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JUSTO IMPEDIMENTO
CITIUS
Sumário
1. O reconhecimento do justo impedimento assenta sempre numa ponderação essencialmente casuística. 2. O funcionamento deficiente da plataforma Citius, que fez com que o Mandatário do réu só conseguisse entregar a contestação 10 segundos após o fim do prazo, quando ficou demonstrado que o processo de introdução da peça e assinatura da mesma poderia ser feito em 6 minutos, e aquele começou a tentar cerca de 20 minutos antes do termo do prazo, configura uma nítida situação de justo impedimento. 3. O facto de a resposta enviada pela equipa de apoio informático do Citius referir que “não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no período referido” não tem qualquer relevância para a decisão, quando da própria lista de acções do utilizador que ficaram registadas no sistema resulta que o utilizador teve de fazer três actos de login, quando deveria ter bastado um, o que significa que o sistema, por razões desconhecidas, executava um logout a seguir ao login, e obrigava o utilizador a ter de repetir todo o processo desde o início, com a consequente perda de tempo, e, no final, com a ultrapassagem do prazo. 4. O último minuto do prazo ainda faz parte do prazo. É tão válido o acto praticado no último minuto do prazo como o que é praticado no primeiro. 5. Qualquer Advogado que lida com prazos peremptórios tem de ter a garantia de que o sistema processual Citius funciona bem e de forma célere, e que caso não funcione, isso não irá diminuir os direitos do seu cliente. 6. O justo impedimento é uma das válvulas de segurança do sistema, impedindo que falhas informáticas retirem direitos processuais às partes.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I- Relatório
AA, divorciada, com domicílio na Rua ..., ... ...,
Intentou a presente acção declarativa de condenação contra BB, divorciado, com domicílio na Rua ..., ... ..., e CC, solteira, maior, com domicílio na Rua ..., ... ...,
Peticionando: A) a condenação do 1º Réu a pagar à Autora as seguintes quantias: i) 10.699,37 €, respeitante a crédito da Autora por valores pagos em excesso no contexto de encargos comuns, com juros moratórios contados, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; ii) 16.539,81 €, respeitante ao valor de saldo bancário de que o 1º Réu se apropriou indevidamente, com juros moratórios contados, à taxa legal, desde 8/3/2017 até efectivo e integral pagamento; iii) a quantia de 10.000 €, respeitante a 50% do valor dos danos causados pelo 1º Réu à fracção autónoma acima identificada, com juros moratórios contados, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; B) Que se declare a ineficácia, relativamente à Autora, da transferência para a 2ª Ré da titularidade das viaturas automóveis MINI COOPER ...., matrícula ..-..- BG, e ..., matrícula ..-..-UD, registadas a favor da 2ª Ré na Conservatória do Registo de Automóveis desde 23/6/2021; e, em consequência, C) O reconhecimento do direito da Autora à restituição dessas viaturas ao património do 1º Réu, podendo executá-las no património da 2ª Ré.
Para tanto alega, em síntese, que Autora e o 1º Réu casaram entre si em .../3/2010, mediante convenção antenupcial, no regime da separação de bens, sendo que desse casamento não resultaram filhos.
Após o casamento, a Autora e o 1º Réu passaram a residir em fracção autónoma sita na freguesia ..., pertença de ambos em regime de compropriedade. Cerca de quatro depois, em 2014, a Autora e o 1º Réu foram residir para a casa dos pais da Autora, sita na Rua ..., em ..., ..., situação que se manteve por cerca de três anos, até 2017.
Em 20 de Fevereiro de 2017, o 1º Réu abandonou a casa dos pais da Autora, tendo voltado para a fracção autónoma sita em ..., aí passando a residir.
Alega anda que posteriormente, a Autora instaurou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que foi autuada em 23/5/2017, sob o nº 1279/17...., do Juízo de Família e Menores ... – Juiz ..., tendo o casamento entre a Autora e o 1º Réu sido dissolvido por sentença de 27/4/2018, já transitada em julgado.
Em momento anterior ao seu casamento, mais precisamente em 8/2/2008, a Autora e o 1º Réu, adquiriram a “fracção autónoma denominada pela letra ...,” sita em ... e supra-referida.
Sendo titulares, no regime da compropriedade, da fracção acima referida, a Autora e o 1º Réu teriam de suportar, em comum e em partes iguais, pelo menos, os encargos com a prestação mensal de reembolso do mútuo hipotecário, prestação mensal do seguro associado ao mútuo e encargos de condomínio.
Até Janeiro de 2012, esses encargos comuns foram realmente assumidos pela Autora e pelo 1º Réu, na dita proporção de metade, no entanto, a partir de Fevereiro de 2012, data da separação do casal, e daí em diante, e durante cerca de cinco anos, até Fevereiro de 2017, o 1º Réu não procedeu a qualquer pagamento inerente aos ditos encargos, apesar de dizerem respeito a uma fracção na qual estava instalado e da qual, ainda por cima, só ele usufruía.
Assim, no período em causa (Fevereiro de 2012 a Fevereiro de 2017), os encargos inerentes à dita fracção foram integralmente liquidados pela autora, tendo a autora pago a quantia global de 23.960,38 €.
Concretiza, que tem um crédito sobre o réu no valor de 9.240,87 €, a que acrescem juros moratórios, contados, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Além disso, sustenta, no período decorrido entre Março de 2020 e Outubro de 2020, a Autora assegurou ainda o pagamento da quantia de 2.917,60 €, respeitante a encargos mensais do mútuo hipotecário e do seguro associado, pelo que peticiona do 1º Réu o valor correspondente a metade – no montante de 1.458,50 €, a que acrescem juros moratórios, contados, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Mais sustenta ainda que a Autora e o 1º Réu eram titulares de uma conta poupança aberta na agência de ... da Banco 1..., a que correspondia o nº ...61, cujo saldo lá depositado pertencia integralmente à autora, sendo que no dia 8/3/2017, e de uma só vez, o 1º Réu procedeu ao levantamento da quantia de 16.539,81 €, que fez sua.
Por outro lado, sustenta que, desde que autora e o 1º réu se separaram de facto e este foi residir na fracção autónoma identificada, não mais a Autora acedeu à referida fracção, a qual ficou na exclusiva disponibilidade do 1º Réu.
Aproveitando-se da circunstância de manter o acesso exclusivo à referida fracção, o 1º Réu danificou a fracção e retirou do seu interior diversos materiais e apetrechos que dela fazem parte integrante, nomeadamente, as louças de casa de banho, com o recuperador de calor, com os radiadores e com todo o mobiliário da cozinha, retirando mesmo o contador da água.
Mais invoca que a actuação do Requerido causou à fracção danos ou uma diminuição em valor não inferior a 20.000,00 €, cujo ressarcimento, na proporção de metade, a autora pretende.
Finalmente, mais invoca que o único património que se conhecia ao 1º Réu era o quinhão correspondente a 50% de que o mesmo era titular na fracção autónoma supra-referida sendo que, até pouco tempo antes da instauração do procedimento cautelar, o património do aqui 1º Réu incluía ainda duas viaturas automóveis, a saber: MINI COOPER ...., matrícula ..-..-BG e ..., matrícula ..-..-UD.
Todavia, em 23/6/2021 o 1º Réu tratou de transferir a titularidade dessas duas viaturas para aqui 2ª Ré, esvaziando o seu património.
Sustenta que o 1º Réu usou a 2ª Ré como embuste para efeito de encobrir o seu património automóvel, o que fez com o único e exclusivo propósito de obstar à penhora dos veículos automóveis em apreço, passando a detê-lo através da 2ª Ré.
Fê-lo ainda, sustenta, em conivência com a 2ª Ré, que não teve pejo, bem sabendo da situação em que se encontrava o 1º Réu, em pactuar com esta situação – assim se tornando titular, formalmente, não de uma, mas de duas viaturas automóveis daquele.
Citado para contestar, o réu apresentou contestação fora do prazo, invocando justo impedimento para que a mesma fosse admitida.
O Tribunal indeferiu a esse seu requerimento e não aceitou a contestação nos autos.
De seguida o réu pretender veio interpor recurso autónomo desse despacho que não aceitou o justo impedimento, invocando o disposto no artigo 644º,1,a do CPC mas tal recurso não foi admitido, com o fundamento de que tal decisão não é autonomamente recorrível.
Nas alegações escritas, a autora veio deduzir ampliação do pedido, peticionando: a condenação do 1º réu, em valor a liquidar posteriormente, destinado a ressarcir a Autora pelo dano autónomo decorrente do facto de, enquanto o 1º Réu se instalou sozinho na fracção autónoma acima referida, a Autora ter sido privada de retirar da dita fracção as utilidades, patrimoniais e não patrimoniais, que o bem era apto a proporcionar-lhe.
A ampliação foi admitida.
Seguidamente, foi proferido despacho a considerar que os factos provados resultam da falta de contestação válida dos réus e da força probatória dos documentos referidos nos factos provados, pelo que nos termos do disposto no artigo 566º e 567º do Código de Processo Civil, foram considerados confessados os factos articulados pelo autor.
Foi então proferida sentença, que julgou totalmente procedente a presente acção e, em consequência:
A) Condenou o 1º Réu BB a pagar à Autora AA as seguintes quantias:
i) €10.699,37 (dez mil, seiscentos e noventa e nove euros e trinta e sete cêntimos), respeitante a crédito da Autora por valores pagos em excesso no contexto de encargos comuns, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento;
ii) €16.539,81 (dezasseis mil, quinhentos e trinta e nove euros e oitenta e um cêntimos), respeitante ao valor de saldo bancário de que o 1º Réu se apropriou indevidamente, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 8/7/2017 e vincendos até efectivo e integral pagamento;
iii) €10.000 (dez mil euros), respeitante a 50% do valor dos danos causados pelo 1º Réu na à fracção autónoma em causa nos autos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento; B) Mais decidiu condenar o 1º Réu BB a pagar à autora AA o valor que se vier a liquidar em liquidação de sentença, indemnizando a Autora pelo dano autónomo decorrente da privação do uso do imóvel referido no artigo 1º dos factos provados. C) Declarou a ineficácia relativamente à Autora AA da transferência para a 2ª Ré CC da titularidade das viaturas automóveis MINI COOPER ...., matrícula ..-..- BG, e ..., matrícula ..-..-UD, e, em consequência,
i) Reconheçeu o direito da autora AA à restituição das mesmas ao património do 1º réu BB e, como tal, podendo a Autora AA executar tais viaturas no património da 2ª Ré CC.
Inconformado com esta sentença, o réu dela interpôs recurso, e requereu que o mesmo fosse admitido com efeito suspensivo.
O Tribunal admitiu o recurso, como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, mas indeferiu à fixação do efeito suspensivo, tendo por isso o recurso subido com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).
O recorrente termina a respectiva motivação com as seguintes 116conclusões: 1. O Recorrente foi notificado da Sentença proferida sob a Ref.: ...50, que ali se encontra identificada no item III; e que é antecedida por dois Despachos, sendo o primeiro identificado no item I. - Do Recurso Interposto; e o segundo, sob o item II. - Da Ampliação do Pedido, e tendo aquela (Sentença) julgado totalmente procedente, por provada, a acção intentada pela Autora, e tendo ainda admitido a ampliação do pedido e, em consequência:
A) Condenou o 1.º Réu a pagar à Autora as seguintes quantias:
i) €10.699,37 (dez mil, seiscentos e noventa e nove euros e trinta e sete cêntimos), respeitante a crédito da Autora por valores pagos em excesso no contexto de encargos comuns, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento;
ii) €16.539,81 (dezasseis mil, quinhentos e trinta e nove euros e oitenta e um cêntimos), respeitante ao valor de saldo bancário de que o 1.º Réu se apropriou indevidamente, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 8/7/2017 e vincendos até efectivo e integral pagamento;
iii) €10.000 (dez mil euros), respeitante a 50% do valor dos danos causados pelo 1.º Réu na fracção autónoma em causa nos autos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento;
B) Mais decidiu condenar o 1.º Réu a pagar à autora AA o valor que se vier a liquidar em liquidação de sentença, indemnizando a Autora pelo dano autónomo decorrente da privação do uso do imóvel referido no artigo 1º dos factos provados.
C) Declarou a ineficácia relativamente à Autora da transferência para a 2.ª Ré da titularidade das viaturas automóveis MINI COOPER ...., matrícula ..-..- BG, e ..., matrícula ..-..-UD, e, em consequência,
i) Reconhecer o direito da Autora à restituição das mesmas ao património do 1.º Réu e, como tal, podendo a Autora executar tais viaturas no património da 2.ª Ré. 2. A Sentença de que agora se recorre, em momento prévio à sua prolação, compreende, como se disse, um Despacho, numerado no item I, que decidiu da não admissão do Recurso que havia sido interposto pelo aqui 1.º Réu, relativamente à Decisão que o Tribunal a quo havia proferido sob a Ref.: ...53, e que julgou improcedente, por não provado, o justo impedimento invocado pelo Mandatário do 1.º Réu, e nessa circunstância, não admitiu a Contestação apresentada, determinando o seu desentranhamento. 3. Não se conformando com tais Decisões (Despacho que julgou improcedente o invocado justo impedimento – Ref.: ...53; Despacho que admitiu a ampliação do pedido, e Sentença – esta sob a Ref.: ...50), vem o 1.º Réu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3, ambos do art.º 644.º, conjugado com a primeira parte do n.º 1 do art.º 638.º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, interpõe o presente recurso de apelação.
Recurso prévio:
I. Do Despacho Ref.: ...53 - que julgou improcedente o Justo Impedimento: 4. Esta primeira parte do recurso vem interposto do Douto Despacho proferido nos autos identificados em epígrafe, sob a Ref.: ...53, que julgou improcedente, por não provado, o Justo Impedimento invocado pelo Mandatário do 1.º Réu, aqui Recorrente, e nessa circunstância, não admitiu a Contestação apresentada, determinando o seu desentranhamento, tendo sido, por isso, julgado á revelia. 1. Da Rectificação do Erro de Escrita do Douto Despacho Recorrido: 5. O Douto Despacho deu como provado, no seu Ponto 3:
“3. O Ilustre Mandatário do réu remeteu para o correio electrónico deste Tribunal no dia 11 de Março de 2022, às 23:53h, a mesma peça processual referida em 2), conforme documento junto aos autos a fls. 165, ref.ª ...63, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.” 6. No primeiro entanto, parágrafo da fundamentação da Decisão a Meritíssima Juiz escreveu: “Em primeiro lugar, é incontroverso que o Ilustre Mandatário da ré fez chegar aos autos a contestação via correio electrónico no dia 12 de Março, portanto no 3º dia útil após o último dia do prazo para contestar” e, bem assim, que a contestação foi apresentada via citius já no dia 12 de Março, portanto, no 1º dia fora do prazo admissível.” (sublinhado meu). 7. Daqui resulta um evidente lapso de escrita, porque o facto ocorreu a 11 de Março de 2022, e não a 12, razão pela qual, e ao abrigo do art.º 249.º, do C.Civil, por aplicação do art.º 614.º, n.º 1 e n.º 2, este do C.P.Civil, requer a respectiva rectificação, passando a constar na referida fundamentação a data de “11 de Março”.
2. Os concretos pontos de Facto que considera incorrectamente julgados (art.º 640.º, n.º 1 al. a), do C.P.Civil): 8. No Requerimento em que invocou a existência de justo impedimento, junto aos presentes autos sob a Ref.: ...73, o Mandatário do 1.º Réu, alegou o seguinte facto: “1. O aqui Subscritor, depois de rever a Contestação, concluiu aquela peça às 23:41 de 11 de Março de 2022, conforme fotografia retirada ao monitor do seu computador que se junta como doc. n.º ....”; 9. Este facto, que diz respeito à conclusão da Contestação em formato PDF às 23:41, está comprovado pelo documento que o Mandatário juntou como doc. n.º ..., e não foi impugnado pela Autora, devendo, em face destes meios probatórios serem admitidos por acordo, conforme o n.º 2 do art.º 574.º, conjugado com o n.º 4 e parte final do n.º 5, estes do art.º 607.º, ambos do C.P.Civil, e nos termos do n.º 1 do art.º 662.º, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do art.º 640.º, requer ao Tribunal da Relação de Guimarães, passar a fazer constar da decisão como facto provado:
“O Mandatário do Réu concluiu a Contestação em formato PDF às 23:41 de 11 de Março de 2022.”. 2.3: Da alteração cronológica dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 10. Tal como surgem provados no Despacho sob crítica, levou a que o próprio Tribunal a quo tivesse feito uma incorrecta compreensão dos acontecimentos, de que resultou o erro julgamento, e porque a dinâmica dos factos assenta no rigor cronológico dos documentos juntos aos autos, e que não foram impugnados, REQUER A V.EXAS. se digne, ao abrigo do n.º 1 do art.º 662.º, do C.P.Civil, proceder à fixação dos factos provados mas segundo a sua sequência cronológica, de acordo com os seus exactos registos, passando a dar-se como assente:
“1. Os Réus foram citados para contestar por via postal registada, tendo os AR sido assinados pelo 1º réu a 1/2/2022, conforme ARs juntos aos autos a fls. 145 e 146, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2. O ilustre Mandatário do réu realizou as seguintes sequências de acções registadas para o utilizador:
-2022-03-11 23:42:32 – Login
-2022-03-11 23:44:06 – Login
-2022-03-11 23:44:25 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:45:58 – Login
-2022-03-11 23:46:18 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente
3. O Ilustre Mandatário do réu remeteu a contestação para o correio electrónico deste Tribunal no dia 11 de Março de 2022, às 23:53h, conforme documento junto aos autos a fls. 165, ref.ª ...63, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
4. O ilustre Mandatário do réu continuou a realizar as seguintes sequências de acções registadas para o utilizador:
-2022-03-11 23:53:43 – Login
-2022-03-11 23:54:08 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:55:48 - Identificou com sucesso processo com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:55:56 - Criou peça processual com refª ...77
-2022-03-11 23:58:31 – Anexou documento BB - Contestação.pdf
-2022-03-11 23:59:02 - Enviou para assinatura
-2022-03-11 23:59:50 - Iniciou o SIGNIUS
-2022-03-11 23:59:56 - Autenticou-se no SIGNIUS
-2022-03-11 23:59:59 - Visualizou peça processual no SIGNIUS
-2022-03-12 00:00:10 - Assinou peça processual no SIGNIUS.”.
5. O Ilustre Mandatário do réu apresentou contestação nos autos no dia 12/3/2022, via Citius, às 00:00:10, conforme atestado electronicamente na peça processual referida junta aos autos a fls. 147, com a ref.ª ...45, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
6. Não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no sistema de acesso aos Tribunais período do dia 11 de Março desde as 23:42 horas.
2.4.: Do Justo Impedimento: 10. O Mandatário do 1.º Réu apresentou a Contestação a juízo (em formato PDF e acompanhada de Procuração), às 23:53 de dia 11 de Março de 2022, por via electrónica para o e-mail do Tribunal, correspondendo esse dia 11 de Março de 2022 ao 3.º dia útil após o termo do prazo, ou seja, era o último dia para a prática do acto. 11. Não obstante da apresentação da Contestação por aquela via electrónica, o Mandatário do 1.º Réu voltou a apresentá-la por via electrónica do “Citius”, com entrada às 00:00:10 do dia 12 de Março de 2022, isto é, 10 segundos depois do último dia para a prática do acto. 12. Invocado o justo impedimento o Mandatário do 1.º Réu requereu a prova:
“Solicitar à equipa de apoio informático do “Citius” informação sobre o registo de hora de entrada no sistema informático do aparelho (computador) do aqui Subscritor, por volta das 23:41 ou 23:42 do dia 11 de Março de 2022, para envio da Contestação, e se nesse período de tempo há sinais do sistema não ter deixado prosseguir na conclusão do envio de peças processuais.” 13. Deferida a prova requerida, a equipa de apoio informático do “Citius” prestou a seguinte informação – Ref.: ...07: “não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no período referido;
Abaixo fica a sequência de acções registadas para o utilizador no mesmo período:
-2022-03-11 23:42:32 – Login
-2022-03-11 23:44:06 – Login
-2022-03-11 23:44:25 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:45:58 – Login
-2022-03-11 23:46:18 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:53:43 – Login
-2022-03-11 23:54:08 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:55:48 - Identificou com sucesso processo com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:55:56 - Criou peça processual com refª ...77
-2022-03-11 23:58:31 – Anexou documento BB - Contestação.pdf
-2022-03-11 23:59:50 - Iniciou o SIGNIUS
-2022-03-11 23:59:56 - Autenticou-se no SIGNIUS
-2022-03-11 23:59:59 - Visualizou peça processual no SIGNIUS
-2022-03-12 00:00:10 - Assinou peça processual no SIGNIUS.”. 14. A informação prestada pela equipa de apoio do “Citius” é elucidativa, e comprova, sem margem para duvidas, aquilo que Mandatário havia invocado quando apresentou a Contestação por e-mail, e no Requerimento Ref. ...73, ter tentado apresentar aquela peça por via electrónica do “Citius”, mas não ter conseguido prosseguir, sendo certo que se encontram registadas três tentativas de envio:
-às “23:42:32”;
-às “23:44:06”, tendo conseguido prosseguir “com finalidade juntar a processo existente” “23:44:25”;
-às “23:45:58”, tendo de novo prosseguindo “com finalidade juntar processo existente.” “23:46:18”. 15. Certo é que em todas estas três tentativas o sistema informático do “Citius” não permitiu que se prosseguisse na conclusão do envio da Contestação, desconhecendo o Mandatário do 1.º Réu a razão de tais circunstâncias. 16. Aquelas três tentativas, sem sucesso, na conclusão do envio da peça processual pela plataforma do “Citius” são factos estranhos à vontade do Mandatário do 1.º Réu, e que o mesmo não sabe explicar, não lhe podendo, por isso, serem imputados, pois não deu lhes deu causa. 17. E porque, por três vezes, se viu impedido de remeter a peça processual através do sistema informático, o Mandatário do 1.º Réu procedeu à apresentação da Contestação recorrendo à via electrónica para o e-mail do Tribunal a quo, às 23:53, de dia 11 de Março, conforme Requerimento junto aos autos sob a Ref.ª ...96. 18. O recurso à apresentação da Contestação pela via do correio electrónico, só ocorreu porque nos 11 (onze) minutos anteriores, desde as 23:42:32 até às 23:53, o Mandatário do 1.º Réu esteve impedido, porque não conseguiu prosseguir com o seu envio pelo sistema informático do “Citius”. 19. Só assim se pode explicar porque é que o Mandatário do 1.º Réu recorreu, em alternativa, à apresentação da Contestação via electrónica para o e-mail do Tribunal a quo.
Pois, 20. Caso contrário, se numa daquelas três ocasiões o sistema tivesse permitido prosseguir, a Contestação teria sido junta por via electrónica do “Citius”. 21. O Tribunal a quo deveria ter feito operar uma presunção judicial, nos termos do art.º 349.º e 351.º, do C.Civil: Partindo do facto conhecido, e que se encontra provado sob a numeração 3: “3. O Ilustre Mandatário do réu remeteu para o correio electrónico deste Tribunal no dia 11 de Março de 2022, às 23:53h, a mesma peça processual referida em 2)”. 22. E confrontando esse facto com aqueles que o Mandatário do 1.º Réu havia anteriormente praticado: “5. O ilustre Mandatário do réu realizou as seguintes sequências de acções registadas para o utilizador:
-2022-03-11 23:42:32 – Login
-2022-03-11 23:44:06 – Login
-2022-03-11 23:44:25 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente
-2022-03-11 23:45:58 – Login
-2022-03-11 23:46:18 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente 23. Podemos logicamente concluir, através de um raciocínio lógico e segundo as regras da experiência comum, com grau de certeza, que aquele facto em “3. é uma consequência dos anteriores, factos em “5.; e bem assim, que aquele facto em “3. só aconteceu porque aconteceram os factos em “5.., como ainda: se os factos em“5.. não se tivessem verificado, nunca teria ocorrido o facto em “3.
Isto é, 24. Porque o fim a que se destinava a prática dos três primeiros factos não foi alcançado – apresentar a Contestação via electrónica do “Citius”, determinou à prática do último facto – apresentar a Contestação via electrónica por e-mail. 25. Foi nesse período de tempo, entre as 23:42.32 e a 23:53, que o Mandatário do 1.º Réu não conseguiu, porque impedido, de remeter a Contestação pelo “Citius”. 26. Os factos que se encontram provados, e que são essenciais à verificação do justo impedimento, são aqueles que comprovam a existência das três sucessivas conexões (Login) efectuadas pelo Mandatário do 1.º Réu com o sistema “Citius”, para juntar a processo existente, e a subsequente apresentação da Contestação via electrónica para o e-mail do Tribunal a quo, e demonstra, inequivocamente, que tal só se deveu a circunstâncias imprevisíveis, excepcionais ou furtuitas, que nada fazia prever que pudessem acontecer. 27. Desde a data da sua implementação que do sistema electrónico do “Citius” que a sua utilização pelo Mandatário do 1.º Réu é diária e permanente, de quase 20 anos no seu manuseamento, constituindo, uma usual e imprescindível ferramenta de trabalho no exercido profissional da Advocacia, com inscrição ininterrupta desde o dia .../.../2003, conforme cópia da cédula que junta em anexo. 28. O impedimento no envio da Contestação pelo sistema informático do “Citius” não se deveu a falta de perícia, ineptidão, imprevidência ou descuidada actuação do Mandatário do 1.º Réu, não tendo actuado com culpa. 29. A sequência daquelas três ligações com o sistema electrónico do “Citius”, e que correspondem às três tentativas frustradas que se destinavam a juntar a Contestação ao processo existente no Tribunal ..., conjugada com o facto ter sido depois enviada por correio electrónico, demonstra, inequivocamente, que tal só se deveu a circunstâncias imprevisíveis, excepcionais ou furtuitas, que nada fazia prever que pudessem acontecer. 30. Na fundamentação do Despacho o Tribunal a quo baseou-se num facto que disse estar provado “mostrando-se assente nos autos que não houve qualquer falha informática no sistema de acesso aos Tribunais,”
Mas, nos factos assentes, aquele facto não se encontra provado.
Ou seja, 31. Não se provou: “que não houve qualquer falha informática no sistema de acesso aos Tribunais, vulgo citius, no dia 11 de Março” 32. E com base nesse facto não provado, o Tribunal a quo considerou: “invoca o réu que não conseguiu prosseguir com o envio da peça processual.
Mesmo que se aceite tal premissa, não demonstra o réu que a causa tenha sido um facto que não lhe é imputável”. 33. O Tribunal não pode fundamentar a sua Decisão num facto que não se encontra provado. 34. Ao Juiz é permitido que aprecie livremente a prova segundo a sua prudente convicção cerca de cada facto, estando-lhe, no entanto, vedado, fundamentar a Decisão em factos que não se encontram provados, preterindo assim, e em absoluto, a matéria que o próprio Tribunal considerou assente, por violação do n.º 4 e do n.º 5, ambos do art.º 607.º, do C.P.Civil. 35. O Tribunal a quo incorreu em novo erro de julgamento, distorcendo a realidade factual constante dos autos, porquanto os fundamentos do Despacho proferido, não correspondem à realidade ontológica, revelando uma clara contradição entre os factos provados e a Decisão. 36. O que a equipa técnica informou, foi: “não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no período referido; 37. Não existir registo da ocorrência problemas técnicos/erro, não é a mesma coisa de não ter havido qualquer falha informática no sistema. 38. A equipa técnica do “Citius” limitou-se apenas a informar que não houve registo da ocorrência, e isso poderá significar que ninguém reportou a ocorrência aos serviços técnicos. 39. O Mandatário do Réu não reportou à equipa de apoio, tendo, no entanto, reportado aquelas inesperadas e imprevisíveis circunstâncias impeditivas ao Tribunal a quo, na pessoa do Senhor Escrivão de Direito, no e-mail em que juntou a Contestação, às 23:53 de dia 11 de Março. 40. A equipa técnica do “Citius” informou apenas que “não existe registo da ocorrência problemas técnico/erro”, dai não se pode concluir que o Mandatário do 1.º Réu não demonstrou que a causa tenha sido um facto que não lhe é imputável, desconhecendo as causas que impediram o envio da Contestação pelo “Citius”. 41. Se o Mandatário do 1.º Réu fez tudo o que estava ao seu alcance para enviar a peça processual via “Citius” para o Tribunal, tendo tentado por três vezes o seu envio, como demonstram a informação da equipa técnica, e não o tendo conseguido fazer, porque não prosseguiu na aplicação, e não havendo registo dessa ocorrência, é de imputar tal facto ao aqui Subscritor? 42. Exige-se às partes, neste caso aos seus Mandatários, que procedam com a diligência normal, não lhes sendo, porém, exigível que entrem em linha de conta com factos ou circunstâncias excepcionais. Faz-se, com isto, apelo a uma ideia de culpa. 43. Onde está o facto donde se possa retirar a conclusão que foi o Mandatário do 1.º Réu que deu causa à não progressão para o envio da Contestação? 44. Onde está o facto, ou o acto praticado pelo Mandatário do 1.º Réu, donde se possa concluir que o mesmo actuou com culpa na produção daquele resultado? 45. No texto do Despacho sob crítica, o Tribunal a quo não refere, nem faz qualquer alusão, que o Mandatário do 1.º Réu agiu com culpa na produção do impedimento à prática do acto. 46. Da matéria assente não consta qualquer facto que dê como provado que o Mandatário do 1.ºRéu actuou com culpa, ou que pelo menos concorreu para a verificação do evento. 47. Depois da apresentação da Contestação por via electrónica para o e-mail do Tribunal, o Mandatário do 1.º Réu não desistiu de continuar a tentar o envio da Contestação pelo sistema informático do “Citius”, ainda naquele mesmo dia 11. 48. E em novo ensaio, conectou-se (Login) às 23:53:43, tendo nesta ocasião o sistema ter permitido a prosseguimento do seu envio, com os seguintes registos:
-23:53:43 – Login”;
-23:54:08 – Iniciou assistente com finalidade juntar a processo existente”;
-23:55:56 – Criação de pela processual com Ref.ª ...77”;
-23:58:31 – Anexou documento BB – Contestação.pdf”;
-23:59:02 – Envio para assinatura”;
-23:59:50 – Iniciou o Signius”;
-23:59:56 – Autenticação no Signius”;
-23:59:59 – Visualização peça processual”;
-00:00:10 – Assinatura peça processual”. 49. Só à 4.ª tentativa, com início às 23:53:43, e fim às 00:00:10 (com a assinatura da peça) é que o Mandatário do 1.º Réu conseguiu remeter a Contestação pela plataforma electrónica, tendo o sistema demorado 06 minutos e 27 segundos a concluir toda a operação. 50. Significa isto o seguinte:
-Se aquando do 1.ª acesso à via electrónica do “Citius” (Login às 23:42:32) tivesse conseguido prosseguir até à assinatura, a Contestação teria dado entrada às 23:48:59;
-Se aquando do 3.ª acesso à via electrónica do “Citius” (Login às 23:45:58) tivesse conseguido prosseguir até à assinatura, a Contestação teria dado entrada às 23:52:25. 51. Se se considerar que a data da prática do acto corresponde à assinatura da peça, então a Contestação enviada através do “Citius” deu entrada a juízo ... segundos depois de findo o prazo. – 12 de Março de 2022, o que é uma tremenda injustiça. 52. A Contestação enviada por correio electrónico para o e-mail do Tribunal ..., às 23:53 de dia 11 de Março de 2022, consta dos factos assentes, e foi incorporada no Processo informático através da sua introdução na plataforma “Citius”, sob a Ref.: ...63. 53. Pelo que está assegurada a integridade, a autenticidade e a inviolabilidade daquela peça, não tendo acarretado delongas ou entorpecimentos ao processo, nem dai resultou nenhum prejuízo para a Autora, nem a mesma alegou isso. 54. O conceito de “justo impedimento” assenta na não imputabilidade do facto obstaculizador da prática atempada do acto à parte ou ao Mandatário, justamente por se evidenciar que não houve culpa (e seu juízo de censurabilidade) na sua produção, sem que seja decisiva a imprevisibilidade do acontecimento. 55. Dispõe o art.º 140.º, n.º 1 do C.P.Civil: “Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.”. 56. O n.º 2 desse mesmo artigo estabelece: “A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.”. 57. A actual redacção do número 1 do art.º 140.º foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, e manteve-se com a Lei n.º 41/2013 de 26/06. 58. As linhas orientadoras da reforma sinalizaram “a flexibilização do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria.”, citado por Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2.ª Ed., pág. 273. 59. Com a redacção actual, segundo Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol I, Almedina, 2.ª Ed., pág. 146), “o que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do C. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas”. 60. Para Miguel Teixeira de Sousa, in “Apreciação de alguns aspectos da “revisão do processo civil – projecto “(Revista da Ordem dos Advogados, ano 55, Vol II, pág. 387), na nova redacção, “o justo impedimento pode ter reconhecimento mesmo quando não tenha ocorrido nenhum facto imprevisível. Basta, neste caso, que a omissão do acto resulte de um erro desculpável da parte, para que se deva considerar relevante o referido justo impedimento e para que a parte seja admitida a praticá-lo fora do respectivo prazo.” 61. “O que revela, pois, decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório.”, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/07/2010, in www.dgsi.pt.
Ao caso presente, 62. A informação prestada pela equipa de apoio do “Citius” confirma que o Mandatário do 1.º Réu havia tentado apresentar aquela peça por via electrónica do “Citius”, sem sucesso, conforme registo três tentativas de envio:
-às “23:42:32”;
-às “23:44:06”, tendo conseguido prosseguir “com finalidade juntar a processo existente” “23:44:25”;
-às “23:45:58”, tendo de novo prosseguindo “com finalidade juntar processo existente.” “23:46:18”. 63. E porque, por três vezes, se viu impedido de remeter a peça processual através do sistema informático, o Mandatário do 1.º Réu procedeu à apresentação da Contestação recorrendo à via electrónica para o e-mail do Tribunal a quo, às 23:53, de dia 11 de Março, conforme Requerimento junto aos autos sob a Ref.ª ...96. 64. O recurso à apresentação da Contestação pela via do correio electrónico, só ocorreu porque nos 11 (onze) minutos anteriores, desde as 23:42:32 até às 23:53, o Mandatário do 1.º Réu esteve impedido, porque não conseguiu prosseguir com o seu envio pelo sistema informático do “Citius”. 65. Na fundamentação que sustentou a decisão proferida no Despacho aqui em crise, Tribunal a quo baseou-se num facto que disse estar provado “mostrando-se assente nos autos que não houve qualquer falha informática no sistema de acesso aos Tribunais,” 66. No entanto, aquele facto não consta dos factos provados, pois não se provou: “que não houve qualquer falha informática no sistema de acesso aos Tribunais, vulgo citius, no dia 11 de Março” 67. O Tribunal não pode fundamentar a sua Decisão num facto que não se encontra provado, preterindo assim, e em absoluto, a matéria que o próprio Tribunal considerou assente, por violação do n.º 4 e do n.º 5, ambos do art.º 607.º, do C.P.Civil, distorcendo a realidade factual constante dos autos, revelando uma clara contradição entre os factos e a Decisão, evidenciando erro de julgamento. 68. Não havendo registo da ocorrência, não significa que ela possa ter ocorrido, pois está provado que antes de apresentar a Contestação via electrónica por e-mail, entrou por três vezes na plataforma dos Tribunais, mas não conseguiu progredir à conclusão do envio da peça processual. 69. Se se desconhece a causa, pois o próprio quando reportou ao Tribunal no e-mail que anexou a Contestação, logo informou que desconhecia o que se estava a passar, como é que se pode concluir que aquele evento é imputável ao Mandatário do 1.º Réu. 70. O Tribunal a quo deveria ter-se socorrido do mecanismo da presunção judicial, nos termos do art.º 349.º e 351.º, do C.Civil:
Levaria logicamente a concluir, através de um raciocínio lógico e segundo as regras da experiência comum, com grau de certeza, que aquele facto em “3. é uma consequência dos anteriores, factos em “5.; e bem assim, que aquele facto em “3. só aconteceu porque aconteceram os factos em “5.., como ainda: se os factos em“5.. não se tivessem verificado, nunca teria ocorrido o facto em “3. 71. Deve ter-se em atenção que o Mandatário do 1.º Réu, confrontado com um impedimento anormal e imprevisível – situação de excepcionalidade - mesmo depois de ter apresentado a Contestação por e-mail, não cruzou os braços e continuou a tentar enviá-la pelo “Citius”, conseguindo finalmente submeter a peça processual, logo que o sistema o permitiu. 72. Exige-se às partes, neste caso aos seus Mandatários, que procedam com a diligência normal, não lhes sendo, porém, exigível que entrem em linha de conta com factos ou circunstâncias excepcionais. Faz-se, com isto, apelo a uma ideia de culpa. 73. Não basta dizer que o evento é imputável ao Mandatário do 1.º Réu, tornando-se ainda necessário que o mesmo tivesse agido com culpa na sua produção, que lhe tivesse dado causa. 74. Da matéria assente não consta qualquer facto que dê como provado que o Mandatário do 1.º Réu actuou com culpa, ou que pelo menos concorreu para a verificação do evento, nem no texto do Despacho sob crítica, o Tribunal a quo não refere, nem faz qualquer alusão, que o Mandatário do 1.º Réu agiu com culpa na produção do impedimento à prática do acto. 75. A sequência daquelas três ligações com o sistema electrónico do “Citius”, e que correspondem às três tentativas frustradas que se destinavam a juntar a Contestação ao processo existente no Tribunal ..., conjugada com o facto ter sido depois enviada por correio electrónico, tendo depois conseguido remeter pelo “Citius”, leva a crer que tal só se deveu a circunstâncias imprevisíveis, excepcionais ou furtuitas, que nada fazia prever que pudessem acontecer. 76. Neste quadro, visto o que acima se deixou consignado, tem que se concluir que o Mandatário do 1.º Réu agiu com a diligência devida que os meios processuais lhe facultavam, não merecendo um juízo de censura e, nessa medida, a ultrapassagem do prazo peremptório para a apresentação do articulado Contestação não lhe é imputável, mas acima de tudo, não tendo actuado com culpa, ocorrendo, por isso, uma situação de justo impedimento, enquadrável no art.º 140.º do C.P.Civil. 77. “Tendo havido impossibilidade de a parte praticar o acto processual na plataforma do sistema informático “Citius”, é legalmente admissível a apresentação da Contestação do correio electrónico”, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/10/2015, Proc. n.º 3389/13.8 TBVIS.C1, in www.dgsi.pt. 78. No C.P.Civil aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26/06, a apresentação em juízo dos actos que devem ser praticados por escrito pelas partes (como, neste caso, a Contestação) é feita, em regra, por “transmissão electrónica de dados” através do sistema informático Citius, conforme art.º 132.º, n.º 1 e n.º 2, conjugado com o art.º 144.º, n.º 1, e a Portaria nº 280/2013 de 26/8. 79. O DL n.º 97/2019, de 26/07, procedeu a novas alterações ao C.P.Civil, nomeadamente à introdução da alínea d) do referido n.º 7 do art.º 144.º, estabelecendo, a partir daquele momento, que quando a causa não importe a constituição de mandatário e não esteja representada por mandatário, a parte pode apresentar peças processuais em juízo, através da: e) “Entrega por via electrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática a da respectiva expedição.”. 80. Apesar da alteração operada neste número 4, que passou a figura como n.º 3 naquele art.º 137.º, o corpo do texto manteve-se, no essencial, igual: “Os actos das partes podem ser praticados por via electrónica ou através de telecópia em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.”. 81. Coloca-se, então, a questão de saber se havendo impossibilidade de praticar o acto no sistema Citius pode a parte, rectius o seu mandatário, utilizar o correio electrónico. 82. Uma vez que não está posta em causa a recepção da Contestação no Tribunal a quo, constando mesmo dos factos provados, a sua autenticidade, o envio por comunicação electrónica (correio electrónico) parece equivaler, no que tange à força probatória, à remessa por correio registado, prevista no art.º 144.º, n.º 7, alínea b) C.P.Civil. 83. A alínea d) do n.º 7 do art.º 144.º, do C.P.Civil já tem três anos de vigência, e não pode estar dependente de uma regulamentação, porque não faz sentido, sendo que o C.P.Civil já foi objecto de outras 3 alterações e aquela alínea manteve-se. 84. A falta de regulamentação não é impeditiva da sua aplicação, tanto é que já se encontrava estabelecida a possibilidade de as partes praticarem actos por correio electrónico para o Tribunal, nos termos enunciados no n.º 3 do art.º 137.º, do C.P.Civil, nem faria o mais pequeno sentido, colocar o legislador o próprio Estado Português em responsabilidade por omissão legislativa, sendo que em circunstância alguma os cidadão podem ser prejudicados por essa eventual omissão. 85. Negar aos Mandatário das Partes a possibilidade de enviar pelo correio electrónico as peças processuais para os Tribunais, quando impedidos de o fazer pela plataforma do Citius, só porque a alínea d) do n.º 7 do art.º 144.º, do C.P.Civil, de acordo com esta interpretação, era negar o exercício da defesa dos direitos e declinar o acesso ao Direito e aos Tribunais pelos cidadãos, consagrado no art.º 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual ora se invoca a respectiva inconstitucionalidade. 86. Do mesmo modo, uma interpretação do n.º 1 do art.º 140.º, do C.P.Civil, no sentido de que estando provado que a Equipa de Apoio do Citius apenas informou que não há registo de ocorrência de problemas técnicos/erro no sistema, daqui não resulta provado que o sistema tivesse qualquer falha, viola o mesmo principio constitucional do art.º 20.º, da C.R.P., devendo ser interpretado que a impossibilidade de envio da Contestação pela plataforma do Citius não lhe foi imputável, porquanto o havia tentado por três vezes e o sistema não deixou prosseguir. 87. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo C.P.Civil, Vol. I, Almedina, pág. 142: “a apresentação a juízo de um acto processual por meio não admitido constitui uma irregularidade.” 88. Face à evolução do regime legal, a presentação de peças processuais através de correio electrónico, apesar de não corresponder a uma forma de apresentação a juízo válida, constituiu uma mera irregularidade.
Tal irregularidade, contudo, tendo o acto sido efectivamente praticado, recebido pela secretaria e do conhecimento da contraparte, não se mostra susceptível de determinar a nulidade do acto praticado, tanto é, no presente caso, a Contestação apresentada em primeiro lugar pelo Mandatário do 1.º Réu, por via electrónica para e-mail, foi dado provado pelo Tribunal a quo e está inserido no sistema informático do “Citius” do próprio Tribunal, sob a Ref.: 89. Como é entendimento uniforme na Jurisprudência, entender o contrário, seria dar prevalência às formalidades relativas á apresentação de peças processuais sobre a substância do direito de deduzir contestação que pretende ser exercido, sendo certo que o Novo C.P.Civil, para evitar tais desequilíbrios veio consagrar no já referido art.º 6.º o dever de o Juiz promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção tendo em vista a justa composição do litígio, um processo equitativo, implica que não deva existir uma manifesta desproporção entre a gravidade da falta cometida e as graves e irremediáveis consequências processuais, designadamente, quando não se faculte à parte qualquer suprimento ou possibilidade de correcção da deficiente actuação processual. Em Acordão do STJ, de 10/12/2019, decidiu-se: “O recurso foi interposto por um meio não previsto pelo art.º 144.º, do C.P.Civil, a questão está em determinar se o recurso interposto por um meio não previsto deve ser rejeitado. Em resultado da ponderação entre os princípios e valores conflituantes, deve ligar-se ao facto de o recurso ter sido interposto por um meio não previsto consequências menos graves que a consequência extrema da rejeição – o do não conhecimento do mérito do recurso. Quando a irregularidade não esteja a coberta por um justo impedimento, a parte faltosa será (deverá ser) sancionada: em primeiro lugar, deverá ser condenada nas custas do incidente processual e, em segundo lugar desde que estejam preenchidos os pressupostos das alíneas c) ou d) do art.º 542.º, n.º 2, do C.P.Civil, poderá ser condenada como litigante de má fé”. “Sancionar a parte faltosa com a condenação em custas ou, em última análise, com a condenação em litigância de má fé é em todo o caso uma solução mais poupada quanto ao direito fundamental de acesso ao direito do que rejeitar o recurso, por causa da sua irregularidade.”
Em Acórdão do STJ, de 05/03/2015, ajuizou-se: “A única questão subsistente a resolver consiste em decidir a apresentação do requerimento de interposição de recurso de apelação pelo recorrente através de correio electrónico, configura algum vício processual e, em caso afirmativo, qual a natureza desse vício e se o mesmo é suprível. Também a propósito do actual artigo 144.º do Novo C:P.Civil, e mesmo sendo este taxativo nos n.ºs 1 e 2 quanto à obrigatoriedade dos actos processuais escritos serem apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, ressalvando os casos especiais previsto nos n.ºs 7 e 8, entende a doutrina que tal falta constitui mera irregularidade”. “O apuramento da verdade e a justa composição do litígio só podem ser alcançadas se as partes tiverem oportunidade de provar os factos alegados, o não ocorreu no caso concreto, devido a uma simples gralha no endereço electrónico do Tribunal, que não causou prejuízo a ninguém, nem perturbou o andamento do processo.” “O indeferimento da possibilidade do recorrente ver apreciado o requerimento de interposição de recurso de apelação por si interposto, como consequência deste ter sido apresentado por correio electrónico, e sob a invocação de uma dificuldade inexplicável de acesso à plataforma Citius, atento o princípio constitucional de garantia d acesso ao direito, justificava que, no caso, fosse dada a possibilidade ao recorrente de vir praticar o acto por alguma das formas legalmente admissíveis, sendo certo que terá cometido um incidente tributável.”. 90. O art.º 2.º, do CPC, sob a epígrafe de “Garantias de acesso aos tribunais”, estabelece o n.º 2: “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, … bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.” 91. Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, que constitui, ele mesmo, um direito fundamental, inerente à ideia de Estado de Direito, porquanto ninguém pode ser privado de levar a sua causa à apreciação dos tribunais, por isso o art.º 20.º, da Constituição consagra um direito fundamental, pois é uma norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático. 92. A imposição constitucional da tutela jurisdicional efectiva impende, em primeiro lugar, sobre o legislador, que a deve tomar em consideração na organização dos tribunais e no recorte dos instrumentos processuais, sendo-lhe vedado a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais, e na criação de situações de indefesa. “Há-de assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual a “proibição da indefesa”, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses.”, conforme Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., 1993, Vol. I, págs. 163 e 164, e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 223/95, publicado na II Série do Diário da República de 27/06/1995. 93. Dizer ainda que, como referem aqueles dois eminentes constitucionalistas, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Ed., 2007, Vol. I, págs. 416 e 417: “O princípio da tutela judicial efectiva encontra outras refracções no texto constitucional. Os exemplos porventura mais importantes são o direito à tutela jurisdicional efectiva” “direito à decisão judicial em sede de processo civil com a prevalência da decisão de fundo sobre a mera decisão de forma e com a adopção do princípio da adequação formal (cfr. Cód. Proc. Civil, art.º 265.º - 2).”. 94. O poder/dever de gestão do processo do art.º 6.º, do CPC, desdobra-se em poder/dever de direcção do processo e em poder/dever de adequação formal. Como se salientam Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Sousa, in C.P.Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Ed., págs. 34-35. “Nesta sede, existe um largo campo de manobra para o juiz … adoptar medidas que se traduzem na simplificação e agilização processual e mesmo, em certos casos, na adequação formal prevista no art.º 547.º.”. 95. E no ponto 6 em anotação àquele mesmo artigo, referem: “No normativo afloram com precisão dois pilares fundamentais do processo: o da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais. … Em caso de conflito de interesses, impõe-se a intervenção reguladora do juiz com funções de tutela de direitos e de interesses juridicamente relevantes. De tudo isto deriva a sobreposição do direito substantivo ao direito processual, … Esta a real função do preceituado no art.º 6.º, no pórtico de entrada no CPC,” sendo reforçado no art.º 547.º, do C.P.Civil. 96. A este propósito ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Ed., 2007, Vol. I, pags. 392-393: “O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação; (b) princípio da exigibilidade; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionais, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Ora, 97. Ao caso em apreço, mesmo considerando a não verificação do justo impedimento, sempre o acto foi atempadamente praticado pelo Mandatário do 1.º Réu, com a apresentação da Contestação via electrónica para o e-mail do Tribunal. 98. Sendo cerro que, como já várias e repetidamente se deixou dito, aquela peça processual, enviada por e-mail, encontra-se no processo a fls. 165, sob a Ref.: ...63, tendo mesmo o Tribunal a quo considerado como facto provado, e o reconhecimento e a aceitação do recebimento da Contestação por e-mail, está garantida a integralidade, a autenticidade e a inviolabilidade do acto. 99. Quando o legislador alargou a possibilidade de as partes poderem praticar o acto via electrónica, com a alínea d) do n.º 7 do art.º 144.º, CPC, e decorridos mais de 3 anos não promoveu uma alteração á Portaria é porque não viu dessa necessidade, tendo em conta que continua a ser para todos mos efeitos um acto electrónico. 100. Deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma extraída interpretativamente dos art.º 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do Código Processo Civil, e a Portaria n.º 280/2013, na sua nova redacção, no sentido de não ser admitida a utilização de correio electrónico como meio legal de apresentação em juízo de actos escritos pelos sujeitos processuais, que determinava que a apresentação da contestação pelo réu, por correio electrónico, mesmo em caso de não se verificar justo impedimento, não é admissível, devendo ser rejeitado, já que essas normas com essa interpretação violam os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e aos Tribunais, do direito à tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso e do próprio direito à defesa, que se encontram consagrados nos art.ºs 2.º; 13.º; 18.º; e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa. 101. Deve ser igualmente declarada a inconstitucionalidade da norma extraída interpretativamente dos art.º 140.º, n.ºs 1, conjugado com o art.º 132.º, e 144.º, n.º 1, e a Portaria n.º 280/2013, na sua nova redacção, no sentido de não ser considerado como verificado justo impedimento quando os sujeitos processuais na apresentação em juízo de actos escritos através da via electrónica definidos na referida Portaria têm dificuldades no seu acesso, e não poderem pratica o acto por correio electrónico, já que essas normas com essa interpretação violam os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e aos Tribunais, do direito à tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso e do próprio direito à defesa, que se encontram consagrados nos art.ºs 2.º; 13.º; 18.º; e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa. 102. O Despacho Recorrido violou as normas do art.º 2.º, n.º 2; art.º 6.º; art.º 137.º, n.º 3; art.º 140.º, n.º 1 e n.º 2; art.º 144.º, n.º 7 al. d) e n.º 8; art.º 547.º; art.º 558.º, n.º 3; art.º 560.º; e art.º 607.º, n.º 4 e n.º 5, todos do C.P.Civil; e bem assim os art.º 349.º, e art.º 351.º, do C.Civil, e ainda o art.º 2.º; art.º 13.º; art.º 18.º, n.º 2; e art.º 20.º, n.º 1, parte final do n.º 4, e n.º 5, estes da Constituição R.P., por má interpretação do Direito.
II. Do Despacho Ref.: ...50 - que deferiu a ampliação do pedido:
103. A Autora, alegou que o 1.º Réu abandonou a casa dos seus pais (dela), por volta de Fevereiro de 2017, e se instalou na casa de morada de família, deixando aquela de ter acesso ao imóvel, porque na exclusiva disponibilidade dele, e que, por si só, configura um dano, porque a privou de retirar as utilidades, patrimoniais e não patrimoniais que lhe proporcionaria, violando o 1.º Réu o direito de propriedade da ex-mulher, que enumera como sendo os constantes nos art.º 1305.º, n.º 1 e art.º 1406.º, 1, ambos do C.Civil. 104. O Tribunal a quo não poderia ter admitido a ampliação do pedido, porque, segundo a regra do ónus da prova, estatuída no art.º 342.º, do C.Civil, quem alega o exercício ou a existência de um direito compete alegar factos conducentes á sua verificação, mediante prova, e a Autora limitou-se a alegar factos genéricos, sem concretizar um único prejuízo, já que alegou, de forma abstracta, que ficou privada de retirar vantagens patrimoniais e não patrimoniais, sem especificar de que modo o pretendia ou entendia fazer. 105. A limitou-se a alegar mas não concretizou em nenhum facto, nem nunca manifestou qualquer interesse ou vontade na utilização da coisa, nem sequer interpelou o 1.º Réu para esse efeito, pois nada trouxe aos presentes autos. 106. É do conhecimento oficioso do Tribunal a quo que o 1.º Réu foi condenado no âmbito do Proc. n.º 613/17...., tendo sido tendo-lhe sido aplicada uma medida de afastamento da Autora num raio de 300 metros, durante 2 anos e 2 meses, período correspondente ao da suspensão da execução da pena a que aquele foi condenado. 107. Também é do conhecimento oficioso do Tribunal a quo, por ofício no âmbito da Providencia Cautelar intentada em Julho de 2022 contra o 1.º Réu e contra a 2.ª Ré, tendo indicado para efeitos de citação a Rua ..., em ..., e que nada tem que ver com a morada da casa comum, e nem nessa ocasião a Autora solicitou as chaves. 108. Como bem decidiu o STJ, em Acordão de 04/12/2016, Proc. n.º 1690/12.7 TBMTA.L1-1: “A privação da utilização pelos demais consortes tem de ser apreciada em concreto e não em abstracto pela mera consideração da natureza ou fins a que a coisa de destina”. “Cabe ao comproprietário não utilizador alegar e provar que o uso do bem pelo outro o privou do uso concreto da coisa”. 109. Dizer ainda que não podia ser admitida a ampliação porque o direito invocado não compreende a mesma causa de pedir, nem tão pouco constituiu desenvolvimento ou consequência do pedido formulado nestes autos. 110. Nem dos factos assentes na Douta Sentença se aduz ao reconhecimento dos prejuízos alegados pela Autora. 111. Sem factos, não pode haver direito Razão pela, O Despacho de admissão da ampliação do pedido violou as normas do art.º 265.º, n.º 2, do CPCivil, e as normas do art.º 1305.º, e 1406.º, estes do C.Civil.
III. Da Sentença Ref.: ...50 112. Factos impugnados, porque mal julgados:
Facto 31)
Facto 39)
Facto 40) 113. A propriedade do dinheiro não advém de alegação, mas da proveniência, e só perante a demonstração dessa titularidade, caso contrário aplica-se o art.º 516.º, do C.Civil. 114. Não há danos na fracção a repor, porque a fracção foi vendida por 165.200,00 €, em venda judicial no dia 26 de Janeiro de 2023, no âmbito do Proc. n.º 797/20...., e o anúncio da venda foi ordenado por Despacho de 21/11/2022, sob a Ref. ...63. 115. Dizer ainda que a Autora apresentou proposta de compra do imóvel na abertura de proposta nessa data, pelo valor de 117.500,00 €, junta àqueles autos sob a Ref.: ...72. 116. Mal andou o Tribunal a quo, pelo que aqueles factos devem ser julgado como Não Provados, nos termos do n.º 1 do art.º 662.º, do C.P.Civil.
A recorrida contra-alegou, defendendo a confirmação integral da decisão recorrida, e apresentando as seguintes conclusões:
Não havendo qualquer circunstância que possa valer como justo impedimento a que o ilustre mandatário do Réu remetesse a contestação em prazo e pela plataforma CITIUS, a peça entrada tardiamente sempre deveria ser recusada.
Ainda que houvesse justo impedimento, tendo o ilustre mandatário do Réu remetido a contestação através de uma via (e-mail) não prevista nem autorizada por lei, a peça sempre deveria ser recusada.
Daí deveria resultar, como resultou, o desentranhamento da contestação, com as legais consequências, sendo acertada a decisão recorrida, que deve ser confirmada.
Foi também acertada a decisão que admitiu a ampliação do pedido deduzida pela Autora, devendo tal decisão ser confirmada.
Não há qualquer erro de julgamento da matéria de facto, devendo manter-se inalterada a correspondente decisão.
O recurso, em todas as suas vertentes, está votado ao insucesso, pelo que deve ser-lhe negado provimento, confirmando-se a sentença e demais decisões recorridas.
II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber: a) se deveria ter sido verificado o justo impedimento, com a consequência da admissão da contestação; b) se deveria ter sido admitida a ampliação do pedido; c) se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto.
Sendo certo que em caso de procedência da primeira parte do recurso, as restantes tornam-se inúteis.
III Conhecendo do recurso. 1. Por razões lógicas, a primeira questão a conhecer é a do justo impedimento, pois se essa parte do recurso proceder, toda a tramitação dos autos a seguir ao despacho que indeferiu a essa arguição terá de ser anulada.
Vejamos.
O sistema citius indica que a contestação do réu foi apresentada em 12.3.2022.
O Ilustre Mandatário do réu enviou um e-mail para o Tribunal dos autos, no dia 11 de Março de 2022, pelas 23:53, no qual informa que: “Por dificuldades inexplicáveis no envio da Contestação pelo Citius, venho por este meio proceder ao seu envio”. E anexa a contestação em formato PDF.
Em 14.3.2022 veio aos autos invocar o justo impedimento, para que a contestação fosse aceite, invocando, em síntese, mau funcionamento do sistema CITIUS.
A autora pronunciou-se, após convite para o efeito, dizendo, em síntese nossa, que “não havendo qualquer circunstância que possa valer como justo impedimento a que o ilustre mandatário do Réu remetesse a contestação em prazo e pela plataforma CITIUS, a peça deve ser recusada. Ainda que houvesse justo impedimento, tendo o ilustre mandatário do Réu remetido a contestação através de uma via (e-mail) não prevista nem autorizada por lei, a peça deve ser recusada. Deste modo, deverá ser decretado o desentranhamento da contestação, com as legais consequências”.
O Tribunal, por despacho de 16 de Maio de 2022, solicitou à equipa de apoio informático do “Citius” informação sobre se existe registo da hora de entrada no sistema pelo aparelho (computador) do Ilustre Mandatário do réu, por volta das 23:41 ou 23:42 do dia 11 de Março de 2022, para envio da Contestação, e se nesse período de tempo há sinais do sistema não ter deixado prosseguir na conclusão do envio de peças processuais.
A resposta tem o seguinte teor: “Segundo o resultado da análise realizada pela equipa de suporte do Citius Mandatários (abaixo), não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no período referido. Abaixo fica a sequência de acções registadas para o utilizador no mesmo período: 2022-03-11 23:42:32 - Login 2022-03-11 23:44:06 - Login 2022-03-11 23:44:25 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente 2022-03-11 23:45:58 - Login 2022-03-11 23:46:18 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente 2022-03-11 23:53:43 - Login 2022-03-11 23:54:08 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente 2022-03-11 23:55:48 - Identificou com sucesso processo com finalidade Juntar a Processo Existente 2022-03-11 23:55:56 - Criou peça processual com refª ...77 2022-03-11 23:58:31 – Anexou documento BB - Contestação.pdf 2022-03-11 23:59:02 - Enviou para assinatura 2022-03-11 23:59:50 - Iniciou o SIGNIUS 2022-03-11 23:59:56 - Autenticou-se no SIGNIUS 2022-03-11 23:59:59 - Visualizou peça processual no SIGNIUS 2022-03-12 00:00:10 - Assinou peça processual no SIGNIUS
A 21.9.2022 o Tribunal proferiu despacho, a julgar improcedente, por não provado, o incidente de justo impedimento suscitado pelo réu e, em consonância, não admitiu a contestação apresentada, determinando o seu desentranhamento.
Conhecendo
A figura do justo impedimento é fundamental, diríamos mesmo obrigatória, num ambiente processual, como o nosso, em que vigora, e bem, a regra de que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto (art. 139º,3 CPC).
Assim (art. 140º,1 CPC), considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
Vamos socorrer-nos dos ensinamentos de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no CPC anotado. Escreve-se aí que “a figura do justo impedimento, que legitima a prática do acto depois de decorrido o prazo respectivo (ou, nos casos do art. 144º, nº 8, por uma forma diversa da electrónica) encontra-se regulada e tem sido interpretada pelos tribunais de modo muito cauteloso, a fim de contrariar o uso abusivo que se revelaria prejudicial aos interesses da segurança e da celeridade. A experiência aconselha que tal mecanismo seja reservado para situações que verdadeiramente o justifiquem, desconsiderando, para além dos argumentos artificiosos, eventos imputáveis à própria parte ou aos seus representantes e que sejam reveladores de negligência ou da falta da diligência devida”.
Ainda: “com tal regime pretende-se evitar que, a pretexto de qualquer evento, pudesse ser perturbada a marcha processual ou, mais do que isso, pudessem ser afectados actos já praticados, tanto mais que sempre restaria uma larga margem de incerteza quanto à sua imputabilidade, na medida em que tais eventos ocorrem na esfera particular do sujeito envolvido, tornando difícil o seu escrutínio (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. I, 4ª edição, pp 297-302”.
Em termos de processamento do incidente, rege o nº 2 do artigo em causa: “a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou”.
E, da máxima importância: “face ao modo como a figura está enunciada na lei, o reconhecimento do justo impedimento radicará numa ponderação essencialmente casuística[1]”.
Ainda antes de descer ao caso concreto, importa fixar mais algumas ideias básicas. Está aqui em causa a apresentação a juízo de um acto processual, concretamente a contestação, donde a relevância da questão não podia ser mais óbvia.
Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via electrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição (art. 144º,1 CPC, na redacção do DL 97/2019, de 26 de Julho, com entrada em vigor em 16 de Setembro de 2019).
O art. 144º, no seu nº 8, refere-se ao justo impedimento aplicado a este caso concreto da prática de actos processuais por via electrónica, nos seguintes termos: “quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos actos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior”.
Esses termos, os previstos no nº 7, são: a) entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega; b) remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal; c) envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição.
Ainda os mesmos autores escrevem: “por referência à previsão do art. 140º,1 deverá tratar-se de uma circunstância que, por razões não imputáveis à parte ou ao seu mandatário, impeça a apresentação da peça processual pela via electrónica. Assim ocorrerá em casos de inoperacionalidade do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, mas também, por exemplo, em caso de quebra do fornecimento de energia eléctrica que atinja o escritório do mandatário (RL 12-1-17, CJ, t I, p. 65)”.
Seguindo os cânones do silogismo judiciário clássico, vamos fazer a separação entre os factos provados e o Direito a aplicar-lhes.
A- Assim, os factos elencados pela decisão recorrida, com base “na análise dos actos processuais, conjugada com a informação técnica dos serviços de informática, junta com a ref.ª ...07”, são estes: 1. Os Réus foram citados para contestar por via postal registada, tendo os AR sido
assinados pelo 1º réu a 1/2/2022, conforme ARs juntos aos autos a fls. 145 e 146, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 2. O Ilustre Mandatário do réu apresentou contestação nos autos no dia 12/3/2022,
às 00:00:10, conforme atestado electronicamente na peça processual referida junta aos autos a fls. 147, com a ref.ª ...45, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 3. O Ilustre Mandatário do réu remeteu para o correio electrónico deste Tribunal no dia 11 de Março de 2022, às 23:53h, a mesma peça processual referida em 2), conforme documento junto aos autos a fls. 165, ref.ª ...63, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 4. Não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no sistema de acesso aos Tribunais no período do dia 11 de Março desde as 23:42 horas. 5. O ilustre Mandatário do réu realizou a seguinte sequência de acções registadas para o utilizador:
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Em primeiro lugar, é evidente a ocorrência do lapso de escrita no terceiro parágrafo da fundamentação da decisão, tal como refere o recorrente, o qual resulta da simples leitura da peça pelo que, sem necessidade de mais fundamentação, considera-se o mesmo corrigido, passando a ler-se: “Em primeiro lugar, é incontroverso que o Ilustre Mandatário da ré fez chegar aos autos a contestação via correio electrónico no dia 11 de Março (…)”.
Mas o recorrente afirma que há mais um facto que deveria ter sido dado como provado e não foi. Uma vez que apurar o que efectivamente se passou é o mais importante aqui, vejamos. 1. Afirma o recorrente que no requerimento em que invocou a existência de justo impedimento, alegou o seguinte facto: “1. O aqui Subscritor, depois de rever a Contestação, concluiu aquela peça às 23:41 de 11 de Março de 2022, conforme fotografia retirada ao monitor do seu computador que se junta como doc. n.º ....”; mais afirma que este facto está comprovado pelo documento que juntou como doc. n.º ..., e não foi impugnado pela Autora, devendo, em face destes meios probatórios ser admitido por acordo (art. 574º,2 CPC).
Com efeito, na resposta ao requerimento de justo impedimento, a autora, nos artigos 50 a 52 do seu articulado, aceita que o Ilustre Mandatário do réu terá concluído o trabalho de revisão da contestação às 23h41 do dia 11 de Março de 2022, e até tenta usar esse facto contra o réu.
Assim sendo, entendemos que se pode e deve considerar provado que “o Mandatário do Réu concluiu a Contestação em formato PDF às 23:41 de 11 de Março de 2022”. 2. Pede ainda o recorrente que se altere a ordem dos factos provados, para que a mesma corresponda à sua sequência cronológica.
A ideia parece-nos meritória, por razões óbvias de análise e clareza, pelo que se defere ao requerido, passando a lista dos factos provados a ser a seguinte:
1. O Ilustre Mandatário do Réu concluiu a Contestação em formato PDF às 23:41 de 11 de Março de 2022. 2. O ilustre Mandatário do réu realizou a seguinte sequência de acções registadas para o utilizador:
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-2022-03-11 às 23:46:18 - Iniciou assistente com finalidade Juntar a Processo Existente 3. O Ilustre Mandatário do réu remeteu para o correio electrónico deste Tribunal no dia 11 de Março de 2022, às 23:53h, a peça processual referida em 1, conforme documento junto aos autos a fls. 165, ref.ª ...63, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 4. O ilustre Mandatário do réu continuou a realizar as seguintes sequências de acções registadas para o utilizador:
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-2022-03-12 às 00:00:10 - Assinou peça processual no SIGNIUS 5. O Ilustre Mandatário do réu apresentou contestação nos autos no dia 12/3/2022, às 00:00:10, conforme atestado electronicamente na peça processual referida junta aos autos a fls. 147, com a ref.ª ...45, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 6. Não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no sistema de acesso aos Tribunais período do dia 11 de Março desde as 23:42 horas.
B- Vejamos então se esta descrição do sucedido pode e deve subsumir-se a uma situação de justo impedimento.
A resposta enviada pela equipa de apoio informático do “Citius” diz-nos que “não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no período referido”.
Porém, a sequência de acções registadas para o utilizador no mesmo período, que aquela equipa envia ao Tribunal, diz-nos justamente o oposto.
Vejamos porquê.
Estamos a falar de um acto processual relevantíssimo para o desfecho do processo, como a apresentação da contestação. Podemos afirmar, sem medo de errar, que para o Ilustre Mandatário do réu era fundamental entregar a contestação dentro do prazo, não só para cabal desempenho do patrocínio, como ainda para não ficar sujeito a responsabilidade civil pelos danos sofridos pelo cliente. Assim, ele concluiu a Contestação em formato PDF às 23:41 de 11 de Março de 2022. A partir daqui, a lista de eventos do sistema, se lida com atenção, é reveladora.
Quando é a própria lei que exige que o acto processual em causa seja praticado através da plataforma Citius, então o mínimo que se exige é que a mesma funcione de forma correcta e célere.
Estando nós perante um ficheiro PDF já concluído, seria razoável presumir que, no máximo, 5 minutos seriam suficientes para garantir a sua introdução no sistema.
E sabemos que, com a contestação concluída às 23:41 do dia 11 de Março de 2022, o mandatário do réu fez o login no sistema às 23:42:32. Até aqui tudo linear.
As coisas começam, porém, a correr mal quando vemos que o mandatário do réu faz um segundo login às 23:44:06. Porquê um segundo login, com a consequente perda de tempo precioso ? A única explicação é a de que o primeiro login falhou, ou seja, depois de efectuado, ocorreu um logout.
Mas continuando. O login está feito, à segunda, e são 23:44:06. De seguida, o mandatário do réu inicia o assistente com finalidade de juntar a processo existente, o que faz às 23:44:25.
Às 23:45:58 o mandatário do réu faz novo login ! Cada vez é mais estranha esta sequência de eventos. Cremos que significa que foi vítima de um novo logout, quando já estava em vias de juntar a contestação.
Às 23:46:18 inicia o assistente com finalidade de juntar a processo existente, pela segunda vez.
Temos de presumir, aqui, que o mandatário do réu voltou a ser “desligado” do sistema (logout) uma terceira vez, porque ele, presumimos que já em stress, vai enviar a contestação para o Tribunal por correio electrónico, o que faz às 23:53.
Feito esse envio por e-mail, o mandatário do réu faz o login, pela quarta vez, às 23:53:43. E só nesta quarta tentativa é que as coisas correram como seria de esperar, pois cerca de 25 segundos depois consegue iniciar o assistente para juntar a processo existente, cerca de 2 minutos depois conseguiu identificar com sucesso o processo ao qual queria juntar a peça, cerca de 8 segundos depois criou a peça processual, cerca de 1 minuto e meio depois anexou a contestação, cerca de 30 segundos depois enviou para assinatura, cerca de 50 segundos depois iniciou o Signius, cerca de 6 segundos depois autenticou-se no Signius, cerca de 3 segundos depois visualizou a peça processual, e cerca de 10 segundos depois assinou a peça em causa no Signius.
A contestação foi assim apresentada, para todos os efeitos legais, no dia 12/3/2022, às 00:00:10. Todo o processo desde o quarto login até à assinatura com sucesso demorou cerca de 6 minutos.
Aqui chegados, temos de perguntar: o Mandatário do réu seria masoquista ? Será que ele, deliberadamente, iniciava o login e depois fazia o logout ? Para ir perdendo tempo alegremente a recrear-se com o teclado e o rato ? E depois, deu-se ao trabalho de interromper esse divertido ciclo para ir enviar a contestação por e-mail, sabendo que essa forma de envio não era válida ?
Sabendo nós que o processo todo desde o login até à assinatura final da peça poderia ser feito em cerca de 6 minutos, e sabendo que o Mandatário do réu fez o primeiro login no sistema às 23:42:32, temos de retirar a única conclusão verosímil, de que tudo deveria ter ficado concluído e a contestação entrada no sistema antes das 23:50:00, ainda com 10 minutos de folga.
A pergunta seguinte é: porque é que assim não sucedeu ?
Uma primeira explicação é a que já avançámos, de, presumindo o funcionamento sem mácula do Citius, ter sido tudo um estratagema do Mandatário do réu para deixar terminar o prazo peremptório sem praticar o acto, e isto, note-se, tendo já a contestação concluída.
Cremos que ninguém no seu perfeito juízo acreditará nesta explicação.
A segunda explicação é a única plausível, e é aquela que temos de aceitar como a que ocorreu na realidade. O Mandatário do réu foi impedido de praticar o acto de junção da contestação dentro do prazo devido ao funcionamento deficiente do sistema Citius.
E não se queira rebater esta conclusão com o facto provado em 6, segundo o qual “não existe registo da ocorrência problemas técnico/erros no sistema de acesso aos Tribunais período do dia 11 de Março desde as 23:42 horas”.
Não somos, obviamente, Engenheiros informáticos. Mas quer-nos parecer que o facto de não haver registo de erros ou problemas técnicos não nos dá a garantia que eles não existiram: apenas que não ficaram registados.
E mais: se o próprio sistema Citius funcionou mal, ou de forma deficiente, ao ponto de o Mandatário do réu ter precisado de cerca de 20 minutos para fazer algo que ficou depois demonstrado que podia ter sido feito em 6 minutos, quem nos garante que o próprio sistema de registo de eventos funcionou bem ?
Cumpre aqui dizer ainda, recorrendo à experiência dos 3 Desembargadores que subscrevem este Acórdão, que cenários como o que acabou de ser descrito acontecem com enorme frequência quando se tenta introduzir um acórdão no sistema Citius. Aconteceram inúmeras vezes ao actual Relator. Umas vezes tudo corre bem à primeira tentativa, e o acórdão fica logo assinado. Outras vezes, muito frequentes, é preciso passar pelo calvário que o Ilustre Mandatário viveu, com a diferença palpável de não haver um prazo peremptório para a inserção de acórdãos.
Mas ainda se poderia vir dizer, não que o Mandatário tivesse feito de propósito para falhar o prazo, mas que teria sido por incúria ou falta de jeito que as coisas correram mal. Tal afirmação seria fácil de fazer. Porém, quer-nos parecer que a mesma é repelida pelos factos assentes. Repare-se que depois de todos os logins e os logouts, o Mandatário do réu acabou por conseguir assinar a peça em causa 10 segundos após o fim do prazo. O cenário da falta de jeito do Mandatário não encaixa neste facto, conjugado com os 3 logouts ocorridos. Mais uma vez, temos de dizer que só aceitando que ele teria, deliberada e conscientemente, feito os logouts depois de estar já ligado ao sistema, é que se percebe que ele tivesse acabado por conseguir enviar a peça processual 10 segundos tarde demais.
E como não podemos aceitar esse cenário, por ser absurdo, resta o da falha do sistema.
Mas mais: é muito difícil visualizar uma situação de incúria ou falta de jeito, quando o que está em causa é carregar em botões num teclado e deslocar um “rato” em cima de uma superfície plana.
O despacho recorrido erra, quanto a nós, ao começar logo por aceitar que está assente nos autos que não houve qualquer falha informática no sistema de acesso aos Tribunais, vulgo citius, no dia 11 de Março. Claro que se tivéssemos a certeza que tudo tinha corrido bem no Citius nesses fatídicos 20 minutos, a falha só poderia ser do utilizador.
Mas então como explicar a sucessão de logins e logouts que ocorreu ?
Será que essa sucessão de logins e logouts configura um funcionamento sem falhas do sistema ?
E como interpretar o facto de depois de duas tentativas falhadas o Mandatário do réu tenha ido rapidamente enviar a contestação por e-mail, o que fez, logo à primeira, sem qualquer problema ? Que outra prova poderia o Mandatário do réu apresentar, que não a que ficou analisada ? Para quem está sentado em frente a um écran, que apresenta uma plataforma de utilização cujo funcionamento assenta em milhares e milhares de linhas de código não acessíveis ao utilizador (e que mesmo que acessíveis ele não saberia interpretar), nada mais resta do que carregar onde o sistema manda carregar e esperar que o resultado desejado seja atendido. Se assim não suceder, tendo carregado nos sítios certos, que mais poderia o utilizador fazer ? Nada.
A única entidade que, quer-nos parecer, seria capaz de censurar o Mandatário do réu por não ter sabido ultrapassar os problemas da plataforma informática, seria a mesma que recentemente legislou no sentido de colocar dois Magistrados no acto de distribuição de processos a observar atentamente o funcionário judicial que opera o teclado e o rato, para assim verificar se o sorteio electrónico (e logo invisível) dos processos não estaria a ser falseado.
Consideramos pois que ocorreu um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obstou à prática atempada do acto. Esse evento foi o funcionamento deficiente do sistema Citius.
O réu fez o que lhe competia: veio alegar o justo impedimento e ofereceu logo a respectiva prova, sendo que ainda acabou por praticar o acto, apenas 10 segundos depois do fim do prazo.
Mas temos ainda de dizer mais.
Como vimos supra, a figura do justo impedimento tem sido interpretada pelos tribunais de modo muito cauteloso, a fim de contrariar o uso abusivo que se revelaria prejudicial aos interesses da segurança e da celeridade. Tal mecanismo deve ser reservado para situações que verdadeiramente o justifiquem, desconsiderando eventos imputáveis à própria parte ou aos seus representantes e que sejam reveladores de negligência ou da falta da diligência devida. No fundo, o que importa a todo o custo evitar é que o recurso à figura do justo impedimento se torne banal, permitindo a quem foi descuidado e deixou passar o prazo obter na prática uma prorrogação do mesmo.
Ora, se há coisa que podemos ter a certeza neste caso, é que o recurso ao justo impedimento não foi um estratagema para alongar o prazo para contestar, pois, como vimos, a contestação estava já concluída e pronta a entregar. O Mandatário do réu não tinha, pois, qualquer interesse em querer alongar o prazo.
Vamos agora procurar responder à argumentação da recorrida.
Afirma esta que “a figura do justo impedimento não quadra com casos que configurem descuido, incúria ou desleixo, tão pouco com casos que se reconduzam a inépcia ou pouca destreza no manuseamento informático do programa CITIUS”.
Até aqui tem toda a razão.
Depois diz que as queixas do recorrente, de que o sistema ia abaixo, voltava a ir abaixo, não configuram uma situação de justo impedimento. Este não é compatível com falta de zelo ou de cautela no patrocínio.
Aqui já não a podemos acompanhar. Imaginemos o mais talentoso programador informático do mundo, sentado à secretária do Mandatário do réu, a tentar inserir a contestação elaborada por este no Citius. Para além do facto de admitirmos que ele poderia interagir mais depressa com o rato e o teclado, não vemos que mais ele poderia fazer para alterar o resultado final, se de cada vez que efectuava o login era pouco tempo depois desligado do sistema, e tinha de voltar a fazer o login, e voltava a ser “expulso”, e assim sucessivamente. E os Mandatários das partes não são nem têm de ser programadores informáticos de topo.
A recorrida afirma ainda que “importa ainda atender ao plano da (adequada) antecedência com que o mandatário se dedica a praticar o acto processual relativamente ao termo do prazo em curso”. Diz ela: “veja-se que, desde o momento da consumação da citação até ao momento em que o ilustre mandatário do Réu se dedicou a introduzir a contestação no sistema informático, decorreram longos 38 (30+5+3) dias, menos 19 minutos. Quer isto significar que, tendo o Réu disposto de 38 dias para concluir e apresentar a contestação, o seu ilustre mandatário apenas deu por concluída a contestação às 23h41 do 38º e último dia do prazo. E só então se dedicou a introduzir os respectivos os elementos na plataforma CITIUS – quando já faltavam menos de 20 minutos para terminar esse 38º e último dia do prazo. (…) Por outro lado, qualquer mandatário minimamente zeloso e prudente tem a obrigação de saber que esses 19 derradeiros minutos seriam potencialmente escassos (como foram) para que a operação se concluísse em tempo”.
O que dizer deste argumento ?
Como estratégia de desempenho profissional o mesmo é válido, está eivado do mais elementar bom senso, e é sem dúvida a melhor orientação para qualquer Advogado a litigar em Juízo.
Mas apenas no quadro da prática forense, como conselhos ou regras de conduta que poderiam e deveriam ser ministradas nas acções de formação da Ordem dos Advogados.
Aqui estamos em processo civil aplicado, e no processo civil aplicado a contestação podia ser apresentada até às 23:59:59 do último dia do prazo.
É verdade que o bom senso e a prudência aconselhariam a que a contestação fosse concluída com a antecedência necessária para tomar em conta quaisquer imprevistos que surgissem. Mas as circunstâncias concretas da vida de cada um são com cada um. Não sabemos que circunstâncias sobrevieram ao Mandatário do réu e que fizeram com que ele só fosse introduzir a contestação no sistema 20 minutos antes do fim do prazo. Não sabemos nem temos de saber. Desde que a peça fosse apresentada às 23:59:59 do último dia do prazo, estava nos autos de pleno direito.
Carl von Clausewitz, na sua obra sobre a guerra, explica que quando um exército tem de atravessar uma planície seca, plana e árida num dia de sol, e dessa travessia depende a vitória no conflito, os soldados devem ir preparados para que subitamente caia um dilúvio, tempestade e ventos ciclónicos, de forma que já partam preparados para enfrentar um lamaçal e um campo cheio de buracos e desnivelado.
Mas isto é assim porque na guerra, ao contrário do processo civil, não existe a possibilidade de invocar o justo impedimento.
No caso destes autos, a argumentação de que o mandatário do réu deveria ter sido mais previdente e ter introduzido a peça no Citius com maior antecedência em relação ao fim do prazo não tem qualquer valor como argumento jurídico. E não o tem porque mesmo através dos factos provados percebemos que bastariam 6 minutos para iniciar e concluir o processo de envio da contestação, se o sistema informático funcionasse como se espera. E o Mandatário começou a tentar introduzir a contestação no sistema com cerca de 18 minutos ainda por esgotar. Juridicamente, o último minuto do prazo ainda faz parte do prazo. É tão válido o acto praticado no último minuto do prazo como o que é praticado no primeiro. Resumindo. Qualquer Advogado que lida com prazos peremptórios tem de ter a garantia de que o sistema processual Citius funciona bem e de forma célere, e que caso não funcione, isso não irá diminuir os direitos do seu cliente.
O justo impedimento é uma das válvulas de segurança do sistema, impedindo que falhas informáticas retirem direitos processuais às partes. E isto porque, ao final do dia, são estes que interessam, e os formalismos processuais são apenas um meio para chegar a esses direitos.
Assim, não podemos dar razão à argumentação da recorrida.
Para terminar queremos ainda citar algumas passagens do Acórdão da Relação de Évora de 17.01.2019 (Relatora Elisabete Valente), que faz quanto a nós um correcto enquadramento deste tipo de questões entre o cumprimento das formalidades processuais e a substância do que está em causa, que é, recordemos, o princípio do contraditório.
Ali se afirma:
“Entender o contrário seria dar prevalência às formalidades relativas à apresentação dos requerimentos sobre a substância do direito de interposição de recurso que pretendeu ser exercido, sendo certo que o Novo Código de Processo Civil, precisamente, para evitar tais desequilíbrios, veio consagrar no artigo 6.º o dever do juiz promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção tendo em vista a justa composição do litígio”. “Neste sentido, a propósito de uma questão paralela respeitante ao envio de um requerimento probatório para um endereço de email contendo uma gralha, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 21 de Janeiro de 2014 (proc. 14/06.7TBSCG.L1.S.1, disponível em www.dgsi.pt) que: “Não se compreende que uma gralha no endereço electrónico do Tribunal possa inviabilizar a produção de prova por uma das partes, impedindo o apuramento da verdade e a justa composição do litígio. A única consequência gravosa para o responsável pela gralha no endereço electrónico seria o pagamento das custas de qualquer eventual adiamento a que a mesma desse causa, mas nunca ao nível da decisão de mérito. Também os princípios da cooperação e da boa-fé processual apontam no sentido da decisão assumida pelo acórdão recorrido (artºs. 266º e 266º-A, do CPC). Igualmente o poder dever do juiz consagrado nos nºs.2 e 3 do artº. 508º do CPC, em que se consagra o dever de convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados e as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, nos revela, à saciedade, a filosofia do novo processo civil, chegar com relativa celeridade à justa composição do litígio. O apuramento da verdade e a justa composição do litígio só podem ser alcançadas se as partes tiverem a oportunidade de provar os factos alegados, o que não ocorreu no caso concreto, devido a uma simples gralha no endereço electrónico do Tribunal, que não causou prejuízo a ninguém, nem perturbou o andamento do processo.” “Finalmente, tal é também, no nosso entendimento, a solução que melhor se adequa às exigências constitucionais respeitantes à garantia do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, tal direito na vertente da garantia das partes a um processo equitativo, implica que não deva existir uma manifesta desproporção entre a gravidade da falta cometida e as graves e irremediáveis consequências processuais, designadamente, quando não se faculte à parte qualquer suprimento ou possibilidade de correcção da deficiente actuação processual”. No caso destes autos, por 10 segundos, o réu ficava impossibilitado de se defender. “A manifestação da protecção deste direito nesta acepção, foi, designadamente, defendida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 434/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), nos seguintes termos: “uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflicta considerável grau de negligência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitectura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efectividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes”. “O indeferimento da possibilidade do recorrente ver apreciado o requerimento de interposição de recurso de apelação por si interposto, como consequência deste ter sido apresentado por correio electrónico, e sob a invocação de uma dificuldade inexplicável de acesso à plataforma Citius, atento o princípio constitucional de garantia de acesso ao direito, justificava que, no caso, fosse dada a possibilidade ao recorrente de vir praticar o acto por alguma das formas então legalmente admissíveis, sendo certo que terá cometido um incidente tributável”.
Por tudo o que ficou dito, esta Relação pensa que não aceitar a contestação que o réu apresentou 10 segundos após o fim do prazo, por o sistema informático não ter funcionado como se espera e como tem obrigação de funcionar, com o que isso significa em termos de cominatório e de prova de todos os factos contra si alegados, seria uma grosseira violação do direito de acesso aos Tribunais e à Justiça.
Felizmente, existe a figura do Justo impedimento, para, entre outras situações, colmatar as falhas do sistema informático Citius.
Assim, resta apenas declarar o justo impedimento, e admitir nos autos a contestação entrada ...0 segundos fora de prazo.
O que se faz.
Com a procedência desta parte do recurso, o processado posterior à prolação do despacho agora revogado terá de ser anulado e repetido (art. 195º,1,2 CPC), pelo que se torna inútil apreciar as outras questões contidas neste recurso.
IV- DECISÃO
Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, e em consequência revoga o despacho recorrido, decidindo que se verificou uma situação que configura justo impedimento, pelo que considera tempestiva a contestação apresentada pelo réu no dia 2022-03-12 às 00:00:10.
Custas do recurso pela recorrida(art. 527º,1,2 CPC).
Data: 4.10.2023
Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Ana Cristina A. O. Duarte)
2º Adjunto (José Carlos Dias Cravo)