CONEXÃO DE INFRACÇÕES
Sumário

Se um arguido tem contra si pendentes, na fase de julgamento, dois processos em tribunais diferentes da mesma comarca, há conexão de processos, nos termos do art. 25 do CPP de 1998, mesmo que num dos processos haja outros arguidos.
A competência para o julgamento dos dois processos pertence ao tribunal do processo onde o arguido é único, se for aí que primeiro houve notícia de qualquer dos crimes.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
O Juiz do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso suscitou o presente CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA com o 2º Juízo Criminal do mesmo Tribunal, relativamente ao julgamento (conjunto) do processo n.º ../02.4GDSTS, do 2º Juízo e do processo pendente no seu Tribunal, n.º ../02.2GDSTS, por entender não se verificarem os pressupostos da conexão, previstos no art. 24, n.º 1 do Cód. Proc. Penal. Para o efeito, remeteu a esta Relação certidão dos actos e demais elementos necessários à resolução do conflito.

Cumprido o disposto no art. 36º, 2 do Cód. Proc. Penal (comunicação aos tribunais em conflito da denúncia recebida), não houve resposta.

A Exma. Procuradora-geral-adjunta, nesta Relação, emitiu parecer no sentido da atribuição de competência para o julgamento de ambos os processos, ao 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso.

Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Com interesse para a resolução do presente conflito, consideramos assentes os seguintes factos:

a) O arguido B..... encontra-se acusado no processo n.º ../02.4GDSTS, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, juntamente com mais três arguidos, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo art. 143º, 1 do Cód. Penal, relativos a factos que terão ocorrido em 22 de Dezembro e cuja participação deu entrada no Tribunal em 27 de Dezembro de 2002.

b) O mesmo arguido encontra-se também acusado no processo comum singular n.º ../02.2GDSTS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, pela prática de um crime previsto no art. 143º, 1 do Cód. Penal, relativamente a factos que terão ocorrido em 15 de Julho de 2002 e cuja participação deu entrada no Tribunal em 19 de Julho de 2002.

c) No processo referido em a), o Sr. Juiz titular do 2º Juízo, por despacho transitado em julgado, entendeu ser competente para o julgamento conjunto dos crimes imputados ao arguido, o 1º Juízo Criminal – cfr. despacho de fls. 20;

d) No processo referido em b), o Sr. Juiz titular do 1º Juízo, por despacho transitado em julgado, entendeu ser competente para o julgamento conjunto dos crimes imputados ao arguido, o 2º Juízo Criminal – cfr. despacho de fls. 17 e 18.

2.2. Matéria de direito
É patente, no presente caso, a existência de um conflito negativo de competência, dado que ambas as entidades envolvidas (1º e 2º Juízos Criminais do Tribunal Judicial de Santo Tirso) declinam a sua competência para o julgamento conjunto do arguido B..... (art. 34º do C.P.Penal).

As regras de competência invocadas pelos Tribunais em conflito são os arts. 24º e 25º do C.P.Penal, sendo que o art. 25º define um caso especial de competência por conexão: “(…) há ainda conexão de processos, quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência dos tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes”.
O motivo da discordância na interpretação deste preceito prende-se com a sua aplicação aos casos em que o arguido, acusado em vários processos, não seja arguido único.

No presente caso, o arguido responde no proc. ../02, do 2º Juízo Criminal de Santo Tirso, juntamente com mais 3 co-arguidos, por factos ocorridos em 22/12/02 e cuja participação deu entrada no tribunal em 27/12/2002. No seguimento de promoção nesse sentido, o Sr. Juiz do 2º Juízo Criminal ordenou a apensação do seu processo ao proc. ../02, do 1º Juízo (onde o arguido responde por factos ocorridos em 15/07/2002 e cuja participação deu entrada no tribunal em 19/07/2002), uma vez que “encontrando-se o arguido acusado nos presentes autos pela prática de crimes com uma moldura penal de prisão até 3 anos ou multa e sendo essa moldura penal idêntica no proc. ../02, terá de concluir-se pela competência do tribunal com recurso ao disposto no art. 28º, al. c) do CPP.”, ou seja, é competente o tribunal da área onde a notícia do crime foi conhecida em primeiro lugar (1º juízo).

O Sr. juiz titular do 1º Juízo entendeu que não se verificavam os elementos determinantes da competência por conexão, pois o art. 25º CPP apenas seria aplicável aos processos “em que é apenas um o agente de múltiplos crimes que sejam da competência de tribunais com sede na mesma comarca” (fls. 17).

Julgamos (de acordo com a posição da Exma. Procuradora-geral-adjunta) que este entendimento não tem apoio na lei. Na verdade, o único índice de conexão legalmente estabelecido é o mesmo agente ter cometido vários crimes, cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca. Nem se diga que esta expressão “o mesmo agente” afasta as hipóteses em que haja uma pluralidade de agentes. Havendo uma pluralidade de agentes, a melhor leitura da lei é, em nosso entender, a que faz depender a conexão apenas da prática, por um mesmo agente, de vários crimes na área da mesma comarca. Não faria qualquer sentido afastar a conexão, ao abrigo do art. 25º do C. P. Penal, quando vários agentes tivessem cometido, em co-autoria, na área da mesma comarca, vários crimes. É assim claro que, da letra do citado preceito, só pode extrair-se a conclusão de que é de todo em todo irrelevante que o mesmo agente tenha praticado só, ou em qualquer outra forma de participação criminosa, vários crimes na área da mesma comarca.
Por outro lado, a razão de ser deste elemento de conexão é a economia processual, com a consequente vantagem do agente poder ser julgado conjuntamente pelos vários crimes praticados, para efeitos de aplicação de uma pena única, em razão do concurso de crimes (art. 77º do C.Penal) – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 194. Esta razão subjacente à referida conexão processual é prosseguida, mesmo que o julgamento conjunto arraste o julgamento de outros arguidos.

Assim e no caso em apreço, havendo lugar à conexão, nos termos do art. 25º do Cód. Proc. Penal, será competente para conhecer dos processos “o Tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia de qualquer dos crimes” – art. 28º, al. c) do C.P.Penal.

Deste modo, entendemos que é competente para conhecer dos processos em causa nestes autos, o 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, dado que os factos constantes da acusação proferida no proc. n.º ../02.2 GDSTS, do 1º Juízo Criminal, foram denunciados em primeiro lugar, isto é, em 19 de Julho de 2002.

3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam:
a) Dirimir o presente conflito negativo de competência, considerando competente para o julgamento conjunto dos processos em causa nos autos, o 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso.
b) Ordenar se comunique imediatamente a decisão aos tribunais em conflito e ao M.P.
c) Ordenar se notifique o arguido.
Sem custas.

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Porto, 09 de Dezembro de 2004
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Manuel Joaquim Braz
Luís Dias André da Silva