ASSOCIAÇÃO
INSTITUIÇÃO PRIVADA DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
ESTATUTOS
NORMA IMPERATIVA
NULIDADE
Sumário

I - A Constituição da República consagra o princípio da autonomia associativa e da auto-regulação das associações sem fim lucrativo.
II - Tal direito de auto-regulação não é absoluto, devendo os estatutos de tais entidades, sob pena de nulidade, observar preceitos cogentes da lei, seja da lei geral - Código Civil - seja, como no caso das instituições privadas de solidariedade social - o quadro legal definido do DL n.119/83, de 25/02.
III - Os estatutos de tais entidades devem observar o regime legal imperativo, no que respeita à constituição, organização, funcionamento, aquisição e perda da qualidade de associado, e extinção da associação.
IV - A existência de cláusula genérica, nos Estatutos, dispondo que em caso de omissão de normas do regime legal imperativo, se aplicam "as disposições legais aplicáveis" não tem a virtualidade de obstar à referida nulidade.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

O Ministério Público instaurou, em 20.1.2004, pelas Varas Cíveis da Comarca do ......... – .. Vara – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:
B...........

Pedindo que sejam serem declaradas nulos de nenhum efeito o artigo 19°, o artigo 22°, n°2, o artigo 26°, n°1, o artigo 27°, alínea b), o artigo 28°, os artigos 29°, alínea a) e 34°, os artigos 31°, n°1, e 36°, o n°2 do artigo 31°, o artigo 32°, o artigo 35°, n°2, o artigo 39°, n°1, os artigos 41° a 43°, o artigo 47° e o artigo 48° dos estatutos da ré, determinando-se que passe a vigorar, em substituição dos mesmos, o disposto nas normas correspondentes do Decreto-Lei n° 119/83, de 25 de Fevereiro.

Alegou que as disposições dos estatutos da ré referidos no pedido violam as disposições imperativas do Decreto-Lei n°119/83, de 25 de Fevereiro, e são por isso nulas, devendo ser substituídas pelas normas correspondentes deste diploma.

A Ré contestou, alegando que nenhuma das disposições dos estatutos referidas na acção viola as disposições do Decreto-Lei n°119/83, de 25 de Fevereiro, porque não repelem estas disposições, são compatíveis com elas ou pressupõem tais disposições para o preenchimento dos aspectos não previstos directamente nos estatutos.

Foi junto douto Parecer – fls. 57 a 79 – sustentando tal tese.

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Foi proferido saneador-sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.
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Inconformado recorreu o Autor que, alegando, formulou a seguintes conclusões:

1º - B.......... é uma associação de solidariedade social.

2° - O Decreto-Lei n°119/83, de 25 de Fevereiro constitui o núcleo fundamental das normas porque se hão-de reger os estatutos das instituições de solidariedade social.

3º - Os art°s 52°, nº3, e 10°, ambos do DL. n°119/83, de 23 de Fevereiro, preceituam que dos estatutos das associações de solidariedade social deve constar obrigatoriamente e bem assim que devem especificar a forma do seu funcionamento, o que, a nosso ver, afasta desde logo a possibilidade de regular as omissões com recurso a qualquer norma remissiva geral, técnica utilizada pela apelada.

4° - Não basta pois o clausulado no artigo 1°, n°1, dos estatutos da apelada regulamentar que a apelada se rege pelas disposições legais e pelos estatutos, enquanto que no desenvolvimento deste normativo estatutário, venha mais adiante estatuir que os casos omissos sejam resolvidos pela assembleia geral, sem que se especifique o modo.

5º - O artigo 22, n°2, dos estatutos, viola o preceituado nas disposições conjugadas dos art. 17°, n°2, e 52°, n°3, e 10º, na medida em que, caso a vacatura abranja a maioria dos lugares de qualquer órgão, o seu preenchimento deverá efectuar-se em prazo máximo de trinta dias, prazo este ou outro inferior, o que aí é omitido ao não prever qualquer prazo.

6° - Não basta pois sentenciar, como se fez na decisão judicial ora em crise, que os casos omissos se preenchem pelas disposições legais aplicáveis, na medida em que o associado, na posse dos estatutos, pode acontecer que inclusive ignore qual a legislação aplicável ao caso concreto, (Código Civil, Decreto-Lei n°594/74, de 07/11) por isso é que o legislador impõe que dos estatutos deva constar a forma de designar os seus membros, pelo que resulta assim violado o disposto no art. 17°, n°2, e bem assim as normas dos arts. 52°, n°3 e 10°.

7° - Impõe o art. 10º, n°2, al. e) que dos estatutos deve constar obrigatoriamente a forma de designar os seus membros, para além de que o art. 52°, n°3, al. c) preceitua que os estatutos devem especificar a forma do seu funcionamento e, sendo aqueles omissos quanto ao prazo para preenchimento da maioria dos lugares vagos, o qual deverá ter lugar no prazo máximo de 30 dias, resultam violados aqueles preceitos legais.

8° - Porque os estatutos prevêem o voto por procuração, cfr. artigo 26, nº3, há lugar a votos presentes e votos expressos, o que desde logo é susceptível de violar o disposto no art. 16°, n°1, que impõe que as deliberações sejam tomadas por maioria de votos dos titulares presentes e não dos votos expressos.

9°- Pode ocorrer a que haja maioria de votos expressos, sem que haja necessidade do voto de desempate do presidente e minoria ou empate dos votos dos associados presentes, o que desde logo impõe, nesta última situação, o uso do voto de qualidade do presidente, o que os estatutos não acautelam, nem pelo apelo a normas remissivas, assim não regulando integralmente a forma do funcionamentos dos seus órgãos.

10° - Assim, ao decidir-se que o artigo 26º, nº1, dos estatutos nada tem a ver com o voto da qualidade do presidente, mas apenas a natureza da maioria, simples, ou absoluta necessária para aprovação das deliberações, foi violado, no nosso entendimento, o preceituado no art. 16°, n°1, e 52°, n°3, al. c), na medida em que os estatutos são omissos no que concerne ao voto de qualidade do presidente dos órgãos de administração e do conselho fiscal, que para além do seu voto, gozam de voto de desempate.

11º - O artigo 28º dos estatutos, ao prevenir que a associação reúne, em assembleia geral ordinária, para apreciação do relatório e contas da gerência e para apreciação e votação do orçamento e do programa de acção, na medida em que não estatui um tempo limite para reunião da assembleia geral ordinária para aqueles fins, preceito legal esse que impõe que a assembleia reúna obrigatoriamente duas vezes em cada ano, sendo obrigatoriamente, uma até 31 de Março, para aprovação do relatório e contas da gerência e outra até 15 de Novembro, para apreciação e votação do orçamento e do programa de acção, viola, na nossa modesta opinião, o disposto no art.59º, n°2.

12° - Na medida em que sentenciou que não regulando os estatutos as datas limite em que devem ter lugar as duas apontadas reuniões ordinárias da assembleia geral, se aplica, no silêncio, as disposições legais o que não é posto em causa pelos estatutos, violou-se, por erro de julgamento, o disposto no citado art. 59°, n°2, porquanto que os estatutos devem especificar (sublinhado nosso) o modo do seu funcionamento, cfr. art. 52°, n°3, al. c).

13º - Ao não se especificar nos estatutos o modo de funcionamento, tal como o prevê o art. 52°, n°3, al. c), resulta também violado este preceito legal, tal como se pode ver pelo próprio documento junto aos autos, no que concerne à convocatória da assembleia geral ordinária para apreciação e votação do orçamento e programa de acção para o ano de 2004, esta só ocorreu no dia 29 de Novembro de 2003, quando por força do preceituado no art. 59°, n°2, deveria ter ocorrido, obrigatoriamente até ao dia 15 de Novembro.

14° - A sentença ora em recurso ao considerar que a convocatória a que se reportam artigos 31, n°1 e 36 dos estatutos, se basta com envio de aviso postal para cada um dos associados, ou pela publicação num dos jornais mais lidos, errou na interpretação do preceituado no art. 60°, n°2, na medida em que a convocatória deverá, em qualquer dos casos, ser igualmente afixada na sede e noutros locais de acesso público, dela constando obrigatoriamente, o dia, a hora, o local e ordem de trabalhos, o que os estatutos omitem.

15° - As instituições de solidariedade social prestam relevante serviço público no âmbito da solidariedade e segurança social e, sendo nesse âmbito, apoiadas pelo Estado, é normal que se lhes fixe um estatuto mais apertado e que se desvie do regime geral do Código Civil.

16º - Não faria sentido que dentro dessas preocupações do Estado ao regulamentar o regime regra das associações de solidariedade social não prevenisse a possibilidade de prevenir quórum deliberativo artificialmente obtido através de regras estatutárias que não acautelassem os fins da instituição.

17° - É de ajuizar como temerário um período mínimo de quinze minutos previsto nos estatutos da apelada para que possa haver quórum deliberativo em segunda convocatória da assembleia-geral, na medida em que permite a existência de quórum deliberativo manipulado.

18° - Quinze minutos são um período de tempo tão curto em relação à primeira convocatória que, a segunda a ter lugar naquele período de tempo, não passa de um quórum deliberativo em primeira convocatória, com desrespeito do preceituado no n°1 do citado art. 61°. Com efeito, e porque quinze e não cinco minutos, ou até ainda período mais curto o que a interpretação do senhor juiz permite, ao fazer apelo ao elemento literário “ se os estatutos não dispuserem de outro modo”?

19° - O art. 9° do C. Civil elege como critério de interpretação da lei, que o interprete não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada,

20° - Sendo certo que também não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

21°- Por outro lado, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

22°- É de todos conhecido que a assembleias-gerais de qualquer associação, pese embora marcadas para uma determinada hora, nunca funcionam exactamente à hora marcada, regra geral, nunca menos de um quarto de hora depois.

23° - Fazendo apelo ao elemento teleológico da norma interpretada pelo senhor juiz, foi preocupação do legislador impor que aquele período de uma hora foi o que ele considerou como o mínimo para que possa haver quórum deliberativo em segunda convocatória, com vista a acautelar a relativa facilidade ou a eventual possibilidade de manipulação, permitindo que nesse período e de acordo com o espectro dos associados abrangido, os benefícios sociais que concede, a magnitude das verbas que movimenta e a complexidade da sua organização, possa haver um período mais dilatado, em que a vontade colectiva se possa exercitar sem as limitações de um estatuto assim amordaçante.

24° - A interpretação possível do art. 61°, n°1 “...uma hora depois, com qualquer número de presenças, salvo se os estatutos não dispuserem de outro modo”, reporta-se ao período mínimo que deve mediar entre uma e outra convocatória e que não deverá ser inferior a um hora.

25° - Porque na sentença ora em recurso se decidiu que o prazo de quinze minutos estatuído no artigo 31, n°2, dos estatutos dá cumprimento ao preceituado no art. 61°, n°1, que prevê que os estatutos possam dispor de outro modo e, assim, que a assembleia se considera reunida em segunda convocatória, quinze minutos após primeira, no nosso modesto entendimento, fez-se errada interpretação daquele preceito legal que deve ser interpretado no sentido de que o prazo mínimo para reunir em segunda convocatória pode ser outro que não ali fixado de um hora, mas sim um superior e nunca inferior.

26° - A sentença em recurso decretou que no artigo 32º dos estatutos não tinha que estar ali definido o quórum deliberativo em caso de alteração dos estatutos e que assim não viola o disposto no art. 62°, n°2, pelo que se e na medida em que nessa parte os estatutos são omissos, aplica-se directamente a disposição da lei que define o quórum necessário para a aprovação das alterações ao estatuto.

27°- Não o entendemos assim porque dos estatutos das associações deve constar o modo do seu funcionamento, cfr. art. 52°, n°3, al. c), pelo que aquela decisão viola, por erro de interpretação, não só este comando legal, bem como o preceituado no art. 62°, n°2, que impõe que o quórum deliberativo para o caso de alteração dos estatutos não poderá ser inferior à maioria qualificada de dois terços dos votos expressos dos associados.

28° - Na sentença recorrida ao julgar-se que o artigo 35, n°2 dos estatutos, que omite um prazo para a convocação e realização da assembleia geral extraordinária aí referida e bem assim ao não impor a presença de pelo menos 3/4 dos associados requerentes, não viola o disposto nos artºs. 60°, n°s 1 e 3, e 61°, n°3, na medida em que “... a norma dos estatutos referida apenas se reporta à obrigação de a ordem de trabalhos da reunião do congresso convocada a requerimento dos associados incluir os pontos propostos pelos associados requerentes. Trata-se de um aspecto em que o Decreto-Lei n°119/83 é omisso e que nada tem a ver com o prazo para ser convocada a reunião após o requerimento nesse sentido e também não com o quórum necessário para as deliberações tomadas na reunião serem, aprovadas. Essa matéria, como muitas outras já referidas, não é regulada nos estatutos e, como tal, vale em relação a ela inteiramente a solução resultante da lei por aplicação directa (nesse sentido, veja-se o artigo 6 dos estatutos, relativo ao funcionamento dos órgãos em geral, cujo n°1 determina que salvo disposição legal ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, direito a voto de desempate)”, vai contra o disposto naqueles normativos, porquanto que no que concerne à reunião e convocatória da assembleia geral extraordinária a que se reporta a parte final do n°3, do art. 59º, preceitua o n°3 do art. 61°, um quórum deliberativo de 3/4 dos requerentes,

29º - e o n°3 do art. 60° impõe que a convocatória deve ser feita no prazo de 15 dias e a sua realização deve ocorrer num prazo máximo de 30 dias após a recepção do pedido ou requerimento, pelo que valem aqui os argumentos expostos acerca do que dispõem os artigos 52°, nº3 e 10º, o que dos estatutos das associações de solidariedade social deve constar obrigatoriamente e bem assim que devem especificar a forma do seu funcionamento, o que, a nosso ver, afasta desde logo, a possibilidade de regular as omissões com recurso a qualquer norma remissiva geral, técnica utilizada pela apelada.

30° - Na sentença ora em recurso decidiu-se que o artigo 47º não viola o disposto no art. 27°, na medida em que “...compete à assembleia-geral tomar as medidas necessárias à salvaguarda dos objectivos prosseguidos. Trata-se, porém, de uma atribuição de competência genérica à assembleia-geral para a aprovação das medidas necessárias, o que nada tem a ver quer com a natureza, quer com a amplitude, quer com o conteúdo específico das medidas a aprovar pela assembleia. O que significa que a norma não acautela nem deixa de acautelar o destino dos bens.

Imaginemos que a deliberação da assembleia-geral vai contra o normativo do art.27°, n°3, onde fica a legalidade e a vontade do testador ou doador?

Discordamos deste raciocínio e reiteramos aqui que os estatutos das associações devem especificar o modo do seu funcionamento.

31° - Decidiu-se que o artigo 48º dos estatutos não viola qualquer norma legal, v.g. o preceituado no art. 10°, n°1, na medida em que de facto, aquele clausulado “...determina que os casos omissos serão resolvidos por deliberação da assembleia-geral. Porém, não diz que essa deliberação possa ser tomada de forma totalmente livre, com desrespeito pelas normas legais directamente aplicáveis por força do n°1 do artigo 10º dos estatutos. Aliás o que os estatutos dizem é absolutamente aceitável e compreensível: sendo os estatutos aprovados pela assembleia-geral é natural que também seja a assembleia a deliberar sobre os casos omissos nos estatutos”.

32° - Todavia, não basta o clausulado no artigo 1°, n°1, dos estatutos regulamentar que a apelada se rege pelas disposições legais e pelos estatutos, enquanto que no desenvolvimento deste normativo estatutário, venha mais adiante estatuir que os casos omissos sejam resolvidos pela assembleia geral, sem que se especifique o modo, na medida em que a elaboração dos estatutos não obedeceu ao preceituado no D.L. nº119/83, de 25/02, o que pode conduzir a que as deliberações da assembleia geral para a decisão dos casos omissos nos estatutos, possam violar quaisquer normas de carácter preceptivo deste diploma legal.

Termos em que se deverá dar provimento ao recurso e declarar-se nulas as disposições estatutárias da apelada e passem a vigorar, em substituição de tais disposições e omissões, o disposto nas disposições legais citadas, do Decreto-Lei n°119/83, de 25 de Fevereiro.
Justiça.

Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto:

1. Por escritura pública, lavrada a 23 de Janeiro de 2003, no .. Cartório Notarial da Secretaria Notarial de ........., foi constituída a associação denominada “B..........”, com sede na morada acima indicada e que resultou da transformação da associação denominada “C..........”.

2. A ré foi constituída por tempo indeterminado e sem fins lucrativos.

3. E tem por finalidades preservar a identidade das instituições particulares de solidariedade social, de modo especial no que respeita à sua preferencial acção junto das pessoas, famílias e grupos mais carenciados, fomentando o exercício dos seus direitos de cidadania.

4. Acautelar a autonomia das mesmas instituições, sobretudo ao nível da livre escolha da organização interna e áreas de acção, bem como da sua liberdade de actuação.

5. E desenvolver e alargar a base de apoio da solidariedade, designadamente quanto à sensibilização para o voluntariado e à mobilização das comunidades para o desenvolvimento social e luta contra a exclusão social.

6. Rege-se a ré, interna e externamente, pelos estatutos constantes do documento apresentado no acto de constituição e que integra a mencionada escritura, cuja cópia consta da certidão de folhas 18 a 39 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

7. O artigo 1º, n°1, dos estatutos tem a seguinte redacção: “A C.......... passa a denominar-se B.........., regendo-se pelas disposições legais aplicáveis e pelo disposto nos presentes estatutos”.

8. O artigo 19° dos estatutos tem a seguinte redacção: “O Conselho Directivo Nacional e o Conselho Fiscal da B......... são convocados e dirigidos pelos respectivos presidentes ou seu legais substitutos, e só podem deliberar com a presença da maioria dos seus titulares”.

9. O artigo 22°, n° 2, dos estatutos tem a seguinte redacção: “Em caso de vacatura decorrente da demissão da maioria dos membros de qualquer órgão, a assembleia-geral procederá ao preenchimento das vagas verificadas, devendo os substitutos completar apenas o período do mandato em curso”.

10. O artigo 26°, n°1, dos estatutos tem a seguinte redacção: “As deliberações são tomadas por maioria simples dos votos apurados, salvo disposição legal ou estatutária em contrário”.

11. O artigo 27°, alínea b), dos estatutos tem a seguinte redacção: “Compete à Assembleia-geral deliberar sobre todas as matérias não compreendidas nas atribuições dos outros órgãos sociais e, em especial: ...eleger e destituir, por votação secreta, os membros da mesa da Assembleia-geral, o Conselho Fiscal e a maioria dos membros do Conselho Directivo Nacional, bem como o seu presidente”.

12. O artigo 28° dos estatutos tem a seguinte redacção: “A Assembleia-geral reúne em sessão ordinária para os efeitos consignados na alínea d) do artigo anterior (“apreciar e votar anualmente o orçamento e o programa de acção para o exercício seguinte, bem como o relatório e contas de gerência”) em sessão extraordinária para todos os outros”.

13. O artigo 29°, alínea a), dos estatutos tem a seguinte redacção: “A Assembleia-geral reúne em sessão extraordinária; quando o Conselho Directivo Nacional ou o Conselho Fiscal o entenderem necessário”.

14. O artigo 34° dos estatutos tem a seguinte redacção: “Sem prejuízo do disposto no artigo vigésimo nono, o Congresso reúne ainda por deliberação da assembleia-geral”.

15. O artigo 31° dos estatutos tem a seguinte redacção: “1. A convocatória deverá ser enviada às associadas por meio de aviso postal e publicada em, pelo menos, dois Jornais de expressão nacional, com a antecedência mínima de quinze dias. 2. A assembleia-geral iniciará os seus trabalhos à hora marcada na convocatória se estiver presente a maioria dos associados, ou quinze minutos depois com qualquer número de presenças”.

16º. O artigo 36° dos estatutos tem a seguinte redacção: “A convocação do congresso será efectuada nos termos do disposto no artigo trigésimo primeiro, mas com a antecedência mínima de trinta dias”.

17. O artigo 32° dos estatutos tem a seguinte redacção: “A Assembleia-geral será convocada sob a designação de Congresso para o exercício das competências referidas nas alíneas a), b) e c) e primeira parte da alínea h) do artigo vigésimo sétimo, assim como para os efeitos previstos no artigo vigésimo primeiro”.

18. O artigo 35°, nº2, dos estatutos tem a seguinte redacção: “No caso de a reunião do congresso ser convocada nos termos da alínea b) do artigo vigésimo nono, a ordem de trabalhos deverá incluir, pelo menos, os pontos propostos pelos associados requerentes”.

20. O artigo 39°, n°1, dos estatutos tem a seguinte redacção: “O Conselho Directivo Nacional, na primeira reunião após a eleição, deverá aprovar o seu próprio regulamento de funcionamento e designar o secretário”.

21. Os artigos 41° a 43° dos estatutos da ré são relativos à composição e competência da Direcção e à periodicidade mínima das suas reuniões.

22. O artigo 45°, n°2, alíneas a) e b), dos estatutos atribuem aos membros do Conselho Fiscal, para o exercício das suas funções, o poder de “assistirem às sessões do Conselho Directivo Nacional e da Direcção” e de “requisitarem ao Conselho Directivo Nacional e à Direcção, para exame e verificação, os livros, registos e documentos da confederação, bem como as informações de que careçam no âmbito das competências que lhe estão atribuídas”.

23. O artigo 47° dos estatutos tem a seguinte redacção: “No caso de extinção da B........., compete à Assembleia-geral tomar as medidas necessárias à salvaguarda dos objectivos prosseguidos”.

24. O artigo 48° dos estatutos tem a seguinte redacção: “Os casos omissos serão resolvidos por deliberação da Assembleia-geral”.

Fundamentação:

Sendo pelas conclusões das alegações do recorrente que, em princípio, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se, pelas razões apontadas pelo recorrente, são nulos por violarem a Lei, os artigos do estatuto da Ré “B..........”.

Antes de abordarmos a melindrosa problemática do recurso, importa focar o essencial do enquadramento normativo do tipo em causa – “associações”.

“Associações são colectividades de pessoas que não têm por escopo o lucro económico dos associados” – Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil” – 124.

O princípio do livre associativismo constitui uma manifestação da liberdade e autonomia dos cidadãos, consagrada constitucionalmente, desde a implantação do regime democrático – art. 46º da Lei Fundamental – sexta revisão constitucional – Lei Constitucional 1/2004, de 24.6, sendo que, desde logo, foi contemplado tal direito na Constituição de 1976.

“1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.

2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.
3. (omissos)
4. (omissis)”.

A lei fundamental consagra o princípio da autonomia associativa e da auto- regulação, regendo-se as associações sem fim lucrativo, por força do art. 157º do Código Civil, pelos arts. 167º a 184º do mesmo diploma.

Não é irrestrita a auto-regulação associativa, pois que os seus estatutos não podem, sob pena de nulidade, contrariar preceitos cogentes da lei.

Esses referem-se à constituição, organização e funcionamento, aquisição e perda da qualidade de associado, conteúdo dos estatutos e extinção da associação.

Assim, além do acto constitutivo das associações dever constar de escritura pública – art. 168º, nº1, do Código Civil, o estatuto “[...] deve especificar obrigatoriamente (art. 167º, nº1), sob pena de nulidade (art.294º): os bens e/ou serviços com que os associados concorrem para o património social; (2º) a denominação da associação (tendo conta o art. 72º); (3º) o seu fim (que segundo o art. 158º-A) deve ser compatível com o disposto no art. 280º); (4º) a sua sede (que não necessita de coincidir com o lugar da administração efectiva); (5º) a forma de funcionamento; (6º) a sua duração (quando a associação não for constituída por tempo indeterminado).
Além destes requisitos obrigatórios para o acto de constituição, podem ainda os estatutos – igualmente feitos por escritura pública (art. 168º, nº1) – especificar outros, tais como os que vêm exemplificados no nºs 2 do art. 167º: (1º) os direitos e obrigações dos associados; (2º) as condições de admissão, saída e exclusão dos associados; (3º) os termos da extinção da associação; (4º) a consequente devolução do seu património” – cfr. Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português”, pág. 398.

Todavia, dada a especificidade de certas associações, implicar a sua inserção num quadro normativo que contempla a sua peculiar natureza e escopo, a par da regulação do Código Civil, podem existir leis-quadro definidoras das particularidades do ente associativo de modo a agilizar o seu funcionamento.

É, assim, que as instituições privadas de solidariedade social em geral, têm o seu estatuto legal definido pelo DL. 119/83, de 25.2.

Tais instituições podem assumir as formas previstas no seu art.2º podendo, qualquer dos cinco tipos aí previstos, agrupar-se em uniões, federações e confederações – como é o caso que nos ocupa.

O art. 3º consagra a autonomia das instituições estabelecendo:

“l - No âmbito da legislação aplicável, as instituições escolhem livremente as suas áreas de actividade e prosseguem autonomamente a sua acção.
2 - Com respeito pelas disposições estatutárias e legislação aplicável, as instituições estabelecem livremente a sua organização interna”.

Do referido nº2 desde logo resulta que a livre organização interna das instituições deve respeitar a legislação aplicável e os seus estatutos.

Não, é, assim, absoluta a faculdade de auto-organização.

A lei define um mínimo normativo, que deve ser incorporado nos estatutos, ou não ser contrariado por eles, não só para assegurar o cumprimento de regras basilares gerais e abstractas, como também, para assegurar, a protecção dos associados e dos seus direitos, e fazer observar princípios elementares de democraticidade, tudo dentro de limites de proporcionalidade e de justa medida (não intromissão injustificada).

No art. 1º dos estatutos da Ré pode ler-se:

“A C.......... passa a denominar-se B.........., regendo-se pelas disposições legais aplicáveis e pelo disposto nos presentes estatutos”.

Ora, como se verifica ao longo dos articulados e das alegações do recurso, evidencia-se que, várias vezes, a Ré, resguardando-se na remissão para a aplicação das “disposições legais aplicáveis”, em casos de omissão (entenda-se), parece pretender que sempre que o Autor sustenta que certa omissão é violadora da lei, “sana o vício”, a Ré contrapor que tal alegação é descabida, porque os seus estatutos remetem “para as disposições legais aplicáveis”.

Sem embargo da apreciação casuística, que ao diante faremos, cumpre afirmar que, sempre que estiver em causa uma omissão estatutária, não pode entender-se que, se se tratar de menção obrigatória que deva constar dos estatutos, tal argumentação deva ser acolhida, sob pena de todas elas ficarem “supridas”, por se dever entender que, lá onde houver omissão, se tem “integrada” nos estatutos a “lei aplicável”.

Com o devido respeito, casos há em que não se pode assim entender.

Os estatutos como “Magna Carta” de qualquer associação, devem ser claros e inequívocos, sendo mais salutar que contenham de mais, que de menos, assim garantindo aos seus destinatários uma clara informação sobre o molde em que foram vazados.

Entremos na apreciação dos artigos que o Ministério Público considera não estarem conformes á Lei, seguindo a ordem da sua abordagem nas conclusões.

A) - Sustenta o recorrente que o art. 22º, nº2, dos estatutos viola as disposições conjugadas dos arts. 17º, nº2, 52º, e nº2 do art. 10º do DL. 119/83, na medida em que em, caso a vacatura de lugares abranja a maioria (deles) de qualquer órgão, o seu preenchimento se deverá fazer no prazo máximo de 30 dias, sendo que os estatutos são omissos quanto ao prazo.

O art. 22º dos Estatutos (vacatura) afirma:

“1. A assembleia-geral que destituir membros dos órgãos sociais determinará na mesma sessão a forma de suprir a vacatura;
2. Em caso de vacatura decorrente da demissão da maioria dos membros de qualquer órgão, a assembleia-geral procederá ao preenchimento das vagas verificadas, devendo os substitutos completar apenas o período de mandato cm curso”.

O art.17º, nº2, do DL dispõe:

“Em caso de vacatura da maioria dos lugares de cada órgão, deverá proceder-se ao preenchimento das vagas verificadas, no prazo máximo de 1 mês, salvo se estas forem ocupadas por membros suplentes, sempre que os mesmos estejam previstos nos estatutos”.

O art. 52º, nº3, impõe que no acto de constituição da associação conste a forma do seu funcionamento – al. c).

O art. 10º, nº2, e) estabelece que os estatutos das associações devem designar os respectivos membros.

Entende a apelada que nada dizendo os estatutos se aplica o prazo máximo legal.

Afigura-se-nos que tem razão o recorrente.

É facto que o art. 10º, nº2, do DL 119/83 não contém, nas menções obrigatórias do estatuto da associação, prazo de preenchimento das vagas.

Mas, no caso de existência de vacatura da maioria de lugares nos órgãos de administração e fiscalização, do que se trata é de aspecto que contende com o funcionamento de órgãos de capital importância no funcionamento do ente associativo, pelo que, exigindo o art. 17º, nº2, do DL o seu preenchimento num prazo máximo a omissão é ilegal.

Aliás cremos existir incoerência nos estatutos da Ré quando, por um lado, o art. 22º, nº1, prevê que no caso de destituição de membros de órgãos sociais, na mesma sessão da assembleia-geral destituinte, se determine a forma de suprir a vaga e, no caso de demissão, o preenchimento definitivo dos cargos não fica sujeito a qualquer prazo.

A Lei visa assegurar, rapidamente, a normalidade de funcionamento de órgãos sociais importantes, pelo que o prazo de um mês não pode ser ultrapassado.

Não se diga, como antes prevenimos, que no silêncio dos estatutos vale o “Estatuto Legal” e, por isso, se tem por aplicável o prazo de um mês.

O nº1 do art. 167º do Código Civil, tem cariz imperativo – cfr. “Código Civil Anotado” de Pires de Lima e Antunes Varela., Vol. I, pág.170 – considerando estes tratadistas que a forma de funcionamento da associação é uma menção obrigatória como decorre, também, da lição do Professor Heinrich Hörster – obra citada.

Assim, o art. 22º, nº2, ao não mencionar, expressamente, que o preenchimento dos lugares se fará no prazo máximo de 1 mês, viola os arts.17º, nº2, 52º, nº3, c) e 10º, nº2, e) do DL. 119/83, de 25.2.

B) – Sustenta o apelante que o artigo 26, n°1, dos Estatutos viola o preceituado nos arts. 16°, nº1, e 52º, nº3, al. c) do DL., na medida em que são omissos, no que concerne ao voto de qualidade do presidente dos órgãos de administração e do conselho fiscal, que para além do seu voto, gozam de voto de desempate.

Mais uma vez estamos no contexto do funcionamento dos órgãos sociais.

O art. 26º da Ré estatui:

“1. As deliberações são tomadas por maioria simples dos votos apurados, salvo disposição legal ou estatutária cm contrário.
2. A cada delegado cabe um voto, não sendo permitido o voto por correspondência.
3. O voto por procuração será autorizado por parte do presidente da Mesa da Assembleia-geral, desde que previamente requerido e justificado”.

O art. 16º, nº1, da Lei refere:

“l – Salvo disposição legal ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, direito a voto de desempate”.

A omissão dos estatutos estaria na não referência ao voto de qualidade que assiste, legalmente, ao presidente.

O voto de qualidade do presidente visa desempatar votações. O art. 16º, nº1, dos Estatutos da Ré define, como regra, que as deliberações são tomadas por maioria simples dos votos apurados, o que nos termos do nº3, pode englobar a votação por procuração.

Mas logo ressalva a aplicação de disposição legal ou estatutária em contrário.

Por outro lado, o art. 16º, nº1, da Lei admite que os estatutos da associação consagrem que a votação se não faça por maioria dos votos dos titulares presentes consentindo, portanto, a votação com maioria simples e não qualificada, como os estatutos da Ré, validamente, estipulam.

Ora, no caso, a citada remissão dos estatutos, mormente para a legislação em contrário, tem a virtualidade de fazer aplicar a regra do art. 16º, nº1, do DL, pois, sendo exigível a maioria aí prevista, em caso de empate, o presidente tem voto de qualidade.

Não merece acolhimento a arguição do apelante.

C) – Na conclusão 11ª sustenta o douto apelante que o art. 28º dos estatutos da Ré viola o art. 59º, nº2, da Lei que vimos apreciando.

O art. 28º reza:

“A Assembleia-geral reúne em sessão ordinária para os efeitos consignados na alínea d) do artigo anterior e em sessão extraordinária para todos os outros” – [a al. d) do art. 27º - competência da assembleia geral – afirma ser da competência deste órgão “apreciar e votar anualmente o orçamento e o programa de acção para o exercício seguinte, bem como o relatório e contas da gerência”].

O art. 59º do DL. (sessões da assembleia geral):

“1 - A assembleia-geral reunirá em sessões ordinárias e extraordinárias.
2 - A assembleia-geral reunirá obrigatoriamente 2 vezes em cada ano, uma até 31 de Março, para aprovação do relatório e contas de gerência, e outra até 15 de Novembro, para apreciação e votação do orçamento e do programa de acção.
3- A assembleia geral extraordinária reunirá extraordinariamente quando convocada pelo presidente da mesa da assembleia geral, a pedido do órgão executivo ou do órgão de fiscalização ou a requerimento de, pelo menos, 10 % do número de sócios no pleno fixado nos estatutos”.

De novo estamos no contexto de normas cogentes, contendendo com o modo de funcionamento, agora da assembleia-geral.

Na verdade, não resulta dos estatutos da Ré – versão a fls. 31 – que o art. 28º mencione, como devia, que a assembleia geral deva reunir duas vezes por ano, para os fins previstos no nº2 do art. 59º, nem nas datas limite aí previstas.

Tal menção é obrigatória.

Se bem interpretamos o Douto Parecer, a fls. 67, o seu eminente signatário, depois de aludir a uma versão aperfeiçoada dos Estatutos (de que não dispomos) afirma:

“[...] Apenas não se regula completamente o ponto em questão, na medida em que se omitem as datas de realização dessas sessões. Nesse particular, ele tem que ser complementado pelo estabelecido na norma legal aplicável, numa vulgar operação hermenêutica de integração do conteúdo de actos negociais...[...]”.

Assim, por razões de clareza e legalidade, o art. 28º dos Estatutos da Ré deve acolher as menções nele omissas e que se acham previstas no 59º, nº2, do DL. 119/83, de 25.2. e, reflexamente, na al. c) do nº3 do seu art.52º.

D) – Sustenta o apelante que o processo de convocação da assembleia-geral previsto nos arts. 31º, nº1, e 36º dos Estatutos viola o art. 60º, nº2, do DL.

- art. 31º, nº1 – “A convocatória deverá ser enviada às associadas por meio de aviso postal e publicada em, pelo menos, dois jornais de expressão nacional com antecedência mínima de quinze dias”.

Art. 36º - “A convocação do congresso será efectuada nos termos do disposto no artigo trigésimo primeiro, mas com a antecedência mínima de trinta dias”.

O art. 60º, nº2 prevê que a convocatória se faça por uma de duas vias; pessoalmente, através de aviso postal expedido para cada associado; ou (outro termo da alternativa), através de anúncio publicado nos dois jornais de maior circulação da área onde se situe a sede da associação.

Mas, seja pelo envio do aviso postal, ou pela publicação em jornais, impõe aquele normativo um outro procedimento – a afixação da convocatória, “na sede e noutros locais de acesso público”, dela constando, “obrigatoriamente, o dia, a hora, o local e a ordem de trabalhos”.

Seja usado um ou outro meio de convocação dos previstos em alternativa, com ele tem de se cumular outro meio de publicidade – a afixação da convocatória em outros locais de acesso público, com as menções referidas no citado normativo.

A “ratio” do preceito visa assegurar a mais ampla difusão e publicidade da convocatória e sendo, naturalmente, a sede da instituição o local onde a assembleia reúne, mal pareceria que aí nenhuma publicidade existisse; é que não é de excluir que o aviso postal não almeje o destinatário e que a convocação pelos jornais não seja lida.

A douta sentença assim não entendeu, ao invés do douto Parecer que, a fls. 68, afirma – “...Ora, ao regular esgotantemente os procedimentos de comunicação, aquele dispositivo estatutário, vai, por um lado, além do legalmente exigível (na medida em que cumula as duas últimas formas de comunicação, que a lei prevê em alternativa), mas, por outro, fica aquém, uma vez que não contempla a necessária afixação da convocatória.
Nesta medida, ao dispensar uma forma de comunicação a que a lei obriga, a estatuição não satisfaz os requisitos legais...”.

Apenas discordamos do que se diz sobre a consequência da omissão.

É que em matéria tão sensível, como é a publicidade da convocatória, estando a ela associada a conveniência, senão a necessidade de ampla participação dos associados, deve ser, escrupulosamente, cumprido o ritual da convocação, como prevenido no cogente normativo do art. 60º, nº2, que os Estatutos da Ré não observam.

Assiste razão ao apelante.

E) – Questiona o douto Apelante a legalidade do art. 31º, nº2, dos Estatutos por, alegadamente, violar o art. 61º, nº1, do DL.

- O art. 31º, nº2 [regendo acerca da convocatória e funcionamento] – “A Assembleia-geral iniciará os seus trabalhos à hora marcada na convocatória se estiver presente a maioria dos associados ou quinze minutos depois com qualquer número de presenças”.

O art. 61º, nº1, do DL. 119/83:

“A assembleia-geral reunirá à hora marcada na convocatória, se estiver presente mais de metade dos associados com direito de voto, ou uma hora depois, com qualquer número de presenças, se os estatutos não dispuserem de outro modo”.

Numa abordagem simplista, dir-se-ia que assiste razão à Ré, quando sustenta que a lei lhe “permite” deliberar 15 minutos depois, se à hora marcada não estiver presente a maioria dos associados.

Na interpretação da lei não deve atender-se à mera literalidade do texto – art. 9º do Código Civil – mas, antes, apreender-se o sentido da previsão legal.

Como antes dissemos é desejável que as assembleias-gerais, como órgãos de soberania dos associados, sejam participadas, democráticas, e não dominadas por fraca afluência dos associados; daí que a generalidade dos estatutos preveja um período de espera razoável, caso não haja quórum deliberativo, quando os trabalhos se iniciam.

Normalmente, di-lo a nossa experiência, e as dos que com estas matérias lidam, é observada a dilação de uma hora, tempo reputado conveniente para obviar a imprevistos e demoras na chegada ao local da reunião.

Ora, devendo em tudo na vida e, sobretudo na vida de relação de entes jurídicos, existir uma exacta compreensão da realidade, e sabendo-se qual a razão da lei, estabelecer a possibilidade de uma “segunda oportunidade”, para a reunião de um órgão deliberativo, “esperar” escassos 15 minutos, perdoe-se-nos a expressão, é quase farisaico.

Porque não cinco minutos, se o texto da lei a isso não obsta?

De modo algum se pode considerar equitativo, razoável, para não dizer legal, que a espera de 15 minutos entre a reunião que se não fez por inexistir quórum e a segunda tentativa de reunião, passado tão curto lapso de tempo, tenha a virtualidade fazer com que a comparência de associados seja mais significativa...

Assim entendemos que a norma dos Estatutos viola o citado normativo.

F) – Defende o apelante que o art. 32º dos Estatutos da Ré viola o art. 62º, nº2, do DL citado, pelo facto de não aludir ao quórum deliberativo, em caso de alteração de estatutos, que não pode ser inferior a 2/3 dos votos expressos (maioria qualificada).

- o art. 32º – “A Assembleia-geral será convocada sob a designação de Congresso para o exercício das competências referidas nas alíneas a), b), c) e primeira parte da alínea h) do artigo vigésimo sétimo, assim como para os efeitos previstos no artigo vigésimo primeiro”. [Os normativos para que se remete] dizem:

- o art. 27º - “Cumpre à Assembleia Geral deliberar sobre todas as matérias não compreendidas nas atribuições dos outros órgãos sociais e, em especial: – a) Definir as orientações programáticas para a actividade da B..........; b) eleger e destituir, por votação secreta, os membros da Mesa da Assembleia-geral, o Conselho Fiscal e a maioria dos membros do Conselho Directivo Nacional, bem como o seu presidente; c) Avaliar a actividade desenvolvida pelo Conselho Directivo Nacional ou por qualquer dos outros órgãos da B.........; h) proceder à alteração dos estatutos e vigiar pelo respectivo cumprimento”.

- o art. 21º -“1. Os membros dos órgãos sociais podem a todo o tempo ser destituídos por deliberação de, pelo menos, dois terços dos delegados à Assembleia Geral, convocada sob a forma de Congresso. 2. Para os efeitos consignados no numero anterior o Congresso reúne a solicitação de três quartos das associados da B......... no pleno gozo dos seus direitos, desde que aí se incluam metade das associadas previstas no numero um do artigo sexto; 3. Para os efeitos previstos no numero um, o Congresso só poderá funcionar com a presença da maioria das associadas requerentes”.].

O art. 62º, nº2, (Deliberações da assembleia geral) do DL consigna:

“2 – É exigida maioria qualificada de, pelo menos, dois terços dos votos expressos na aprovação das matérias constantes das alíneas e), f) e g) do artigo 58°, podendo os estatutos exigir um número de votos superior”.

Aquelas alíneas do art. 58º definem como competência da assembleia-geral:

“e) Deliberar sobre a alteração dos estatutos e sobre a extinção, cisão ou fusão da associação;
f) Autorizar a associação a demandar os membros dos corpos gerentes por factos praticados no exercício das suas funções;
g) Aprovar a adesão a uniões, federações ou confederações”

- O art. 62º, nº2, rege sobre o modo de funcionamento da Assembleia Geral, quando as suas deliberações tenham por objecto matéria de relevante importância na vida associativa e da sua orientação, pelo que tratando-se de normas obrigatórias – art. 167º, nº1, do Código Civil – têm de constar dos estatutos da associação.

A omissão de alusão à maioria qualificada de 2/3, como quórum deliberativo em tais matérias, viola o citado normativo do Código Civil e o DL. 118/83, de 25.2.

Com o devido respeito, não é de invocar a aplicação subsidiária da lei quando, ela mesmo, impõe a menção do que sobre certa matéria estatui mais a mais se tal acontece em previsão normativa não disponível, como é a do funcionamento da associação, sobretudo, em casos em que se exige a maioria qualificada.

G) – Sustenta o apelante que o art. 35º, nº2, dos Estatutos da Ré viola os arts. 60º, nºs 1 e 3, e 61º, nº2, do DL., por omitirem o prazo para convocação e realização da assembleia geral extraordinária, e ao não imporem a presença de ¾ dos associados requerentes.

- o art. 35º, nº2 – “No caso de a reunião do congresso ser convocada nos termos da alínea b) do artigo vigésimo nono, a ordem de trabalhas deverá incluir, pelo menos, os pontos propostos pelos associados requerentes”.

O art. 29º al. b) consigna – “A Assembleia Geral reúne em sessão extraordinária: b) por requerimento de um terço das associadas no pleno gozo dos seus direitos, aí incluídos metade das associadas de nível intermédio, sem prejuízo de casos especiais previstos na lei ou nestes estatutos”.

O art. 60º, nºs 1 e 3, do DL consigna:

“l. A assembleia-geral deve ser convocada com, pelo menos, 15 dias de antecedência, pelo presidente da mesa ou seu substituto, nos termos do artigo anterior e nas circunstâncias fixadas nos estatutos.

3. A convocatória da assembleia geral extraordinária, nos termos do artigo anterior, deve ser feita no prazo de 15 dias após o pedido ou requerimento, devendo a reunião realizar-se no prazo máximo de 30 dias, a contar da data da recepção do pedido ou requerimento.

Pelas razões supra expostas entendemos que o art. 35º, nº2, dos Estatutos deve conter as menções constantes do art. 60º, nºs 1 e 3, do DL. 119/83, de 25.2 por se tratar de matéria que versa sobre o funcionamento da Ré e, por tal, não ser permitido que os seus estatutos disponham diversamente ou sejam omissos em relação a tais pontos.

H) – Argumenta o recorrente que o art. 47º dos Estatutos da Ré viola o art. 27º do DL.

O art. 47º – “No caso de extinção da B.........., compete à Assembleia-geral tomar as medidas necessárias à salvaguarda dos objectivos prosseguidos”.

- art. 27º do DL 119/83, de 25.2:

“l - Os bens das instituições extintas revertem para instituições ou para serviços oficiais com finalidade quanto possível idênticas, nos termos das disposições estatutárias ou, na sua falta, mediante deliberação dos corpos sociais competentes.
2 - Não havendo disposição estatutária aplicável nem deliberação dos corpos gerentes, os bens serão atribuídos a outras instituições particulares de solidariedade social com sede ou estabelecimento no concelho de localização dos bens, preferindo as que prossigam acções do tipo das exercidas pelas instituições extintas; ou, na sua falta, aos serviços oficiais que prossigam essas acções.
3 - Aos bens deixados ou doados com qualquer encargo ou afectados a determinados fins será dado destino de acordo com os números anteriores, respeitando quanto possível a intenção do encargo ou da afectação”.

Se atentarmos nos termos absolutamente vagos do art. 47º dos Estatutos da Ré, logo nos apercebemos que, segundo eles, há uma incontrolada margem de arbítrio quanto ao destino a dar aos bens pertencentes à confederação.

Ora, em casos que tais, vemos que a lei que rege as associações de solidariedade social é rigorosa e regula, com pormenor, o procedimento em caso de extinção do ente associativo.

No fundo, e em bom rigor, quando se afirma, no art. 47º, que a Ré, em caso de extinção, vela pela salvaguarda dos fins prosseguidos é o mesmo que dizer que fará como lhe aprouver, o que está longe de se compaginar com a norma imperativa do art. 27º do DL, que estabelece critérios objectivos, que têm de ser observados no que concerne ao destino do património das instituições extintas.

E não se diga, como repetidamente a Ré afirma, que a norma que prevê a aplicação da lei, em caso omisso, resolve a questão.
Retomamos aqui o que antes dissemos a tal propósito.

A referida norma estatutária viola o art. 27º do DL. citado.

I) – Sustenta o apelante que o art. 48º dos Estatutos viola o art. 10º, nº1, do DL.

O art. 48º (Integração de lacunas) – “Os casos omissos serão resolvidos por deliberação da Assembleia-geral”.

O art. 10º do DL. (Elaboração dos Estatutos):

1- As instituições regem-se por estatutos livremente elaborados, com respeito pelas disposições deste Estatuto e demais legislação aplicável.
2 - Dos estatutos das instituições deve constar obrigatoriamente:
a) A denominação, que não pode confundir-se com denominação de instituições já existentes;
b) A sede e âmbito de acção;
c) Os fins e actividades da instituição;
d) A denominação, a composição e a competência dos corpos gerentes;
e) A forma de designar os respectivos membros;
f) O regime financeiro.
3 - As instituições que prossigam fins de diversa natureza deverão mencionar nos estatutos aqueles que consideram como fins principais”.

Com o devido respeito discordamos do apelante.

O DL. 119/83, de 25.2 nada dispõe acerca do modo como serão supridas lacunas dos Estatutos das IPSS, sendo certo que o quadro normativo geral e abstracto das associações de fim não lucrativo, consta do Código Civil, e é aplicável na medida em que não contrarie a lei especial.

Como inicialmente referimos, o direito de livre associação e de auto-regulação apenas conhece como limite o regime imperativo do Código Civil e, no caso dos autos de onde promana o recurso, o regime legal do DL. 119/83, de 29.2.

Assim sendo, e desde que os estatutos de qualquer entidade a que se aplica o citado DL não contenham normas que o violem, resta livre campo para a auto-regulação que o preceito em causa dos estatutos coloca na competência da assembleia geral, o órgão por natureza representativo da vontade dos associados.

Assim sendo, desde que as deliberações em casos omissos, não violem o regime cogente do Código Civil e do DL referido, nada obsta a que o órgão deliberativo adopte o quadro regulamentar que repute adequado, sendo certo que as deliberações anti-estatutárias serão passíveis de impugnação.

O mencionado artigo dos Estatutos deverá ser interpretado na perspectiva de que “os casos omissos” da competência da Assembleia-geral, serão apenas aqueles que não “obtiverem solução”, por aplicação das normas cogentes dos diplomas a que aludimos.

Ao findar, importa dizer que as normas que se considerou violarem a Lei são nulas, nos termos do art. 294º do Código Civil, todavia, tal nulidade apenas afecta as cláusulas dos Estatutos declaradas “contra-legem”, não determinando a invalidade total do estatutos em causa – art. 292º do Código Civil.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso, declarando-se nulos os artigos dos estatutos da Ré, referidos nos itens) A), C), D), E), F), G) e H) e revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou que os artigos referidos naqueles itens, não violam a Lei.

As partes estão isentas de custas – art. 2º, nº1, als. a) e c) do DL. 324/2003, de 27.12.

Porto, 13 de Dezembro de 2004
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale