INVENTÁRIO
PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário


I - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.
II - O regime especial previsto no âmbito do processo especial de inventário para a avaliação que nele tenha lugar não restringe, nem limita, tal diligência a uma única avaliação.
III - Assim sendo, à diligência de avaliação de bens em sede de inventário é aplicável o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial (arts. 467.º e ss. do CPC), por via do disposto no artigo 549.º, n.º 1 do CPC, com a possibilidade da realização de segunda perícia.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

No processo de Inventário (Competência Exclusiva) 165/20...., do Juízo Local Cível ..., para partilha da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA, sendo cabeça de casal BB, foi deferida a realização de avaliação das verbas n.ºs 10, 11, 12, 13, 14 e 15 da relação de bens, diligência que veio a ser realizada por um único perito, conforme relatório de avaliação junto aos autos.
Os interessados CC e DD vieram reclamar do relatório pericial apresentado, nos termos do requerimento apresentado a 20-02-2023, sustentando não ser percetível a metodologia utilizada na avaliação de cada verba, mais afirmando a respetiva discordância quanto à consideração das áreas constantes das cadernetas prediais, sem medição dos prédios que compõem as verbas objeto de avaliação, bem como relativamente aos critérios adotados e ao valor atribuído a cada uma das verbas, conforme enunciado no referenciado requerimento, no qual concluíram pedindo que fosse ordenada «uma segunda avaliação às verbas em questão, nos termos do artigo 487.º do CPC com vista ao apuramento da verdade material» e, subsidiariamente, que o perito preste os esclarecimentos que enunciam.

Por despacho judicial de 09-03-2023 foi indeferido o requerimento para realização de uma segunda avaliação dos imóveis que integram a relação de bens, nos seguintes termos:
«(…)
Refª ...70:
Os interessados CC e DD vieram requerer a realização de uma segunda perícia de avaliação do imóvel que integra a relação de bens, nos termos e para os efeitos do art. 487.º do CPC.
Todavia, tal pretensão carece de fundamento legal, considerando que nos movemos no âmbito do processo especial de inventário, e o concreto regime da avaliação dos bens é o previsto no art. 114.º do CPC (na redacção conferida pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro).
Tal como sustentado na jurisprudência, no actual regime do processo de inventário, decorrente da Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro, não é admitida segunda avaliação dos bens. Com efeito, a letra do art. 1114.º do CPC deve ser interpretada no sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime de uma única avaliação. Temos presente que o art. 549.º do CPC preceitua, como princípio geral, a aplicabilidade ao processo especial de “disposições gerais e comuns”. Contudo, importa não olvidar que só na falta de disciplina específica deste processo especial, é que haverá que aplicar as normas “gerais e comuns” e, seguidamente as estabelecidas para o processo comum. Ora se assim é, na medida em que se encontra presentemente estabelecido um regime especial, no capítulo do processo especial de inventário, para a avaliação que nele tenha lugar, não haverá que recorrer, no que ao aspecto da admissibilidade de uma “segunda perícia” diz respeito, às normas “gerais e comuns” da “instrução do processo”. Atente-se que a actual disciplina legal da temática da “avaliação” inculca a ideia de se tratar de uma diligência instrutória que deve ter lugar, em regra, num prazo limitado de 30 dias, o que constitui mais um elemento no sentido interpretativo de que só existe uma única avaliação no processo de inventário. Em suma, “a realização de uma segunda perícia, facultada em determinadas condições pelo Código de Processo Civil nas normas gerais da “instrução do processo”, não se coaduna com a tramitação mais simplificada estabelecida no capítulo do processo de inventário, no qual, em prol da celeridade em certas fases processuais, não se hesitou em sacrificar actos e fases processuais próprios do regime geral e comum previsto no Código de Processo Civil – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.02.2022, processo n.º 462/20.0T8PBL-A.C1, in www.dgsi.pt.
Pelos fundamentos acima invocados, vai indeferida a realização de uma segunda avaliação nos moldes requeridos.
Notifique.

*
Subsidiariamente, os interessados requerem que o sr. Perito preste os esclarecimentos elencados nos pontos (i) a (vii) do seu articulado.
Nestes termos, por se afigurarem úteis e relevantes para a boa decisão da causa, notifique o Sr. Perito do requerimento em epígrafe, para se pronunciar nos termos tidos por convenientes.
Prazo: 10 dias.
Notifique.
(…)».

Inconformada com esta decisão, a interessada CC apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação do despacho recorrido.
Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«A. Face ao pedido de segunda avaliação pericial o Tribunal a quo indeferiu tal pretensão fundando o seu entendimento no facto de “tal pretensão carece de fundamento legal, considerando que nos movemos no âmbito do processo especial de inventário, e o concreto regime da avaliação dos bens é o previsto no art. 114.º do CPC (na redacção conferida pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro) Tal como sustentado na jurisprudência, no actual regime do processo de inventário, decorrente da Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro, não é admitida segunda avaliação dos bens.”
B. A questão primordial coloca-se na articulação entre as especificidades do processo de inventário (artigo 1114º do C.P.C.) e do processo declarativo comum, mormente saber se há remissão para o regime geral da produção de prova pericial, cujo prevê a realização de segunda perícia.
C. No sentido da admissibilidade de segunda avaliação pericial no âmbito do processo de inventário, convocam-se várias decisões dos Tribunais superiores e cujo entendimento jurisprudencial parece-nos indubitavelmente o mais conforme com a Lei e o Direito, a saber: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/10/1998 (Artur Dias), CJ, Ano XXIII, tomo IV, pág. 44; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/06/2012 (Sílvia Pires), Processo n.º 3796/08.8TJCBR-D.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/05/2004 (Manso Rainho), Processo n.º 1083/04-1.A e mais recentemente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de maio de 2022 (Relator Isoleta de Almeida Costa), Processo: 646/20.0T8VFR.P1.
D. A perícia é um meio de prova facultado às partes (artigos 388º do CC e 467º e ss do CPC), ao passo que no âmbito deste direito à prova encontra-se a segunda perícia que o código vem regular nos artigos 487º a 489º do CPC.
E. Donde a segunda perícia constitui um meio de reação contra as inexatidões do resultado da primeira e destina-se a responder, sanando as mesmas, que tanto podem ser suscitas pelas partes, como pelo juiz.
F. A lei exige que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, que foi o que sucedeu in casu, por requerimento subscrito pelo mandatário da Recorrente com a referência n.º ...70.
G. E, isto é assim, porque a segunda perícia se destina, naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais erros ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.
H. Deste modo, a realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, ou meramente dilatória, antes pressupõe a alegação fundamentada e concludente das razões pelas quais discorda do relatório pericial apresentado (ou da opinião maioritária vencedora).
I. Desta feita, a segunda perícia não invalida a primeira, sendo mais um meio de prova, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos, em livre apreciação.
J. A requerente da segunda perícia deve especificar os concretos pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objeto da segunda, indicando as razões da discordância o que constitui condição de deferimento do seu pedido, não bastando meras alegações genéricas ou conclusivas.
K. A Recorrente, cumprindo esse ónus, alegou, fundadamente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, indicando os pontos de discordância e justificou a necessidade de outra apreciação técnica.
L. Ora, uma interpretação hábil do artigo 1114.º do CPC permite-nos concluir que o legislador não afastou a segunda avaliação do regime jurídico especial do processo de inventário.
M. Caso o tivesse pretendido, teria previsto expressamente tal não aplicação das regras gerais relativas à segunda avaliação pericial.
N. O legislador disse claramente o que queria dizer, ou seja, é de aplicar as regras gerais relativas à segunda perícia, no respeito pelo princípio da Unidade do Sistema Jurídico.
O. Atento o teor do requerimento sob apreciação, com descrição das razões de discordância do relatório pericial apresentado, estavam reunidos os requisitos para que face à presença de inexatidões, fosse ordenada a realização de uma segunda avaliação pericial.
P. O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art.º 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.
Q. A avaliação prevista no art.º 1114º, do CPC não deixa de constituir um meio de prova.
R. O Tribunal a quo indeferindo a segunda avaliação pericial negou à Recorrente o direito constitucionalmente garantido à prova.
S. A nosso ver, a melhor interpretação do artigo 1114.º do CPC é a de que o mesmo define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário, mas não afasta a aplicabilidade do estabelecido quanto a este tipo de prova no processo declarativo, o que decorre do princípio geral estabelecido no artigo 549º nº 1 do CPC.
T. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou as normas jurídicas acima, sucessivamente, convocadas.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o despacho que indeferiu a realização de uma segunda avaliação, e alterada nos termos pugnados nas presentes alegações, com as devidas consequências legais.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso admitido para subir de imediato, em separado e efeito meramente devolutivo.
Os autos foram remetidos a este tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a saber se é admissível a realização de uma segunda avaliação em processo de inventário.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
A recorrente insurge-se contra o despacho judicial de 09-03-2023, no segmento em que indeferiu o requerimento para realização de uma segunda avaliação dos imóveis que integram a relação de bens apresentada a 24-06-2022.
 Analisando as questões submetidas à apreciação na presente apelação importa ter presente que a decisão que indeferiu a segunda perícia requerida pela recorrente baseou-se exclusivamente no entendimento, ali expresso, segundo o qual, no atual regime do processo de inventário não é admitida segunda avaliação de bens.
Sobre esta questão, a jurisprudência dos tribunais superiores vinha admitindo, desde a vigência do Dec. Lei n.º 227/94, de 8-09, com a revisão do CPC operada em matéria de inventário, a realização de uma segunda perícia para efeitos de avaliação, nos termos do artigo 1369.º do anterior CPC[1].
Contudo, ao presente inventário é aplicável o regime estabelecido pelo Código de Processo Civil vigente, tal como aditado pela Lei n.º 117/19, de 13-09, designadamente o disposto no artigo 1114.º do CPC, o qual, no âmbito do capítulo do processo especial de inventário, dispõe o seguinte:

Avaliação
1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído.
2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens.
3 - A avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se:
a) O juiz entender necessário, face à complexidade da diligência, a realização de perícia colegial;
b) Os interessados requererem perícia colegial e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que vão realizar a avaliação dos bens.
4 - A avaliação dos bens deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequada a fixação de prazo diverso.
Por seu turno, o artigo 487.º do CPC prevê a possibilidade de realização de segunda perícia, prescrevendo o seguinte:
1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.
Conforme elucidam Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[2], em anotação a este último preceito: «[a] segunda perícia não constitui uma instância de recurso. Visa, sim, fornecer ao tribunal novos elementos relativamente aos factos que foram objeto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (art. 488-a) pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial».
Efetivamente, tal como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-04-2012[3], em moldes que continuam inteiramente válidos à luz do atual regime, designadamente do disposto no artigo 487.º do CPC, «[a] segunda perícia não é uma nova perícia. A segunda perícia, dado que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e por finalidade a correcção da eventual inexactidão dos resultados desta, é, simplesmente, a repetição da primeira (…).
O que justifica a segunda perícia é a necessidade ou a conveniência de submeter à apreciação de outro perito ou peritos os factos que já foram apreciados. Parte-se do princípio que o primeiro perito ou os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque não se considera convincente o parecer obtido na primeira perícia é que se lança mão da segunda.
No tocante ao seu valor, a lei dá uma resposta precisa: a segunda perícia não inutiliza ou invalida a primeira, antes ambas subsistem, lado a lado, não se substituindo o resultado da segunda ao da primeira. O tribunal aprecia livremente uma e outra, segundo as circunstâncias e as demais provas que se produzirem. O princípio da liberdade da prova funciona plenamente, tanto em relação à primeira como em relação à segunda (…)».
Assim, «o objeto da segunda perícia coincide com o da primeira, isto é, com as questões de facto, indicadas pelas partes (arts. 475-1 e 476-1) ou de iniciativa oficiosa, a que o juiz a tenha circunscrito (art. 476-2)», estando vedado requerer nova perícia com outro objeto[4].
O citado artigo 487.º do CPC, bem como todo o regime atinente à segunda perícia (artigos 488.º e 489.º do CPC), insere-se no Título referente às normas gerais e comuns da instrução do processo, sendo que no âmbito do regime do processo especial de inventário, atualmente regulado nos artigos 1082.º a 1135.º do CPC, em especial no citado artigo 1114.º do mesmo diploma, não existe qualquer remissão para a parte geral do Código respeitante à prova pericial.
Daí que, à luz do regime vigente, a questão da admissibilidade da segunda avaliação em sede de processo de inventário não seja pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores. Segundo a orientação mais restritiva, a letra do artigo 1114.º do CPC deve ser interpretada no sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime de uma única avaliação, afastando o regime geral da prova pericial consagrado nos artigos 487.º a 489.º do CPC[5], enquanto outra orientação defende que, não dispondo a lei expressamente sobre a inadmissibilidade da segunda perícia, não se alcança a ratio para a interpretação restritiva do artigo 1114.º, n.º 3 do CPC, mais sustentando que o artigo 1114.º do CPC define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário mas não afasta a aplicabilidade do estabelecido quanto a este tipo de prova no processo declarativo, o que decorre do princípio geral estabelecido no artigo 549.º, n.º 1 do CPC[6].
A propósito das disposições reguladoras do processo especial, dispõe o artigo 549.º, n.º 1 do CPC que «[o]s processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum».
Tal como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa[7], em anotação a este último preceito, «[s]em prejuízo da adequação formal, quando necessária ou conveniente, o princípio da especialidade e da legalidade das formas processuais implica que a tramitação dos processos especiais obedeça sucessivamente à regulamentação específica, às normas gerais e às normas do processo declarativo comum».
Ora, tal como decorre do preceituado no citado artigo 1114.º do CPC, o pedido de avaliação, fundamentado numa discordância quanto ao valor pelo qual os bens se mostram relacionados, pode ser deduzido antes da conferência de interessados, representando a abertura das licitações, referida no n.º 1, o termo final para requerer a avaliação e limitando-se os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito «a definir algumas especificidades no domínio do inventário:
a) Mantém-se a regra segundo a qual a avaliação é realizada por um único perito nomeado pelo juiz (art. 1369.º CPC/61; art. 33.º, n.º 2, RJPI), ressalvando-se, todavia, a possibilidade de realização de perícia colegial, seja, perante a complexidade da diligência, por determinação do juiz, seja por deliberação unânime dos interessados, desde que também acordem na escolha dos dois outros peritos (n.º 3).
b) O prazo normal para realização da avaliação de bens pelo perito é de 30 dias (n.º 4)»[8].
Deste modo, o regime especial previsto no âmbito do processo especial de inventário para a avaliação que nele tenha lugar não restringe, nem limita, tal diligência a uma única avaliação.
Assim sendo, à diligência de avaliação de bens em sede de inventário é aplicável o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial (arts. 467.º e ss. do CPC)[9], por via do disposto no artigo 549.º, n.º 1 do CPC, com a possibilidade da realização de segunda perícia.
Deste modo, sustentamos o entendimento vertido no referenciado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2022, segundo o qual, «[n]ão dispondo a lei expressamente sobre a inadmissibilidade da segunda perícia, não se alcança a ratio para a interpretação restritiva do artigo 1114º nº 3 do CPC (…), afastando o regime geral da prova pericial consagrado nos artigos 487º a 489º. Entendemos que uma tal interpretação não é consentida.
A melhor interpretação deste preceito é a de que o mesmo define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário, mas não afasta a aplicabilidade do estabelecido quanto a este tipo de prova no processo declarativo, o que decorre do princípio geral estabelecido no artigo 549º nº 1 do CPC (…).
Daí que caberá ao tribunal recorrido, num primeiro momento, admitir a perícia e, num segundo momento, apreciar se o requerimento do interessado cumpre os pressupostos exigidos pelo artigo 487º do CPC».
Procede, assim, a apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida para que seja proferido novo despacho que, considerando a admissibilidade da segunda perícia em processo de inventário, aprecie a verificação dos pressupostos e fundamentos da sua admissibilidade no caso concreto em apreciação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada procedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade do recorrido/cabeça de casal.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, devendo ser proferido novo despacho que, considerando a admissibilidade da segunda perícia em processo de inventário, aprecie a verificação dos pressupostos e fundamentos da sua admissibilidade no caso concreto em apreciação.
Custas da apelação pelo recorrido/cabeça de casal.
Guimarães, 04 de outubro de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Maria dos Anjos Nogueira (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Neste sentido, cf., entre muitos outros, os Acs. do TRG de 06-12-2018 (relator: António Figueiredo de Almeida), p. 4230/08.9TBGMR.G1; de 10-07-2018 (relator: José Cravo), p. 256/13.9TBVPA.G1; de 07-05-2013 (relator: Filipe Caroço), p. 590-A/2002.G1; de 26-05-2004 (relator: Manso Rainho), p. 1083/04-1; Ac. do TRC de 20-06-2012 (relatora: Sílvia Pires), p. 3796/08.8TJCBR-D.C1; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[2] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, p. 737.
[3] Relator Henrique Antunes, p. 4857/07.6TBVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada -, p. 343.
[5] Neste sentido, cf., o Ac. TRC de 13-12-2022 (relator: Luís Cravo), p. 462/20.0T8PBL-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cf. o Ac. TRP de 04-05-2022 (relatora: Isoleta de Almeida Costa), p. 646/20.0T8VFR.P1 também acessível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 600.
[8] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, (Reimpressão), 2020, Almedina, Coimbra, pgs. 115-116.
[9] Neste sentido, cf. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres - obra citada -, p. 115.