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DIREITO DE PREFERÊNCIA
VENDA A PROPRIETÁRIO CONFINANTE
Sumário
1. É pressuposto do direito de preferência previsto no artº 1380º do Código Civil que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante, pelo que se a venda foi feita a um proprietário de terreno confinante já nenhum outro proprietário confinante terá direito de preferência nessa venda. 2. O nº 2 do artº 1380º do Código Civil apenas será de aplicar, no caso de se verificarem todos os pressupostos necessários à constituição do direito de preferência e previstos no nº 1 do mesmo preceito legal.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório:
A Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de AA representada pelas seguintes herdeiras, BB e CC veio instaurar ação declarativa de condenação, em processo comum, contra 1.ªs Rés (Vendedoras):Heranças Ilíquidas e Indivisas Abertas por Óbito de DD e por Óbito de EE, representadas por todos os herdeiros, FF, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com GG, HH e marido II, casados sob o regime da comunhão geral de bens, JJ, KK, LL, JJ, MM, e 2.ºs Réus (Comprador e esposa) NN e OO, pedindo que:
a)que se reconheça às autoras o direito de preferência na compra sobre o prédio rústico identificado no artigo 49.º da presente peça, decretando-se a substituição do 2.º réu pelas mesmas, na escritura de compra e venda de 24 de Agosto de 2020, ora junta sob doc. ...0;
b)que, em consequência da substituição supra impetrada, sejam os réus condenados a entregarem o referido prédio às autoras, livre e desocupado;
d)que seja ordenado o cancelamento do registo que o 2.º réu NN, comprador, efectuou a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio.
Alegaram serem donas e legítimas proprietárias, entre outros prédios, do prédio rústico composto por terreno de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho ..., com a área total de 2333 m2, a confrontar do norte com caminho/estrada municipal e os ora 2.ºs réus, do nascente com caminho público, do sul com caminho público e os ora 2.ºs réus, do poente com os ora segundos réus, inscrito na matriz predial rústica daquela Freguesia em nome dos ora autores herdeiros, sob o artigo matricial rústico n.º ...92, encontrando-se descrito a favor dos autores na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...19, prédio que veio à posse e propriedade das autoras na sequência de dissolução da comunhão conjugal por morte de AA e sequente sucessão hereditária deste, casado que foi com a ora autora BB, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens, tendo falecido a .../.../2006 sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, deixando a referida BB e os filhos de ambos, a ora autora, PP, e o irmão desta, QQ, residente no Lugar ..., da supradita freguesia ..., com o NIF ... (e casado no regime da comunhão de adquiridos com RR), como seus únicos e universais herdeiros, arguindo ainda a aquisição por usucapião.
O herdeiro QQ foi interpelado pelas aqui autoras para participar, com elas, na qualidade de co-autor, na presente lide, sendo que até ao momento nada disse.
Alegaram ainda que ao prédio das autoras se acede a partir da sua estrema nascente, desde uma cancela de rede metálica contígua à estrada municipal e desde esta cancela, avançando-se pelo sentido norte/poente, a estrema do prédio é serpenteada por um muro de vedação em pedra, que o separa da estrada municipal contígua. Alcançado o vértice norte, e agora caminhando para o lado poente, até se chegar ao tanque sobredito, vislumbramos que o topo norte/poente é, em toda a sua extensão, delimitado por um muro rectilíneo de suporte de terras do campo vizinho (que compõe o prédio delimitado a verde na planta), de pedra sobre pedra, que se perfila a cota altimétrica mais elevada, que se soergue em mais de 1 metro. Prosseguindo, dobrando-se a esquina do tanque na estrema poente, avançando-se para sul, por essa parte é o prédio das autoras delimitado por esteios de vinha em ramada, seguido de rede de vedação metálica e de muro de pedra sobre pedra, que o separa doutro terreno que integra prédio confinante a poente, com forma rectangular, perfilado sensivelmente à mesma cota da mesma maneira delimitado na sua confrontante estrema norte/nascente. Já no topo sul/poente, dele em diante, bordejando a estrema sul/nascente até à cancela de acesso ao prédio dos autores, soergue-se uma rede de vedação metálica sustentada por grossos esteios em pedra.
Sensivelmente ao nível da implantação dos esteios que suportam a vedação ora acabada de referir, existe um muro de pedra sobre pedra, que suporta as terras do prédio das autoras, e que o separa do caminho público que o margina a sul/nascente.
O solo/leito deste caminho público para trânsito pedonal e carral, com uma largura média de 2,5 metros, é em terra dura e encontra-se a uma cota altimétrica bastante inferior do topo do muro, a mais 2 metros, seguramente. Por este caminho em terra acabado de referir se acede, a pé e de tractor, ao prédio, com forma rectangular, a partir do seu vértice
sul/nascente, ingressando-se numa passagem térrea em aclive, ladeada por taludes, assim se entrando, através de uma cancela, no campo de cultivo que compõe tal prédio, onde actualmente se encontram implantadas fileiras de vinha, o qual pertence ao réu NN, encontrando-se tal prédio inscrito na matriz predial rústica da Freguesia ..., sob o artigo ...46, prédio, que se encontra já na Freguesia ..., se logra aceder também, a pé, pelo seu topo norte/poente, a partir de um caminho público em terra, adjacente à estrada municipal, com início a cerca de dez metros a norte do topo norte/nascente do prédio.
Por seu turno, neste topo norte/nascente do prédio delimitado a verde, encontrava-se uma cancela em madeira, a partir da qual se acedia ao terreno de cultivo que compõe este prédio, a qual, juntamente com a latada, foi removida em dezembro de 2020 pelo réu NN, que colocou a cerca de 7 metros mais abaixo, para sul, uma nova cancela metálica com cerca de 2,5 metros de largura, suportada por dois largos e pesados esteios em pedra, sendo esta a nova entrada deste prédio, correspondente ao artigo matricial rústico ...92 da freguesia ....
Nesta estrema norte/nascente que faceia a estrada municipal, o réu NN reimplantou ainda os esteios da latada, os quais suportam agora uma nova vedação de rede de arame, no mais tendo refeito, parcialmente, o murete de pedra que margina a valeta de escoamento de águas pluviais que separa a estrema do prédio da estrada.
Quanto ao prédio rectangular, cumpre referir que o campo que o compõe se encontra vedado pelo seu lado poente por muro rectilíneo em pedra, encimado por rede de fibra sintética do tipo “malha sombra”, com pouco mais de um metro de altura, sendo que o seu topo norte/poente, na confrontação com o caminho público, surge vedado com vigas de cimento que suportam rede de arame, vislumbrando-se, também, no solo, marcos de pedra delimitadores da estrema, nesta confrontação com a margem sul do caminho pedonal público. Pelo seu lado nascente, este prédio encontra-se outrossim delimitado por muro em pedra e por uma longa fileira de esteios de pedra com arame, desde a estrema sul/nascente para norte/nascente, talqualmente vislumbrado na planta topográfica ora junta, sob a linha rectilínea negra de demarcação perimetral, mas que não completa a demarcação do prédio até ao vértice norte/nascente, sendo esta parte sobrante vedada pela referida fileira de esteios de pedra.
Ao longo da parte da estrema nascente em que este prédio artigo 746 confronta com a estrema poente do prédio dos autores, cada uma destas estremas conta também com vedação em rede de arame, suportada por ferros implantados no solo. Ambas as estremas poentes dos prédios, dos autores, correspondente ao artigo 492 e prédio artigo 493, confinam, no local desta lide, com a estrema nascente do prédio artigo 746, que tem entrada pelo seu vértice sul/nascente, encontrando-se a mesma perfeitamente balizada no terreno,
O prédio artigo 746, pertencente ao réu NN, possui a área total exacta de 1591 m2. O prédio artigo 493, tem todo o seu perímetro delimitado por esteios de pedra que suportam rede de vedação em arame, sendo este um campo de cultivo, com entrada para pessoas e veículos motorizados – entenda-se, tractor e veículos ligeiros – a partir da já acima cancela que faceia a estrada municipal, recentemente colocada pelo réu NN.
A estrema do topo norte/poente deste prédio artigo 493 que faceia o caminho público em terra, é composta por um murete de pedras e esteios que suportam rede de arame que formam a vedação que separa por este lado tal prédio do dito caminho em terra com o qual é contíguo e toda a estrema nascente marginada pela estrada municipal, desta se encontra separada por uma extensa valeta.
O topo sul/nascente, como já acima referido, confina com o topo norte/poente do prédio das autoras, sito a cota mais baixa e separado daquele pelo já supra aludido muro de suporte de terras.
Este prédio, à semelhança dos outros dois prédios contendedores sub judice, correspondendo aos prédios artigos 746 e 492, respectivamente, encontra-se totalmente vedado, possui a área total exacta de 2199 m2 e o dos autores, a área exacta de 2333 m2.
Cada um dos três prédios, sempre teve e continua a ter a sua própria entrada para acesso a pé e de tractor, pelo que nenhum deles se encontra encravado:
a)ao prédio artigo 492, das autoras, se acede a partir da estrada municipal, pela cancela metálica do seu vértice nascente;
b)ao prédio artigo 746, do réu NN, se acede também através de cancela pelo seu vértice sul/nascente, a partir de caminho público em terra provindo da estrada municipal;
c)ao prédio artigo 493, hoje do réu NN, se acede hoje a partir de cancela metálica à boca da mesma estrada municipal, a partir da sua estrema norte/nascente.
Os três prédios que se têm vindo a aludir, são confinantes entre si.
No decurso do mês de Maio de 2020, o herdeiro 1.º réu FF rogou o prédio artigo 493 (delimitado a cor verde na planta topográfica) às aqui autoras, propondo-lhes, em nome de todos os herdeiros ora primeiros réus, a venda do mesmo pelo preço de 5.000,00€ (cinco mil euros), proposta de venda esta que foi comunicada ao genro da autora BB, SS, que serviu de intermediário.
As autoras BB e PP aceitaram comprar este prédio artigo 493 pelo referido preço.
Sucede que, no dia 24 de Agosto de 2020, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial ..., da Dr.ª TT, formalizada a fls. 74 e segs do livro ...41..., os primeiros réus herdeiros, atraiçoando as ora autoras, venderam ao segundo réu NN, que assim lhes comprou, pelo preço de 7.490,00€ (sete mil, quatrocentos e noventa euros) pago nesse acto, o prédio rústico composto por terreno de cultura arvense e vinha em ramada, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho ..., correspondente ao prédio rústico artigo matricial n.º ...93 que se tem vindo a aludir pelo excurso da presente peça, descrito na Conservatória de Registo Predial ..., sob o n.º ..., venda de que as autoras só souberam a meados do mês de outubro de 2020, quando o predito SS avistou o réu NN a surribar terras.
Inconformadas com o sucedido, e porque pretendem dar finalidade agrícola ao prédio vendido, aglutinando a sua área à do prédio artigo 492 de que são donas, assim aumento as potencialidades de agrárias da área total de 4532 m2 (2333m2 + 2199m2), resultante da soma de ambas parcelas em apreço, bem maior do que aquela – na cifra de 3790 m2 – que resulta da soma da área do prédio artigo 746 (1591 m2) com a do prédio artigo 493 (2199 m2) e arrogando-se do diferencial de área acrescida de 742 m2 de que disporão para cultura, através da junção das áreas prediais nos susoditos termos, vêm as autoras instaurar a presente acção de preferência, para postergar o segundo réu na venda que lhe foi feita pelos primeiros, a ele se substituindo como compradoras, com os fundamentos legais infra destacados.
Pedem ainda a intervenção provocada do herdeiro CC.
Juntam o comprovativo de depósito autónomo, já efectuado, do preço de 7.490,00€, nos cofres do IGFEJ, em cumprimento do disposto no nº 1 do artº 1410º, do Código Civil.
Citados todos réus vieram os réus adquirentes alegar serem titulares de prédio confinante ao prédio ..., objecto da preferência.
Replicaram as autoras.
Em sede de audiência prévia, veio o Tribunal a quo a conhecer da invocada exceção, julgando a mesma improcedente.
Inconformados com a decisão, vieram os réus adquirentes, da mesma recorrer, formulando as seguintes conclusões:
1.O presente recurso vem interposto do Douto Despacho Saneador que julgou improcedente a exceção perentória invocada pelos Réus adquirentes NN e OO, de serem titulares de prédio confinante ao prédio ... (objeto da preferência) e por este facto ser afastado o direito de preferência dos Autores, pelo disposto no Art.º 1380º nº 1 do Código Civil. 2. Os Autores BB e outros… intentaram a presente ação declarativa peticionando a preferência em negócio jurídico e a condenação dos Réus Adquirentes NN e OO a entregarem o prédio descrito nos autos, livre e desocupado, cancelando-se a sua compra, por estes, do prédio rústico composto de cultura arvense e vinha em ramada, sito no Lugar ..., inscrito sob o artigo ...93º da freguesia ..., Concelho ... e descrito sob o nº ...04, alegando serem proprietários do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...92º da freguesia ..., Concelho ..., prédio confinante ao prédio vendido, inscrito sob o artigo ...93º, não lhe tendo sido dado direito de preferência. Sendo os Réus adquirentes proprietários de outro prédio confinante, inscrito sob o artigo ...46º da freguesia ..., Concelho ..., e não se tratando de prédio encravado, em concurso de proprietários confinantes, prevaleceria o direito de preferência dos Autores, por obterem a área que mais se aproxima da unidade de cultura fixada para a respetiva zona (pelo disposto no Art.º 1380º nº2 b) do Código Civil) 3. Na Contestação, os Réus NN e OO arguiram a improcedência da ação por falta de verificação dos pressupostos legais para o pedido, assentes no Art.º 1380º nº 1 do Código Civil, o qual dispõe que “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante” (sublinhado nosso). Assim, o pressuposto-base para o exercício de direito de preferência na venda é que a mesma seja feita a um terceiro, que não seja proprietário confinante, o que não se verifica de todo no caso em análise, uma vez que os Réus, à data da venda, eram proprietários de um prédio confinante ao prédio objeto de preferência, o prédio rustico com o art.º 746º da mesma freguesia. 4.Os Autores replicaram, defendendo a tese de que o nº 1 e o nº 2 do Artigo 1380º do CC não se excluem mutuamente, complementam-se e assim o direito de preferência dos Autores não pode ser afastado pelo facto da venda se ter feito a titular de prédio confinante. 5. Por despacho saneador proferido a 30 de Outubro de 2022, o Tribunal Recorrido entendeu, no que diz respeito à excepção peremptória invocada pelos Réus adquirentes – serem titulares de prédio confinante ao prédio ... (objecto da preferência): Uma vez que a excepção já se mostra debatida, impõe-se a sua apreciação prévia, porquanto, a proceder, seria circunstancia impeditiva do direito alegado pelos autores. Assim, o nosso entendimento tem sido no sentido que o direito de preferência contido no artigo 1380º, do Código Civil (CC), também deve ser concedido quando a venda é efectuada a quem seja proprietário confinante do prédio vendido. Com efeito, estando perante vários proprietários com direito de preferência, e não se tratando de um caso de alienação de prédio encravado, o direito de preferência cabe ao proprietário que, por esta, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona, nos termos do estipulado pelo artigo 1380, nº 2, a) e b), do CC. Se assim não fosse, carecia de sentido a previsão legal quanto a concurso de titulares de direito de preferência, ou seria de aplicação residual, quando muito, na hipótese da venda ser efectuada a não confinante e existir mais do que um preferente. Ora, tendo em conta a ratio deste regime - contribuir para a concentração da propriedade e a extinção das servidões de passagem, cremos não ter correspondência com a sua intenção a posição defendida pelos réus, no sentido da circunstancia de serem confinantes configurar impedimento ao exercício do direito da preferência pelos autores. Em suma, seguimos de perto a posição explanada no Ac. do TRC de 12/09/2006, p.º 654/05.1TBNLS.C1, por entendermos que é a que melhor traduz a unidade do sistema jurídico e para cujo teor remetemos.., concluindo pela improcedência da exceção perentória invocada pelos Réus. 6. A jurisprudência, é praticamente unanime no sentido contrário ao invocado pela decisão do Tribunal Recorrido, senão vejamos alguns trechos jurisprudenciais:
- Acórdão da Relação do Porto 90/1999.P1 de 02-07-2009:
I – A venda dum imóvel, realizada a adquirente proprietário de prédio confinante, de área inferior à unidade de cultura, e a que assista o direito de preferência a que alude o nº1 do art. 1380º do CC, afasta, desde logo, a possibilidade legal do exercício do direito de preferência na aquisição por outro proprietário de terreno igualmente confinante.
II – O preceituado nos nº/s 2 e 3 do art. 1380º do CC apenas é aplicável quando a venda do prédio em causa é realizada em favor de pessoa que não possa ser considerada, para os efeitos deste art., proprietário confinante, titular de direito de preferência, caso em que há que tomar em consideração o proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona, “havendo lugar”, em igualdade de circunstâncias, à abertura de licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.
III – O DL nº 384/88, de 25.10 – mormente o seu art. 18º – não revogou, expressa ou tacitamente, o art. 1380º do CC, impondo-se proceder à compatibilização entre estas duas normas, entendendo-se que se pretendeu conceder o direito de preferência recíproco aos proprietários de terrenos confinantes, sempre que um deles tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro.
IV – Mesmo após a entrada em vigor da Lei do Emparcelamento Rural, através do DL nº 384/88, de 25.10, não deixou de constituir requisito legal indispensável para o exercício do direito de preferência por proprietário de prédio confinante a circunstância de não ser o adquirente do terreno alienado proprietário confinante.
Acórdão da Relação de Guimarães, com nº 23/19.6T8PRG.G1 de 3 de outubro de 2019
I - É pressuposto do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante, pelo que se a venda foi feita a um proprietário de terreno confinante já nenhum outro proprietário confinante terá direito de preferência nessa venda. (sublinhado nosso)
II - O n.º 2 do artigo 1380º do Código Civil está logicamente subordinado ao n.º 1 e só no caso de se verificarem em concreto todos os pressupostos necessários à constituição do direito de preferência (à luz do n.º 1 do artigo 1380º do Código Civil) é que se deve fazer apelo ao n.º 2, se forem vários os proprietários com direito de preferência. (sublinhado nosso)-
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 07A958 de 15 de Julho de 2007:
I - Na acção para exercício do direito de preferência previsto no art.º 1380.º do CC, o autor carece de alegar e provar, não apenas a relação de confinância entre os prédios, e que um deles - o confinante ou o vendido – tem uma área inferior à unidade de cultura, mas também que à data da compra o réu adquirente não era dono de nenhum prédio confinante com aquele que adquiriu.
II - Este último facto constitui um pressuposto ou facto constitutivo do direito de preferência, o qual só existe, só se constitui, se a venda for efectuada a quem não seja proprietário confinante; tal o que resulta do elemento literal da norma e da sua história, designadamente da alteração introduzida pelo art. 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, de 25-10. 7. Também a doutrina preconiza o mesmo entendimento, onde se destaca:
Prof. Antunes Varela “A razão de ser deste regime legal tem como objectivo propiciar o emparcelamento de terrenos, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente” Código Civil Anotado, Vol III
Prof. HENRIQUE MESQUITA (Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 225): Este artigo - 1380º - confere um direito de preferência com eficácia erga omnes, que, segundo, “não pode qualificar-se como um puro e simples direito potestativo, mas, antes, de uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da prelação”. 8. O requisito da venda se concretizar a alguém que não seja proprietário de terreno confinante para operar o direito de preferência é indispensável. Uma vez que o prédio rustico foi vendido a proprietário de terreno confinante, consegue-se, por essa via, o emparcelamento de terrenos, razão pela qual esta situação concreta não necessita de ser protegida por lei, uma vez que respeita a ratio do artigo 1380º do CC. Apenas na hipótese de ser vendido a terceiro não proprietário de terreno confinante nasce o direito de preferência como via de evitar o fracionamento. 9. A previsão legal quanto ao concurso de titulares de direito de preferência previsto no nº 2 do Art,º 1380º do CC apenas se aplica na hipótese da venda ser efetuada a não confinante e existir mais do que um preferente, o que, ao contrário do entendimento refletido na decisão do Tribunal Recorrido, não é de aplicação residual! Diremos que, já que o que está em causa são prédios rústicos, existirem mais do que um terreno confinante é muito comum, mais comum ainda é existirem compradores interessados que não sejam confinantes, uma vez que estamos a falar de um universo de potencias compradores. 10. O objetivo do requisito do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil de que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante, propicia, por si só, o emparcelamento de terrenos, já que, vendendo-se a um dos confinantes, seja ele qual for, irá aumentar-se a área de cultura. 11.Pelo exposto, entendem os Réus NN e OO que é pressuposto essencial do direito de preferência previsto no artigo 1380.º nº 1 do Código Civil que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante e, in casu, tendo sido a venda feita a um proprietário de terreno confinante, os aqui Recorrentes, já nenhum outro proprietário confinante terá direito de preferência nessa mesma venda, devendo improceder a presente Ação.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Douto Despacho Saneador, na parte em que julgou improcedente a exceção perentória invocada pelos Réus, com todas as consequências, conforme é de JUSTIÇA!
Em sede de contra-alegações vem as recorridas pronunciar-se no sentido de ser mantida a decisão em crise, decisão que acompanham.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- II.Objeto do recurso:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pelos recorrentes importa aos autos aferir se, como pretendem os mesmos se decai o direito de preferência nos casos em que a venda tenha sido realizada a proprietário confinante.
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III. Fundamentação de facto:
Com relevância para o presente recurso há a considerar a factualidade resultante do relatório supra.
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IV. Do direito:
Aqui chegados importa aos autos, face às conclusões apresentadas pelas partes aferir se, o direito de preferência regulado no artº 1380º do Código Civil, pode ser exercido, como resulta da decisão em crise, contra qualquer adquirente, ou apenas, como pretendem os recorrentes, contra quem não seja proprietário confinante.
Vejamos.
Conforme refere o Dr Oliveira Ascenção in Direitos Reais, pág 539, 1978, Almedina, Coimbra, “o direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito de gozo sobre uma coisa”.
A preferência pode ser convencional, regulada nos artºs 414º a 423º do Código Civil, sob a epígrafe “Pactos de Preferência”, que consistem nas convenções pelas quais alguém assume a obrigação de dar preferência a outro na venda de determinada coisa, ou legal, resultando as mesmas, automaticamente, da verificação de dadas situações, situações essas que tem regulação especifica e que tem natureza excecional porque limitadoras da liberdade de contratar, como refere o Dr. Agostinho Cardoso Guedes, in Exercício do Direito de Preferência, pág 106, Teses, Porto, 2006, Publicações Universidade Católica, na vertente relativa à escolha da outra parte.
Uma das situações de direito de preferência legal encontra-se regulada no artº 1380º do Código Civil, sob a epígrafe “Direito de Preferência” e no qual se estabelece que:
1.Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante. 2.Sendo vários os proprietários do direito de preferência, cabe este direito: a)no caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem; b)nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona. 3.Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-ão licitações entre eles, revertendo o excesso para o alienante. 4.É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações”.
Resulta assim da leitura do preceito atrás citado que, nos termos do nº 1 do artº 1380º do Código Civil os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
Por outro lado e nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, resulta que, sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito: a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem; b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
E estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante (n.º 3 do mesmo preceito).
No caso concreto não se questiona ser a autora proprietária de terreno confinante e nem que o prédio foi vendido a quem é proprietário confinante (os terceiros Réus).
Efetivamente, é a própria autora que, em sede de petição inicial, alega que o prédio com o artº ...92 de que é dona a proprietária, o prédio com o artigo ...46 de que o réu NN é dono e proprietário e o prédio com artigo ...93, objeto da preferência e vendido ao Réu NN, são confinantes entre si.
O que a autora defende é que a venda de prédio rustico a proprietário de terreno confinante não afasta, por si só, a possibilidade de qualquer outro dos proprietários confinantes poder exercer o direito de preferência consagrado no artigo 1380º do Código Civil e foi esta a posição assumida pela decisão em crise e contra a qual se insurgem os 2ºs réus, ora recorrentes.
Certo é que há jurisprudência no sentido da posição defendida pela autora e invocada em sede de decisão em crise, a saber, o Acórdão da Relação de Coimbra de 12 de setembro de 2006, proc 654/05.1TBNLS.C1, relatado pelo Sr Desembargador Hélder Roque, e disponível em www.dgsi.pt, e em cujo sumário se refere “1. A venda de prédio rústico a proprietário com aquele confinante não afasta, por si só, em caso de concurso de preferentes proprietários de prédios confinantes, a possibilidade de qualquer um destes poder exercer o direito de preferência, consagrado pelo artigo 1380º do CC. 2. A letra da lei não afasta o que o espírito do legislador reclama, a bem do princípio da unidade do sistema jurídico, ou seja, que sendo vários os prédios confinantes, a cada um dos respectivos proprietários assiste um direito de preferência, autónomo e distinto, limitando-se a lei a estabelecer, nos nºs 2 e 3 do artigo 1380º do CC, um critério de prioridade entre os vários preferentes”.
Porém, e com todo o respeito por tal posição e pelos argumentos esgrimidos na decisão do Tribunal a quo e naquele D. Aresto, adoptamos a posição contrária, a saber que, se a venda tiver sido feita a um dos proprietários confinantes, ficam os demais confinantes impedidos de exercer o direito de preferência.
E neste sentido se pronunciaram, conforme elenca o Dr. Agostinho Cardoso Guedes, a pág. 114 (nota 6), da obra citada, os Drs Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol III, págs 270/271, Dr Henrique Mesquita, Direito de Preferência (Parecer) in CJ, Ano XI (1986), Tomo V, pág 51, Dr Galvão Telles, Anotação ao Acordão do STJ de 18 de março de 1986, in O Direito, Anos 106-119 (1974/1987), pág 352.
Também a jurisprudência se tem vindo a pronunciar neste sentido, senão vejamos, entre outros,
a)o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2007, relatado pelo Sr Conselheiro Nuno Cameira, in www.dgsi.pt, e em cujo sumário consta que “I - Na acção para exercício do direito de preferência previsto no art.º 1380.º do CC, o autor carece de alegar e provar, não apenas a relação de confinância entre os prédios, e que um deles - o confinante ou o vendido - tem uma área inferior à unidade de cultura, mas também que à data da compra o réu adquirente não era dono de nenhum prédio confinante com aquele que adquiriu. II - Este último facto constitui um pressuposto ou facto constitutivo do direito de preferência, o qual só existe, só se constitui, se a venda for efectuada a quem não seja proprietário confinante; tal o que resulta do elemento literal da norma e da sua história, designadamente da alteração introduzida pelo art. 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/..., de 25-10”);
b)o Acórdão da Relação de Coimbra de 20 de janeiro de 2009, relatado pela Sra Desembargadora Regina Rosa, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê que “II – Porém, é pressuposto do reconhecimento do referido direito de preferência que a venda do prédio seja feita a terceiro não confinante. III – Verificando-se que a venda de terreno de área inferior à unidade de cultura foi feita a proprietário de terreno confinante, já nenhum outro proprietário confinante, em qualquer circunstância, terá então direito de preferência nessa venda”);
c)o Acórdão da Relação de Guimarães de 14 de dezembro de 2010, relatado pela Sra Desembargadora Ana Cristina Duarte, in www.dgsi.pt e em cujo sumário consta que “2. Se houver vários proprietários confinantes com o prédio vendido e a venda tiver sido feita a um deles, os demais proprietários confinantes não podem preferir”).
d)o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2016, relatado pelo Sr. Conselheiro Gabriel Catarino, in www.dgsi.pt, em cujo sumário consta que “(…) V - Quando o proprietário de um terreno pretende exercer o direito de preempção sobre a venda de um terreno que lhe é confinante, deve a aceitação supor: (i) que a preferência é exercida tendo como objectivo axial e inarredável a criação de uma parcela de terreno que se compagina com critérios de rentabilidade da exploração agrícola (para a região); (ii) que os terrenos a preferir configurem uma relação de contiguidade suposta para a união e agregação das terras e com isso uma exploração mais proficiente e eficiente da sua qualidade; (iii) que qualquer proprietário de terreno confinante e que esteja nas preditas condições pode exercitar (reciprocamente) o direito de prelação, independentemente de o seu terreno se constituir como um minifúndio; (iv) que se verifique uma alienação – venda ou dação em cumprimento – de um terreno a um sujeito que não seja dono de terreno que esteja numa relação de confinância com o prédio alienado”;
e)o Acordão da Relação de Guimarães de 3 de outubro de 2019, relatado pela Srª Desembargadora Raquel Batista Tavares, in www.dgsi.pt e em cujo sumário se refere I. “É pressuposto do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante, pelo que se a venda foi feita a um proprietário de terreno confinante já nenhum outro proprietário confinante terá direito de preferência nessa venda. II - O n.º 2 do artigo 1380º do Código Civil está logicamente subordinado ao n.º 1 e só no caso de se verificarem em concreto todos os pressupostos necessários à constituição do direito de preferência (à luz do n.º 1 do artigo 1380º do Código Civil) é que se deve fazer apelo ao n.º 2, se forem vários os proprietários com direito de preferência”.
f)Acordão da Relação do Porto de 28 de fevereiro de 2023, relatado pelo Sr Desembargador Artur Dionísio Oliveira, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere “I. São pressupostos do direito legal de preferência previsto no artigo 1380.º, n.º 1 do CC: a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico; b)Que o preferente seja proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado; c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura; d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário (de um prédio rústico) confinante. II. Por serem factos constitutivos do direito de preferência, o ónus da prova destes requisitos recai sobre quem se arroga a titularidade desse direito e pretende o seu reconhecimento judicial, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC. (…)”.
Em conclusão, e desde já se referindo que com a mesma concordamos, toda a doutrina e jurisprudência atrás citada faz depender o exercício do direito de preferência regulado no artº 1380º do Código Civil da verificação dos requisitos referidos, sendo que um deles é que a venda em causa tenha sido feita a um sujeito que não seja proprietário confinante, o que este preceito, no seu nº 1, refere expressamente, a saber, estabelecendo “(…)a quem não seja proprietário confinante”.
Diga-se ainda que não nos bastamos, para defender esta posição, com a letra da lei.
Efetivamente, refere o nº 1 do artº 9º do Código Civil que “ A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Assim sendo importará aferir se a evolução legislativa do texto legal e o espírito do legislador apontam nesse sentido, seguindo-se aqui, quanto a estes aspetos o D. Acordão desta Relação de Guimarães, datado de 3 de outubro de 2019, relatado pela Srª Desembargadora Raquel Batista Tavares, in www.dgsi.pte já atrás enunciado.
Refere o mesmo que “A ideia de utilizar a preferência legal como meio de combate aos “ponderosos inconvenientes de ordem económico-social dos prédios rústicos de reduzida dimensão” provém, como refere Antunes Varela em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1993 (RLJ 127º ANO – 1994-1995, páginas 294, 326 e 365) da Lei n.º 2116, de 14 de agosto de 1962, em cuja Base VI se prescrevia que os proprietários de terrenos confinantes gozavam do direito de preferência nas transmissões por venda particular ou judicial, adjudicação em processo de execução, dação em pagamento ou aforamento, a proprietário não confinante, da propriedade ou do domínio útil ou de qualquer fracção alíquota destes direitos sobre prédios rústicos, encravados ou não, com área inferior à unidade de cultura. A preferência aproveitava então a todos os proprietários confinantes independentemente da área dos seus terrenos, desde que estivesse em causa a transmissão de prédio rustico com área inferior à unidade de cultura, e já ali se fazia menção expressa à transmissão a “proprietário não confinante”. Como refere Antunes Varela (Ob. Cit. página 367) o objectivo essencial da lei era o de aproveitar o interesse do dono do minifúndio em aliená-lo para pôr termo, na medida do possível, à sua existência “dando prioridade absoluta a quem quer que fosse proprietário confinante sobre quem o não fosse”. Com a entrada em vigor do Código Civil de 1966 a redacção do artigo 1380º veio afirmar explicitamente que o direito de preferência em causa é um direito reciproco e consagrar como requisito do direito de preferência a área inferior à unidade de cultura, não apenas no que respeita ao prédio transmitido, mas também aos prédios confinantes, não aproveitando por isso a preferência a todos os proprietários de prédios confinantes, mas apenas aos proprietários de prédios confinantes com área também inferior à unidade de cultura, limitando dessa forma o direito de preferência, mas continuando a manter a referência à transmissão “a proprietário não confinante”. Com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 384/... de 25 de Outubro, (que veio estabelecer o novo regime de emparcelamento rural) o regime legal da preferência relacionada com os prédios confinantes e os minifúndios veio a ser novamente modificado, agora no sentido do alargamento da preferência. Assim, o seu artigo 18º n.º 1 dispõe que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”. Como consta do preâmbulo do diploma visava-se com o mesmo “adaptar o regime jurídico das operações de emparcelamento ao quadro constitucional vigente e introduzir as alterações que a experiência na aplicação da actual legislação de emparcelamento aconselha, tendo em vista os seguintes objectivos: redefinir o conceito de emparcelamento, alargando-o a operações que transcendem ou completam as previstas no regime em vigor, de modo a atingir mais eficazmente a finalidade principal, que é o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas dentro de limites a estabelecer, e articulando-o com a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais, a salvaguarda da sua capacidade de renovação e a manutenção da estabilidade ecológica (…)”. Mas do Decreto-lei n.º 384/... não consta a revogação do artigo 1380º do Código Civil, e nem se pode considerar que tenha existido revogação tácita, pelo contrário o artigo 18º remete expressamente para aquele (v. Acórdão da Relação do Porto de 19/01/2015, relatado pelo Desembargador Caimoto Jácome, em cujo sumário também se considera que o exercício do direito de preferência previsto no nº 1 do artº 1380º depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) que o preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio alienado; b) que um dos prédios (o confinante ou o alienado) tenha área inferior à unidade de cultura; c) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante). Antunes Varela, na anotação ao referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (ob. cit. página 374) escreveu que a alteração introduzida pelo artigo 18º n.º 1 do Decreto-lei n.º 384/..., de 25 de Outubro tinha tido como objectivo e, portanto, deveria ser interpretada, no sentido de que “o legislador, ao reformular o regime de preferência legal traçado no artigo 1380º do Código Civil, continuava apenas interessado em eliminar os minifúndios, aproveitando a oportunidade de o seu dono livremente os querer alienar (…)” e que o “verdadeiro espirito do artigo 18º, n.º 1 do decreto-Lei n.º 384/... de 25 de outubro (…) é o de conceder o direito de preferência reciproco aos proprietários de terrenos confinantes sempre que um deles tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro”; e já não apenas quando ambos os prédios (confinante e a transmitir tivessem área inferior à unidade de cultura, conforme decorria inicialmente do artigo 1380º. Não se pode concluir que com a referida reformulação do regime do artigo 1380º, operada pelo Decreto-lei n.º 384/..., tenha sido intenção do legislador afastar o pressuposto referido no seu n.º 1 da transmissão ser “a proprietário não confinante”; de facto, a reformulação do regime, mantendo o objectivo de eliminar os minifúndios, incidiu apenas sobre o pressuposto necessário da área dos terrenos, alargando o objecto da preferência aos casos de venda de terreno com área superior à unidade de cultura, desde que haja terrenos confinantes com dimensão inferior a essa unidade. Entretanto a Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto (Regime Jurídico da Estruturação Fundiária) que revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 384/..., de 25 de outubro (cfr. artigo 64º) teve por objectivo criar melhores condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas e florestais de modo compatível com a sua gestão sustentável nos domínios económico, social e ambiental, através da intervenção na configuração, dimensão, qualificação e utilização produtiva das parcelas e prédios rústicos (cfr. artigo 1º) permitindo o emparcelamento ou a junção de terrenos rústicos, destinados à agricultura, de forma a possibilitar o aumento da rentabilidade e competitividade das explorações agrícolas. No seu artigo 3º consagra como instrumentos de estruturação fundiária, os seguintes: a) O emparcelamento rural; b) A valorização fundiária; c) O regime de fracionamento dos prédios rústicos; d) Os planos territoriais intermunicipais ou municipais; e) A bolsa nacional de terras para utilização agrícola, florestal ou silvo pastoril, designada por “bolsa de terras”; no seu artigo 48º n.º 1 veio prescrever que ao fracionamento e à troca de parcelas se aplicam, além das regras dos artigos 13....º a 1381.º do Código Civil, as disposições da mesma; e quanto ao emparcelamento rural prevê duas formas (artigo 6º), o emparcelamento simples e o emparcelamento integral, dispondo no artigo 21º que os proprietários de parcelas e prédios rústicos abrangidos pelo projeto de emparcelamento gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de transmissão a título oneroso de qualquer das parcelas ou prédios rústicos aí inscritos, inclusive nas transmissões decorrentes de venda forçada. A Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto ao estabelecer o regime da estruturação fundiária não revogou e nem alterou a redacção do artigo 1380º do Código Civil que mantem a referência à transmissão “a proprietário não confinante”.
Da análise da evolução do texto legal atrás exposta resulta ser pressuposto do exercício do direito de preferência regulado no artº 1380º do Código Civil, a circunstância do adquirente do imóvel não ser proprietário confinante, ou seja, apenas nos casos em que a alienação, seja por venda ou dação em cumprimento, do terreno se fez a quem não seja dono de terreno confinante com aquele, é que pode ser exercido aquele direito.
E se a letra da lei e a evolução legislativa apontam neste sentido o mesmo se diga quanto ao espirito do legislador e o seu objectivo ao consagrar esta preferência legal, sem esquecer que a preferência legal constitui sempre uma limitação ao poder normal de livre disposição do proprietário, assumindo carater excepcional e tendo por base razões de interesse público que justifiquem o sacrifício imposto ao alienante quanto à sua liberdade negocial.
E o direito de preferência previsto neste preceito tem subjacente “razões de interesse público que visam fomentar o emparcelamento dos terrenos com área inferior à unidade de cultura de forma a conseguir uma exploração tecnicamente mais rentável” (Acórdão da Relação de Guimarães de 02/05/2019, relatado pela Desembargadora Margarida Almeida Fernandes; v. ainda o de 26/11/2015, relatado pela Desembargadora Ana Cristina Duarte).
De facto, foi pretensão do legislador conseguir o emparcelamento de pequenas propriedades, tendo em vista reduzir o número dos denominados minifúndios, em ordem a obter explorações agrícolas técnica e economicamente viáveis e mais estáveis (cfr. neste sentido também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/09/2008, relatado pelo Conselheiro Silva Salazar, em cujo sumário se pode também ler que “II - Eram, assim, pressupostos do direito de preferência consagrado neste preceito: ser, ou ter sido vendido, um prédio rústico com área inferior à unidade de cultura; ser o preferente dono de prédio confinante com o prédio vendido; não ser o adquirente do prédio proprietário confinante”).
E tal objectivo é já satisfeito quando o prédio é vendido a um proprietário confinante, não se mostrando necessário nessa circunstância coartar a liberdade negocial do alienante e fazer intervir o mecanismo da preferência uma vez que a transmissão por si só já realiza o fim que com esta se pretende alcançar (v. o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2007; também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/1994 (BMJ 439, páginas 562-572, apud o Acórdão da Relação de Coimbra de 20/01/32009 já citado) se considerava ser de compreender a opção legislativa que considerou que “no caso de venda do prédio a proprietário vizinho, caso em que o emparcelamento se verificaria por directa via negocial, se não impunha já a intervenção correctiva do legislador, que, nessa circunstância, seria algo desproporcionada: o reconhecimento do direito de preferência numa situação destas já não iria propriamente promover o emparcelamento, mas antes, desfazer um emparcelamento já constituído, directamente resultante da acção dos particulares, para depois, e tão-somente, o reconstituir noutros termos, quiçá melhores. E assim, o legislador recusou-se (…) a estabelecer mais uma limitação ao direito de propriedade (…)”.
Assim se compreende, segundo entendemos, que o legislador tenha sempre mantido como requisito da atribuição do direito de preferência aos proprietários confinantes nos casos de venda “a quem não seja proprietário confinante” (o que como vimos ocorre desde a Lei n.º 2116, de 14 de agosto de 1962).
Revertamos ao caso concreto.
Atendendo ao que atrás se expos, concluímos assistir razão aos recorrentes quando se vem opor à decisão em crise que não atendeu ao facto de terem adquirido o prédio em causa sendo proprietários confinantes.
Efetivamente, não estando demonstrado pela autora o requisito previsto no nº 1 do artº 1380º do Código Civil, ou seja, de que os réus adquirentes não são proprietários confinantes, antes ficando demonstrado que o são, a lei não lhe atribui qualquer direito de preferência.
À recorrida impunha-se, uma vez que se arroga titular do direito de preferência, que provasse não só a relação de confinância entre os prédios (o seu e o transmitido), o que fez, mas também que à data da compra os adquirentes (terceiros réus e recorrentes) não eram donos de qualquer prédio confinante com o que vieram a adquirir.
Tendo ficado provado no caso concreto que os réus adquirentes, no momento da aquisição, eram já proprietários confinantes (o que aliás a recorrente, como atrás se referiu, alega) não se verifica o último dos requisitos exigidos pelo artigo 1380º n.º 1 do Código Civil.
Não logrando a autora/recorrida provar todos os elementos constitutivos do direito invocado, como se lhe impunha nos termos do nº 1 do artº 342º do Código Civil, a acção, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, teria necessariamente de improceder, por falta de verificação de um dos pressupostos de que a lei faz depender o direito de preferência.
Acresce que, ao contrário da posição assumida em sede da decisão em crise e resultante das contra alegações apresentadas pela autor/recorrida, não interessa na decisão do caso concreto a disposição do n.º 2, alínea b), do artigo 1380º (que prevê que cabe o direito ao proprietário que pela preferência obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona) a que fazem apelo as Recorrentes, pois que a mesma está logicamente subordinada à disposição do n.º 1.
O n.º 2 do artigo 1380º do Código Civil só pode ser invocado quando exista o direito de preferência, isto é, quando se verifiquem todos os pressupostos indicados no seu n.º 1.
Só no caso de se verificarem em concreto todos os pressupostos necessários à constituição do direito de preferência à luz do n.º 1 do artigo 1380º do Código Civil é que se deve fazer apelo ao n.º 2, se forem vários os proprietários com direito de preferência.
É o que resulta desde logo da parte inicial do próprio n.º 2 do artigo 1380º ao fazer menção a “sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito (…)”.
Assim sendo, a autora/recorrida não têm, face ao disposto no nº 1 do artº 1380º do Código Civil, direito de preferência, por falta de um dos requisitos legalmente previstos para o seu exercício, pelo que, consequentemente, não tem aplicação, no caso concreto, o n.º 2 deste preceito que indica os critérios a considerar no caso de concorrerem vários proprietários com direito de preferência.
Em face de todo o exposto, procede a apelação, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente, julgando-se procedente a exceção invocada, julga-se improcedente a ação absolvendo-se do pedido os réus.
*
VI. Decisão:
Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação e, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente, julgando-se improcedente a ação instaurada, absolvendo-se do pedido os réus.
Custas pela recorrente/autora.
Guimarães, 28 de setembro de 2023
Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Maria da Conceição Bucho
Raquel Rego
Voto de vencida
Apesar do respeito devido e merecido pela corrente doutrinária ejurisprudencial que obteve vencimento no presente acórdão, voto vencida pordiferente entendimento, na senda de posição diversa também largamenteenunciada neste aresto.
Desta diferente posição, à qual adiro, é exemplo o processo nº420/16.9T8CHV.G1, de 28.09.2017, desta Relação.
Nele se segue de perto o da Relação de Coimbra de 12.09.2006 (Procº654/05.1TBNLS.C1), de cujas palavras faço uso. Assim:«A letra da lei não afasta o que o espírito do legislador reclama, a bemdo princípio da unidade do sistema jurídico, ou seja, que sendo vários osprédios confinantes, a cada um dos respectivos proprietários assiste um direitode preferência, autónomo e distinto, limitando-se a lei a estabelecer, nos nºs 2e 3 do artigo 1380º do CC, um critério de prioridade entre os váriospreferentes», pelo que «A venda de prédio rústico a proprietário de prédio comaquele confinante não afasta, por si só, em caso de concurso de preferentesproprietários de prédios confinantes, a possibilidade de qualquer um destespoder exercer o direito de preferência, consagrado pelo artigo 1380º, do CC»
No mesmo sentido, o já longínquo acórdão da Relação do Porto, de06.02.76, CJ 1º-96, onde se afirma a existência de direitos iguais econcorrentes entre os proprietários preferentes.
Confirmaria, pois, a decisão.