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PROVA DOCUMENTAL
JUNÇÃO AOS AUTOS
AUDIÊNCIA FINAL
VÁRIAS SESSÕES
PRAZO REGRESSIVO
Sumário
1. O prazo de 20 dias previsto no n.º 2 do art. 423.º do CPC, é um «prazo regressivo» ou «com contagem regressiva», ou seja, um prazo que se conta para trás com referência a certa data ou que tem como termo ad quem uma data futura. 2. Num caso em que para a audiência final foram agendadas três sessões, a realizar em 07.02.2023, 28.02.2023 e 28.03.2023, respetivamente, tendo, na primeira sessão, havido lugar à efetiva produção de prova por depoimentos e declarações de parte, o limite do prazo de 20 dias para apresentação de documentos tem como referência aquela primeira data, apesar de a 2.ª e a 3.ª sessões terem sido posteriormente objeto de reagendamento, vindo a realizar-se nos dias 28 de março de 2023 e 11 de abril de 2023, respetivamente. 3. É, por isso, extemporâneo, desrespeitando o prazo estipulado no n.º 2 do art. 423.º do CPC, o requerimento apresentado no dia 21 de março de 2023, através do qual os autores pretendem a futura junção de documentos aos autos, ainda que por uma das rés. 4. Nos termos do n.º 3 do art. 423.º a apresentação de um documento torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no número anterior. 5. A apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha ou uma parte (em depoimento ou declarações de parte) aludem a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado (ou de um facto puramente probatório). 6. A parte não pode recorrer autonomamente de um despacho que lhe indeferiu um requerimento extemporâneo de junção de documentos, alegando que o juiz tinha o dever de oficiosamente ordenar a junção desses mesmos documentos. 7. Pedindo a parte ao juiz que oficiosamente faça juntar documentos aos autos, o despacho de indeferimento dessa pretensão não é autonomamente recorrível, pois um requerimento para que o juiz faça atue um poder oficioso, que depende da sua avaliação de necessidade, não se confunde com um requerimento de produção de um meio de prova. 8. Quando se pretenda fazer uso de um documento em poder da parte contrária ou de terceiro, a parte requerente tem de especificar no seu requerimento: a) em que consiste o documento; b) quais os factos que por meio dele intenta provar. 9. A primeira exigência tem por fim dar a conhecer ao notificado qual o documento que dele requisita, ou seja, cumpre ao requerente identificar, quanto possível, o documento. 10. É que, para que a parte contrária ou um terceiro possam tomar conscientemente qualquer atitude perante o despacho que requisitar a apresentação, é indispensável que ela saiba, ao certo, qual a espécie de documento que se lhe exige – se uma carta, se uma letra, se um relatório, se um balanço, se um título de arrendamento, etc., não bastando que se identifique a espécie em abstrato, sendo necessário que se concretize a espécie, que se individualize o documento, dizendo-se, por exemplo, de que data é a carta e quem a expediu, a que prédio se refere o arrendamento e em que data se celebrou, etc.. 11. A segunda exigência destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e, em segundo lugar, a fazer funcionar a sanção.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
Na ação declarativa de condenação intentada por BD e NG, contra OB e E, Lda., emergente de responsabilidade civil extracontratual, por ofensa à honra, bom nome, imagem e crédito púbico dos autores, em consequência da publicitação, publicação e venda, em Portugal, pela 2.ª ré, do livro da autoria do 1.º réu, “____”, no dia 23 de setembro de 2022, realizou-se a audiência prévia, onde foi proferido o despacho a que alude o art. 596.º, n.º 1, nos seguintes termos:
«Objeto do litígio:
A responsabilidade civil extracontratual dos RR. decorrente da prática de atos lesivos da honra e consideração dos AA.
A existência de causa justificativa para a pratica do ato lesivo decorrente do exercício da liberdade de expressão e de informação;
A existência de danos indemnizáveis na esfera jurídica dos Autores.
Temas da Prova:
A descredibilização dos AA. em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional em função da publicação em Portugal pela 2ª R. da obra da autoria do 1º R.
A sujeição dos AA. a juízos de caráter em redes sociais em Angola e em Portugal decorrentes da publicação em Portugal pela 2ª R. da obra da autoria do 1º R.
O embaraço, desgaste e angústia sofridos pelos AA. decorrentes da publicação em Portugal pela 2ª R. da obra da autoria do 1º R.
O evitamento de contactos sociais pela 2ª A. e a redução de contactos sociais, políticos e diplomáticos pelo 1º A. decorrentes da publicação em Portugal pela 2ª R. da obra da autoria do 1º R.
O quadro de depressão e ansiedade sofrido pelos AA. na sequência da publicação em Portugal pela 2ª R. da obra da autoria do 1º R.
A descredibilização social e politica do A. decorrente da publicação em Portugal pela 2ª R. da obra da autoria do 1º R.
O carácter factual do relato efetuado pelo 1º R. no livro publicado em Portugal pela 2ª R. relativamente ao episódio do programa televisivo "____" no qual a 2ª A. foi interveniente.
O carácter factual do relato efetuado pelo 1º R. no livro publicado em Portugal pela 2ª R. quanto à situação social da República de Angola à data da publicação do mesmo.
O carácter factual da referência feita pelo 1º R. à publicação feita pelo 1º A. no facebook à data da emissão do programa, 2015.»
*
As partes não reclamaram desse despacho.
*
No dia 10 de janeiro de 2023, foram designadas as seguintes para a realização da audiência final:
- 7 de fevereiro de 2023, «sendo notificados para as 09.30 horas o R. OB e o legal representante da R. E, Lda., com vista à prestação de depoimentos e declarações de parte pelo 1.º R.; com continuação pelas 14.00 horas, sendo para essa hora notificados os AA. com vista à prestação de depoimentos e declarações de parte.»;
- 28 de fevereiro de 2023, «sendo notificadas para as 09.30 horas as primeiras quatro testemunhas arroladas pelos AA. e para as 14.00 horas as restantes testemunhas»;
- 28 de março de 2023, «sendo notificadas para as 09.30 horas as primeira quatro testemunhas arroladas pelos RR. e para as 14.00 horas as restantes testemunhas, seguindo os trabalhos com alegações».
*
No dia 7 de fevereiro de 2023 teve lugar a 1.ª sessão da audiência final, na qual foram prestados:
- «depoimento de parte/declarações de parte» pelo réu 1.º réu;
- depoimento de parte do legal representante da 1.ª ré;
- «depoimento/declarações de parte» pelo 1.º autor;
- «depoimento/declarações de parte» pela 2.ª autora.
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No dia 1 de março de 2023 foi proferido despacho, do qual consta, além do mais, o seguinte:
«(...) importa proceder ao reagendamento dos atos da audiência de julgamento e designar nova data para continuação da mesma, assim:
- dia 28 de março de 2023, sendo notificadas para as 09.30 horas as primeiras quatro testemunhas arroladas pelos AA. e para as 14.00 horas as restantes testemunhas;
- dia 11 de abril de 2023, sendo notificadas para as 09.30 horas as primeira quatro testemunhas arroladas pelos RR. e para as 14.00 horas as restantes testemunhas, seguindo os trabalhos com alegações.»
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No dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius ____) os autores apresentaram extenso requerimento, que concluem assim:
«Deve ser ordenada a notificação da Ré para vir aos autos juntar prova documental relativa i) ao número de edições e reedições da obra; ii) ao número de publicações da obra; iii) ao número de vendas nacionais e internacionais, em formato físico (papel) e em formato digital (ebook e/ou outro), seja a particulares, seja a outras lojas, livrarias, bibliotecas, supermercados e grandes superfícies, e iv) respetivos lucros com as alíneas anteriores, tudo a contar da data da 1.ª publicação da obra 1. até à data da junção da documentação por parte da Ré, nos termos e fundamentos supra expostos.»
*
Sobre esse requerimento recaiu o despacho datado de 26 de abril de 2023 (Ref.ª ____), com o seguinte teor:
«Vieram os AA. requerer que seja ordenada a junção aos presentes autos pela 2ª R. da informação quanto ao número de edições e reedições da obra em causa nos autos; do número de publicações na obra, do número de vendas nacionais e internacionais, em formato físico (papel) e em formato digital (ebook e/ou outro), seja a particulares, seja a seja a outras lojas, livrarias, bibliotecas, supermercados e grandes superfícies e do respetivo lucro obtido com os atos descritos nas alíneas anteriores, a contar da data da 1.ª publicação da obra até à data da junção da documentação por parte da 2ª R., isto tendo em vista, por um lado, a cabal inquirição da testemunha MF, e, por outro, para prova da extensão dos danos e subsequente fixação da indemnização devida pela 2ª R..
Os RR. opuseram-se ao requerido.
Cumpre decidir:
Estatui o artigo 423º do Código de Processo Civil, nos seus nºs 1 e 2:
(...)
Sem prejuízo das considerações feitas quanto à tempestividade do requerimento apresentado, importa antes do mais aferir da pertinência do requerido em face do disposto no nº 1 do citado preceito legal.
Com efeito, a junção documentos, estejam estes em poder da parte, da parte contrária ou de terceiro, tem como propósito instruir os autos com os elementos probatórios necessários à prova dos factos que servem de fundamento à ação, dado que estão em causa documentos a serem oferecidos pelos AA..
Os fundamentos da ação reconduzem-se à causa de pedir invocada, a qual se mostra sintetizada nos temas da prova elaborados nos autos. Ora, em face dos temas da prova enunciados e atentos os danos alegados pelos AA., não se vislumbra que os documentos em poder da 2ª R. e cuja junção aos autos os AA. ora requerem, tenham relevância probatória, mesmo tendo em conta o disposto no artigo 496º nº 4 do Código Civil.
Com efeito, tal como os AA. configuraram a relação material controvertida, os danos alegados, subjacentes aos temas de prova enunciados, decorreram não do número de edições da obra ou das vendas, mas sim do conteúdo da obra, nomeadamente, no que à 2ª R. respeita da sinopse elaborada. Nada sendo alegado, no sentido do número de livros publicados e do formato em que foram vendidos / difundidos tenha agravado os danos alegadamente sofridos.
Diga-se ainda, que, ao contrário do que parece ser o entendimento dos AA., a junção dos documentos ora requeridos não se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, das questões colocadas pelo Tribunal à 2ª A. em sede de depoimento/declarações de parte. É entendimento do Tribunal que não configuram ocorrência posterior, para efeitos do disposto no nº 3 do Código de Processo Civil, por si só, as respostas dadas pelas partes às questões colocadas pelo Tribunal no âmbito dos respetivos depoimentos e declarações de partes. Os depoimentos e as declarações de parte, constituem, eles próprios, meios se prova que, no momento da decisão final, serão valoradas nos termos legais.
Pelo exposto, e com fundamento na irrelevância dos documentos solicitados para prova dos fundamentos da ação, indefere-se ao requerido.
Notifique.»
*
É deste despacho que os autores interpõem o presente recurso de apelação, cujas alegações, espraiadas ao longo de 179 (cento e setenta e nove) pontos, concluem assim:
«A. O presente Recurso vem interposto do Despacho proferido, em 26.04.2023, pelo douto Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (“Tribunal a quo”), no que concerne à decisão de indeferimento de meio de prova requerido pelos Recorrentes no seu Requerimento de 21.03.2023;
B. Por se tratar de um despacho de admissão de meio de prova, o Despacho recorrido é imediatamente recorrível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, e os Recorrentes encontram-se em prazo nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 638.º, do CPC;
C. Os Recorrentes não se podem conformar com a decisão de indeferimento do seu pedido de prova, porquanto se encontra viciada de Erros de Julgamento de/na apreciação da matéria de facto e de direito, e viciado de nulidade por violação do dever de indagação oficiosa para a descoberta da verdade nos autos e limitação do direito de prova dos Recorrentes;
D. O douto Tribunal a quo incorreu em Erro de Julgamento ao considerar que os danos alegados como sofridos em função da conduta da 2.ª Recorrida foram apenas os derivados do teor da sinopse, ignorando que os Recorrentes imputaram, igualmente, a responsabilidade à 2.ª Recorrida pela publicitação, publicação e venda da obra em Portugal;
E. O próprio o douto Tribunal a quo soube identificar em sede de Despacho Saneador que a causa de pedir configurada pelos Recorrentes por relação à responsabilidade extracontratual da 2.ª Recorrida, se relaciona com a sinopse e, também, com a publicitação e comercialização do livro em Portugal pela 2.ª Recorrida;
F. Ao contrário do agora preconizado pelo douto Tribunal a quo, todos os Temas da Prova foram redigidos para submeter à instrução da causa os danos provocados em função da “publicação da obra em Portugal” (o que inclui, naturalmente, todos os atos subjacentes a essa publicação, sejam os relativos à elaboração e publicação da sinopse, sejam os relativos à edição e comercialização da Obra);
G. A “descredibilização”, a “sujeição a juízos de caracter”, o “embaraço, desgaste e angustia”, o “evitamento de contactos”, o “quadro de depressão e ansiedade” (cf. elencados nos Temas da Prova), devem ser entendidos como “repercussões” derivadas da comercialização da Obra, termos em que releva conhecer o número de “edições e reedições da obra”, de “publicações da obra”, de “vendas nacionais e internacionais”, numa lógica evidente de que, quanto maior a “difusão” potencialmente maiores de deverão ter as “repercussões” para os Recorrentes;
H. São muitos os acórdãos dos nossos tribunais superiores que entendem que o grau de divulgação de uma obra tida como ofensiva pelos autores é relevante para fins de prova sobre danos e extensão dos mesmos, não se encontrando aqueles obrigados a alegar que o maior/menor número de vendas (que de resto, nem conheciam ou conhecem em concreto), foi suscetível de agravar os seus danos;
I. Os Recorrentes só precisam de alegar que a ofensa foi propagada por um meio de impressiva difusão (em livro comercializado), que sofreram descredibilização social, profissional, na opinião publica e politica, que foram sujeitos a comentários e juízos de carácter nas redes sociais, que foram obrigados a justificarem-se no seu círculo familiar, de amigos, social, profissional e político e obrigados a evitar contactos (como o fizeram), para se concluir que tais danos resultaram diretamente do facto de um número indeterminado de pessoas ter lido o capítulo em causa e de um número indeterminado de pessoas se terem insurgido contra os Recorrentes e/ou procurado esclarecimentos por parte destes, levando ao seu desgaste e angústia e estado de depressão;
J. A nossa jurisprudência assume ainda que as lesões são motivadas, não apenas pela leitura do escrito (Obra), mas também pela atividade de censura a que a mesma dá origem em sequência de comentários que têm o seu conteúdo ou teor por base;
K. Ao contrário do entendido pelo douto Tribunal a quo, a prova requerida pelos Recorrentes releva para a demonstração dos danos por si invocados e, nestes termos, para efeitos de cálculo do valor indemnizatório a atribuir, nos termos dos artigos 496.º, n.º 1 566.º, n.º 3, do CPC;
L. Foi o próprio Tribunal a quo que procurou, no âmbito das Declarações de Parte da 2.ª Recorrente, saber em concreto quem em Portugal havia lido a obra e dado a notícia da sua publicação à 2.ª Recorrente, e como é que essa notícia se havia difundido com tanta rapidez em Angola;
M. A pertinência na junção de tais documentos surgiu da dúvida implantada pelo próprio Tribunal a quo de que o livro tivesse sido lido por uma única pessoa em Portugal, quanto mais em Angola, pois que, no entendimento do Tribunal de 1ª instância, os índices de literacia/hábitos de leitura em Portugal eram “inexistentes”; o “número de livros vendidos e comprados é diminuto”, o “número de pessoas a ler livros em papel é diminuto”, e nem tinha “memória” de a obra ter sido obra tivesse sido publicitada nos “meios de comunicação social”;
N. O mesmo Tribunal que que veio dar relevo à questão em audiência de julgamento, pretendendo indagar sobre a forma e extensão da repercussão em Angola de uma obra publicada em Portugal, e que colocou em dúvida a possibilidade de tal repercussão suceder ou ter grande extensão devido a parcos hábitos de leitura em Portugal, veio depois rejeitar a admissão de uma prova que pode dar explicação e justificação às respostas necessárias perante tais dúvidas, e, concomitantemente, servir de prova para fins de conhecimento da extensão de danos que o Tribunal hesitou admitir serem verosímeis;
O. É surpreendente, contraditória e altamente lesiva do direito de prova dos Recorrentes a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo de indeferimento por alegada “irrelevância” para a prova dos danos subjacentes ao Temas de Prova. Fosse a prova de tais factos irrelevante, e certamente que o douto Tribunal a quo não teria procurado auscultar a parte sobre esses factos, sob pena de cometimento de diligência inútil e dilatória contrária ao Principio do Inquisitório (cf. artigo 411.º, do CPC), e do seu Dever de Gestão Processual (cf. artigo 6.º, do CPC);
P. Tal auscultação encontra fundamento por se tratar de matéria de facto intrinsecamente conectada com o alcance da difusão da Obra, e, por conseguinte, com os danos provocados pela sua comercialização, a serem valorados em sede de indemnização nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do 496.º e n.º 3, do artigo 566.º, do Código Civil, como tem vindo a ser entendido pela nossa jurisprudência e doutrina citadas nas alegações deduzidas supra;
Q. Tal jamais se encontraria limitado pela forma como vêm redigidos os Temas da Prova, mas antes, como vem alegada a causa de pedir e/ou arguida as exceções, encontrando as Partes adstritas a alegar os factos essenciais que as compõem e o douto Tribunal a importar os factos instrumentais, complementares/concretizadores dos essenciais, e/ou factos notórios ou de conhecimento oficioso (cf. artigo 5.º, n.º 2, alíneas a), b), e c), do CPC);
R. Os factos que os Recorrentes pretendem provar com os documentos requeridos sempre deveriam ser considerados complementares ou concretizadores dos factos alegados na sua causa de pedir, não se impondo a restrição da última parte da previsão da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, do CPC, precisamente, por se tratarem de factos do conhecimento da 2.ª Recorrida;
S. O Tribunal a quo não poderia ter indeferido, desde logo, o pedido da sua junção quando necessários para complemento/concretização da extensão dos danos provocados pela “publicação, distribuição e venda da obra” pela 2.ª Recorrida;
T. O douto Tribunal a quo incorreu ainda em Erro de Julgamento ao considerar que os Recorrentes deduziram o seu pedido ao abrigo do n.º 3, do artigo 423.º, do CPC, na decorrência das Declarações de Parte da 2.ª Recorrente, quando estes foram explícitos a alegar que o pedido vinha formulado e devia ser admitido ao abrigo do disposto nos artigos 411.º e 429.º, e no n.º 2, do artigo 423.º, do CPC (i.e., dentro do prazo de 20 dias até à realização de audiência de julgamento);
U. A documentação requerida não só é adequada à prova da extensão dos danos provocados pela 2.ª Recorrida (nos termos inclusivamente suscitados pelo douto Tribunal a quo aquando das Declarações de Parte da 2.ª Recorrente), como foi requerida em momento processual próprio (cf. n.º 2, do artigo 423.º, do CPC), e foi devidamente fundamentado o interesse da sua junção para a decisão da causa (cf. n.º 1, do artigo 429.º, do CPC);
V. A decisão de indeferimento de tal prova é assim passível de violar o Princípio do Inquisitório e do Dever de Gestão Processual, e, em consequência, o Principio da Tutela Jurisdicional Efetiva (cf. artigos 20.º, da CRP e 2.º, do CPC), o Principio da Igualdade das Partes (cf. artigo 4.º, do CPC), e o Princípio da Cooperação (cf. artigo 7.º, da CRP);
W. O indeferimento do meio de prova requerido revelou-se infundado e suscetível de representar uma restrição incomportável do direito de prova dos Recorrentes (que são Autores na Ação), já que resulta evidente que daqueles documentos resulta a prova necessária e/ou complementar ao apuramento da extensão dos danos provocados pela 2.ª Recorrida, em virtude, precisamente, da publicação, publicitação e venda da obra, sendo que tais documentos poderiam e deveriam ter sido requeridos oficiosamente pelo douto Tribunal a quo ao abrigo do disposto no artigo 436.º, do CPC , perante as dúvidas por si mesmo suscitadas oficiosamente aquando do inquisitório da 2.ª Recorrente;
X. Deve o Despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que deferindo o pedido dos Recorrentes, determine a notificação da 2.ª Recorrida para vir juntar a prova requerida por aqueles no seu Requerimento de 21.03.2023, nos termos e com os fundamentos expostos nas presentes alegações.»
Rematam assim:
«Deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogado o Despacho proferido pelo Tribunal a quo, em 26.04.2023, quanto ao segmento decisório que indeferiu a junção de prova em posse de parte contrária requerida pelos Recorrentes em 21.03.2023, nos termos e com os fundamentos supra expostos.
Assim se fazendo a acostumada
JUSTIÇA!»
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
***
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação dos apelantes, a única questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o despacho recorrido deve revogado e substituído por outro que determine a notificação da 2.ª ré para juntar aos autos os elementos pretendidos pelos autores, referidos no seu acima transcrito requerimento entrado em juízo no dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius 45084952).
***
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do recurso é a que decorre do relatório que antecede.
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3.2 – Fundamentação de direito:
Nos termos do n.º 6 do art. 552.º, «no final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; (...).»
No final da extensa e prolixa petição inicial com que introduziram em juízo a ação da qual estes autos de recurso em separado constituem apenso, os autores apresentaram rol de testemunhas e requereram a produção de vários outros meios de prova, entre os quais, documental.
No que respeita à prova documental, requereram o seguinte:
«Nos termos do disposto no artigo 423.º, n.º 1, do CPC, requer-se a junção de 5 (cinco) documentos, melhor identificados ao longo da presente Petição Inicial.
Requer-se, ainda, a notificação dos Réus para nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 429.º CPC, juntarem aos autos o Contrato (seja de edição, associação em participação ou prestação de serviços) por estes celebrado, para efeitos de publicitação, publicação e venda de exemplares da obra em causa.»
Nada mais foi requerido pelos autores, aqui recorrentes, em termos de prova documental, até à apresentação do requerimento sobre o qual recaiu o despacho agora sob recurso.
Dispõe o art. 423.º:
«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.»
O que os autores, aqui recorrentes, pretendem ao fim e ao cabo, com o requerimento que atravessaram nos autos no dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius ____), é a junção aos autos de (nova) prova documental, ainda que aportada pela 2.ª ré.
No n.º 2 do art. 423.º, o legislador estabelece como termo final para a apresentação de documentos, o 20.º dia que antecede a data em que se realize a audiência final, numa manifestação de efetividade do princípio da boa-fé processual a que alude o art. 8.º.
Existe aqui um paralelismo com o limite temporal previsto para a alteração do rol de testemunhas (art. 598.º, n.º 2), assim se densificando uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do 20.º dia que antecede a audiência final.
Trata-se de um «prazo regressivo» ou «com contagem regressiva», ou seja, um prazo que se conta para trás com referência a certa data ou que tem como termo ad quem uma data futura, de que constituem exemplos[1].
Conforme referem Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, «a teleologia do preceito, que visa evitar a perturbação resultante da apresentação extemporânea de documentos, leva-nos a considerar que o limite para a sua apresentação (e também para a alteração do rol de testemunhas, ao abrigo do art. 598.º, n.º 2, com semelhante redação) tem como referência a data designada para a audiência final ou para a primeira sessão[2], independentemente de qualquer adiamento ou continuação (...).»[3].
Lebre de Freitas / Isabel Alexandre consideram, por sua vez, que «a fixação de uma primeira data, havendo depois adiamento da audiência, ainda que depois de aberta, nos termos do art. 151-4 ou do art. 603-1, ou a suspensão da instância, nos termos do art. 269, não releva para o efeito, uma vez verificado o adiamento ou a suspensão.»[4].
No caso concreto, em que a audiência final foi marcada com três sessões, o prazo de 20 dias a que se reporta o n.º 2 do art. 423.º conta-se com referência à primeira sessão realizada no dia 7 de fevereiro de 2023, na qual houve lugar à efetiva produção de prova, a saber:
- «depoimento de parte/declarações de parte» pelo réu 1.º réu;
- depoimento de parte do legal representante da 1.ª ré;
- «depoimento/declarações de parte» pelo 1.º autor;
- «depoimento/declarações de parte» pela 2.ª autora,
e não em relação a qualquer outra sessão, nomeadamente, à última. Isto, independentemente de a 2.ª e a 3.ª sessões, terem sido objeto de reagendamento, vindo a realizar-se nos dias 28 de março de 2023 e 11 de abril de 2023, respetivamente[5]. Assim, realizada que foi, no dia 7 de fevereiro de 2023, a 1.ª sessão da audiência final, com produção de depoimentos de parte e declarações de parte, é evidente que o requerimento apresentado no dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius ____), através do qual os autores, ora recorrentes, pretendem a futura junção de documentos aos autos, ainda que pela 2.ª ré, não respeita, evidentemente, o prazo estipulado no n.º 2 do art. 423.º.
No entanto, conforme resulta do n.º 3 do mesmo artigo, mesmo após o limite temporal previsto naquele dispositivo, é admitida a junção aos autos:
- de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento; e bem assim,
- de documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Não está aqui em causa, como parece evidente, a primeira das ressalvas contidas no n.º 3 do art. 423.º.
A segunda ressalva estava abrangida pela norma constante do n.º 2 do art. 524.º do CPC/95-96. A apresentação torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso (expressamente previsto na lei antiga) de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no número anterior.
A apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha ou uma parte (em depoimento ou declarações de parte) aludem a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado (ou de um facto puramente probatório).
A ocorrência que torna necessária a apresentação do meio de prova que é o documento é a pretérita alegação desta matéria, cabendo a situação no n.º 1[6].
Segundo Lebre de Freitas, «os documentos destinados a provar os fundamentos da ação e da defesa (factos principais), bem como os factos instrumentais que constituem a base de uma presunção legal ou facto contrário ao legalmente presumido (...) devem ser apresentados com o articulado em que sejam alegados os factos correspondentes. (art. 423-1). A violação deste dever dá lugar a multa, mas, não de um ónus (...), as partes continuam a poder apresentar os documentos que provem os factos principais da causa, tal como os que provem factos instrumentais, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (art. 423-2).
Posteriormente, e até ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 604-3-c), são ainda admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento[7], bem como os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior (art. 423-3).»[8]-[9].
Temos, à luz dos considerandos que antecedem, que a pretensão dos autores, aqui recorrentes, formulada através do requerimento apresentado no dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius 45084952), através do qual pretendem a futura junção de documentos aos autos, ainda que pela 2.ª ré:
- é extemporâneo, por não respeitar o prazo regressivo estipulado no n.º 2 do art. 423.º;
b) não se enquadra em qualquer uma das ressalvas contidas no n.º 3 do art. 423.º
Nada mais seria necessário para o julgamento de improcedência da apelação.
Sucede que os recorrentes afirmam que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que «deduziram o seu pedido ao abrigo do n.º 3, do artigo 423.º, do CPC, na decorrência das Declarações de Parte da 2.ª Recorrente, quando estes foram explícitos a alegar que o pedido vinha formulado e devia ser admitido ao abrigo do disposto nos artigos 411.º e 429.º, e no n.º 2, do artigo 423.º, do CPC (i.e., dentro do prazo de 20 dias até à realização de audiência de julgamento).»
Acrescentam que «a documentação requerida não só é adequada à prova da extensão dos danos provocados pela 2.ª Recorrida (nos termos inclusivamente suscitados pelo douto Tribunal a quo aquando das Declarações de Parte da 2.ª Recorrente), como foi requerida em momento processual próprio (cf. n.º 2, do artigo 423.º, do CPC), e foi devidamente fundamentado o interesse da sua junção para a decisão da causa (cf. n.º 1, do artigo 429.º, do CPC).»
É, salvo o devido respeito, por demais evidente o equívoco em que os recorrentes laboram.
Já vimos que o requerimento em causa, entrado em juízo no dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius ____), não foi, contrariamente ao afirmado pelos apelantes, apresentado no momento processual próprio, antes se tratando de um requerimento extemporâneo, pois não respeitou o prazo regressivo estipulado no n.º 2 do art. 423.º.
Por outro lado, dispõe o art. 411.º, que «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.»
Tal como se afirma no Ac. da R.L. de 10.09.2019, Proc. n.º 922/15.4T8VFX-E.L1-7 (Higina Castelo), in www.dgsi.pt, subscrito pelo aqui relator na qualidade de 1.º adjunto, «não é autonomamente recorrível um despacho em que o juiz não exerce um poder oficioso.
Já o CPC de 1939 afirmava o poder de o juiz “ordenar oficiosamente as diligências e atos que entender necessários para o descobrimento da verdade” (art. 264, 2.º §), norma que, com a seguinte redação, continuou no CPC de 1961: “O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (art. 264, n.º 3). Desde 1961 que o, então, artigo 264 tinha por epígrafe “Princípio dispositivo. Poder inquisitório do juiz”.
Sobre a norma em causa, escreveu Alberto dos Reis no seu Comentário ao Código de Processo Civil[10], que a dita atribui ao juiz o “poder de instrução”, tendo por fonte norma de Decreto de 1926 que revolucionou profundamente o sistema processual.
Leiam-se alguns trechos significativos pela sua clarividência que o atual ordenamento pereniza:
“As partes dispõem, em regra, da relação jurídica substancial. Quando se trata de direitos disponíveis, é lícito às partes regularem, como melhor entenderem, os seus interesses e portanto os seus conflitos; mas se, por não conseguirem dirimir particularmente as suas controvérsias, as levam para o tribunal, as submetem à decisão do Estado por intermédio do órgão jurisdicional, hão de sujeitar-se à disciplina que, no interesse superior da verdade e da justiça, o Estado entende dever estabelecer.
“Como diz um escritor, as partes têm a liberdade de tomar ou não a barca da justiça: ninguém as obriga a embarcar; mas se embarcam, não podem fazer a bordo o que lhes apetecer, ficam necessariamente submetidas à direção do capitão do navio, à disciplina e ao comando que ele haja de impor, a bem do interesse comum dos passageiros, da tripulação e da carga.” (p. 8).
Mais adiante volta a frisar que os largos poderes de direção são para serem utilizados para certos fins: “para tornar breve e útil a instrução e discussão e justa a decisão da causa.” (p. 9).
O atributo do juiz consagrado na norma em questão é um “poder de instrução”, que descreve como “a faculdade de ordenar oficiosamente as diligências e atos que entender necessários para o descobrimento da verdade” (p. 9).
Sobre a forma de atuação do poder de instrução, na esteira do previsto no art. 453 do projeto do código, afirma:
“Começa-se por afirmar que a iniciativa e o impulso processual incumbem às partes; depois é que se atribui ao juiz o poder de instrução oficiosa. Daqui se vê que a iniciativa da instrução pertence, em primeira linha, às partes e secundariamente ao juiz. Este só deve usar da sua prerrogativa de ordenar oficiosamente diligências e atos de instrução quando os que as partes tenham requerido não sejam suficientes para assegurar o conhecimento exato e perfeito dos factos necessários para a boa decisão da causa.” (p. 11).
Com o DL 329-A/95, de 12 de dezembro, a norma passa à seguinte redação: Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art. 265, n.º 3, do CPC de 1961 após reforma de 1995/6).
No preâmbulo do diploma lê-se a propósito: “Para além de se reforçarem os poderes de direção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adotar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excecionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”.
Apesar deste trecho do preâmbulo, no que à norma que nos ocupa respeita, as alterações não reforçam os poderes do juiz, que já anteriormente eram os mais amplos, continuando de idêntica forma.
Com o DL 180/96, de 25 de setembro, houve ligeira alteração gramatical, introduzindo-se a contração de artigo com preposição «à» antes de “justa composição”.
O art. 411 do CPC vigente, 2013, repete ipsis verbis a norma do art. 265, n.º 3, do CPC que o precedeu, na redação que tinha à data da sua revogação: “(...).”.
No decurso da história da norma, é de assinalar a seguinte mudança: antes de 1995, a norma referia que o juiz tinha o “poder” e após 1995 passou a referir que tem a “incumbência”.
A alteração tem menos efeitos práticos do que os que à primeira vista se poderia pensar. Já antes o “poder” era tido como um “poder-dever”, a atuar em determinadas condições e para certos fins[11]. Atualmente continua a que se está perante “poder-dever” ou “poder funcional”[12].
Designe-se por “poder-dever”, “poder funcional” ou “incumbência”, o que está (esteve sempre, desde 1939) em causa é um comportamento do julgador que só casuisticamente poderá ser determinado e que depende da avaliação que o próprio faça, ponderadas as circunstâncias do caso (factos de que pode conhecer, meios de prova produzidos e/ou requeridos, conhecimento de meios dirigidos à prova de factos relevantes), sobre a necessidade de ordenar determinada diligência probatória.
A avaliação pelo tribunal ad quem da necessidade de obtenção de certa prova de facto de que se podia conhecer e que, a ter sido feita, alteraria o desfecho da causa, e a sindicância pelo tribunal de recurso do comportamento omissivo do juiz a quo ao não diligenciar oficiosamente sobre a obtenção de dado meio de prova só em sede de recurso da decisão final e por aplicação do art. 662 do CPC (verificando-se as circunstâncias da sua aplicabilidade) se poderá fazer.
O autor não pode recorrer de um despacho, que lhe indeferiu requerimento extemporâneo de junção de documentos, alegando que o juiz tinha o dever de oficiosamente ordenar a junção dos mesmos documentos. (...).
Mesmo que o autor tivesse pedido ao juiz que fizesse juntar os documentos oficiosamente, o indeferimento de um tal requerimento não seria recorrível, pois um requerimento para que o juiz atue um poder oficioso, que depende da sua avaliação de necessidade, não se confunde com um requerimento de produção de meio de prova.»
Finalmente, dispõe o art. 429.º, n.º 1, que «quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.»
Recordemos o requerimento dos autores, aqui recorrentes:
«Deve ser ordenada a notificação da Ré para vir aos autos juntar prova documental relativa i) ao número de edições e reedições da obra; ii) ao número de publicações da obra; iii) ao número de vendas nacionais e internacionais, em formato físico (papel) e em formato digital (ebook e/ou outro), seja a particulares, seja a outras lojas, livrarias, bibliotecas, supermercados e grandes superfícies, e iv) respetivos lucros com as alíneas anteriores, tudo a contar da data da 1.ª publicação da obra 1. até à data da junção da documentação por parte da Ré, nos termos e fundamentos supra expostos.»
A parte requerente tem de especificar no seu requerimento:
a) em que consiste o documento;
b) quais os factos que por meio dele intenta provar.
A primeira exigência tem por fim dar a conhecer ao notificado qual o documento que dele requisita; ou seja, cumpre ao requerente identificar, quanto possível, o documento.
Na verdade, para que a parte contrária ou um terceiro possam tomar conscientemente qualquer atitude perante o despacho que requisitar a apresentação, é indispensável que ela saiba, ao certo, qual a espécie de documento que se lhe exige – se uma carta, se uma letra, se um relatório, se um balanço, se um título de arrendamento, etc.; ou seja, não bastando que se identifique a espécie em abstrato, sendo necessário que se concretize a espécie, que se individualize o documento, dizendo-se, por exemplo, de que data é a carta e quem a expediu, a que prédio se refere o arrendamento e em que data se celebrou, etc..
A segunda exigência destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e, em segundo lugar, a fazer funcionar a sanção.
Depois de identificar o documento e mencionar os factos que com ele se propõe provar, a parte deve concluir requerendo ao juiz que designe prazo para a junção do documento e que mande notificar a parte contrária para o juntar dentro desse prazo[13].
Nada disto fazem os autores, aqui recorrentes, pois nem sequer identificam:
- quais os documentos em poder da 2.ª ré cuja junção aos autos pretendem;
- quais os factos que por meio deles se propõem provar.
Na sequência do excurso que antecede, conclui-se:
- o requerimento apresentado pelos autores, ora recorrentes, no dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius ____), não tem cabimento;
- o despacho recorrido não merece censura; e, por conseguinte,
- o presente recurso carece de fundamento.
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
As custas da apelação são cargo dos recorrentes.
Lisboa, 10 de outubro de 2023
José Capacete
Cristina Coelho
Ana Rodrigues da Silva
_______________________________________________________ [1] Cfr. o Ac. do S.T.J. de 12.09.2019, Proc. n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1 (Catarina Serra), in www.dgsi.pt. [2] O destacado a negrito é da nossa autoria. [3]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, p. 541. No mesmo sentido, cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2.ª edição, Almedina, 2017, pág. 327, nota 350. [4]Código de Processo Civil Antado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 675 [5] Neste sentido, veja-se o Ac. da R.L. de 04.06.2020, Proc. n.º 9854/18.3T8SNT-A.L1-2 (Pedro Martins), in www.dgsi.pt. [6] Cfr. Paulo Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas, NCPC, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 340-341. [7] «Exemplos: o documento encontrava-se em poder de terceiros, que só posteriormente o disponibilizou; a certidão do documento arquivado em notário ou noutra repartição pública atempadamente requerida, só posteriormente é emitida; a parte só posteriormente tem conhecimento da existência do documento. (...).». [8] «O facto (“ocorrência”) posterior a que se refere o nº 3 do art. 423 não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente, caso já coberto pela norma do nº 1 do artigo; a previsão do nº 3 respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais. Sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente, mas a esta situação há que assimilar os casos em que o facto (ainda que principal e como tal alegado) tenha ocorrido antes da preclusão do art. 423-2, fazendo já parte do processo, mas o documento que o prova (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial) só posteriormente se tenha formado. (...)». [9]A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 249-250 e notas 66 e 67. [10] Prof. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, Coimbra Editora, 1946, pp. 7 e ss. [11] Além da já citada obra de Alberto dos Reis, v. do mesmo Autor, Código de Processo Civil anotado, I, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1948, p. 366 (usa da expressão «poderes-deveres», para os poderes conferidos pelos arts. 264 a 266, entre os quais o «poder de instrução». [12] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras notas ao novo Código de Processo Civil, II, Coimbra, 2014, p. 25; Paulo Pimenta, Processo civil declarativo, Almedina, 2016, p. 30. [13] A este propósito, cfr. José Alberto dos Reis, in Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 38 a 40, cuja lição, apesar de reportada ao CPC/39, mantém nesta parte plena atualidade.