliás, na sequência do que se dispõe no art.º 1085º nº 2, alínea b) do CPC, de que “Podem intervir num processo de inventário pendente (…) Os credores da herança (…) nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos”.
Essa possibilidade pode assumir, além disso, um verdadeiro ónus, nos termos previstos no nº 2 do citado art.º 1088º, no qual se prevê que “Os titulares ativos de encargos da herança são citados com a advertência de que devem reclamar os seus direitos, sob pena de, tendo sido citados pessoalmente, ficarem inibidos de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns”
Trata-se aqui de um verdadeiro ónus a cargo dos credores da herança, os quais, sendo citados pessoalmente, devem reclamar os seus créditos no processo de inventário, podendo fazê-lo, contudo, até à conferência de interessados, já que é nessa fase processual que os interessados aprovam (ou não) o passivo da herança.
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Ora, revertendo novamente à questão dos autos, como se disse, os recorrentes não são titulares ativos dos encargos da herança; eles são chamados ao processo, no exercício de um direito de suceder, que lhes foi transmitido por via do falecimento do seu falecido marido e pai, vindo a assumir o papel de herdeiros daquele, para, em sua substituição, receberem a parte da herança que lhe caberia, por morte do inventariado.
Por via da habilitação, os sucessores do falecido encontram-se no processo de Inventário em virtude de uma verdadeira transmissão do direito de suceder, que pertencia ao seu falecido marido e pai, e que lhes foi transmitido, em virtude da morte daquele (Capelo de Sousa “Lições de Direito das Sucessões, vol.I, pag.313; Pereira Coelho “Direito da Sucessões”, Lições ao curso de 1973-1974, e Ac. desta RG de 11.06.2015, disponível em www.dgsi.pt).
Mas a sua intervenção nos autos esgota-se aí; eles não podem exercer neste processo outros direitos eventualmente pertencentes à herança aberta por morte do falecido cabeça de casal (seu marido e pai). Daí que não faça sentido que eles venham invocar e reclamar neste processo de inventário créditos da herança do falecido – mesmo que eles constituam encargos da herança do inventariado -, que apenas poderiam ser atendidas numa situação de cumulação de inventários (art.º 1094º do CPC).
Daí a afirmação, de que neste processo os recorrentes não são “Titulares de encargos da herança”, nem lhes pode ser aplicado o regime jurídico previsto no art.º 1088º do CPC, por eles invocado, porque à luz do que alegam, titular de encargos da herança seria o seu falecido pai, encontrando-se esse encargo atualmente na titularidade da herança daquele, após o seu decesso.
Improcede assim também a segunda questão colocada.
E perante a decisão tomada, não se nos afigura pertinente apreciar se os recorrentes estavam ou não em tempo de reclamarem essas dívidas.
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Decisão:

Por todo o exposto, julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas da Apelação pelos recorrentes (art.º 527º nºs 1 e 2 do CPC).
Notifique
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Sumário do Acórdão:

I- Tendo os recorrentes sido habilitados nos autos de Inventário para prosseguirem os mesmos no lugar do herdeiro falecido, a sua posição processual é a mesma daquele, ou seja, não podem praticar nos autos atos que aquele tenha deixado de poder praticar.
II- Assim, ultrapassada a fase da Reclamação à Relação de bens, não podem os habilitados ver aditados à Relação de Bens, alegados créditos do falecido sobre a herança.
 III- Por via da habilitação, os sucessores do falecido encontram-se no processo de Inventário por transmissão do direito de suceder, que pertencia ao seu falecido marido e pai, e que lhes foi transmitido por morte daquele.
 IV- Por isso, eles não podem exercer neste processo outros direitos eventualmente pertencentes à herança aberta por morte do falecido, nomeadamente créditos da herança daquele, que apenas poderiam ser atendidos numa situação de cumulação de inventários.
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Guimarães, 12.10.2023