ANULABILIDADE DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
REPRESENTAÇÃO EM ASSEMBLEIA GERAL
ABUSO DO DIREITO DE ACÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

1. O n.º 2 do art.º 249º do CSC exige, para as deliberações a tomar em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, relativamente aos sócios não presentes, que no instrumento de representação voluntária seja mencionada essa forma de deliberação.
2. Não mencionando a procuração a duração dos poderes conferidos, a validade daqueles poderes de representação restringe-se ao ano civil correspondente ao da emissão daquele instrumento – nº 3 do citado normativo.
3. Não tendo o autor estado validamente representado na assembleia geral da sociedade, as deliberações aí tomadas, ao abrigo do disposto no artigo 54º do CSC, são nulas, nulidade essa que é juridicamente imputável à sociedade ré – arts. 56º, n.º 1, al. a) e 60º, n.º 1, do CSC.
4. Apesar de o direito de acesso aos tribunais estar constitucionalmente garantido (art.º 20º da CRP), o exercício de tal direito, como o de qualquer outro, pode não ser tolerado pela ordem jurídica, posto que se verifiquem os requisitos do artigo 334º do Código Civil.
5. Provando-se que o autor impugnou as deliberações sociais de aumento do capital social e de alteração do pacto social, não com o fito de repor a legalidade ou a juridicidade, mas única e exclusivamente com o fim de pressionar a sociedade a desistir da acção que contra si intentou, em que peticiona a sua condenação na restituição à sociedade da quantia de €760.000,00, que tal contraria o interesse social ( e dos demais sócios), perturbando, assim, gravemente a vida futura da sociedade, com balanços, naturalmente, aprovados, quando nos últimos 4 anos e 9 meses o autor se tinha alheado, por iniciativa própria, dos resultados das contas da ré e das deliberações tomadas pelos sócios nesse período, conclui-se pela verificação de uma situação de abuso do direito de impugnação. 
6. No caso, pese embora a nulidade das deliberações seja de conhecimento oficioso, tratando-se de uma nulidade sanável, não pode o tribunal declarar tal nulidade, sob pena de dessa forma se subverter e neutralizar o efeito do abuso de direito, numa situação em que não estão em causa interesses primacialmente públicos.
7. Por via da intervenção do instituto do abuso de direito, tudo se passa como se a acção do sócio preterido e abusador conduzisse à sanação do vício das deliberações sociais.
8. A condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal.

Texto Integral

Acordam na Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. P… veio instaurar acção declarativa contra G., LIMITADA pedindo que se declare:
a) A nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré de 20 de Janeiro de 2017 ao abrigo do disposto no artigo 56.º, número 1, al. a) e d) CSC
ou, caso assim não se entenda
 b) A anulação das mesmas deliberações por via do artigo 58.º número 1, al. b) e c) CSC.
Alegou, em síntese, que é sócio da ré desde 1974, na qual detém uma quota no valor de €100,00 (cem euros) do capital social da ré; que em 19.01.2019 intentou acção contra a ré para impugnar as deliberações tomadas na Assembleia Geral ocorrida a 07.11.2016 (aumento de capital de €13.799,92 para €230.000,00 efectuado pelo já então gerente e sócio PM… e pela sociedade L., S.A. da qual este último é também único administrador e acionista e alteração de pacto social, nessa sequência), que corre os seus termos no Juízo Central Cível de Sintra desse Tribunal sob o n.º 17253/18.0T8SNT; que impugnou as referidas deliberações com base, entre outros motivos, no facto de a Assembleia de 07.11.2016 ter reunido ao abrigo do artigo 54.º CSC, sem a presença dos sócios LA…, P…, aqui A. e MM…; que a sociedade R. procedeu então à junção aos autos, com a contestação apresentada em 06.03.2019, de cópia da acta n.º 34 da Assembleia Geral ocorrida em 20.01.2017, e que alegadamente renovou as deliberações anteriormente tomadas em 07.11.2016; que só no dia 06.03.2019 tomou conhecimento dessa acta e da deliberação renovatória que nela terá ocorrido, uma vez que não foi convocado para a mesma; que a deliberação renovatória é nula ou, no mínimo, anulável; que o gerente único e sócio da R. PM… passou, por via do referido aumento, a gerir sozinho e controlar, direta e indiretamente, cerca de 97% do capital da R.; que, sendo nula a deliberação de aumento de capital, jamais poderiam os seus efeitos produzir-se e assim refletir-se na distribuição de quotas e votos utilizada na deliberação renovatória; que o gerente e agora sócio maioritário da sociedade R., PM…, actua de forma ubíqua surgindo abusivamente na Assembleia Geral de 20.01.2017 por si, como sócio, como representante do pai, sócio MM…, como representante do irmão, aqui A, como administrador único da L., SA, sócia maioritária e como Presidente da Mesa da Assembleia Geral; que as representações dos sócios MM… e do aqui A. na Assembleia Geral de 20.01.2017 foram, de acordo com a acta, alegadamente efetuadas mediante procuração cuja cópia ficou arquivada na sociedade R.; que o A. passou uma procuração ao seu irmão PM… em 2014 por ocasião da sua ida para o Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida; que tal instrumento de representação conferiu, sem indicação de validade, poderes ao gerente PM… para representar o A. nas Assembleias Gerais da R., mas não conferiu poderes específicos para votação de quaisquer deliberações em qualquer Assembleia Geral e muito menos para as que se pudessem reunir ao abrigo do artigo 54.º CSC, ou seja, com preterição das formalidades prévias legalmente necessárias; que o A. regressou a Portugal em Abril de 2016, conforme bem sabia o seu irmão PM…. por contacto familiar e até porque lhe remeteu uma carta em 27.10.2016 para morada em Portugal; que não recebeu qualquer convocatória para a Assembleia Geral de 20.01.2017 ou qualquer informação sobre a deliberação que veio, alegadamente, a ser discutida e aprovada; que a procuração em causa outorgada em 12 de Maio de 2014 esgotou a sua validade, caducando, em 31 de Dezembro desse ano, na parte referente à representação em assembleias gerais da A. não podendo servir para quaisquer outras que se viessem a realizar após essa data (art.º 249º, n.º 3, do CSC); que, após o óbito do Pai (Julho de 2018), o gerente PM… promoveu ação judicial da Ré contra o aqui A. como forma de pressão do A. enquanto herdeiro; que a deliberação renovatória que ora se impugna, importa prejuízo para todos os sócios da sociedade R. na mesma medida da anterior (de aumento de capital); que  para a validade da deliberação renovatória deveria concorrer a estrutura de capital anterior ao aumento visto que a deliberação de aumento de capital, sendo nula, não teve, entre 07.11.2016 e 20.01.2017 aptidão para produzir os seus efeitos; que constituindo o aumento de capital uma alteração ao contrato de sociedade, só poderá ser deliberado por “maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social” nos termos do artigo 265.º n.º 1 CSC; que na votação carreada a 20.01.2017 nem os valores nominais das quotas eram os correctos nem tão pouco o capital social indicado na acta e concorrente à votação correspondia ao realmente existente pelo que os votos expressos nesta deliberação não são os reais; e que  a deliberação  renovatória foi tomada, na prática, e por utilização de uma errada distribuição de capital social, por uma única pessoa – PM…. 
A ré contestou, alegando que o autor olvida que, no dia 20/01/2017 esteve devidamente representado por procurador, que estava legal e plenamente mandatado para representar o autor nas assembleias gerais da ré, pois que a procuração, estava em vigor e é perfeitamente válida; que o autor, que havia outorgado a procuração a favor do seu irmão PM…, para o representar nas assembleias gerais da ré, deveria ter tido o cuidado de revogar a procuração (só o fez por carta registada dirigida ao procurador, com data de 10/12/2018); que devia indagar junto do seu procurador, que concretos actos teriam ou iriam ser, praticados no exercício do mandato; que mesmo que se entendesse que a representação do autor havia sido ilícita (o que não se concede), tal ilicitude nunca seria oponível à aqui ré; que, quando a presente acção deu entrada em juízo já há muito estava decorrido o prazo legal de 30 dias para que o autor pudesse impugnar as deliberações tomadas; que o direito de acção do autor já havia caducado na data em que a presente acção foi intentada; que o autor é sócio minoritário da ré, e nesta titular de uma quota de reduzido valor, e sem expressão no respectivo capital social; que este tenta, por todos os meios, travar o regular funcionamento da actividade comercial da ré, fazendo-o, como resulta da própria acção do autor (nomeadamente do alegado nos arts.º 24º e 37º da P.I.), apenas, como revanche pela acção que a ré contra ele intentou para recuperar a elevada quantia da qual deste é credora, pois que, até à data da entrada da acção, em 04/10/2018, através da qual a ré peticiona que seja o autor condenado a lhe pagar a quantia de €760.000,00, e que corre termos no Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 2, Proc. 17253/18.0T8SNT); que o autor tinha-se alheado por completo, e por iniciativa própria, da vida da ré; que o autor não tem qualquer interesse na ré e apenas tem interesse que esta não reclame o pagamento das quantias que aquele lhe deve; que caso a ré não tivesse intentado contra o autor a acção acima identificada, nunca este teria intentado nem esta, nem as demais acções que tem apresentado contra a ré e usa-las como meio de pressão para conseguir que a ré desista da acção que contra si intentou; e que esta é a única e exclusiva motivação do autor, sendo assim abusiva a propositura da presente acção.
 Termina pedindo seja a invocada excepção considerada procedente por provada, e a ré absolvida do pedido; e, em qualquer caso, deve por via do impugnatório, a acção ser considerada improcedente, por não provada, e a ré absolvida do pedido.
 Arrolou testemunhas e requereu a prestação de declarações de parte do legal representante da Ré, PM…, a toda a matéria constante da Petição Inicial e da Contestação, nos termos do n.º 1 do art.º 466º do CPC,
Foi proferido despacho, convidando o Autor a, querendo, pronunciar-se sobre a excepção invocada.
Por requerimento de 7-6-2019 o autor veio pronunciar-se dizendo que na contestação existe matéria de excepção espalhada pela parte de impugnação, pelo que opta, por facilidade, por impugnar toda a matéria alegada nessa peça globalmente, sem prejuízo do que se indicará de seguida; que no artigo 4.º da PI consta um lapso de designação de processo judicial pelo que onde se lê “Juízo Central Cível de Sintra desse Tribunal sob o n.º 17253/18.0T8SNT” deve ler-se “Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 1 sob o n.º 1098/19.3T8SNT”; que, como alegado na p.i., discorda em absoluto da posição da ré sobre o início da contagem de prazo para a propositura da presente acção e sobre a invalidade da procuração para a representação na Assembleia Geral da ré; que, quanto à revogação da procuração em 10 de Dezembro de 2018, refira-se, por um lado, que a procuração concedia também vários poderes não relacionados com a sociedade ré – cfr. Doc. 7 da PI - tendo sido revogada quanto a esses poderes, por se encontrar caducada já quanto aos poderes de representação exercidos na deliberação ora impugnada; que a presente ação não tem qualquer caráter abusivo como pretende fazer crer a Ré.
Nesse requerimento o autor alegou ainda que a ré litiga de má fé, posto que nos artigos 11.º a 14.º da contestação esta refere uma comunicação de revogação da procuração com determinado conteúdo, quando afinal tem outro; que o gerente da ré, seu legal representante, possui tal carta e só a não juntou com a sua contestação pois bem sabia que o seu conteúdo não suportaria a ficção elaborada para induzir propositadamente o Tribunal no erro de que o A. estaria a alegar factos contraditórios; que a ré também omitiu a tomada de deliberações sociais ao A. bem como aos restantes sócios minoritários com votações abusivas, ilegais e a coberto da utilização e aceitação, também ela abusiva e ilegal, de um instrumento de representação para uma Assembleia Geral não convocada.
Termina pedindo a condenação da ré como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização ao A. não inferior a Eur. 10.000 (dez mil euros).
Notificada para se pronunciar sobre a litigância de má fé, veio a ré, por requerimento de 12-07-2019, dizer que o autor extravasou o âmbito da resposta à matéria das excepções,  pelo que deverá ter-se por não escrito tudo quanto foi alegado pelo Autor, no ponto IV da sua resposta, em sede de “DA MATÉRIA DA IMPUGNAÇÃO”; que a ré não omitiu quaisquer elementos ao processo, tendo no âmbito da contestação que apresentou em juízo, alegado todos os factos relevantes e junto aos autos toda a documentação necessária ao esclarecimento do respectivo objecto, nomeadamente, não deixou de juntar a carta através da qual o autor revogou a procuração; que  o autor, ao não juntar tal carta com a p.i., e ao não fazer menção à revogação da procuração é que ocultou, deliberadamente do Tribunal, facto relevante para a descoberta material dos factos, sendo a conduta do autor, esta sim, eivada de má-fé; que  não se alcança como pode o facto de uma carta ser endereçada para uma morada, e indicada outra como lugar de citação, constituir indicio de litigância de má-fé; que o autor olvidou que nunca comunicou à ré qualquer alteração do seu domicilio; que quem litiga de má-fé é o autor que omitiu diversos factos, na tentativa de criar uma aparente actuação desleal e mal-intencionada do gerente da ré para o prejudicar; que a má-fé do autor acerca desta matéria, fica bem demonstrada através da contradição existente entre o que diz agora em 60º e 61º deste requerimento, e o que alegou nos arts.º 29º e 30º da P.I.:
Termina pedindo seja considerado como não escrito o alegado pelo autor no seu requerimento datado de 07/06/2019, em sede de resposta à matéria da impugnação; e dever o pedido de condenação da ré, como litigante de má-fé, ser considerado improcedente por não provado, e a ré também absolvida deste pedido. 
Por requerimento de 9-09-2019 veio o autor responder ao pedido de condenação como litigante de má-fé ínsito no requerimento da ré de 12 de Julho de 2019 dizendo que não deve ser admitido o requerimento da ré de 12 de Julho de 2019, devendo dar-se por não escrito o que se encontra indicado nos respetivos artigos 1.º a 31.º, ambos inclusive, por extravasar a notificação do tribunal para responder ao pedido de condenação como litigante de má fé. 
Considerando o Tribunal que os autos já continham os elementos necessários a uma decisão de mérito, sem ulterior produção de prova, foi proferido despacho nesse sentido, dispensando a realização de audiência.
 Proferida sentença em 20.06.2020, foi a acção julgada procedente.
Interposto recurso da mesma pela ré, por acórdão de 26.01.2021, proferido por esta Relação, foi declarado nulo o saneador-sentença e determinado que fosse realizada audiência prévia ou fosse proferido despacho a convidar as partes a pronunciar-se sobre a dispensa de audiência prévia, sobre eventuais excepções e sobre o mérito da causa.
No dia 5/05/2021 realizou-se a audiência prévia. Nesta a ré requereu a junção aos autos de um requerimento e de um documento (carta enviada ao autor datada de 28/12/2016, através da qual lhe enviou convocatória para a assembleia geral realizada dia 20/01/2017) e protestou juntar um outro documento (adenda à acta n.º 34 da assembleia geral realizada dia 20-01-2017).
Foi então concedido à ré o prazo de 5 dias para a junção do documento e designado o dia 1/06/2021 para a continuação da audiência prévia.
Por requerimento de 5/05/2021 a ré veio requerer a junção aos autos de um documento protestado juntar na audiência prévia (aditamento de rectificação da acta n.º 34).
Por requerimento de 13/05/2021 o autor pronunciou-se obre a junção dos documentos, sustentando a sua inadmissibilidade; e requereu a condenação da ré como litigante de má fé, alegando para tanto que:
53) A junção aos autos dos documentos “convocatória” e “aditamento” na audiência prévia, e os próprios documentos juntos revelam-se integradores da má-fé da Ré.
54) Não só a Ré mente de forma aberta a este Tribunal como utiliza a mentira para, através da falsificação de documentos provar uma alteração na verdade dos factos e assim ganhar a presente ação.
55) Não só a Ré mente, como sabe que está a mentir, conforme resulta da contradição entre a confissão patente da Contestação e a mais recente “descoberta” de um documento alegadamente existente desde 2016, no âmbito de um litígio com mais de 2 anos que a envolve diretamente sobre o tema do documento…
56) Não só a Ré mente, como sabe que está a mentir, porque não pode desconhecer o óbito de um dos sócios ocorrido em 2018 e fazê-lo representar numa verdadeira assembleia geral ocorrida mais de 2 anos após esse óbito.
57) Não só a Ré mente, como tem intenção de mentir!
58) Bem sabe a Ré a falta de fundamento, de genuinidade e de veracidade de tudo o que alega no seu requerimento entregue na audiência prévia bem como dos documentos que o acompanham estando inequivocamente preenchidas absolutamente TODAS as alíneas do artigo 542.º número 2 CPC.
59) Fazendo um raro, mas óbvio, pleno no preenchimento dos requisitos da litigância de má-fé dolosa, requer-se desde já a esse douto Tribunal a punição exemplar e pesada do comportamento inadmissível da Ré através da respetiva condenação em multa e no pagamento de indemnização ao A. em valor não inferior a Eur. 20.000 (vinte mil euros), assim se reforçando o valor do anterior pedido de condenação como litigante de má-fé já efetuado nestes autos.
Nestes termos e nos mais de Direito que esse douto Tribunal tiver por admissíveis, requer-se mui respeitosamente e cumulativamente o seguinte:
A) Que seja considerado extemporâneo o requerimento apresentado na audiência prévia pela Ré bem como os documentos que o acompanham, por integrarem violação de confissão irretratável e constituírem assim abuso de direito, por contrário à boa-fé, na modalidade de venire contra factum proprium, requerendo-se igualmente o seu desentranhamento e/ou inadmissibilidade bem como a condenação em multa da Ré por esse facto nos termos do disposto nos artigos 465.º e 443.º e 423.º CPC;
B) Caso não seja determinado o desentranhamento, requer-se que que sejam desconsiderados os documentos para a boa decisão da causa considerando a respetiva falsidade e incapacidade para efeitos de prova;
C) Que sejam considerados improcedentes os factos alegados no requerimento da Ré de 05.05.2021, por não provados;
D) Que seja a Ré condenada como litigante de má-fé, em multa a pagar a esse Tribunal e indemnização a pagar ao A. a fixar no mínimo de Eur. 20.000 a acrescer, mas independente nos fundamentos, ao anterior pedido de condenação como litigante de má-fé já peticionado pelo A. nestes autos nos termos do artigo 542.º CPC;
E) Que seja, finalmente, considerada a presente ação integralmente procedente por provada, conforme peticionado nestes autos pelo A., e ser decretada a NULIDADE das deliberações tomadas na AG de 20 de Janeiro de 2017.
Por requerimento de 27-05-2021 a ré veio responder a esse pedido de condenação como litigante de má fé e pediu a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa a fixar por este Tribunal e em indemnização, em quantia nunca inferior a €10.000,00 (dez mil euros).
No dia 1/06/2021 prosseguiu a audiência prévia, na qual foi proferido despacho com o seguinte teor:
  Da admissão dos documentos juntos em 05.05.2021, no início da audiência prévia: 
Veio Ré requerer a junção aos autos de um documento que corresponde à carta que foi enviada ao autor datada de 28-12-2016, através da qual lhe enviou convocatória, para a Assembleia Geral realizada no dia 20-01-2017, mais protestando juntar um segundo documento que corresponde a uma adenda à acta n.º 34 da Assembleia Geral da ré realizada no dia 20-01-2017.   
O Autor opôs-se a tal junção.
  Decidindo
Na sua contestação, alegou a Ré, no seu artigo 28º: «E, nem venha o Autor alegar que não existindo convocatória aplica-se o disposto na al.) c) do n.º 2 do artigo 59º do Código das Sociedades Comerciais.»
 Mais alegou, no artigo 29: «É que não existiu convocatória porquanto a assembleia se reuniu ao abrigo do disposto no art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais, tendo sido dispensadas as formalidades legais.»
 E no artigo 30º: «Tendo o Autor manifestado, por intermédio do seu procurador, concorrer para que a assembleia de reunisse com preterição das formalidades legais.» 
 Confessados tais factos, vem agora requerer a junção que documento que contraria o facto por si confessado – falta de convocatória do Autor para a Assembleia Geral e sua representação.
 Nos termos do disposto no artigo 465.º n.ºs 1 e 2 do CPC, a confissão é irretractável, pelo tendo a Ré confessado que a Assembleia Geral em causa reuniu nos termos que invoca (e que constam da Acta n.º 34) e tendo o A. aceite especificamente tal confissão no seu articulado de resposta à contestação, tem a mesma força probatória plena contra o confitente.
 A junção desse documento neste momento, pode constituir abuso de direito, por contrário à boa-fé, na modalidade de venire contra factum proprium.
 Assim, perante a força probatória da confissão efectuada por escrito e em juízo, o documento que agora se pretende juntar é absolutamente irrelevante nos autos, dado que do mesmo nada se pode retirar para a decisão da causa que não contrarie aquilo que confessado está e não pode ser retirado.
 Assim, não se admite o documento junto como documento nº 1.
 Quanto ao documento nº 2, aditamento/rectificação à Acta referentes à Assembleia Geral cujas deliberações foram impugnadas nos autos, resultando tal alegada rectificação de um pressuposto (existência de convocatória do Autor e, logo não representação do mesmo na aludida Assembleia Geral) que nestes autos não pode ser atendido, atenta a confissão efectuada pela Ré da inexistência de convocatória, nenhuma relevância pode o mesmo ter nos autos, dado não poder ser no mesmo considerado o que deste consta.
 Não tendo o documento qualquer relevância, não se admite a sua junção.
 Custas do incidente pela Ré que se fixa em 2 ucs, nos termos do disposto nos artigos 465.º e 443.º e 423.º CPC;
  Notifique.
***
 1. Valor da causa
 Nos termos dos art.ºs 305.º, n.º 4 e 306.º, n.º 1, do Código de Processo Civil/2013 fixa-se o valor da causa em conformidade com o indicado na petição inicial.
 
2. Saneamento
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio.
Inexistem outras nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm legitimidade, personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas.
Não existem outras nulidades, excepções.
Da caducidade do direito de acção
Nos termos do art.º 58º, n.º 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais são anuláveis as deliberações que a) violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade; b) sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos; c) não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação para que este possa discutir o assunto.
Os vícios das deliberações podem, pois, reportar-se à forma como a deliberação social foi tomada ou ao respectivo conteúdo.
 No caso, estando em causa uma alegada situação de nulidade não está a mesma sujeita ao prazo a que alude o artigos 58º e 59º, n.º 2, do CSC, de acordo com os quais a acção de anulação de deliberação social deve ser proposta no prazo de 30 dias a contar da deliberação, no terceiro dia subsequente à data do envio da acta da deliberação por voto escrito ou da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, podendo ser invocada a todo o tempo.
Mesmo que assim não fosse, sempre se teria de dizer que, estando em causa nestes autos a própria representação do Autor na dita Assembleia Geral, enquanto causa de nulidade/anulação das deliberações aí tomadas e, logo, do momento em que se pode considerar que o mesmo teve conhecimento das ditas deliberações para efeito do exercício do direito de as impugnar, apenas a final poderia tal excepção ser apreciada, não fora o acima referido.
Consequentemente, considerando não verificada a aludida excepção, improcede a mesma.
*
 Objecto do litígio
 A nulidade ou anulabilidade das deliberações da assembleia geral da Ré de 20 de Janeiro de 2017.
*
 Matéria de facto provada
 Dão se como assentes, face à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados e documentos juntos, os seguintes factos, com relevância para a causa:
 - 1º, 2º (na parte em que se diz que o Autor é sócio da Ré), 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 14º, 16º, 19º (na parte que em que se diz que a Ré surge na Assembleia Geral de 20.01.2017, como:…), 20º (na parte em que se diz Réu reuniu, discuti, conduziu os trabalhos e deliberou na Assembleia Geral de 20.01.2017), 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30, 32º, 33º da petição inicial e 116º, 117º (onde se diz Autor renunciou à gerência em 22.01.2014), 155º, 202º, 253º da contestação.
*
(…)
Face à matéria de facto dada como provada, o tribunal entende estarem reunidos elementos suficientes para decisão conscienciosa do fundo da questão.
 Como tal, nos ternos do art.º 591.º, 1, b), do CPC, dou a palavra aos Ilustres Mandatários presentes para alegações.
 (…)
Não havendo oposição dos Ilustres Mandatários presentes a decisão final será notificada às partes.
 Oportunamente abra conclusão em conformidade.
 Notifique. “
Posteriormente foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“1 – (…) julgo procedente, por provada, a presente acção, e declaro a NULIDADE das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré G., Lda, pessoa colectiva número …, com sede na Rua …, de 20 de Janeiro de 2017.
2 – Condeno A Ré como litigante de má fé:
a) Em multa no montante de 3 (três) UCs;
b) em indemnização à parte contrária, em quantia a apurar nos termos do disposto no art.º 543º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Custas a cargo da Ré, que a estas deu causa (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
*
Notifique ainda o Autor para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar relativamente ao valor da indemnização a fixar nos termos do disposto no art.º 543º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”
Novamente inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, no qual peticionou que seja declarada nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia (ao não se pronunciar sobre o pedido de condenação do apelado como litigante de má fé)  ou, se assim não se entender, o que se admite por mera cautela de patrocínio, ser revogada e, em consequência, substituir-se por outra que considere a presente acção improcedente por não provada e declare a validade das deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente de 20 de Janeiro de 2017, e que considere improcedente o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
Por acórdão por nós proferido a 08/02/2022, decidiu-se julgar parcialmente procedente a apelação, anulando-se a sentença recorrida, e determinar o prosseguimento dos autos para conhecimento dos factos controvertidos atinentes ao invocado abuso de direito de acção, devendo em 1ª instância ser proferido despacho em conformidade com o disposto no art.º 596º do CPC (identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova), nos termos sobreditos.
Nesse acórdão considerou-se ainda prejudicado o conhecimento das demais questões postas na apelação, nomeadamente as relativas à litigância de má fé das partes e nulidade da sentença.
Os autos prosseguiram então os seus termos, com a prolação de despacho em conformidade com o disposto no art.º 596.º do Código de Processo Civil, que fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“- julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade e de anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré G., LIMITADA, realizada em 20 de Janeiro de 2017;
 - julgar improcedentes, por não provados, os pedidos reciprocamente formulados de condenação do Autor e da Ré como litigantes de má-fé.
Custas pelo Autor que a estas deu causa (art.º 527.º n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)”.
Inconformado, veio o autor interpor recurso de apelação e apresentar alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
A) Peca a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, desde logo, (i) por tomar conhecimento da manutenção ou não das deliberações impugnadas impactando o dispositivo da sentença no sentido de nele ser omitida a declaração de nulidade já determinada pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa em 08.02.2022 e, por outro lado, (ii) por tomar conhecimento das questões atinentes à litigância de má-fé, quando o objeto da decisão se circunscreve, de acordo com o referido Acórdão da Relação de Lisboa, apenas à verificação (ou não) do abuso de direito.
B) O referido Acórdão proferido em 08.02.2022 transitou em julgado cristalizando, assim, a nulidade das deliberações de 20.01.2017 na ordem jurídica, e decidiu baixar os autos à primeira instância para determinação, apenas, da parte relativa ao abuso de direito.
 C) Assim mesmo não poderá o Tribunal a quo, como fez, integrar nas questões a decidir o que já estava decidido anteriormente em primeira instância, confirmado pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa e transitado em julgado, a saber, “se as deliberações impugnadas devem manter-se”.
D) Por ser de conhecimento oficioso, a verificação da nulidade não depende ou sucumbe à verificação de um pressuposto processual prévio como será o do abuso de direito.
E) Ainda que se admita a procedência da tese do abuso de direito, sem conceder, não poderá deixar de proceder igualmente a declaração, aliás, de verificação oficiosa, da nulidade das deliberações de 20.01.2017 sem que a primeira prejudique a segunda.
F) As duas decisões não são incompatíveis pelo que, de modo a não ser ignorada a validação do mérito da causa, já transitada em julgado e efetuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, bem como a omissão do dispositivo da sentença da referida nulidade que tem a vicissitude de operar “ipso jure”, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que, não decidindo sobre a manutenção das deliberações impugnadas, reflita a nulidade decretada no seu dispositivo (i) pela assente procedência do pedido do A., (ii) pela natureza e efeito jurídico do vício verificado – a nulidade, e (iii) por não ser incompatível com uma eventual verificação da existência de um abuso de direito que, em todo o caso, não se concede.
G) Também a circunscrição do conhecimento do Tribunal a quo exclusivamente à questão do abuso de direito, não deixa margem para conhecer de outras questões como a da litigância de má-fé, tal como sucede na sentença recorrida.
 H) A sentença ora recorrida excede assim em pronúncia o âmbito da baixa dos presentes autos à primeira instância, requerendo-se a respetiva substituição por outra na qual, pese embora sem renovado conhecimento da matéria da litigância de má-fé, reflita a efetiva condenação da Ré como litigante de má-fé conforme proferido pelo Tribunal a quo em 26.06.2021.
 I) Ainda que assim não se entenda e se admita a reapreciação da matéria da litigância de má fé, sempre se dirá que no caso específico destes autos é debatida a invalidade de deliberações sociais por inexistência de convocatória para a respetiva Assembleia Geral sendo que o documento que a Ré pretendeu juntar aos autos na audiência prévia foi, precisamente, uma Convocatória datada de 2016 para essa Assembleia, documento do qual se teria a Ré, nas suas palavras, “olvidado”.
J) Sem prejuízo, tal documento é de arquivo obrigatório pela sociedade Ré pelo que a Ré já o possuiria, pelo menos, desde a sua data: 28.12.2016, tento tido várias oportunidades de juntá-la aos presentes autos que se iniciaram em 2019.
K) É inverosímil a alegação da Ré de que só em Maio de 2021 - data da audiência prévia – se lembrou da existência da convocatória tendo-a casualmente encontrado, não podendo jamais este ato ser considerado, benevolentemente, como “menos linear” ou “descuidado”, como fez o Tribunal a quo, mas sim absolutamente consciente, propositado, revelando dolo ou, no mínimo, negligência grosseira por tudo o exposto;
L) Para mais, foi confessado na contestação pela própria Ré que a Assembleia Geral de 20.01.2017 reuniu ao abrigo do artigo 54.º CSC sem precedência de convocatória porque a mesma não terá existido; é isso que também consta da ata da referida Assembleia, refletindo-se na matéria de facto dada como provada – pontos 4, 19 e 23.
M) A decisão de fundo da presente ação estaria baseada, nomeadamente e sem limitar, na (in)existência de convocatória para a dita assembleia geral tendo a Ré perfeita consciência de que o súbito “aparecimento” desse documento faria soçobrar a presente ação em seu benefício.
N) Mas a litigância de má-fé não está apenas na espécie de documentos que a R. pretendeu juntar, mas também na própria conduta processual da Ré plasmada numa inicial confissão de inexistência de um documento e a subsequente conduta contraditória, consciente e frontalmente inversa, consubstanciada no pedido de junção aos autos desse mesmo documento.
O) A R. incorre, por todos estes motivos, num ilícito processual (má fé instrumental), sendo absolutamente irrelevante a não aceitação dos documentos pelo Tribunal ou a falta de análise do respetivo conteúdo ou da sua eventual falsidade, encontrando-se preenchidos os pressupostos integradores, pelo menos das alíneas a) e d) do artigo 542.º CPC porquanto, com a sua atuação propositada, ainda que grosseiramente negligente, a Ré deduziu, ao requerer a junção aos autos dos documentos, pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, nem podia ignorar, por ter confessado o contrário na contestação e pelos contornos próprios do processo e da respetiva discussão de mérito e pretendeu entorpecer/protelar a ação da justiça tentando deturpar a descoberta da verdade material dos factos.
P) Nestes termos, e a admitir-se a possibilidade de conhecimento pelo Tribunal a quo da questão da litigância de má fé, sempre deve a Ré ser condenada como litigante de má fé nos termos constantes da sentença proferida nestes autos em junho de 2021 ou noutros que o Venerando Tribunal da Relação possa julgar mais adequados.
Q) Tendo sido decretada a nulidade das deliberações de 20.01.2017 por sentença de junho de 2021, corroborada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.02.2022, transitado em julgado, é indiscutível que assiste razão ao A. quanto ao pedido, ou seja, é indiscutível que as deliberações são nulas, colocando numa esfera de análise muito fina a existência de abuso de direito que lhe possa ser eventualmente imputável.
R) Nos presentes autos não estamos perante dois direitos iguais ou da mesma espécie resultando claro que o direito de agir do A. constitui direito de tutela superior ao direito da Ré (até porque, caso esta pretenda, pode renovar as deliberações sem o vício que as inquina cfr. artigo 62º CSC), impondo-se a prevalência do direito de ação do A. ao abrigo do disposto no artigo 335º, n.º 2 CC;
S) E se assim não se entender, sendo as deliberações efetivamente nulas, e simplesmente por esse facto, não poderia nunca o A. incorrer em qualquer espécie de abuso de direito ao requerer que o Tribunal decrete tal nulidade considerando que é, inclusivamente, um direito que assiste a qualquer interessado pelo tipo de vício em causa.
T) O Tribunal está limitado, no seu poder jurisdicional, ao alegado pelas partes, sendo alegado pela Ré um abuso de direito de sócio minoritário que, contudo, não é tratado na sentença recorrida, acabando esta, a nosso ver incorrer em excesso de pronúncia, por conhecer de outra espécie de abuso de direito que não aquele.
U) O direito de requerer a nulidade ou a anulação das deliberações em crise assiste ao A. nos termos do artigo 59.º número 1 CSC, não só pela sua qualidade de sócio como pelo facto de não ter estado presente na assembleia na qual foram tomadas – falta de convocatória – e constitui um direito de caráter individual, por não se exigir ao sócio que detenha determinada percentagem de capital para poder lançar mão deste direito.
V) Assim, o exercício do direito de impugnação desta deliberação não configura no caso concreto um exercício disfuncional dos seus direitos porque tem acolhimento expresso na lei, nem tão pouco pode ser considerado contrário à boa-fé por consubstanciar a reação de sócio minoritário a deliberação tomada em contravenção do disposto nos estatutos e na lei.
W) Estando em causa a deliberação de um aumento de capital social de Eur. 13.799,92 para Eur. 230.000,00 (aumento de Eur. 216.200,08) efetuado pelo Gerente PM… na qualidade, também, de sócio, e pela L, S.A. da qual era à data único administrador, mantendo-se como acionista maioritário até hoje, fácil será de concluir que o gerente passou, por via do referido aumento, a gerir sozinho e controlar, direta e indiretamente, cerca de 97% do capital da Recorrente ganhando substancial vantagem sobre os demais sócios, nomeadamente porque “anulou” qualquer possibilidade dos restantes sócios reagirem, por exemplo, a deliberações com maioria qualificada superior a três quartos dos votos como era o caso do próprio aumento de capital.
 X) O desequilíbrio intrínseco a esta deliberação justifica objetivamente a presente ação além do fundamento da falta de convocatória que baseia a nulidade da mesma, sendo as características de feição excessiva, isto é, abusiva em termos de vantagem para determinado sócio, que se verificam em relação aos votos dos sócios PM… e L., SA, que abrem margem à situação injusta para a qual se admite reação.
Y) Por estes motivos não se encontram, pois, violados os corolários de confiança e materialidade subjacente, enformadores da necessária boa-fé, justificando a reação de sócio minoritário, o A., através da presente ação judicial cujo pedido é, aliás, procedente, inexistindo assim, por todos estes motivos, abuso de direito.
Z) A declaração de nulidade não trará danos à sociedade, por um lado, porque o aumento de capital serviu alegadamente para fazer face a dívidas da mesma que terão já sido pagas e, por outro, porque uma deliberação nula por falta de convocatória é sempre passível de ser renovada, o que a Ré poderá fazer se assim entender e quiser.
 AA) Acresce que a presente ação não constitui qualquer revanche do A. contra a R. pela ação que esta sociedade contra si intentou porquanto, se aquela ação veio ao conhecimento do A. em Outubro de 2018, já a presente ação só veio a ser intentada em Abril de 2019, ou seja, seis meses depois dela ter tomado conhecimento;
BB) Assim, e apesar de ter sido intentada posteriormente, não o foi na sequência da primeira ou em virtude da mesma, cumprindo analisar o sucedido nos 6 meses que intermediaram a entrada das duas ações que, aliás, se encontra explanado nos pontos 4, 5 e 6 da matéria de facto, de onde decorre expressamente que foi no decurso da ação de impugnação das deliberações tomadas na assembleia de 7.11.2016 que o R. tomou, em Março de 2019 e com a entrega de contestação da Ré, conhecimento da ata da Assembleia Geral de 20.01.2017 com as deliberações em causa.
CC) O A. não teve conhecimento anterior destas deliberações, não porque se tenha alheado ou desinteressou da vida societária da Recorrente mas porque não foi convocado para as respetivas assembleias, facto também assente e provado nos autos.
 DD) Adicionalmente o A. emigrou para o Brasil em 2014 em busca de melhores condições de vida, deixando uma procuração ao atual gerente da Ré, seu irmão, para tratar de diversos assuntos, tendo regressado a Portugal em Abril de 2016 e o gerente da Ré, seu irmão PM…, bem sabia desse facto.
EE) Aliás, ficou também provado, servindo inclusivamente de base à argumentação do Tribunal a quo que o A. e o gerente da Ré se comunicavam, mesmo durante o período de emigração do primeiro, demonstrando este sempre plena confiança para que o segundo gerisse os negócios conforme fosse o seu melhor entendimento.
FF) Mas os negócios e investimentos da sociedade são uma coisa e o governo da própria sociedade são outra distinta. As deliberações em apreço foram tomadas em Janeiro de 2017, já com o A. em Portugal e sem que fosse contactado para o efeito, ou seja, sem que tivesse recebido qualquer convocatória ou qualquer informação sobre a deliberação que veio a ser discutida e aprovada – Ponto 23 da matéria de facto provada.
GG) Dos Pontos 18, 19, 20, 21 e 23 da matéria de facto assente face à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados e prova documental junta aos autos resulta inequívoco que o A. foi para o Brasil em 2014 deixando uma procuração ao seu irmão, que a procuração conferiu poderes para o representar nalgumas assembleias gerais mas não conferiu poderes específicos para toda e qualquer votação, muito menos em assembleias reunidas ao abrigo do artigo 54º CSC, que o A. regressou a Portugal em abril de 2016 estando no país na data das deliberações ora impugnadas e que o gerente da R., seu irmão, bem sabia desse facto e ainda assim não lhe remeteu convocatória.
 HH) Não podem assim ser considerados como provados, como foi na sentença a quo, por serem manifestamente contraditrórios a esta factualidade, de forma direta, os Pontos 30 e 31 da matéria de facto, e indireta, os pontos 32, 33 e 34.
 II) Não é razoável deduzir que, tendo o A. voltado a Portugal e sabendo que o gerente da Ré tinha informação sobre o seu regresso, que este pudesse continuar a fazer uso dos poderes de representação ad eternum sem o convocar.
 JJ) Entre o regresso do A. – abril de 2016 – e a deliberação renovatória aqui em causa – janeiro de 2017, decorreram 8 meses, tempo perfeitamente razoável para um sócio aguardar notícias, por exemplo, através de uma assembleia de aprovação de contas (a ocorrer, tipicamente, em março de cada ano).
KK) O facto de o A. ter referido ao Gerente telefonicamente, por ocasião da sua estada no Brasil, que este poderia proceder como entendesse, é revelador da confiança depositada para uma boa gestão dentro dos poderes conferidos e dentro das informações que lhe eram passadas pelo gerente da R., e não revelador de um afastamento do A., de um não querer saber ou, sequer, de que tais poderes pudessem continuar a ser utilizados após o seu regresso a Portugal.
LL) Este comportamento (ida para o Brasil e passagem de procuração) não inculca no destinatário a confiança de que poderia usar a procuração após o regresso do A. a Portugal.
MM) É errada a conclusão ou interpretação da prova (in casu, opiniões das testemunhas arroladas pela Ré) no sentido de que foi no seguimento do conhecimento da ação intentada pela R. contra o A. que este intentou a presente ação, quando resulta inequívoco da prova documental carreada aos autos (e já dos pontos atrás mencionados da matéria de facto provada) que foi o conhecimento pelo A. da existência da Ata n.º 33 de 20.01.2017 que despoletou a sua reação e entrada da presente ação em juízo.
NN) Os factos assentes 1 a 28 foram provados documentalmente e pela posição assumida pelas partes no processo, resultando prova manifestamente inversa dos pontos 30 a 34, de índole testemunhal, pelo que, de acordo com a primazia da prova documental que afasta a prova testemunhal, cfr. artigo 393º Código Civil, não podem estes últimos (pontos 30, 31, 32, 33 e 34) ser dados como não provados.
OO) A prova é livremente apreciada pelo Tribunal, e a apreciação da prova testemunhal em particular funda-se no princípio da imediação que não pode, todavia, e pese embora a característica da discricionariedade que lhe é intrínseca, ser arbitrária.
PP) O depoimento de JB…, contabilista da sociedade Ré entre 2014 e 2019, contribuiu para a convicção do Tribunal, nomeadamente, por ter referido que só viu o Autor uma vez, no escritório, em reunião, juntamente com PM…. e o pai de ambos não se recordando o que foi discutido, e que o Autor nunca o interpelou para o informar sobre a sociedade.
QQ) A contribuição do seu depoimento não pode ser a tomada pelo Tribunal, nomeadamente para provar que o A. se alheou da sociedade, porquanto resulta provado que em 2014 o A. emigrou para o Brasil sendo natural que, por esse facto, pouco se tenha cruzado com a testemunha, acrescendo ainda que os deveres de informação de um contabilista são, por razões deontológicas e de regulação profissional, para com a sociedade e não para com os sócios, sendo comum que o contacto com a contabilidade seja feito pela gerência, em representação da sociedade, e não pelos sócios diretamente.
RR) O depoimento da testemunha MS… não não é credível e desinteressado porquanto, de acordo com a prova documental junta aos autos (RCBE junto pela sócia L., SA em 03.01.2020) resulta que esta testemunha é acionista da L., SA e, de acordo com os Pontos 8 e 9 da matéria de facto dada como assente, esta é a sócia que mais beneficia do aumento de capital em termos de participação pelo que o provimento da declaração de nulidade da deliberação de aumento de capital fará com o mesmo não produza efeitos e a participação da sócia L., SA decresça substancialmente na sociedade Ré.
SS) Consequentemente, a testemunha MS…, sendo acionista da L., S.A. não é, jamais, parte desinteressada ou idónea no pleito, acrescendo ainda que, quando questionada sobre o seu conhecimento da questão relativa à ação intentada pela Ré contra o A. e a reação deste último a tal ação, afirmou não ter conhecimento direto, antes tendo conhecimento pelo que lhe vai sendo transmitido pelo Gerente PM….
TT) Igual questão é aplicável ao depoimento de MR… (pese embora a danificação dos ficheiros áudio) que, tendo sido uma testemunha arrolada especificamente para a questão do abuso de direito, revelou ser amigo pessoal de longa data do gerente da Ré (sendo razoável deduzir que, nessa qualidade, o pretenda ajudar evitando a procedência da ação) e revelou igualmente que tomou conhecimento das diversas situações testemunhadas no depoimento pelo que ouvia do gerente da Ré e não por via idónea ou independentemente do seu relacionamento de amizade.
UU)Por estes motivos, mal andou o Tribunal a quo pois valorou arbitrariamente os depoimentos, isto é, sem coordenação dos mesmos com a prova documental junta aos autos, com a matéria de facto anteriormente provada ou com a qualidade e relacionamento específicos de cada testemunha com a parte que as arrolou: a Ré, sendo que, necessariamente não poderão servir de prova aos Pontos 30 a 43 da matéria de facto que, assim e por contrarias também prova documental, deverão dar-se como não provados.
VV) Não recai sobre o A. enquanto sócio um dever de indagação sobre a vida societária, pese embora o possa fazer, até porque o dever de prestar informações e de dar a conhecer aos sócios a situação da sociedade, recai sobre a gerência, pelo que não é contrária à boa-fé a reação do A., enquanto sócio minoritário, à deliberação de renovação do aumento de capital nem tão pouco contraria qualquer materialidade subjacente à referida deliberação ou a qualquer atuação da sua parte enquanto sócio.
WW) Também não terá a presente ação a virtude de, por si só, pressionar a Ré ou travar a ação intentada por esta contra o A. onde se discute a existência de uma alegada dívida, até porque, conforme já se referiu, a deliberação nula, seja a de 20.01.2017, seja a que deliberou a entrada da ação contra o A., podem sempre ser objeto de renovação nos termos da lei, bastando para isso o impulso da Ré, pelo que também por esta via não podem ser dados como provados os pontos 32 a 34 da matéria de facto, conforme fez o Tribunal a quo.
 XX) Do facto dessa ação se encontrar em discussão, o que é alegado e provado nos autos, resulta ainda a impossibilidade de se ver dado como provado o ponto 38 da matéria de facto porque constitui exatamente a questão decidenda na referida ação.
 YY) O abuso de direito assenta na constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento ou tutela, mas no caso em apreço não se verifica, porém, contrariedade da confiança ou da materialidade subjacente que possa configurar a presente ação como abusiva.
ZZ) O A. requerer a declaração de nulidade de deliberações efetivamente nulas não constitui uma utilização abusiva do direito de ação condutora a um resultado que viola de forma clamorosa o sentido de justiça prevalecente na comunidade.
AAA) Aliás, bem pelo contrário, tratando-se a nulidade de um vício invocável por qualquer interessado, a todo o tempo e que é de tal modo gravoso que impede ipso jure a produção de efeitos da deliberação na ordem jurídica, a sua arguição em juízo pelo A. só vem salvaguardar o referido sentido de justiça.
BBB) Também não se poderá razoavelmente deduzir que o comportamento do A. subsumido à sua ida para o Brasil por dois anos e passagem de procuração, pese embora limitada, ao gerente da Ré poderá ser integrador de abuso de direito nem na modalidade de venire contra factum proprium nem na modalidade da suppressio visto que não constitui, por um lado, comportamento contraditório com o acto de intentar a ação para declarar a nulidade de deliberação tomada em assembleia geral para a qual não foi convocado e por outro, não se poderão considerar dois/três anos tempo suficiente que possa levar a Ré a confiar que o A. não intentaria tal ação de nulidade (aliás invocável a todo o tempo), bem sabendo o gerente da R. que o A. desconhecia as deliberações pois que não lhe remeteu qualquer convocatória.
 CCC) Assim, o comportamento do A. não integra qualquer abuso de direito de ação ou abuso de direito de sócio minoritário, devendo a sentença recorrida ser substituída por outra neste sentido e, consequentemente, decretando a procedência da ação com a necessária declaração de nulidade das deliberações de 20.01.2017 e a condenação da Ré como litigante de má-fé nos termos da sentença do Tribunal a quo de Junho de 2021.
Termos em que deverá ser admitido e considerando procedente o presente recurso de apelação que tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo em 23.12.2022 decretando-se que seja a mesma substituída por outra que decrete (i) que não incorre o A. em abuso de direito ao intentar a presente ação e, nesse seguimento, (ii) a procedência da ação com a consequente declaração de nulidade das deliberações sociais da Assembleia Geral de 20.01.2017 nos termos já pronunciados nos autos, e (iii) a litigância de má-fé da Ré nos termos e com as consequências igualmente já pronunciadas nos autos.
A ré apresentou contra-alegações, nas quais propugna pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
***
II. Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos:
Os factos já considerados provados na anterior sentença (que permaneceram inalterados no acórdão de 08/02/2022, que sobre ela recaiu):
1. A sociedade Ré dedica-se à atividade de administração e exploração, comercial ou agrícola, de todo o tipo de imóveis próprios ou arrendados.
2. O Autor é sócio da Ré, na qual detém uma quota no valor de €100,00 (cem euros) do capital social.
3. O Autor intentou em 19/01/2019 uma ação contra a Ré para impugnar as deliberações tomadas na assembleia geral ocorrida a 07/11/2016 (aumento de capital e alteração de pacto social, nessa sequência), que corre os seus termos no Tribunal de Sintra sob o n.º 17253/18.0T8SNT.
4. O Autor impugnou as referidas deliberações com base, entre outros motivos constantes da respetiva petição inicial, no facto de a assembleia de 07/11/2016 ter reunido ao abrigo do artigo 54.º CSC, que implica a presença (sem possibilidade de representação) da totalidade dos sócios, sem a presença dos sócios LA…, P…, aqui Autor, e MM….
5. A sociedade Ré procedeu então à junção aos autos, com a contestação apresentada em 06/03/2019, de cópia da ata n.º 34 da assembleia geral ocorrida em 20/01/2017 e que renovou as deliberações anteriormente tomadas em 07/11/2016.
6. A contestação da Ré naquela ação deu entrada nos autos no dia 06/03/2019, data na qual o aqui Autor tomou conhecimento da ata da referida assembleia geral e da deliberação renovatória que nela terá ocorrido, uma vez que não foi convocado para a mesma.
7. Na assembleia geral realizada em 7/11/2016, a que se refere a ata n.º 33, foi deliberado o aumento de capital social de €13.799,92 para €230.000,00 (aumento de €216.200,08) efetuado pelo já então gerente e sócio PM… e pela sociedade L., S.A., da qual este último é também único administrador e acionista.
8. Antes do referido aumento, estava o capital social distribuído da seguinte forma:
a) Sócio MM... (pai do Autor e do representante legal da Ré, com cerca de 80 anos de idade em 2016 e falecido em 17/07/2018) - 1 quota de €2.924,98 e 1 quota de €1.800,00;
b) Sócia L., S.A. - 1 quota de €2.924,98 e 1 quota de €5.849,96;
c) Sócio P…, (filho) aqui A. - 1 quota no valor de €100,00;
d) Sócio PM… (filho) - 1 quota no valor de €100,00;
e) Sócia LA… (filha) - 1 quota no valor de €100,00.
9. Após o aumento de capital a distribuição passou a ser a seguinte:
a) Sócio MM… (Pai) - 1 Quota de €2.924,98 e 1 Quota de €1.800,00;
b) Sócia L., S.A. (administrador único: PM…) - 1 Quota de €2.924,98, 1 Quota de €5.849,96 e 1 Quota de €150.000,00;
c) Sócio PM…. - 1 Quota de €100,00 e 1 Quota de €66.200,08;
d) Sócio P…, aqui A. - 1 Quota de €100,00;
e) Sócia LA… - 1 Quota de €100,00.
10. O gerente único e sócio da Ré PM… passou, por via do referido aumento de capital, a gerir sozinho e controlar, direta e indiretamente, cerca de 97% do capital da Ré.
11. A Ré reuniu novamente em assembleia geral a 20/01/2017 para efetuar uma deliberação renovatória das deliberações tomadas em 07/11/2016.
12.  Na assembleia geral realizada em 20/01/2017 reuniram e votaram os sócios com as titularidades de quotas referidas no ponto 9, tendo em conta o aumento de capital resultante das deliberações tomadas na assembleia geral de 07/11/2016.
13. O gerente e agora sócio maioritário da sociedade Ré, PM… (irmão do aqui A.), atuou e surge na assembleia geral de 20/01/2017:
a) PM…, por si, como sócio;
b) PM…, como representante do Pai de ambos, sócio MM…;
c) PM…, como representante do irmão, aqui Autor, sócio;
d) PM…, como administrador único da L. S.A., sócia maioritária.
e) PM…, como Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
14. O gerente PM… reuniu, discutiu, conduziu os trabalhos e deliberou a assembleia geral de 20/01/2017.
15. Após o óbito do pai (julho de 2018) o gerente PM… promoveu ação judicial da Ré contra o aqui Autor.
16. As representações dos sócios MM… e do aqui Autor na assembleia geral de 20/01/2017 foram, de acordo com a ata de deliberação renovatória, efetuadas mediante procuração cuja cópia ficou arquivada na sociedade Ré.
17. O Autor não emitiu qualquer procuração ou instrumento de representação que permitisse, nem autorizou expressamente, seja por que via for, PM…a discutir e/ou votar, enquanto seu procurador/representante, quaisquer renovações das deliberações de 07/11/2016.
18. O Autor passou uma procuração ao seu irmão PM… em 2014 por ocasião da sua ida para o Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida.
19. Tal instrumento de representação outorgado em maio de 2014 conferiu, sem indicação de validade, poderes ao gerente PM… para representar o Autor nas assembleias gerais da Ré, mas não conferiu poderes específicos para votação de quaisquer deliberações em qualquer assembleia geral e muito menos para as que se pudessem reunir ao abrigo do artigo 54.º CSC, ou seja, com preterição das formalidades prévias legalmente necessárias.
20. O Autor regressou a Portugal em abril de 2016, conforme bem sabia o seu irmão PM…, pelo menos desde 27/10/2016, quando lhe remeteu uma carta para morada em Portugal.
21. Em novembro de 2016 o Autor encontrava-se em Portugal e o gerente da Ré sabia deste facto.
22. O sócio pai MM… já se encontrava doente desde meados de 2016, vindo a ser internado pouco tempo depois e a falecer em 17 de julho de 2018.
23. O Autor não recebeu qualquer convocatória para a assembleia geral de 20/01/2017 ou qualquer informação sobre a deliberação que veio a ser discutida e aprovada.
24. Já antes do aumento do capital social o sócio da Ré PM…, geria-a sozinho porque era gerente único da mesma desde 18/01/2014.
25. O Autor renunciou à gerência em 22/01/2014.
26. O Autor ignorou a carta que lhe foi enviada pela Ré, datada de 27/10/2016.
27. Em 1974, quando a sociedade Ré foi constituída, nem o Autor, nem PM…, nem LA… eram sócios da sociedade, porque eram todos menores de idade.
28. Os sócios constituintes da Ré eram os avós do Autor, o falecido sócio MM…, a sua irmã (tia do Autor) e o seu irmão (tio do Autor).
E, na sequência da repetição do julgamento ordenada no acórdão desta Relação de 08/02/2022, consideraram-se ainda provados os seguintes factos:
29. O gerente PM… não interveio na gestão e atividade da sociedade Ré senão a partir de 2014.
30. Desde que renunciou à gerência da Ré e até 04/10/2018, data da entrada da ação judicial através da qual a Ré peticiona que seja o Autor condenado a pagar-lhe a quantia de €760.000,00 (setecentos e sessenta mil euros), e que corre termos no Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 2, Proc. 17253/18.0T8SNT, o Autor alheou-se por completo, e por iniciativa própria, da vida da Ré e da prossecução o seu objeto social – facto alterado infra.
31. E em nada contribuiu para a prosperidade ou sucesso desta.
32. O Autor instaurou a presente ação como reação à ação que a Ré contra ele intentou e que corre termos no Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 2, Proc. 17253/18.0T8SNT, através da qual esta peticiona que aquele seja condenado a pagar-lhe a quantia de €760.000,00.
33. O Autor usa esta ação como meio de pressão para conseguir que a Ré desista da referida ação que contra si intentou.
34. Caso a Ré não tivesse proposto contra o Autor a referida ação, este não teria, por sua vez, intentado a presente ação.
35. A Ré promoveu o aumento do seu capital social com o intuito de dispor de meios financeiros suficientes para pagar as suas dívidas, nomeadamente, entre outras, à sociedade comercial com a firma EF, Lda., a quem devia, ainda, à data, cerca de €200.00,00 (duzentos mil euros).
36. Esta sociedade já tinha intentado ação executiva contra a Ré para cobrança coerciva da quantia de que era credora, no âmbito da qual tinha já sido penhorado um imóvel da Ré.
37. A Ré receava então que aquela empresa viesse a requerer a sua declaração de insolvência.
38. A falta de liquidez de que a Ré dispunha foi provocada, nomeadamente, pela transferência da quantia de €760.000,00, para uma conta do Autor, em 19/06/2007.
Considerou-se também que da instrução da causa resultaram demonstrados os seguintes factos instrumentais:
39. Mediante contrato de doação celebrado em 31/12/2014, MM… declarou doar em partes iguais aos seus três filhos e sócios da Ré, P…, aqui Autor, PM…, legal representante da Ré, e LA…, o prédio urbano sito na Rua …, com o valor patrimonial tributário de €479.830,00.
40. O referido prédio de Oeiras, à data, encontrava-se ainda em propriedade total, sendo composto por 12 (doze) andares ou unidades de utilização independente.
41. Mediante contratos de compra e venda celebrados em 07/01/2016 e 11/04/2016, P…e LA… declararam vender à Ré a parte que lhes coube da doação descrita em 39, tendo a Ré ficado proprietária de 8 dos doze andares.
42. PM…, legal representante da Ré, por seu turno, transmitiu, na qualidade de proprietário, 3/12 dos 4/12 do prédio de Oeiras que lhe advieram por via da doação acima referida, para o património da L., SA, sócia maioritária da Ré.
43. Mantendo para si a propriedade do restante 1/12 do mesmo imóvel.
Na sentença considerou-se não provado o seguinte facto:
a) O aumento de capital foi realizado com o exclusivo intuito de PM…retirar para si a vantagem especial de controlar, além da gerência, a maioria do capital social da Ré (através da sua quota própria e da sócia L., S.A. de quem é único administrador), em prejuízo dos restantes sócios e da própria sociedade, e conseguir um ascendente sobre os restantes sócios, seus familiares, e poder deliberar o que entendesse na sociedade (inclusive, intentar ações contra os respetivos sócios, como fez...) e nas partilhas por óbito do Pai.

***

III. As questões de que cumpre conhecer consistem em saber:
- se a sentença recorrida enferma de excesso de pronúncia;
- se é caso de alterar a matéria de facto;
- se as deliberações da assembleia geral universal da ré de 20/01/2017 são nulas ou, não sendo, se são anuláveis;
-  se ao instaurar a presente acção de impugnação daquelas deliberações sociais o autor actuou com abuso de direito e, em caso de resposta afirmativa, qual a consequência deste;
- se a ré litigou ou não de má fé.

***

IV. Da questão de mérito:
Do putativo excesso de pronúncia/nulidade da sentença:
Na apelação o autor propugna que a sentença enferma de excesso de pronúncia, ao conhecer de novo da questão da questão da litigância de má fé da ré e da nulidade da deliberação social impugnada, porquanto o objeto da decisão se circunscreve, de acordo com o Acórdão da Relação de Lisboa proferido nos autos apenas à verificação (ou não) do abuso de direito (conclusão A).
Acrescenta que não poderá o Tribunal a quo, como fez, integrar nas questões a decidir o que já estava decidido anteriormente em primeira instância, confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado (conclusões B) e C).
Em consonância, e no que toca à litigância de má fé, requer a substituição da sentença por outra decisão, a qual reflita a efectiva condenação da ré como litigante de má-fé conforme proferido pelo Tribunal a quo em 26.06.2021 (conclusão H).
Vejamos.
Por sentença de 26.06.2021 decidiu-se:
“1 – (…) julgo procedente, por provada, a presente acção, e declaro a NULIDADE das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré G., LDA, pessoa colectiva número …., com sede na Rua …., de 20 de Janeiro de 2017.
2 – Condeno A Ré como litigante de má fé:
a) Em multa no montante de 3 (três) UCs;
b) em indemnização à parte contrária, em quantia a apurar nos termos do disposto no art.º 543º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Custas a cargo da Ré, que a estas deu causa (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
*
Notifique ainda o Autor para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar relativamente ao valor da indemnização a fixar nos termos do disposto no art.º 543º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”
Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso de apelação, no qual peticionou que a sentença fosse declarada nula, por omissão de pronúncia (ao não se pronunciar sobre o pedido de condenação do autor como litigante de má fé)  ou, se assim não se entendesse, fosse revogada e, em consequência, substituir-se por outra que considere a acção improcedente e declare a validade das deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente de 20 de Janeiro de 2017; e que considere improcedente o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
Por acórdão por nós proferido a 08/02/2022, decidiu-se julgar parcialmente procedente a apelação e anular a sentença recorrida, nos termos do art.º 662º, n.º 2, al. c) co CPC, determinando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento dos factos controvertidos atinentes ao invocado abuso de direito de acção.
Os autos prosseguiram então com a produção de prova relativamente aos pontos de facto descritos no anterior acórdão, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, tendo, após a realização do julgamento, sido proferida a sentença recorrida.
Ora, nessa sentença conheceu-se, e bem, de todas as questões equacionadas nos autos e não apenas do abuso de direito.
Efectivamente, tendo sido anulada a sentença anteriormente proferida, a nova sentença tinha de abordar e resolver todas as questões, nomeadamente as atinentes à litigância de má fé apreciadas na sentença anterior, posto que o acórdão desta Relação se considerou prejudicado o conhecimento das demais questões postas na apelação, nomeadamente as relativas à litigância de má fé das partes e nulidade da sentença.
E no que toca à nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré de 20/01/2017, no aludido acórdão teceram-se algumas considerações sobre a validade das mesmas, concluindo-se pela sua nulidade, mas apenas para efeitos de enquadramento jurídico da questão e fundamentação da necessidade de anular o julgamento para ampliação da matéria de facto atinente à questão do eventual abuso de direito do autor ao impugnar as aludidas deliberações.
Registe-se ainda que o Tribunal da Relação, ao contrário do STJ (vide art.ºs 682º, n.º 3, e 683º, n.º 1, do CPC), não tem o poder de nessa sede fixar definitivamente o direito aplicável, ainda que seja normal, como no caso ocorreu, que o tribunal de 1ª instância na nova sentença acolha o entendimento expresso pela Relação no acórdão anterior sobre a questão nele apreciada para fundamentar a anulação da sentença (no caso a questão da nulidade das deliberações sociais).
A decisão proferida no acórdão de 8/02/2022 restringiu-se, pois, à anulação da sentença. Daí que, por força do disposto no art.º 662º, n.º 4, do CPC, a mesma nem sequer fosse susceptível de recurso para o STJ.
Bem andou, pois, a sentença recorrida ao pronunciar-se sobre aquelas questões, não se verificando uma situação de excesso de pronúncia, susceptível de conduzir à nulidade da sentença.

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Sustenta o apelante que os factos considerados provados sob os n.ºs 30 a 34º devem ser considerados não provados. E, quanto ao facto n.º 38, sustenta que do facto de em outra acção se encontrar em discussão, o que é alegado e provado nos autos, resulta ainda a impossibilidade de se ver dado como provado o ponto 38 da matéria de facto porque constitui exatamente a questão decidenda na referida ação.
Os factos n.ºs 30 a 34 e 38º têm o seguinte teor:
30. Desde que renunciou à gerência da Ré e até 04/10/2018, data da entrada da ação judicial através da qual a Ré peticiona que seja o Autor condenado a pagar-lhe a quantia de €760.000,00 (setecentos e sessenta mil euros), e que corre termos no Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 2, Proc. 17253/18.0T8SNT, o Autor alheou-se por completo, e por iniciativa própria, da vida da Ré e da prossecução o seu objeto social.
31. E em nada contribuiu para a prosperidade ou sucesso desta.
32. O Autor instaurou a presente ação como reação à ação que a Ré contra ele intentou e que corre termos no Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 2, Proc. 17253/18.0T8SNT, através da qual esta peticiona que aquele seja condenado a pagar-lhe a quantia de €760.000,00.
33. O Autor usa esta ação como meio de pressão para conseguir que a Ré desista da referida ação que contra si intentou.
34. Caso a Ré não tivesse proposto contra o Autor a referida ação, este não teria, por sua vez, intentado a presente ação.
38. A falta de liquidez de que a Ré dispunha foi provocada, nomeadamente, pela transferência da quantia de €760.000,00, para uma conta do Autor, em 19/06/2007.
Ouvida toda a prova gravada (a qual se encontra perfeitamente audível), cumpre conhecer da impugnação.

Ao contrário do que acontecia antes da reforma de 1995/96, quando a Relação só excepcionalmente apreciava a decisão da matéria de facto, a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.º 640º do CPC, a decisão com base neles proferida.
A Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência, não se podendo escusar a esse juízo sob pretexto de que não estão reunidas as mesmas condições que existiam aquando da produção dos depoimentos testemunhais – vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224.
Compete, pois, à Relação formular a sua própria convicção, fazendo uma apreciação crítica das provas, proferindo, se for caso disso, uma nova decisão, especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, ainda que não se encontre em posição idêntica, na perspectiva da imediação e da oralidade.
A reapreciação da prova pela Relação, tem a mesma amplitude dos poderes que tem a 1ª instância, registando-se, todavia, que o sistema de registo de prova não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações por parte dos depoentes, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo o tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.
Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador – cfr. A. Geraldes, ob. cit., pag. 234.
A apreciação da prova nesta Relação envolve, assim, “risco de valoração” de grau mais “elevado” que na 1ª instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade.
Entende-se, por isso, que o juízo de valoração a efectuar pela Relação sobre os pontos da matéria de facto impugnados, passará, primacialmente, pela verificação se a convicção expressa pela Sra. Juíza de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que consta do registo da gravação dos depoimentos e dos demais elementos probatórios constantes dos autos, impondo-se apenas a modificação da matéria de facto sempre que as provas produzidas determinem decisivamente uma modificação da decisão de facto tomada na 1ª instância. 

Em face da impugnação deduzida pelo apelante, o que está fundamentalmente em causa é a valoração a dar aos depoimentos prestados em audiência.
Ora, como é sabido, os depoimentos pesam-se caso a caso, no contexto em que se inserem, tendo em conta a razão de ciência invocada, a sua razoabilidade face à lógica, à razão, às máximas da experiência e aos conhecimentos científicos, relevando ainda na valoração do depoimento os aspectos comportamentais e reaccionais acima já mencionados.
E, conforme refere LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, Coimbra Editora, 1996, ps. 160/161, "No âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (art.ºs 349 e 351 CC) por natureza implica (...) ".
Ou seja, as provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras de experiência comum.
Na apreciação da veracidade de um facto o tribunal deve atender às especificidades do facto concreto cuja prova constitui um ónus de uma das partes, “devendo o juiz usar um critério mais ou menos rigoroso, consoante seja maior ou menor a facilidade com que a parte se debata para reunir os elementos de prova adequados” – A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 4ª edição, Almedina, pag. 220.

Quanto aos factos 30 e 31:
Nas suas conclusões, o apelante começa por sustentar que os factos provados sob os pontos 18º a 21º e 23º são manifestamente contraditórios, de forma direta, com os Pontos 30 e 31 da matéria de facto (conclusões GG e HH).
Não assiste razão ao mesmo, não se verificando a apontada contraditoriedade.
Com efeito, o facto de se ter provado, sem impugnação das partes, que o autor antes de ir para o Brasil emitiu em Maio de 2014 uma procuração a favor do seu irmão PM… – a conceder-lhe poderes, nomeadamente para o representar nas assembleias gerais da ré (factos 18 e 19) -, ter regressado a Portugal em Abril de 2016, sendo tal do conhecimento daquele, pelo menos desde 27/10/2016 (factos 20 e 21), e não ter recebido qualquer convocatória para a assembleia geral da ré de 20/01/2017 (facto 23), não obsta a que o mesmo se tenha alheado da vida da ré e não tenha contribuído para a prosperidade ou sucesso desta (factos considerados provados sob os n.ºs 30 e 31).
Por outro lado, na sua motivação o tribunal a quo exarou que formou a sua convicção com base nos depoimentos de JB… (técnico oficial de contas; foi TOC da ré durante cerca de cinco ou seis anos, numa altura em que o PM… era já gerente da ré; actualmente não desempenha essas funções, mas outra pessoa do mesmo gabinete a que mantém ligação) e de MS… (ex-mulher de PM…, gerente da ré, de quem se divorciou em Abril de 2009; trabalha para esta desde Dezembro de 2015, como secretária; é sócia minoritária da L., S.A.)
Como aí se exarou, o primeiro declarou “que só viu o Autor uma única vez, no escritório, em reunião, juntamente com PM… e o pai de ambos, não se recordando, no entanto, do que foi então discutido. Asseverou, contudo, que o Autor nunca o interpelou, a si ou ao seu escritório, para o informar acerca das contas ou da situação da empresa”.
A segunda declarou que quando esteve no Brasil o ora autor e PM…. trocavam e-mails; que o P… dizia para o irmão fazer o que achasse; que este não ia às instalações da empresa em Oeiras, nem manifestava qualquer interesse; que muito esporadicamente o P… perguntava ao irmão PM… como estava a empresa, e depois dizia ao irmão para fazer como achasse melhor.
Em 1ª instância, concluiu a Sra. Juíza que:
“Em face dos descritos depoimentos, que mereceram total credibilidade, atenta a forma desinteressada e sincera como foram prestados, o Tribunal ficou plenamente convencido de que a partir do momento em que renunciou à gerência da Ré, o Autor desinteressou-se efetivamente desta, depositando no seu irmão total confiança (“PM… faz o que entenderes e como quiseres”) e não pondo em causa a sua gestão durante quase cinco anos e em nada contribuindo para o sucesso da Ré e/ou para a resolução dos problemas financeiros que a mesma atravessava”.
Dissentindo diz o apelante que:
-  Não é razoável deduzir que, tendo o A. voltado a Portugal e sabendo que o gerente da Ré tinha informação sobre o seu regresso, que este pudesse continuar a fazer uso dos poderes de representação ad eternum sem o convocar (conclusão II), sendo razoável para um sócio aguardar notícias durante o período de 8 meses (entre Abril de 2016, data em que regressou a Portugal, e Janeiro de 2017, mês em que ocorreu a deliberação renovatória (conclusão JJ);
- O facto de o A. ter referido ao gerente telefonicamente, por ocasião da sua estada no Brasil, que este poderia proceder como entendesse, é revelador da confiança depositada para uma boa gestão dentro dos poderes conferidos e dentro das informações que lhe eram passadas pelo gerente da R., e não revelador de um afastamento do A., de um não querer saber ou, sequer, de que tais poderes pudessem continuar a ser utilizados após o seu regresso a Portugal (conclusão KK);
- Este comportamento (ida para o Brasil e passagem de procuração) não inculca no destinatário a confiança de que poderia usar a procuração após o regresso do A. a Portugal (conclusão LL);
- De acordo com a primazia da prova documental que afasta a prova testemunhal, cfr. artigo 393º Código Civil, não podem estes últimos (pontos 30, 31,) ser dados como não provados (conclusão NN);
- O depoimento de JB…, contabilista da sociedade Ré entre 2014 e 2019, contribuiu para a convicção do Tribunal, nomeadamente, por ter referido que só viu o Autor uma vez, no escritório, em reunião, juntamente com PM… e o pai de ambos não se recordando o que foi discutido, e que o Autor nunca o interpelou para o informar sobre a sociedade (conclusão PP); A contribuição do seu depoimento não pode ser a tomada pelo Tribunal, nomeadamente para provar que o A. se alheou da sociedade, porquanto resulta provado que em 2014 o A. emigrou para o Brasil sendo natural que, por esse facto, pouco se tenha cruzado com a testemunha, acrescendo ainda que os deveres de informação de um contabilista são, por razões deontológicas e de regulação profissional, para com a sociedade e não para com os sócios, sendo comum que o contacto com a contabilidade seja feito pela gerência, em representação da sociedade, e não pelos sócios diretamente (conclusão QQ);
- O depoimento da testemunha MS… não é credível e desinteressado porquanto, de acordo com a prova documental junta aos autos (RCBE junto pela sócia L., S.A. em 03.01.2020) resulta que esta testemunha é acionista da L.,SA e, de acordo com os Pontos 8 e 9 da matéria de facto dada como assente, esta é a sócia que mais beneficia do aumento de capital em termos de participação pelo que o provimento da declaração de nulidade da deliberação de aumento de capital fará com o mesmo não produza efeitos e a participação da sócia L., S.A. decresça substancialmente na sociedade Ré (conclusão RR); Consequentemente, a testemunha MS…, sendo acionista da L., S.A. não é, jamais, parte desinteressada ou idónea no pleito, acrescendo ainda que, quando questionada sobre o seu conhecimento da questão relativa à ação intentada pela Ré contra o A. e a reação deste último a tal ação, afirmou não ter conhecimento direto, antes tendo conhecimento pelo que lhe vai sendo transmitido pelo Gerente PM… (conclusão RR).
Vejamos.
Concorda-se com o apelante quanto ao facto de ser natural que o ora autor se não dirigisse directamente aos serviços de contabilidade para obter informações, posto que, como é sabido, o contabilista certificado tem o dever de guardar segredo profissional sobre os factos e documentos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções, dele só podendo ser dispensados pelas entidades a que prestem serviços (no caso, pela ré), por decisão judicial ou pelo conselho diretivo da Ordem (art.º 72 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados).
Assim, o declarado pela testemunha JB… não assume particular relevância para a questão em apreciação.
Por outro lado, questiona o apelante na sua impugnação a valoração conferida em 1ª instância ao depoimento da testemunha MS…, face ao risco de parcialidade da mesma, por esta ter interesse na solução da causa (pode beneficiar do aumento do capital social).
É sabido que a prova testemunhal deve ser manejada com especial prudência e cautela, nomeadamente nas situações em que existem relações familiares, de amizade, profissionais ou outras entre os depoentes e as partes.
Certo é que o teor daquele depoimento se mostra conforme com as declarações do legal representante da ré e com o declarado pelo próprio autor.
Assim:
- PM…, legal representante da ré, declarou, em suma, que quando o seu irmão estava no Brasil falavam um com o outro via Skype; que ele não queria saber da sociedade ré e dizia para fazer o que quisesse; que quando o seu irmão voltou do Brasil, por volta de finais de 2016, o mesmo perguntou-lhe se tinha conseguido recuperar a sociedade ré dos problemas, no sentido de os resolver; que o autor nunca foi à sede da empresa, nem aos serviços de contabilidade, nem pediu para ver as contas, a não ser em finais de 2018.
- P… (autor) declarou que quando esteve no Brasil interessou-se pela empresa; que nessa altura falava via Skype com o irmão PM… e ele dizia que estava a organizar as coisas da sociedade, que estava tudo a correr bem; que quando regressou do Brasil fez perguntas a este sobre a sociedade e apenas obteve respostas evasivas; que só em Setembro de 2018 teve conhecimento do aumento do capital social da ré, nunca tendo falado com a contabilidade; que após a morte do pai interessou-se de forma mais vinculativa.
A valoração destes depoimentos deverá ainda ser feita tendo como pano de fundo a situação económica e financeira da ré desde a data em que o ora autor renunciou à gerência e até ao dia 04/10/2018.
Nesta sede decorreu com inteira clareza da prova documental produzida (conjugada com os depoimentos a que faremos referência) que:
- Em Janeiro de 2014 a ré tinha uma dívida à EF, Lda, a qual se venceu dia 7/06/2014, totalizando nessa data o montante de €462.000,00 (vide acta da transacção judicial junta aos autos);
- Em Janeiro de 2014 a ré não tinha qualquer actividade, nem activos geradores de rendimentos, não tendo liquidez para satisfazer a dívida à EF, Lda [conforme declarações claras e objectivas do legal representante da ré e depoimentos das testemunhas  JB… e MR… (economista; amigo de PM…, legal representante da ré; é consultor desta, na parte estratégica, desde 2014)];
 - Os únicos bens imóveis da ré eram constituídos por duas parcelas de terreno com as áreas de 11.522,1m2 (prédio rústico) e 13.197,9m2 (prédio urbano), localizados no Sítio da Rocha, Portimão, descritos na respectiva Conservatória sob os n.ºs …., sendo que, para garantia do pagamento da dívida à EF, Lda, no dia 28/06/2011 foi constituída pela ora ré uma hipoteca voluntária a favor daquela sobre o lote da ré com a área de 13.197,9 m2;
- Sobre cada uma das parcelas fora celebrado pela ré, nos anos de 2006 e 2007, contratos-promessa de compra e venda, sendo a parcela de 13.197,9m2 com a EF, Lda e a outra parcela com um consócio de empresas (nas quais se incluía a V., Lda), tendo a ré recebido daquelas empresas uma quantia global superior a um milhão e trezentos mil euros;
- Para além disso existiam ainda dívidas tributárias, tendo no dia 7/04/2014 sido registada uma penhora da AT sobre a parcela com a área de 13.197,9 m2 para garantia do pagamento da quantia exequenda do montante de €49.609,81; no dia 24/06/2014 foi registada uma penhora da AT sobre a mesma parcela para garantia do pagamento da quantia exequenda de €48.630,33; e no dia 29/12/2014 foi constituída pela ré uma hipoteca voluntária a favor da AT para garantia do pagamento do capital de €42.402,27.
Assim, em Maio de 2014, quando  P… emitiu procuração concedendo poderes ao irmão PM… para o representar junto das Repartições de Finanças, Segurança Social, Tribunais e nas assembleias gerais da Ré, e se ausentou para o Brasil, onde permaneceu até Abril de 2016, aquele não podia ignorar a precariedade da situação da ré, pois que tinha exercido o cargo de gerente no período em que se constituíram aquelas dívidas.
Em face dessa situação justificava-se uma especial atenção do ora autor relativamente aos problemas de tesouraria e à evolução da situação económica e financeira da ré.
Porém, o que decorreu da prova pessoal a que fizemos referência, valorada à luz dos demais factos apurados, é que desde que renunciou à gerência até 4 de Outubro de 2018 o autor P… não esteve pessoalmente presente nas assembleias gerais da ré, não solicitou a esta a prestação de qualquer informação, nomeadamente o envio de cópia das actas ou das contas, não se deslocou às instalações da ré, nem demandou esta para exercer qualquer um dos seus direitos enquanto sócio.
Neste quadro, sabendo desses problemas, a conduta daquele revela alheamento da vida da ré e da prossecução do seu objecto social.
Assim, altera-se a resposta ao facto n.º 30, considerando-se apenas provado que desde que renunciou à gerência da Ré e até 04/10/2018, data da entrada da ação judicial através da qual a Ré peticiona que seja o Autor condenado a pagar-lhe a quantia de €760.000,00 (setecentos e sessenta mil euros), e que corre termos no Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 2, Proc. 17253/18.0T8SNT, o autor não esteve pessoalmente presente nas assembleias gerais da ré, não solicitou a esta a prestação de qualquer informação, nomeadamente o envio de cópia das actas ou das contas, não se deslocou às instalações da ré, nem demandou esta para exercer qualquer um dos seus direitos enquanto sócio, alheando-se, por iniciativa própria, dos resultados das contas da ré e das deliberações tomadas pelos sócios nesse período.
E quanto ao facto n.º 31, no período temporal em causa, não se apurou que o autor tivesse assumido uma qualquer acção, nem este refere qual, que contribuísse para a prosperidade ou o sucesso da ré, posto que se limitou a emitir uma procuração a favor do seu irmão a conceder-lhe poderes para o representar.
Neste quadro não pode deixar de se valorar a prova produzida nos mesmos moldes dos efectuados em 1ª instância, considerando-se provado o facto em referência, desatendendo-se, neste ponto, a impugnação do apelante.

Quanto aos factos 32º, 33º e 34º:
Em causa está a questão de saber se foi feita prova de que o autor instaurou a presente acção como reacção à acção que a Ré contra ele intentou e na qual peticiona que seja condenado a restituir-lhe a quantia de €760.000,00, como meio de pressão para que a Ré desista da referida acção.
Na sentença recorrida a Sra. Juíza fundamentou a prova daqueles factos nos seguintes considerandos:
“Relativamente aos factos provados sob os pontos 30 a 34, a convicção do Tribunal assentou na conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas JB…, MS…. e MR…, que foram corroborantes com as declarações de parte do legal representante da Ré, PM….
(…)
Também MS… - secretária da Ré desde dezembro de 2015 -, referiu que quando o Autor renunciou à gerência e foi para o Brasil disse ao irmão “PM… faz o que entenderes e como quiseres”.  Confirmou também que nem mesmo quando o Autor regressou do Brasil em meados de 2016 o viu na empresa, não tendo o mesmo alguma vez demonstrado interesse pela Ré ou tentado intervir e/ou colaborar com o irmão PM… na gestão da sociedade, ou de alguma forma contribuir para o sucesso desta, não obstante não ignorar os problemas financeiros que a Ré atravessava. Asseverou, ainda, que o Autor nunca pôs em causa a gestão levada a cabo pelo irmão e nunca foi à sede da Ré ou à filial de Oeiras, onde a testemunha trabalha, consultar qualquer documento, como por exemplo o livro de atas ou um balanço. Apenas “muito esporadicamente” perguntava ao legal representante da Ré “se estava tudo bem” e quando o irmão PM… lhe respondia, o Autor acrescentava sempre “faz como achares melhor”. MS…. garantiu que esta situação só se alterou quando a Ré intentou uma ação judicial para cobrar ao Autor a quantia de €760.000,00. E foi a partir desse momento que o Autor “ficou desagradado” e começou a reagir com ações judiciais contra a Ré, como é o caso da presente ação, começou a criar “muitos problemas nas vendas de apartamentos” e a votar sempre “contra” nas assembleias gerais, tudo como forma de se defender e “fazer pressão à Ré” para desistir da ação.
Do mesmo modo, a testemunha MR… referiu que antes de a Ré propor ação contra o Autor pedindo o pagamento da quantia de €760.000,00, o Autor sequer queria ouvir falar da situação da empresa, pois bem sabia os problemas financeiros que a mesma atravessava quando renunciou à gerência. Nas suas palavras, o Autor “demitiu-se” por completo da empresa em janeiro de 2014 e só quando se viu confrontado com a referida ação é que, para se defender e obrigar a Ré a negociar, é que começou a criar obstáculos e a pôr em causa o aumento de capital deliberado propondo ações judiciais e providências cautelares contra a Ré, como forma de pressão. Em face dos descritos depoimentos, que mereceram total credibilidade, atenta a forma desinteressada e sincera como foram prestados, o Tribunal ficou plenamente convencido de que a partir do momento em que renunciou à gerência da Ré, o Autor desinteressou-se efetivamente desta, depositando no seu irmão total confiança (“PM faz o que entenderes e como quiseres”) e não pondo em causa a sua gestão durante quase cinco anos e em nada contribuindo para o sucesso da Ré e/ou para a resolução dos problemas financeiros que a mesma atravessava. E foi só depois de confrontado com a ação judicial que a Ré lhe instaurou que o Autor decidiu, através desta ação, insurgir-se contra a deliberação social de aumento de capital da Ré, deliberação essa que, fazemos notar, não se demonstrou ser prejudicial ao Autor. Aliás, quando questionado acerca dos motivos para tal no decurso das suas declarações, o Autor não os soube explicar de forma clara ou elucidativa. Com efeito, limitou-se a referir que o irmão quis tomar as rédeas da empresa em detrimento dos demais sócios e que é daí que advém a sua oposição ao aumento de capital deliberado.
Tal explicação, com o devido respeito, não colhe, na medida em que já antes do aumento do capital social, PM… era já o administrador único da sócia maioritária da Ré (a L., S.A.) e, bem assim, era ele quem também geria sozinho a Ré desde 21/01/2014.
 Quando confrontado com esta situação, o Autor disse que só em setembro de 2018 teve conhecimento de que a L., S.A., era também sócia da Ré, uma vez que só então soube que o pai tinha feito uma cessão de quotas a esta empresa. Este “desconhecimento”, contudo, não só constitui facto novo, não alegado nos articulados, como não resultou minimamente corroborado, não sendo sequer razoável ou verosímil. Note-se que é o próprio Autor quem, na sua petição inicial, identifica a distribuição do capital social da Ré em momento anterior ao do aumento do capital social, e que está registada na certidão permanente da Ré sob a AP. 43/20141230, sem nunca alegar que apenas em 2018 teve dela conhecimento. E, mesmo que assim fosse, tal facto não relevaria para estes autos nem para a questão que neles se discute, na justa medida em que nunca foi posta em causa, por nenhuma das partes, mormente por parte do Autor, a distribuição do capital social da sociedade Ré anterior ao aumento de capital objeto da deliberação impugnada, estabilizada que estava desde dezembro de 2014 (cfr. certidão permanente).
Em face do exposto, atentos os depoimentos prestados, que não foram infirmados, e a ausência de uma explicação cabal e verosímil apresentada pelo Autor, o Tribunal, num processo lógico e racional, ficou plenamente de que o Autor usa esta ação como meio de pressão para conseguir que a Ré desista da referida ação que contra si intentou e que se a Ré não tivesse proposto aquela ação judicial, o Autor não teria, por sua vez, intentado a presente”.
Dissentindo, diz o apelante que:
- O depoimento da testemunha MS… não é credível e desinteressado porquanto, de acordo com a prova documental junta aos autos (RCBE junto pela sócia L., S.A. em 03.01.2020) resulta que esta testemunha é acionista da L.,SA e, de acordo com os Pontos 8 e 9 da matéria de facto dada como assente, esta é a sócia que mais beneficia do aumento de capital em termos de participação, pelo que o provimento da declaração de nulidade da deliberação de aumento de capital fará com o mesmo não produza efeitos e a participação da sócia L., S.A. decresça substancialmente na sociedade Ré (conclusão RR);
- Consequentemente, a testemunha MS…, sendo acionista da L., S.A. não é, jamais, parte desinteressada ou idónea no pleito, acrescendo ainda que, quando questionada sobre o seu conhecimento da questão relativa à ação intentada pela Ré contra o A. e a reação deste último a tal ação, afirmou não ter conhecimento direto, antes tendo conhecimento pelo que lhe vai sendo transmitido pelo Gerente PM… (conclusão SS);
- Igual questão é aplicável ao depoimento de MR…  que, tendo sido uma testemunha arrolada especificamente para a questão do abuso de direito, revelou ser amigo pessoal de longa data do gerente da Ré (sendo razoável deduzir que, nessa qualidade, o pretenda ajudar evitando a procedência da ação) e revelou igualmente que tomou conhecimento das diversas situações testemunhadas no depoimento pelo que ouvia do gerente da Ré e não por via idónea ou independentemente do seu relacionamento de amizade (conclusão TT).
Vejamos.
A prova da intenção do autor com a propositura da presente acção constitui um facto cuja prova directa é extremamente difícil de alcançar, posto que o autor não reconheceu esse facto, antes o impugnou.
Em casos como este, haverá que recorrer à prova por presunção, a qual se reveste nestas situações de grande importância prática, permitindo ao julgador, a partir de um facto conhecido (facto indiciário, instrumental ou circunstancial), afirmar um facto desconhecido. Entre as presunções, temos as presunções naturais, judiciais ou de facto que se fundam nas regras da experiência.
O apelante funda a sua impugnação sustentando a falta de credibilidade das testemunhas MS…e MR….
Em causa está o risco de parcialidade destes depoimentos, por a testemunha MS… ter interesse na solução da causa (pode beneficiar do aumento do capital social) e a testemunha MR…. manter uma relação de amizade com o legal representante da ré, tendo alguns dos factos revelados pela testemunha decorrido do que lhe foi contado por este.
Como assinalámos supra, a prova testemunhal deve ser manejada com especial prudência e cautela.
Certo é que a testemunha MS… referiu que, por o ora autor não denotar interesse relativamente à ré, está convicta que este apenas instaurou as acções de impugnação das deliberações sociais para fazer pressão sobre esta.
Igual convicção foi manifestada pela testemunha MR…, dizendo que a presente acção constitui uma forma do ora autor se defender e de pressionar a ré a negociarem para chegarem a um acordo abrangente da acção em que esta pede àquele a restituição da quantia de €760.000,00.
Estes depoimentos mostram-se conformes com o facto do ora autor ter revelado alheamento da vida da ré (vide factos n.ºs 30º e 31º) desde Janeiro de 2014 e até ao dia 4/10/2018 e não ter reagido à carta que aquela lhe enviou dia 27/10/2016 a solicitar a devolução da quantia de €949.961,01 (vide doc. junto aos autos), ignorando a mesma (vide facto provado n.º 26º).
E foi só após ter sido instaurada a acção (a 4/10/2018) a peticionar a restituição da quantia de €760.000,00 que o ora autor começou a reagir e impugnou as deliberações sociais tomadas a 7/11/2016 e 20/01/2017 nos dias 19/01/2019 e 4/04/2019 (se bem que apenas tenha tomado conhecimento das deliberações de 20/01/2017 no dia 6/03/2019).
Conjugando estes factos conhecidos (factos indiciários) com as máximas da experiência comum, nomeadamente com a proximidade temporal entre a acção proposta pela ré contra o autor e as posteriores acções de impugnação das deliberações sociais instauradas por este contra aquela, e na falta de uma outra explicação verosímil para o facto do autor só ter impugnado no dia 19/01/2019 as deliberações sociais aprovadas a 7/11/2016 (o autor não fez a mínima prova de que só teve conhecimento dessas deliberações em data posterior à sua citação para contestar a acção n.º 17253/18.0T8SNT, não esclareceu porque é que não teve então também conhecimento das deliberações de 20/01/2017 e também não apresentou qualquer justificação para não ter reagido à carta da ré de 27/10/2016), conclui-se, num processo lógico-dedutivo, pela verificação, com toda a probabilidade,  dos factos elencados nos pontos 32º a 34º, ou seja, que o autor só instaurou a presente acção (assim como a acção de impugnação das deliberações sociais aprovadas dia 7/11/2016) como reacção à acção que a ré contra ele intentou a peticionar a restituição da quantia de €760.000,00, e como meio de pressão para conseguir que a ré desista dessa acção.
Assim, concorda-se com a valoração da prova efectuada em 1ª instância, desatendendo-se a impugnação deduzida pelo apelante no que toca aos factos n.ºs 32º, 33º e 34º.
Quanto ao facto n.º 38:
Na motivação exarada em 1ª instância o Sr. Juiz refere o seguinte:
“Relativamente aos factos provados sob os pontos 35 a 38, a convicção do Tribunal assentou, uma vez mais, na conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas JB…, MS… e MR…, que foram corroborantes, também neste particular, com as declarações de parte do legal representante da Ré, PM….
Todas estas testemunhas confirmaram que quando PM… assumiu a gerência, a Ré não tinha atividade ou rendimentos, era uma “empresa adormecida”, tinha dívidas ao Estado/Autoridade Tributária e à sociedade EF, Lda, e o único ativo que tinha à data - um terreno, divido por dois lotes, no Algarve – estava hipotecado e veio a ser penhorado (facto que se mostra corroborado pela certidão predial permanente junta em 07/04/2022), situação que, segundo a testemunha MR…, fez a Ré, na pessoa do seu legal representante, recear que viesse a ser requerida e declarada a sua insolvência.
JB…e MR… Segundo descreveram a situação financeira da Ré, assim como as dificuldades e os problemas pelos quais a mesma atravessava quando PM….assumiu a gerência, e foram perentórios em afirmar que, atendendo a que a Ré não tinha quaisquer rendimentos ou atividade, a respetiva liquidez financeira viu-se agravada pela transferência feita para a conta do Autor em 19/06/20007 da quantia de €760.000,00 sem qualquer fundamento de suporte (cfr. extrato bancário junto como documento n.º 18, junto em 03/10/2022).
Pelo que foi neste contexto que o aumento de capital impugnado foi equacionado e acabou por ser deliberado, dado que não havia qualquer hipótese de obtenção de crédito bancário naquelas circunstâncias e era premente obter liquidez. Procurou o Autor opor contraprova a estas afirmações demonstrando que, em 2016, a Ré passou a ser proprietária de parte das frações de um imóvel em Oeiras, pelo que as poderia ter vendido ao invés de aumentar o seu capital social. No entanto, ambas as referidas testemunhas explicaram a este propósito que o referido imóvel estava muito degradado e parte das frações estava onerada com contratos de arrendamento muito antigos e com rendas muito baixas, fatores que, naturalmente, afetavam o respetivo valor de mercado, para além de não garantirem o pagamento integral das dívidas que estavam pendentes.
(…)
Ante o exposto, atentos os depoimentos descritos, o Tribunal ficou convencido, nos exatos termos dados como provados, das razões que levaram a Ré a deliberar o aumento de capital objeto da deliberação impugnada: obter liquidez, impactada com a ausência de rendimentos e com a transferência sem suporte conhecido feita em 2007 para a conta do Autor da quantia de €760.000,00”.
Diz o apelante que o tribunal não deveria considerar provado este facto, porquanto se encontra pendente a acção n.º 1253/18.3T8SNT de que resulta “a impossibilidade de se ver dado como provado o ponto 38 da matéria de facto porque constitui exatamente a questão decidenda na referida ação” (conclusão XX).
Assim, o apelante não impugnou verdadeiramente este facto, com base numa diferente valoração dos meios de prova produzidos, tanto mais que essa prova foi por demais elucidativa de que no dia 18/06/2007 MM…, na qualidade de gerente da ré, ordenou a transferência da quantia de €760.000,00 da conta da sociedade para uma conta titulada pelo ora autor P…, tendo essa transferência sido concretizada dia 19/06/2007 (vide documento junto aos autos). E decorreu dos depoimentos das testemunhas JB… e MR… que a sociedade ré tinha falta de liquidez e não possuía meios líquidos para pagar as suas dívidas à EF, Lda e à AT., de valores globais inferiores a €760.000,00, conforme supra se deixou expresso, sendo que de toda a prova produzida nos autos, nomeadamente das declarações de parte do próprio autor, não decorreu qualquer fundamento para este fazer sua essa quantia, por não ter então sido concretizado qualquer negócio entre ambos.
E a circunstância de se encontrar pendente uma acção onde se discute se incumbe ou não ao ora autor restituir aquela quantia à ré, não obsta a que aquele facto seja considerado provado nos presentes autos, nem o apelante explica a razão da invocada impossibilidade.
Termos em que se desatende a impugnação do apelante.

***
Das questões de direito:
Na sentença recorrida entendeu-se enfermar de nulidade a deliberação de 20/01/2017, mas que o exercício do direito era abusivo, tendo, em consonância, se julgado improcedente o pedido de declaração de nulidade e de anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré G., Lda., realizada em 20 de Janeiro de 2017.
No acórdão anterior por nós proferido nos autos, exarámos - e aqui se reitera – que:
“Concorda-se na integra com as considerações vertidas na sentença recorrida relativamente à invalidade da deliberação renovatória tomada na assembleia universal da ré realizada dia 20/01/2017, que reuniu sem a formalidade de convocação prévia, como consta da respectiva acta e resulta do facto provado 22 (…).
É certo que na acta da referida assembleia se refere que o ora autor se fez representar pelo sócio PM…, conforme procuração arquivada na sociedade.
Essa procuração é a emitida pelo autor/apelado dia 12/05/2014 (cuja cópia se mostra junta aos autos) a favor do sócio PM…., seu irmão, e nela apenas se conferiram poderes a este para representar aquele “nas assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias da sociedade por quotas denominada “G., Lda”, NIPC …., votando as deliberações necessárias, assinando e praticando tudo o que for necessário”.
Os poderes representativos assim conferidos eram apenas válidos para o ano civil de 2014, como se assinalou na sentença recorrida.
Efectivamente, a tomada de deliberações de sócios em assembleia geral de uma sociedade por quotas está regulada no art.º 248º, do CSC, cujo n.º 1 procede a uma remissão geral para o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, com natural ressalva daquilo que estiver regulado para as sociedades por quotas.
Ora, a matéria da representação voluntária em deliberações de sócios nas sociedades por quotas mostra-se especificamente regulada no art.º 249º do CSC, o que claramente exclui o recurso ao disposto na lei sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas.
Estabelece-se aí:
1 - Não é permitida a representação voluntária em deliberações por voto escrito.
2 - Os instrumentos de representação voluntária que não mencionem as formas de deliberação abrangidas são válidos apenas para deliberações a tomar em assembleias gerais regularmente convocadas.
 3 - Os instrumentos de representação voluntária que não mencionem a duração dos poderes conferidos são válidos apenas para o ano civil respectivo.
4 - Para a representação em determinada assembleia geral, quer esta reúna em primeira ou segunda data, é bastante uma carta dirigida ao respectivo presidente.
5 - A representação voluntária do sócio só pode ser conferida ao seu cônjuge, a um seu ascendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de sociedade permita expressamente outros representantes.
Assim, o n.º 2 do citado normativo exige, para as deliberações a tomar em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, relativamente aos sócios não presentes, que no instrumento de representação voluntária seja mencionada essa forma de deliberação; na falta de menção expressa, como determina o art.º 54º, n.º 3, do CSC, a representação é restrita às deliberações a tomar em assembleias gerais regularmente convocadas – vide Raúl Ventura, Sociedades Por Quotas, vol. II, Almedina, pág. 208.
 Ora, no caso, provou-se que na procuração emitida pelo autor/apelado dia 12/05/2014 a favor do sócio PM…. apenas se conferiram poderes a este para representá-lo “nas assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias da sociedade por quotas denominada “G., Lda”, NIPC ., votando as deliberações necessárias, assinando e praticando tudo o que for necessário”.
Não se conferiram, pois, a PM… poderes expressos para votação de deliberações em assembleias universais.
Ademais, a referida procuração também não menciona expressamente a duração dos poderes conferidos, pelo que, conforme se assinalou na sentença recorrida, a validade dos poderes de representação acima descritos restringe-se ao ano civil de 2014 – n.º 3 do art.º 249º.
Como refere Raúl Ventura (ob. cit. pág. 209), o referido normativo “pretende evitar que, sem o sócio ter manifestado expressamente a sua vontade quanto à duração dos poderes, estes possam ser aproveitados em circunstâncias que já não correspondam às da época do instrumento de representação. O cuidado é importante até porque a lei prevê a representação por um outro sócio; o correr do tempo pode tornar muito diferente as relações entre os sócios e os interesses de um e outro”.
Não se ignora que, como resulta do provado, o autor emitiu a procuração por ocasião da sua ida para o Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida.
Assim, ainda que se pudesse interpretar a declaração negocial expressa naquela procuração como visando a concessão de poderes representativos durante todo o período de permanência do autor no estrangeiro, por ser essa a vontade do declarante, o certo é que, como se apurou, este regressou a Portugal em Abril de 2016, sendo tal do conhecimento do procurador pelo menos desde Novembro desse ano.
Deste modo, conclui-se, como na sentença, que “não se pode considerar que o Autor estivesse validamente representando nessa Assembleia Geral que renovou as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 07.11.2016 (sendo que, também nessa Assembleia Geral não estava o mesmo validamente representado) por forma a considerar válidas as deliberações aí tomadas, ao abrigo do disposto no artigo 54º do CSC, com dispensa de formalidades essenciais, nomeadamente, de convocação prévia”.
É, pois, nula a referida deliberação, a qual é juridicamente imputável à sociedade ré – art.ºs 56º, n.º 1, al. a) e 60º, n.º 1, do CSC.
(…) independentemente do valor de cada uma das quotas dos sócios que votaram a dita deliberação, o certo é que à data não se verificavam os pressupostos para a realização de uma assembleia universal, posto que, conforme conclusão supra, o ora autor não se encontrava representado, nem foi convocado para a mesma
O autor ficou assim impedido de participar na assembleia, de discutir e votar a proposta de aumento do capital social.
Trata-se, pois, de um vício muito grave, razão pela qual a lei comina as deliberações assim tomadas com a nulidade e não a mera anulabilidade, não sendo, por isso, susceptível de ser tido por irrelevante pelo mero facto do voto do apelado ser indiferente para a formação da maioria exigida por lei para a aprovação das ditas deliberações”.

Assim sendo, a questão a apreciar no presente recurso reconduz-se a saber se o autor ao impugnar aquela deliberação social actua com abuso de direito, como se entendeu na sentença ora recorrida, e qual a consequência do mesmo.
Nesta matéria, entendeu-se na sentença recorrida que:
“O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão que proferiu nestes autos em 08/02/2022, já declarou ser nula, nos termos dos art.ºs 56.º, n.º 1, al. a) e 60.º, n.º 1, do CSC, a deliberação tomada na assembleia geral da Ré realizada dia 20/01/2017, que aprovou a renovação das deliberações tomadas na assembleia realizada em 07/11/2016, na medida em que esta assembleia reuniu sem que tivesse sido cumprida a formalidade de convocação prévia do Autor e sem que este estivesse validamente representado, não se podendo, consequentemente, concluir que as deliberações então tomadas sejam válidas, ao abrigo do disposto no artigo 54.º do CSC.
E no mesmo acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa já desatendeu a argumentação da Ré, segundo a qual a deliberação tomada na assembleia geral da Ré realizada no dia 20/01/2017, ora impugnada, que aprovou a renovação das deliberações tomadas na assembleia realizada em 07/11/2016, seria sempre aprovada, independentemente da percentagem do capital social da sociedade que cada um dos sócios detivesse, antes ou depois da deliberação que aprovou o aumento do capital social, e independentemente do voto do Autor, em face da quota de reduzido valor e sem expressão no capital social da Ré de que o Autor é titular”.
(…)
“Reportando-nos ao caso dos autos, provou-se que desde 21/01/2014 – data em que renunciou à gerência da Ré - até 04/10/2018 -, data da entrada da ação judicial através da qual a Ré peticiona a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de €760.000,00, e que corre termos no Juízo Central Cível de Sintra, Juiz 2, Proc. 17253/18.0T8SNT, o Autor alheou-se por completo, e por iniciativa própria, da vida da Ré e da prossecução o seu objeto social. E também se provou que o Autor instaurou a presente ação como reação à referida ação judicial que a Ré contra ele intentou e como meio de pressão para conseguir que a Ré desista da mesma e que caso esta não tivesse proposto contra o Autor a referida ação, este não teria, por sua vez, intentado a presente. Em face disto, consideramos que as razões que presidem ao exercício do direito pelo Autor de requerer a declaração de nulidade da deliberação social impugnada nestes autos, exorbitam manifestamente o fundamento axiológico em que o ordenamento jurídico substantivamente assentou quando entendeu conferir-lhe tal possibilidade de atuação judicial.
Com efeito, desde que renunciou à gerência da sociedade Ré, em janeiro de 2014, o Autor não mais relevou ter qualquer interesse na gestão e na vida da sociedade Ré. Tanto assim foi, que outorgou procuração em favor do seu irmão, PM…, e foi para o Brasil, regressando em definitivo apenas em 2016, sendo que, mesmo após o seu regresso, não mais revelou qualquer interesse na gestão da Ré ou na participação das suas assembleias gerais.
Essa situação, apenas se alterou quando foi visado em ação judicial que a Ré lhe instaurou em outubro de 2018 para pedir a sua condenação no pagamento de um crédito que considera ser-lhe devido. Ou seja, durante quase cinco anos, o Autor conformou-se plenamente com os atos praticados pelo gerente da Ré, seu irmão, não se insurgiu contra qualquer comportamento que o mesmo tivesse assumido, nunca interferiu quanto ao resultado da gestão por ele levada a cabo e nem contribuiu para o sucesso da Ré e/ou para a resolução dos problemas financeiros que a mesma atravessava desde que renunciara à gerência. Foi só depois de confrontado com a ação judicial que a Ré lhe instaurou que o Autor decidiu, através deste expediente jurídico, insurgir-se contra uma deliberação social que nenhum prejuízo lhe causou e que só pretendeu trazer benefícios à Ré, designadamente para que esta pudesse dispor de meios financeiros suficientes para pagar as suas dívidas, que já estavam a ser executadas judicialmente, e evitar que pudesse vir a ser requerida a sua insolvência, sendo certo que a falta de liquidez de que a Ré dispunha foi provocada, nomeadamente, pela transferência da quantia de €760.000,00, para uma conta do Autor, em 19/06/2007, sem qualquer suporte ou fundamento.
E mais, ao contrário do que o Autor refere na sua petição inicial, a deliberação impugnada não trouxe benefícios acrescidos ao legal representante da Ré, seu irmão, na justa medida em que já antes do aumento do capital social PM… geria a Ré sozinho porque era o seu gerente único desde 21/01/2014, e era também o administrador único da sócia maioritária da Ré (a L., S.A.).
Estamos, pois, convencidos de que, ao propor a presente ação, o Autor está a assumir uma conduta oportunista e absolutamente desconforme com a sua postura anterior de total desinteresse em relação à Ré (demonstrada ao longo de anos), o que integra de pleno a figura do abuso de direito.
Assumindo-se ser abusivo o direito do Autor de pedir judicialmente a nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da sociedade ré de 20 de janeiro de 2017, e estando já o reconhecimento dessa nulidade estabilizado no processo, por acórdão transitado em julgado, a consequência é a perda ou falta do direito acionado judicialmente, com fundamento da ilegitimidade do seu exercício. O mesmo é dizer que têm necessariamente de cair as pretensões demandadas em juízo pelo Autor, em face da procedência de uma exceção perentória baseada em facto preclusivo ou extintivo (art.º 576.º, n.º 3, Código de Processo Civil) quanto ao direito acionado em juízo: o abuso de direito.”
Ao invés, propugna o apelante que:
- Tendo sido decretada a nulidade das deliberações de 20.01.2017 por sentença de Junho de 2021, corroborada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.02.2022, transitado em julgado, é indiscutível que assiste razão ao A. quanto ao pedido, ou seja, é indiscutível que as deliberações são nulas, colocando numa esfera de análise muito fina a existência de abuso de direito que lhe possa ser eventualmente imputável (conclusão Q);
- Nos presentes autos não estamos perante dois direitos iguais ou da mesma espécie resultando claro que o direito de agir do A. constitui direito de tutela superior ao direito da Ré (até porque, caso esta pretenda, pode renovar as deliberações sem o vício que as inquina cfr. artigo 62º CSC), impondo-se a prevalência do direito de ação do A. ao abrigo do disposto no artigo 335º, n.º 2, CC (conclusão R);
- O Tribunal está limitado, no seu poder jurisdicional, ao alegado pelas partes, sendo alegado pela Ré um abuso de direito de sócio minoritário que, contudo, não é tratado na sentença recorrida, acabando esta, a nosso ver incorrer em excesso de pronúncia, por conhecer de outra espécie de abuso de direito que não aquele (conclusão T);
- Assim, o exercício do direito de impugnação não pode ser considerado contrário à boa-fé por consubstanciar a reação de sócio minoritário a deliberação tomada em contravenção do disposto nos estatutos e na lei (conclusão V);
- O desequilíbrio intrínseco a esta deliberação justifica objetivamente a presente ação além do fundamento da falta de convocatória que baseia a nulidade da mesma, sendo as características de feição excessiva, isto é, abusiva em termos de vantagem para determinado sócio, que se verificam em relação aos votos dos sócios PM… e L., Lda, que abrem margem à situação injusta para a qual se admite reação, pois que, por via do aumento do capital, aquele  a gerir sozinho e controlar, direta e indiretamente, cerca de 97% do capital da Recorrente ganhando substancial vantagem sobre os demais sócios, nomeadamente porque “anulou” qualquer possibilidade dos restantes sócios reagirem, por exemplo, a deliberações com maioria qualificada superior a três quartos dos votos como era o caso do próprio aumento de capital (conclusões W e X);
- A declaração de nulidade não trará danos à sociedade, por um lado, porque o aumento de capital serviu alegadamente para fazer face a dívidas da mesma que terão já sido pagas e, por outro, porque uma deliberação nula por falta de convocatória é sempre passível de ser renovada, o que a Ré poderá fazer se assim entender e quiser (conclusão Z);
- É errada a conclusão ou interpretação da prova (in casu, opiniões das testemunhas arroladas pela Ré) no sentido de que foi no seguimento do conhecimento da ação intentada pela R. contra o A. que este intentou a presente ação, quando resulta inequívoco da prova documental carreada aos autos (e já dos pontos atrás mencionados da matéria de facto provada) que foi o conhecimento pelo A. da existência da Acta n.º 33 de 20.01.2017 que despoletou a sua reação e entrada da presente ação em juízo (conclusão MM);
- A declaração de nulidade de deliberações efetivamente nulas não constitui uma utilização abusiva do direito de ação condutora a um resultado que viole de forma clamorosa o sentido de justiça prevalecente na comunidade (conclusão ZZ);
- Aliás, bem pelo contrário, tratando-se a nulidade de um vício invocável por qualquer interessado, a todo o tempo e que é de tal modo gravoso que impede ipso jure a produção de efeitos da deliberação na ordem jurídica, a sua arguição em juízo pelo A. só vem salvaguardar o referido sentido de justiça (conclusão AAA);
- Também não se poderá razoavelmente deduzir que o comportamento do A. subsumido à sua ida para o Brasil por dois anos e passagem de procuração, pese embora limitada, ao gerente da Ré poderá ser integrador de abuso de direito nem na modalidade de venire contra factum proprium nem na modalidade da suppressio visto que não constitui, por um lado, comportamento contraditório com o acto de intentar a ação para declarar a nulidade de deliberação tomada em assembleia geral para a qual não foi convocado e por outro, não se poderão considerar dois/três anos tempo suficiente que possa levar a Ré a confiar que o A. não intentaria tal ação de nulidade (aliás invocável a todo o tempo), bem sabendo o gerente da R. que o A. desconhecia as deliberações pois que não lhe remeteu qualquer convocatória (conclusão BBB);
- Assim, o comportamento do A. não integra qualquer abuso de direito de ação ou abuso de direito de sócio minoritário (conclusão CCC).
Conhecendo da questão do abuso de direito.

Como exarámos no anterior acórdão proferido nos autos, que aqui se reitera:
“A questão reconduz-se a saber se o autor, ao propor a presente acção de declaração de nulidade/anulação de deliberações sociais, actuou com abuso de direito.
O direito de acção está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais consagrado no art.º 20º da C.R.P.
Este direito, não obstante a controvérsia quanto à sua natureza jurídica, pode considerar-se como um direito subjectivo autónomo e distinto do direito material que se pretende fazer actuar em juízo, como é hoje a concepção dominante.
Apesar de o direito de acesso aos tribunais estar constitucionalmente garantido, o exercício de tal direito, como o de qualquer outro, pode não ser tolerado pela ordem jurídica, posto que se verifiquem os requisitos do artigo 334º do Código Civil.
É que o direito de acesso aos tribunais não é absoluto, comportando restrições, não sendo de admitir toda e qualquer demanda flagrantemente abusiva, o que daria ensejo à movimentação de toda a máquina judiciária em evidente prejuízo da coletividade.
De acordo com aquele preceito legal, é ilegítimo “o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Sobre esta temática, refere-se no Ac. do STJ de 11 de Janeiro de 2011, Sebastião Póvoas (Relator), acessível em www.dgsi.pt.:
No seu estudo “Abusos de Minoria” (apud “Problemas do Direito das Sociedades”, 2.ª Reimpressão, 65/70) o Prof. Coutinho de Abreu enfatiza, de entre os deveres dos sócios (quer maioritários, quer minoritários) o de actuação compatível com o interesse social e o de lealdade.
Por isso, diz, deverem ter uma actuação não abusiva, e dá como exemplo do oposto a “impugnação judicial de deliberações sociais, a fim de pressionar a sociedade para uma transacção (respeitante a litígios deliberativos ou outros) especialmente vantajoso para o impugnante, ou para pressionar a sociedade, ou sócios dominantes (…) para prejudicar outros sócios (…).” Refere, mais adiante, que “abuso do direito de impugnação o sócio que propõe acção anulatória não ou não tanto para repor a legalidade ou a juridicidade (…) mas para ou sobretudo (…) beneficiar-se especialmente à custa da sociedade ou de sócios maioritários (contrariando o interesse social ou interesses de sócios relacionados com a sociedade).” (cfr., ainda, a Dra. Maria Gomes Redinha, in “Deliberações Sociais Abusivas”, apud, RDE, 10.º e 11.º, 193, ss) “.
Assim, numa acção de impugnação de deliberações sociais, o exercício anormal do direito de acção, através do desvio da finalidade do processo, poderá, em determinadas circunstâncias, configurar um abuso de direito”.

Deste modo, e ao contrário do sustentado pelo apelante na conclusão R), a questão não se reconduz a uma colisão de direitos (art.º 335º do CC), mas sim a saber se o autor exerceu o seu direito de declaração da invalidade das deliberações sociais de forma abusiva (art.º 334º do CC).
A pedra de toque da figura do abuso do direito reside no uso ou utilização dos poderes que o direito concede para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deverá ser exercido
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Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., págs. 296 e 297.
Com efeito, pode acontecer que um preceito legal, certo e justo perante situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, por virtude das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram.
Na ponderação dos interesses em jogo, o que torna o exercício do direito ilegítimo é o manifesto excesso dos limites que são impostos por três princípios basilares: a boa fé, os bons costumes e o fim social e económico do direito.
Assim, a primeira acepção de uso abusivo do direito de acção a considerar respeita aos casos de lide maliciosa, incluindo-se aqui as situações em que o autor inicia o processo não para a realização de qualquer fim legítimo, mas para a obtenção de uma vantagem ilegítima ou simples imposição de um sacrifício ao réu. 

Ora, apurou-se que o autor impugnou as deliberações sociais de aumento do capital social e de alteração do pacto social, não com o fito de repor a legalidade ou a juridicidade, mas única e exclusivamente com o fim de pressionar a sociedade a desistir da acção que contra si intentou, em que peticiona a sua condenação na restituição à sociedade da quantia de €760.000,00.
A desistência daquela acção seria altamente vantajosa para o ora apelante, mas contraria o interesse social da ré (e dos demais sócios), de reaver uma quantia que foi transferida do seu património e depositada numa conta titulada pelo autor.
Este, enquanto sócio daquela, tem o dever de actuar de forma compatível com o interesse social e o de lealdade.
Por outro lado, tendo sido realizadas as entradas atinentes ao aumento de capital social, a declaração de nulidade das deliberações permitiria, muito tempo depois da deliberação, a diminuição substancial do capital social, perturbando, assim, gravemente a vida futura da sociedade, com balanços, naturalmente, aprovados e com a consequente exigência de restituição das entradas efectuadas.
A declaração de nulidade daquela deliberação traria ainda prejuízos para os sócios que intervieram no aumento do capital, os quais aplicaram nesse aumento a quantia global de €216.200,08.
E quanto aos demais sócios também era do interesse destes que a sociedade obtivesse liquidez para poder prosseguir a sua actividade e auferir rendimentos.
Como se apurou, a ré promoveu o aumento do capital social com o intuito de dispor de meios financeiros suficientes para pagar as suas dívidas e evitar que contra a mesma fosse instaurada acção de insolvência.
 A deliberação do aumento do capital social visou, pois, a prossecução de interesses sociais.
É certo que por via desse aumento de capital social, as participações do autor e dos demais sócios que não participaram no mesmo diminuíram.
Seja como for, e no que toca ao autor, importa notar que a sua participação na ré era de apenas 0,72% e, após o aumento do capital social passou a ser de 0,04%. Trata-se, pois, de uma participação pouco significativa, tanto mais que na data do aumento a sociedade não tinha liquidez e não produzia rendimentos.
Apurou-se ainda que, desde que renunciou à gerência da Ré e até 04/10/2018, data da entrada da acção judicial através da qual a ré peticiona que seja o autor condenado a restituir-lhe a quantia de €760.000,00, este não esteve pessoalmente presente nas assembleias gerais da ré, não solicitou a esta a prestação de qualquer informação, nomeadamente o envio de cópia das actas ou das contas, não se deslocou às instalações da ré, nem demandou esta para exercer qualquer um dos seus direitos enquanto sócio, alheando-se, por iniciativa própria, dos resultados das contas da ré e das deliberações tomadas pelos sócios nesse período.
 Ora, com a procedência da acção de declaração de nulidade das deliberações sociais em causa, proposta mais de dois anos depois da assembleia geral onde foram aprovadas,  o autor iria beneficiar do saneamento financeiro da ré, alcançado com aquele aumento do capital social, o qual, recorde-se, visou dotar a sociedade de meios financeiros líquidos que lhe permitissem pagar as suas dívidas, nomeadamente à EF, Lda, a quem devia, à data, cerca de €200.000,00, evitando assim que (eventualmente) viesse a ser requerida a sua declaração de insolvência.
Ademais, ainda que o ora autor tivesse sido regularmente convocado para a assembleia geral, e votasse contra o aumento do capital social, ainda assim a deliberação teria sido igualmente aprovada com a maioria exigível (mais de 75%), posto que PM representava os demais sócios e, quanto a estes, não se apurou qualquer vício de representação.
Assim, ponderando na sua globalidade a situação em jogo e a intenção do autor/recorrente ao lançar mão da presente acção de declaração de nulidade e de anulação das deliberações sociais em referência, concluímos ter o mesmo excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do direito que exercitou nos autos.
Incorrendo o autor em abuso do direito de impugnação, a questão que se coloca é a de saber qual é a efectiva consequência do mesmo para a sorte da acção, isto é, se haverá que declarar a nulidade das deliberações, assistindo à ré um mero direito de indemnização pelos prejuízos decorrentes do exercício abusivo do direito ou se, ao invés, este conduz à paralisação do direito de impugnação, mantendo-se as deliberações.

Como assinala Beatriz Morgado Ferreira, O Abuso de Direito, 1º volume pág. 45 (acessível na internet):
“Segundo a formulação do artigo 334º, a consequência primeira da prática, nos termos definidos, de um ato abusivo é a ilegitimidade do respetivo exercício. Tal como nos restantes conceitos convocados pelo preceito em análise, também aqui se impõe um esforço de determinação do sentido e alcance da noção de ilegitimidade, no sentido de determinar as efetivas consequências decorrentes da prática de atos considerados abusivos. 
Segundo MENEZES CORDEIRO, a ilegitimidade de que aqui se fala é entendida no Direito civil em sentido técnico, isto é, traduz-se na falta de uma específica qualidade que o habilite a agir no âmbito de certo direito, acrescentando que se não for possível atribuir-lhe tal o sentido, a interpretação que se deve fazer é a de considerar que o exercício do direito “é ilícito”, como aliás o defendeu também VAZ SERRA. Com esta leitura, e face a esta assimilação entre o ato ilícito e o ato abusivo, naturalmente que as consequências se sobrepõem.
Porém, apesar de uma boa parte dos casos de abuso do direito se reconduzirem à ilicitude dos respetivos atos, e por isso, deverem ser sancionados, nomeadamente, através da imposição ao lesante de uma obrigação de indemnizar, casos há (…) que não podem enquadrar-se neste plano da responsabilidade aquiliana.”
E mais adiante acrescenta que (págs. 46 e 47):
De forma muito pertinente escreveu a este respeito VAZ SERRA, que começa por indicar que os efeitos do abuso do direito não devem ser fixados para todos os casos, alinhando-se com autores como PLANIOL, RIPERT ou ESMEIN. Assim, fala em duas consequências mais comuns: o dever de indemnização por equivalente e a possibilidade de se exigir remoção do que se fez, o que não deixa de ser uma forma, até a preferível de apagar o dano e tornar o lesado indemne. No fundo, a limitada referência apenas a estas medidas sancionatórias explica-se pela clara primazia dada ao cariz subjetivo do abuso de direito por si concebido, entendendo-o quase exclusivamente sob o prisma da responsabilidade civil, convocando, nessa medida, como consequência primeira a imposição ao agente de uma obrigação de indemnizar.
 Já MENEZES CORDEIRO numa visão mais abrangente, considera outras alternativas: além da indemnização, seja sob a forma de restituição natural, seja através de equivalente pecuniário, acrescenta outras formas possíveis de reação da ordem jurídica ao exercício abusivo, tais como a supressão do direito e a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se o direito; sublinhando também que a consequência do abuso será determinada, caso a caso. 
Com uma perspetiva semelhante, CARNEIRO DA FRADA considera como consequências possíveis do abuso de direito a extinção do direito subjetivo do agente, limitação do conteúdo do dito direito abusado, limitação do exercício strictu sensu de uma faculdade ou poder integrado na posição jurídica, ou ainda a constituição de um novo direito na esfera de outro sujeito, a nulidade do exercício, ou a responsabilidade civil.
 Numa exposição mais completa, temos a posição assumida por CUNHA DE SÁ, que para além das referidas consequências, apela ainda à possibilidade de aplicação dos institutos da nulidade, anulabilidade, inoponibilidade, rescindibilidade do ato ou do negócio jurídico, concebe a possibilidade de restabelecimento da verdade ou da realidade dos factos com ele conexionados, a aceitação da validade do ato ou negócio não obstante a falta de forma exigida, ou a recusa da acção de anulação e a manutenção da relação jurídica”.                                               
A propósito da inegalidade de nulidades formais, refere Menezes Cordeiro (DA BOA FÉ no DIREITO CIVIL, vol. II, págs. 795) que:
“A manutenção dos efeitos pretendidos pelos negócios nulos, mercê da intervenção subsequente do exercício do direito pressuposto, por forma que transcende manifestamente os limites impostos pela boa fé, implica a obtenção, mediante obrigações legais, dos efeitos procurados através do acto nulo. É precisamente isso que o Direito, recorrendo ao artigo 289 n. 1, sem atender, de propósito, a especificidades concretas, não quer.
O exercício de um direito que implique a alegação de nulidade formal pode ser abusivo para contrariar a boa fé: o titular exercente, em abuso, incorre em previsões de indemnização ou outras, consoante os efeitos práticos a ponderar". Não podem, à face do Direito português, manter-se, por via directa da boa fé, os efeitos falhadamente procurados pelo acto nulo".
Ora, no caso a lei comina com o vício da nulidade as deliberações dos sócios tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados – art.º 56º, n.º 1, al. a) do CSC.
Trata-se de uma nulidade sanável (invalidade mista), pois que se os sócios ausentes e não representados tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação a nulidade não pode ser invocada – art.º 56º, n.º 3, do CSC.
Sendo uma nulidade sanável por assentimento do sócio ausente e não representado, é intuitivo concluir que no caso não está em causa um interesse primacialmente público (Jorge Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Colecção teses, Almedina, pag. 590).
Assim, se a finalidade do art.º 56º, nºs 1 al. a) e 3 do CSC se destina a assegurar principalmente os interesses do sócio esquecido, e que no caso os demais sócios aprovaram a deliberação, o abuso de direito não poderá deixar de ter como consequência  a neutralização do direito do autor de impugnação da deliberação social.
É certo que, não tendo sido sanado o vício da deliberação, a mesma é nula e que a nulidade, ao contrário da anulabilidade, é de conhecimento oficioso (Pinto Furtado, ob, cit. pag. 758).
Porém, atento o abuso de direito do autor, o qual também é de conhecimento oficioso (neste sentido, entre outros, o Ac STJ de 20/12/2022, proc. n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1, Manuel Aguiar - relator), não pode o tribunal, declarar oficiosamente a nulidade das deliberações sociais em causa, sob pena de dessa forma se subverter e neutralizar o efeito do abuso de direito, numa situação em que não estão em causa interesses primacialmente públicos.
Ademais, no caso, a aplicação do instituto do abuso de direito não conduz a uma decisão contra legem, posto que, como assinalámos supra, a aludida nulidade é sanável por intervenção do sócio preterido (autor). Por via da intervenção do instituto do abuso de direito, tudo se passa como se a acção do sócio preterido e abusador conduzisse à sanação do vício das deliberações sociais.
Por maioria de razão se passariam as coisas se esse vício fosse o da anulabilidade.
Consequentemente, a presente acção deve ser, como foi na sentença recorrida, julgada improcedente.

Da litigância de má fé da ré:
Na sentença recorrida decidiu-se, além do mais, julgar improcedente o pedido de condenação da ré como litigante de má fé.
Entendeu-se na sentença que:
(…) com o devido respeito por opinião contrária, não acompanhamos o entendimento de que a Ré tenha litigado de má-fé ao pretender ver deferida a aludida junção documental. É certo que a Ré pretendeu juntar documentos visando provar um facto – o envio de convocatória ao Autor para a assembleia geral de 20/01/2017 – que, em sede de contestação, disse expressamente não ter ocorrido: justamente a convocatória do Autor para a referida assembleia geral, conforme resulta dos artigos 29.º, 255.º e 256.º do referido articulado. E a razão que apresentou para tal foi a de que tinha olvidado a convocatória que fez.
 Ora, admitindo-se que o comportamento da Ré não tenha sido o mais linear (ou cuidadoso), não vemos que se possa afirmar que a mesma tivesse alterado a verdade de factos relevantes com vista (ou com a consciência) de impedir ou entorpecer a ação da justiça.
É que, na verdade, não se chegou a apurar que tais documentos fossem falsos.
Simplesmente o Tribunal considerou então que, atenta a posição assumida pela Ré em sede de contestação – confissão irretratável -, tais documentos já não poderiam assumir relevância nos autos.
Em momento algum tais documentos foram considerados inverídicos pelo Tribunal.
Ou seja, a postura assumida pela Ré não teve potencialidade para obstaculizar à descoberta da verdade e, consequentemente, para impedir a justa decisão do caso, tanto mais que os documentos em causa não foram admitidos e, por conseguinte, sequer constam dos autos.
E assim sendo, não se vê como relacionar a conduta em causa com qualquer das hipóteses a que aludem as alíneas do art.º 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, impondo-se concluir que os elementos disponíveis não são suficientes para condenar a Ré em litigância de má-fé.”
Inconformado, sustenta o apelante que:
- No caso específico destes autos é debatida a invalidade de deliberações sociais por inexistência de convocatória para a respetiva Assembleia Geral sendo que o documento que a Ré pretendeu juntar aos autos na audiência prévia foi, precisamente, uma Convocatória datada de 2016 para essa Assembleia, documento do qual se teria a Ré, nas suas palavras, “olvidado” (conclusão I);
- Sem prejuízo, tal documento é de arquivo obrigatório pela sociedade Ré pelo que a Ré já o possuiria, pelo menos, desde a sua data: 28.12.2016, tento tido várias oportunidades de juntá-la aos presentes autos que se iniciaram em 2019 (conclusão J);
- É inverosímil a alegação da Ré de que só em Maio de 2021 - data da audiência prévia – se lembrou da existência da convocatória tendo-a casualmente encontrado, não podendo jamais este ato ser considerado, benevolentemente, como “menos linear” ou “descuidado”, como fez o Tribunal a quo, mas sim absolutamente consciente, propositado, revelando dolo ou, no mínimo, negligência grosseira (conclusão K);
- Para mais, foi confessado na contestação pela própria Ré que a Assembleia Geral de 20.01.2017 reuniu ao abrigo do artigo 54.º CSC sem precedência de convocatória porque a mesma não terá existido; é isso que também consta da ata da referida Assembleia, refletindo-se na matéria de facto dada como provada – pontos 4, 19 e 23 (conclusão L);
- A decisão de fundo da presente ação estaria baseada, nomeadamente e sem limitar, na (in)existência de convocatória para a dita assembleia geral tendo a Ré perfeita consciência de que o súbito “aparecimento” desse documento faria soçobrar a presente acção em seu benefício (conclusão M);
- Mas a litigância de má-fé não está apenas na espécie de documentos que a R. pretendeu juntar mas também na própria conduta processual da Ré plasmada numa inicial confissão de inexistência de um documento e a subsequente conduta contraditória, consciente e frontalmente inversa, consubstanciada no pedido de junção aos autos desse mesmo documento (conclusão N);
- A R. incorre, por todos estes motivos, num ilícito processual (má fé instrumental), sendo absolutamente irrelevante a não aceitação dos documentos pelo Tribunal ou a falta de análise do respetivo conteúdo ou da sua eventual falsidade, encontrando-se preenchidos os pressupostos integradores, pelo menos das alíneas a) e d) do artigo 542.º CPC porquanto, com a sua atuação propositada, ainda que grosseiramente negligente, a Ré deduziu, ao requerer a junção aos autos dos documentos, pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, nem podia ignorar, por ter confessado o contrário na contestação e pelos contornos próprios do processo e da respetiva discussão de mérito e pretendeu entorpecer/protelar a ação da justiça tentando deturpar a descoberta da verdade material dos factos (conclusão O);
- Nestes termos, e a admitir-se a possibilidade de conhecimento pelo Tribunal a quo da questão da litigância de má fé, sempre deve a Ré ser condenada como litigante de má fé nos termos constantes da sentença proferida nestes autos em junho de 2021 ou noutros que o Venerando Tribunal da Relação possa julgar mais adequados (conclusão P).
Vejamos.
 Dispõe o art.º 542º do CPC:
Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
Para que haja litigância de má fé, é mister que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

Da situação ocorrida nos autos:
Na p.i. o autor impugnou a validade das deliberações sociais da assemblei geral da ré de 20/01/2017, entre outros, com fundamento no facto da procuração por si emitida em 2014, sem indicação de validade, a conferir poderes ao gerente PM… para o representar nas Assembleias Gerais da R., não atribuir poderes para que pudessem reunir ao abrigo do artigo 54.º CSC (como consta da acta respectiva), e, além do mais, a dita procuração, na parte referente à representação em assembleias gerais, caducou dia 31 de Dezembro de 2014, sendo que não não recebeu qualquer convocatória para a Assembleia Geral de 20.01.2017.
Na contestação a ré reconheceu que “não existiu convocatória porquanto a assembleia se reuniu ao abrigo do disposto no art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais, tendo sido dispensadas as formalidades legais» (art.º 29º da cont.) e que  o autor manifestou, “por intermédio do seu procurador, concorrer para que a assembleia de reunisse com preterição das formalidades legais» (art.º 30º da Cont.).
Posteriormente, no decurso da audiência prévia que teve início dia 5/05/2021, veio a ré alegar que em consulta efectuada aos seus arquivos, para outro efeito, veio a descobrir cópia da carta que enviou ao Autor,datada de 28/12/2016, através da qual lhe enviou a convocatória para a AG realizada dia 20/01/2017 (e que foi devolvida pelos serviços de correio), sendo que o sócio gerente da ré já nem se recordava do envio dessa carta; e que nessa AG o sócio-gerente da ré, uma vez que dispunha de procuração válida, como se defende nos autos, e não existiam os conflitos actuais, optou por fazer constar que o autor foi representado por si; que fê-lo, no entanto, em erro, que agora se rectifica através da adenda à acta n.º 34 da AG da ré realizada dia 20/01/2017, que protestou juntar, deixando de se verificar os fundamentos invocados na acção pelo autor.
Ainda no mesmo dia, a ré juntou aos autos um documento, datado de 15 de Setembro de 2020, contendo as seguintes rectificações à acta da AG da ré de 20/01/2017:
“(i) Rectificar o texto da acta, devendo passar a ler-se: À hora e local da reunião estavam presentes ou devidamente representados os seus sócios: Dr. MM… titular de 2 (duas) quotas, uma quota com o valor nominal de €2.924,98 (…) e outra quota com o valor de €1.800,00(…), sendo representado por PM…,conforme procuração que está arquivada na Sociedade; LA…, titular de uma quota com o valor nominal de  €100,00 (…);  PM…, titular de uma quota com o valor nominal de  €100,00 (…); L., S.A. titular de duas quotas: uma quota com o valor nominal de €2.924,98 (…) e outra com o valor nominal de €5.849,96 (…), representada pelo seu administrador (único) PM…;
(ii) Rectificar o texto da acta devendo, ainda, passar a ler-se: Estando representado 99,275% do capital social, os sócios presentese/ou representados, constituíram validamente a presente Asssembleia Geral para discutir e eventualmente aprovar a ordem de trabalhos da Assembleia Geral;
(iii) Rectificar o texto da acta, devendo, ainda, passar a ler-se: Face às explicações apresentadas pelo sócio PM…., sendo posta à votação, os sócios presentes e/ou representados, aprovaram por unanimidade, e por maioria qualificada de 99,275%, o aumento do capital social da sociedade, o que implica nova redacção do artigo terceiro do contrato de sociedade, o qual foi aprovado nos seguintes termos, por via da deliberação tomada em 07 de Novembro de 2016, e agora renovada”.
Esse documento mostra-se, alegadamente, assinado por LA… e por PM…, em nome próprio e em representação de MM… e da L., SA.
Por requerimento de 13/05/2021 o autor pronunciou-se obre a junção dos documentos, que impugnou, sustentando ainda a sua intempestividade e inadmissibilidade, dizendo também que não existiu qualquer convocatória para a assembleia de 20/01/2017, tanto assim que a ré confessou na contestação (confissão irretratável) não ter existido convocatória, e que a suposta carta foi remetida para uma morada que não era a do autor. 
O tribunal a quo entendeu então, sem impugnação de qualquer das partes, que a confissão da ré era irretratável, nos termos do art.º 465º, n.ºs 1 e 2 do CPC, sendo nessa medida absolutamente irrelevantes para a decisão a junção dos documentos apresentados pela ré no decurso da audiência prévia, não tendo, por isso, admitido a sua junção aos autos (vide acta de continuação da audiência prévia de 1/06/2021).
Acrescente-se ainda que, constando da acta de 20/01/2017 que “os sócios presentes manifestaram a intenção de se reunir e deliberar, de acordo com o previsto na parte final do número um do artigo cinquenta e quatro do Código das Sociedades comerciais, em Assembleia Geral Extraordinária sem a formalidade de convocação prévia” e que estava devidamente representado o sócio P… por PM…, a rectificação dessa acta, nos termos que constam do documento cuja junção aos autos foi requerida, datado de 15/09/2020, extravasa claramente o âmbito de admissibilidade de rectificação dos erros de escrita (vide art.º 249º do C. Civil), na medida em que o alegado erro não é minimamente ostensivo, não sendo por isso susceptível de uma mera rectificação.
Assim, a omissão na contestação daquela nova factualidade não era relevante para a decisão da causa, não se mostrando, por isso, preenchida a alínea b) do art.º 542º, n.º 2, do CC.
E também não ocorreu qualquer violação do princípio da cooperação (al. c) do citado normativo).
Por outro lado, o que a conduta processual da ré permite antever é que, pelo menos desde a prolação a 9/06/2020, da 1ª sentença que julgou as deliberações nulas (sentença essa posteriormente revogada por esta Relação), aquela perspectivou  que o tribunal poderia vir a entender carecer PM… de poderes de representação do ora autor e, em consonância, julgar que a deliberações enfermavam de nulidade. E visando evitar tal, a ré veio então invocar um facto novo (envio de uma convocatória ao ora autor para a assembleia gera a realizar dia 20/01/2017), que antes omitira, juntando ainda uma alegada “rectificação” da acta de 20-01-2017, datada de 15/09/2020.
Ainda que todo este comportamento da ré seja gerador de fundadas dúvidas sobre a veracidade do por si alegado, quanto ao esquecimento da ré do envio da convocatória ao autor, e quanto à data da “rectificação” da acta, o certo é que, como vimos, a factualidade em referência era irrelevante para a decisão final do pleito, dada a confissão irretratável da ré e a circusntância da acta não ser susceptível de ser rectificada nos termos em que o foi, por os invocados erros de escrita não serem ostensivos.
E não se tendo provado a ocorrência de uma qualquer falsificação, nomeadamente da convocatória acima referenciada, não se pode afirmar que a ré invocou a ocorrência de factos comprovadamente falsos.
De resto, não é despiciendo admitir, em face da devolução da alegada carta convocatória remetida ao ora autor, que o legal representante da ré tenha optado por invocar na assembleia geral da ré de 20/01/2017 a sua qualidade de representante daquele. Daí que na acta se tivesse consignado tal representação e que a assembleia reuniu ao abrigo do art.º 54 do CSC.
Não se apurou, pois, que com a nova versão dos factos apresentada pela ré esta tenha feito um uso manifestamente replovável do processo e dos meios processuais, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou impedir a descoberta da verdade, não se mostrando assim preenchida a al. d) do n.º 2 do art.º 542º do CPC.
Por último, refira-se  que a circunstância do tribunal não reconhecer razão à ré, no que toca à alegação de novos factos e à junção dos documentos apresentados por ocasião da realização da audiência prévia, não é, por si só, sinónimo de má fé, posto que se não apurou, de forma manifesta e inequívoca, que aquela tivesse conciência da sua falta de razão ou que, apenas por grave negligência, ignorasse a falta de fundamento da sua pretensão, não se podendo, por isso, considerar preenchida a al. a) do n.º 2 do art.º 542 do CPC.
Como vem constituindo entendimento prevalecente na jurisprudência, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal - vide, entre outros, os Acs. do STJ de 21/04/2018, proc. nº. 487/ 17.5T8PNF.S; de 26/01/2017, proc. nº. 402/10.4TTLSB.L1.S1; de 02/06/2016, proc. nº. 1116/11.3TBVVD.G2.S1; de 21/04/2016, proc. nº. 497/12.6TTMR.E1.S1, de 11/9/2012, proc. nº. 2326/11, todos publicados in www.dgsi.pt).
Concluímos, pois, que os factos apurados não permitem concluir ter a ré, com dolo ou grave negligência, actuado com má fé instrumental ou substancial.

Improcede, assim, a apelação.

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Sumário:
1. O n.º 2 do art.º 249º do CSC exige, para as deliberações a tomar em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, relativamente aos sócios não presentes, que no instrumento de representação voluntária seja mencionada essa forma de deliberação.
2. Não mencionando a procuração a duração dos poderes conferidos, a validade daqueles poderes de representação restringe-se ao ano civil correspondente ao da emissão daquele instrumento – nº 3 do citado normativo.
3. Não tendo o autor estado validamente representado na assembleia geral da sociedade, as deliberações aí tomadas, ao abrigo do disposto no artigo 54º do CSC, são nulas, nulidade essa que é juridicamente imputável à sociedade ré – art.ºs 56º, n.º 1, al. a) e 60º, n.º 1, do CSC.
4. Apesar de o direito de acesso aos tribunais estar constitucionalmente garantido (art.º 20º da CRP), o exercício de tal direito, como o de qualquer outro, pode não ser tolerado pela ordem jurídica, posto que se verifiquem os requisitos do artigo 334º do Código Civil.
5. Provando-se que o autor impugnou as deliberações sociais de aumento do capital social e de alteração do pacto social, não com o fito de repor a legalidade ou a juridicidade, mas única e exclusivamente com o fim de pressionar a sociedade a desistir da acção que contra si intentou, em que peticiona a sua condenação na restituição à sociedade da quantia de €760.000,00, que tal contraria o interesse social ( e dos demais sócios), perturbando, assim, gravemente a vida futura da sociedade, com balanços, naturalmente, aprovados, quando nos últimos 4 anos e 9 meses o autor se tinha alheado, por iniciativa própria, dos resultados das contas da ré e das deliberações tomadas pelos sócios nesse período, conclui-se pela verificação de uma situação de abuso do direito de impugnação. 
6. No caso, pese embora a nulidade das deliberações seja de conhecimento oficioso, tratando-se de uma nulidade sanável, não pode o tribunal declarar tal nulidade, sob pena de dessa forma se subverter e neutralizar o efeito do abuso de direito, numa situação em que não estão em causa interesses primacialmente públicos.
7. Por via da intervenção do instituto do abuso de direito, tudo se passa como se a acção do sócio preterido e abusador conduzisse à sanação do vício das deliberações sociais.
8. A condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal.

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V. Pelo exposto, decide-se:
1. Julgando improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida;
2. Custas do recurso pelo apelante, enquanto parte vencida (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC);
3. Notifique.
 
Lisboa, 17 de Outubro de 2023
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Henriques Brighton
Teresa de Jesus Sousa Henriques