PENSÃO DE ALIMENTOS A MENORES
EXECUÇÃO POR ALIMENTOS
Sumário


I- Em caso de incumprimento da obrigação alimentar, o credor tem ao seu dispor três meios que se articulam entre si numa relação alternativa, segundo escolha do credor, de acordo com os respectivos pressupostos de cada um:
- o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC;
- o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC;
- e a execução especial por alimentos, regulada nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil” (no mesmo sentido veja-se ainda os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 05-02-2019, processo n.º 15180/17.8T8LSB-A.L1-7 e da Relação de Évora, de 26-05-2022, processo n.º 255/21.7T8CSC.E1, consultáveis in www.dgsi.pt.
II- Em face do não pagamento da prestação de alimentos pelo obrigado, a recorrente não tem que recorrer primeiro ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC ou ao procedimento do artigo 48º do mesmo diploma legal, podendo optar directamente pela execução por alimentos, como fez.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA.
Recorrido: BB.
Tribunal Judicial da Comarca ..., Família e ..., Juiz ....

AA, mais bem id. nos autos, veio intentar contra BB execução para pagamento de quantia certa por alegada falta de pagamento de pensões de alimentos, e de actualizações de acordo com a taxa de inflação, às quatro filhas, nos precisos termos constantes do requerimento inicial, em incumprimento do decidido quanto ao pagamento de pensões de alimentos constantes do acordo de exercício das responsabilidades parentais homologado na C.R.C., que junta como título executivo.

Posteriormente foi proferida decisão nos autos nos seguintes termos:

Assim, por tudo quanto ficou exposto, e para efeito do disposto no art.º 703.º do C.P.C., e não obstante a douta jurisprudência citada, o signatário considera não haver uma obrigação certa e exequível, consubstanciando então, nos termos do art.º 193.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., um erro na forma do processo (e não havendo actos a aproveitar, porquanto recorrer a um processo de execução quando o correcto seria um declarativo, no caso de incumprimento nos termos do art.º 41.º do R.G.P.T.C., importa diminuição das garantias do requerido)  z.
A nulidade de todo o processo é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 577, al. b), e 578.º do C.P.C., absolvendo-se o requerido da instância, nos termos do art.º 576.º, n.º 2 do C.P.C.
Acresce que a verificação de uma excepção dilatória implica a rejeição liminar da execução, art.º 726.º, n.º 2, al. b), do C.P.C., pelo que também por aqui é o requerido absolvido da instância.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a Recorrente/Autora, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente a execução por alimentos instaurada pela recorrente, tendo como título executivo a certidão emitida pela Conservatória do Registo Civil ... que reproduz a decisão proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento, transitada em julgado, que dissolveu o casamento da recorrente e do executado e que homologou o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais relativamente às suas quatro filhas menores, nomeadamente quanto às prestações de alimentos.
2. Entendeu o tribunal haver erro na forma do processo, porquanto a obrigação exequenda não é certa e exigível, uma vez que está pendente uma acção de alteração das responsabilidades parentais e as duas filhas mais velhas estão a viver com os avós maternos, pelo que é necessário apurar desde quando as menores estão a residir com os avós e o impacto que teve nas prestações de alimentos das mesmas, pelo que a recorrente devia ter recorrido primeiramente ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC.
3. Nos termos da cláusula 2ª do acordo supra citado, o executado ficou obrigado a pagar a quantia de 125,00€ mensais, a título de alimentos, por cada uma das quatro filhas menores, no total de 500,00€, quantia a entregar à exequente até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária para o IBAN  ...97, sendo as referidas quantias actualizadas todos os anos em Janeiro em função da taxa de inflação do INE, acordo que se mantém por não ter sofrido qualquer alteração legal até ao momento.
4. Em caso de não pagamento da prestação de alimentos pelo obrigado, o outro progenitor não tem que recorrer primeiro ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC ou ao procedimento do artigo 48º do mesmo diploma legal, podendo optar directamente pela execução por alimentos prevista nos artigos 933º e seguintes do Código de Processo Civil, servindo como título executivo a decisão do tribunal ou do Conservador que homologa o acordo firmado pelos pais quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente quanto à pensão de alimentos, uma vez que essa decisão sanciona a imposição a uma das partes do dever de realização de uma prestação (Neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 15-04-2021, processo. n.º 74/15.0TSXL-T.L1-2 e de 05- 02-2019, processo n.º 15180/17.8T8LSB-A.L1-7, da Relação de Évora, de 26-05-2022, processo n.º 255/21.7T8CSC.E1, do STJ, de 08-10-2009, processo n.º 305-H/2000.P1.S1, da Relação de Guimarães, de 19-01-2023, processo n.º 8/22.5T8MNC-A.G1, da Relação de Lisboa, de 05-07-2018, processo n.º 2061/17.4T8CSC-A.L1-6, consultáveis in www.dgsi.pt).
5. Assim, não só a recorrente tem título executivo que lhe permite recorrer directamente à execução por alimentos, sem ter que optar previamente por outro mecanismo legal, como também a obrigação exequenda é certa e exigível, nos termos do artigo 713º do Código de Processo Civil, ao contrário do que alega o tribunal recorrido.
6. A certeza da obrigação afere-se pelo próprio título executivo, sendo esta exigível quando se encontra vencida.
7. Ora, atendendo ao acordo firmado pelas partes, este inclui a obrigação do pagamento da prestação alimentícia por parte do executado, o valor certo de cada uma das prestações devidas, o prazo de vencimento de cada uma, o modo de pagamento e a actualização desse valor.
8. Encontrando-se o valor (certo) da obrigação de alimentos estipulada no acordo de alimentos homologado e transitado em julgado, a sua data de vencimento devidamente constante do acordo e as respectivas prestações vencidas segundo a mesma, a forma de actualização inscrita no acordo e do conhecimento do tribunal por publicada anualmente no portal do INE, a liquidação efectuada pela recorrente no requerimento executivo por simples cálculo aritmético completa a tríade exigida à obrigação exequenda: certeza, exigibilidade e liquidez.
9. Desta forma, atento ao supra exposto, encontra-se a recorrente em condições de fazer uso do mecanismo da execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e seguintes do Código de Processo civil, já que é um dos procedimentos legalmente previsto para a cobrança coerciva da obrigação de alimentos e a que, in casu, melhor acautela, no entendimento da recorrente, os superiores interesses das menores, sendo a decisão da Sra. Conservadora que homologou o acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais título suficiente (tem todos os ingredientes legalmente exigíveis  para tal, na medida em que contém uma condenação numa prestação certa e determinada e transitou em julgado) para que a recorrente instaure essa execução, requerendo que o executado lhe pague as prestações alimentares vencidas e não pagas, bastando para isso que no requerimento inicial negasse a existência da referida obrigação e o não pagamento por parte do executado, o  que sucede in casu.
10. Intentada a execução com base em título suficiente e sendo a obrigação exequenda certa, exigível e líquida, caberá ao executado, em sede de embargos de executado, se assim o entender, alegar e demonstrar o pagamento das prestações de alimentos, enquanto facto impeditivo da obrigação peticionada, bem como alegar e demonstrar os demais factos modificativos ou extintivos da obrigação exequenda que considerar relevantes.
11. Salvo melhor opinião, mal andou o tribunal recorrido ao não aplicar, no caso concreto, os normativos dos artigos 933.º e seguintes do Código de Processo Civil e assim denegar à recorrente a execução do acordo relativamente às responsabilidades parentais no que diz respeito à cláusula referente à prestação de alimentos, coarctando-lhe o acesso ao direito e a possibilidade de ver cobrado o valor que o executado lhe está obrigado a entregar, por conta da pensão de alimentos das quatro filhas de ambos e em representação destas, através de um mecanismo que permite à recorrente assegurar que o executado não dissipe o seu património em momento anterior à cobrança da dívida em causa, por informado previamente da pretensão da recorrente.
12. Assim, encontra-se ferida de ilegalidade a fundamentação sustentada na douta decisão do tribunal a quo, por não se verificar erro na forma do processo, sendo a obrigação exequenda certa e exigível, nem qualquer outra das situações que determinariam o indeferimento liminar do requerimento executivo.
13. Violou a douta decisão recorrida, por erro de aplicação e interpretação, os artigos 10.º, 193º, n.ºs 1 e 2, 576º, n.º 2, 577º, al. b), 578º, 703º, 713.º, 726.º 1. b) e n.º 3, 933.º e seguintes do Código de Processo Civil, 41º e 48º do RGPTC.
Os Apelados não apresentaram contra-alegações.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Existência ou não de erro na forma de processo.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.
Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
Veio nomear à penhora o vencimento do executado, ainda que refira desconhecer a situação laboral do mesmo, que deverá ser determinada pela senhora agente de execução
Na sequência do mesmo, e em síntese, a senhora agente de execução requereu o indeferimento do requerimento executivo nos termos do art.º 762.º, n.º 2, al. a), do C.P.C., por do acordo homologado na C.R.C. não resultar uma obrigação líquida e exigível, invocando o disposto no art.º 703.º do C.P.C..

A ilustre mandatária da exequente deduziu oposição a tal, aos 30/03/2023, nos termos do requerimento que antecede, citando douta jurisprudência no entendimento de que havendo incumprimento, o credor tem à sua disposição o incidente de incumprimento previsto no art.º 41.º do R.G.P.T.C., o mecanismo (também apodado de pré-executivo) previsto no art.º 48.º do R.G.P.T.C., bem como a execução de alimentos, prevista nos artigos 933.º a 937.º do C.P.C.

Ora, ressalvando-se todo o devido respeito por diferente e superior entendimento, concorda-se com a posição da senhora agente de execução, pois entende-se que previamente à execução a obrigação exequenda tem de ser certa, líquida e exigível, entendendo-se por isso que deverá previamente recorrer ao incidente de incumprimento nos termos do art.º 41.º do R.G.P.T.C.

No caso concreto, tal até tem mais relevo, por estes autos de execução correrem termos por apenso a uns de alteração, interpostos pelo aqui executado aos 07/07/2022, pretendendo-se, entre o mais, a alteração da residência das crianças para junto deste com o apoio dos seus pais, sendo que resulta também desses autos, por não infirmado pela aqui exequente nas suas alegações de 16/09/2022, que as duas filhas mais velhas estão, de facto, a viver com os avós paternos, por vontade das próprias.

No dia 12/04/2023 foi marcada conferência nesses autos para os 07/06/2023.

Ou seja, do próprio processado globalmente considerado, resulta que o direito aos alimentos e o montante não é certo, pois importará saber previamente e com rigor desde quando as duas crianças mais velhas se mudaram para casa dos avós e o impacto de tal nas pensões de alimentos relativamente às mesmas.

Em abono do entendimento que se perfilha, de referir também que se afigura ser mais conveniente a tramitação iniciada por incidente de incumprimento, até porque à execução pode o executado opor-se por embargosMas, como dito, e tendo em conta até o caso concreto, sendo por causa de uma ponderação global da situação de facto e jurídica que se justifica a competência por conexão, por apensação, sempre é a solução mais justa e adequada.

Note-se até que foi nomeado à penhora um desconto no vencimento quando a própria exequente diz desconhecer a situação laboral – casos em que, quando há vencimento do devedor mais se justifica o recurso ao mecanismo “pré-executivo” constante do art.º 48.º do R.G.P.T.C.

Assim, por tudo quanto ficou exposto, e para efeito do disposto no art.º 703.º do C.P.C., e não obstante a douta jurisprudência citada, o signatário considera não haver uma obrigação certa e exequível, consubstanciando então, nos termos do art.º 193.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., um erro na forma do processo (e não havendo actos a aproveitar, porquanto recorrer a um processo de execução quando o correcto seria um declarativo, no caso de incumprimento nos termos do art.º 41.º do R.G.P.T.C., importa diminuição das garantias do requerido) gera a nulidade de todo o processo – que no caso necessariamente implica a nulidade de todos os actos até agora praticados neste apenso.

A nulidade de todo o processo é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 577, al. b), e 578.º do C.P.C., absolvendo-se o requerido da instância, nos termos do art.º 576.º, n.º 2 do C.P.C.

Acresce que a verificação de uma excepção dilatória implica a rejeição liminar da execução, art.º 726.º, n.º 2, al. b), do C.P.C., pelo que também por aqui é o requerido absolvido da instância

Fundamentação de direito.

Como fundamento da pretensão recursória alega a Recorrente que  “Entendeu o tribunal haver erro na forma do processo, porquanto a obrigação exequenda não é certa e exigível, uma vez que está pendente uma acção de alteração das responsabilidades parentais e as duas filhas mais velhas estão a viver com os avós maternos, pelo que é necessário apurar desde quando as menores estão a residir com os avós e o impacto que teve nas prestações de alimentos das mesmas, pelo que a recorrente devia ter recorrido primeiramente ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC.

Ora, nos termos da cláusula 2ª do acordo supra citado, o executado ficou obrigado a pagar a quantia de 125,00€ mensais, a título de alimentos, por cada uma das quatro filhas menores, no total de 500,00€, quantia a entregar à exequente até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária para o IBAN  ...97, sendo as referidas quantias actualizadas todos os anos em Janeiro em função da taxa de inflação do INE, acordo que se mantém por não ter sofrido qualquer alteração legal até ao momento.

E, em caso de não pagamento da prestação de alimentos pelo obrigado, o outro progenitor não tem que recorrer primeiro ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC ou ao procedimento do artigo 48º do mesmo diploma legal, podendo optar directamente pela execução por alimentos prevista nos artigos 933º e seguintes do Código de Processo Civil, servindo como título executivo a decisão do tribunal ou do Conservador que homologa o acordo firmado pelos pais quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente quanto à pensão de alimentos, uma vez que essa decisão sanciona a imposição a uma das partes do dever de realização de uma prestação.

Assim, no entendimento do Recorrente, não só a recorrente tem título executivo que lhe permite recorrer directamente à execução por alimentos, sem ter que optar previamente por outro mecanismo legal, como também a obrigação exequenda é certa e exigível, nos termos do artigo 713º do Código de Processo Civil, ao contrário do que alega o tribunal recorrido.

A certeza da obrigação afere-se pelo próprio título executivo, sendo esta exigível quando se encontra vencida.

Ora, atendendo ao acordo firmado pelas partes, este inclui a obrigação do pagamento da prestação alimentícia por parte do executado, o valor certo de cada uma das prestações devidas, o prazo de vencimento de cada uma, o modo de pagamento e a actualização desse valor.

E assim sendo, conclui que, “atento ao supra exposto, encontra-se a recorrente em condições de fazer uso do mecanismo da execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e seguintes do Código de Processo civil, já que é um dos procedimentos legalmente previsto para a cobrança coerciva da obrigação de alimentos e a que, in casu, melhor acautela, no entendimento da recorrente, os superiores interesses das menores, sendo a decisão da Sra. Conservadora que homologou o acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais título suficiente (…) para que a recorrente instaure essa execução.

Isto considerado e atentando em que, segundo a decisão recorrida no sentido de que no caso concreto “os autos de execução corre termos por apenso a uns de alteração, interpostos pelo aqui executado aos 07/07/2022, pretendendo-se, entre o mais, a alteração da residência das crianças para junto deste com o apoio dos seus pais, sendo que resulta também desses autos, por não infirmado pela aqui exequente nas suas alegações de 16/09/2022, que as duas filhas mais velhas estão, de facto, a viver com os avós paternos, por vontade das próprias.

Ou seja, do próprio processado globalmente considerado, resulta que o direito aos alimentos e o montante não é certo, pois importará saber previamente e com rigor desde quando as duas crianças mais velhas se mudaram para casa dos avós e o impacto de tal nas pensões de alimentos relativamente às mesmas”.

Deste modo, definidos os termos da controvérsia, cumpre agora analisar se, efectivamente, houve ou não erro na forma de processo.

Ora, se como é consabido, a finalidade da acção executiva consiste na faculdade de obtenção do interesse patrimonial ínsito na prestação não cumprida, sendo, por outro lado, o seu exclusivo objecto, o direito de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, o qual funciona como causa de pedir da acção executiva.

A faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva – exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida[i].

A acção executiva tem por base a existência de um direito de execução do património do devedor, ou seja, “um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor”[ii].

Pressupõe, assim, esta acção, a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo, constituindo a declaração ou acertamento dum direito ou de outra situação jurídica, que é o ponto de chegada da acção declarativa, o ponto de partida na acção executiva[iii] – a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto, contendo o título executivo esse acertamento, radicando aí a afirmação de que ele constitui a base da execução, por ele se determinando, desde logo, o objecto da acção[iv].

A faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão, e que, apenas sendo exequível pode constituir objecto de uma acção executiva.

A presente execução, como referido no requerimento executivo, tem por título executivo a certidão emitida pela Conservatória do Registo Civil ... que reproduz a decisão proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento que dissolveu o casamento da exequente e do executado e que homologou o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais.

A referida decisão transitou em julgado de imediato por as partes terem prescindido do respectivo prazo de recurso.

Desta forma, nos termos da cláusula 2ª do referido acordo, o executado ficou obrigado a pagar a quantia de 125,00€ mensais, a título de alimentos, por cada uma das quatro filhas menores, no total de 500,00€, quantia a entregar à exequente até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária para o IBAN  ...97, sendo as referidas quantias actualizadas todos os anos em Janeiro em função da taxa de inflação do INE.

Nos acórdãos que a seguir se citam, a propósito deste assunto refere-se o seguinte:
“Ora, como bem refere o Acórdão da Relação de Guimarães, de 19-01-2023, processo n.º 8/22.5T8MNC-A.G1, consultável in www.dgsi.pt, “A decisão proferida pelo Conservador do Registo Civil, no âmbito de um processo de divórcio por mútuo consentimento, de homologação do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais do filho menor, constitui titulo executivo quanto á obrigação de alimentos, por que tal decisão produz os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria (cfr. art.ºs 1776º n.º 3 do CC, art.º 17º n.º 3 DL 272/2001, de 13 de Outubro e n.º 6 do art.º 274º A do CRegisto Civil) e sanciona a imposição a uma das partes do dever de realização de uma prestação – a prestação de alimentos – pelo que não pode deixar de ser considerada sentença condenatória e assim integrar a alínea a) do n.º 1 do art.º 703º do CPC.”

No mesmo sentido, refere o Acórdão da Relação de Lisboa, de 05-0 7-2018, processo n.º 2061/17.4T8CSC-A.L1-6, consultável in www.dgsi.pt, o seguinte:
“Aqui chegados, importa de seguida atentar que o título que in casu serve de suporte à acção executiva, deve ser equiparado (…) a uma sentença homologatória condenatória transitada em julgado, pois que, reza o nº 4 do art. 17º do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro (…) que “As decisões do conservador no âmbito dos processos previstos no capítulo anterior produzem os mesmos efeitos, nomeadamente em termos fiscais, que produziriam sentenças judiciais sobre idêntica matéria“.

E também o Acórdão da Relação de Évora, de 26-05-2022, processo n.º 255/21.7T8CSC.E1, consultável in www.dgsi.pt, que consideroutítulo executivo o acordo homologado pela conservadora donde emerge a obrigação do seu pagamento”, enquadrando o título na al. b) do artigo 703º do Código de Processo Civil”.

Por último, no Acórdão da Relação de Évora, de 26/05/2022,  refere-se o seguinte:[v]
(…)
 Temos em mãos um acordo relativo, entre outros itens, ao exercício das responsabilidades parentais da então menor (…), ora Exequente / Recorrente. Esse acordo foi firmado entre (…) e (…), tendo sido homologado na Conservatória do Registo Civil ... no âmbito da atribuição e transferência de competências dos tribunais judiciais para as conservatórias de registo civil, conforme previsto no DL n.º 272/2001, de 13 de outubro.

Ora, em caso de incumprimento por um dos pais do que tiver sido acordado ou decidido relativamente à situação da criança, tem lugar a aplicação do procedimento consagrado no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).

A- Em caso de incumprimento da obrigação de prestar alimentos, não sendo satisfeitas as quantias em dívida, tem já lugar o procedimento previsto no artigo 48.º do RGPTC, que estipula o seguinte:

“1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:
a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública;
b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.

2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são directamente entregues a quem deva recebê-las.”

Trata-se do meio de efectivação da prestação de alimentos consagrado no RGPTC, operando-se, desde logo, diligência equivalente à penhora no vencimento, ordenado, salário ou outras quantias que sejam devidas ao obrigado àquela prestação. Estando em falta a realização da prestação alimentícia, o caso não se subsume a incumprimento de deveres relativamente à situação da criança, pelo que não tem aplicação o procedimento previsto no artigo 41.º do RGPTC.[4]

B- Em alternativa ao procedimento estipulado no artigo 48.º do RGPTC, pode instaurar-se a execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e ss. do CPC.[5]

Na verdade, não deve ser rejeitada a execução especial por alimentos com base em falta de título executivo, quando na base da mesma está uma sentença homologatória transitada em julgado do acordo alcançado pelos progenitores relativamente à prestação mensal a título de alimentos, pois tal sentença constitui título executivo suficiente para a propositura da execução para pagamento das prestações entretanto vencidas e não pagas pelo progenitor-devedor, não havendo necessidade de recurso prévio ao incidente de incumprimento para se obter decisão que reconheça o não pagamento das prestações vencidas a executar, conforme propugnado na decisão recorrida, incidente que nem sequer é aplicável quando estejam em causa prestações de alimentos.[6]

E nem o procedimento regulado no artigo 48.º do RGPTC constitui um processo «especialíssimo» relativamente à execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e ss. do CPC, ou “que deva ter necessária prioridade sobre a via da execução autónoma, em termos de só poder lançar-se mão desta quando não for possível obter o pagamento pelo meio ali previsto”; antes “cabe ao credor dos alimentos optar, em alternativa, por um desses meios procedimentais, em função da avaliação que realiza, em concreto, acerca do seu próprio interesse na reintegração efectiva do direito lesado com o incumprimento da obrigação.”[7]

Assim, em caso de incumprimento da obrigação alimentar, o credor tem ao seu dispor três meios que se articulam entre si numa relação alternativa, segundo escolha do credor, de acordo com os respectivos pressupostos de cada um:
- o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC;
- o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC;
- e a execução especial por alimentos, regulada nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil” (no mesmo sentido veja-se ainda os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 05-02-2019, processo n.º 15180/17.8T8LSB-A.L1-7 e da Relação de Évora, de 26-05-2022, processo n.º 255/21.7T8CSC.E1, consultáveis in www.dgsi.pt”.

E assim sendo, efectivamente, como conclui em face do não pagamento da prestação de alimentos pelo obrigado, a recorrente não tem que recorrer primeiro ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC ou ao procedimento do artigo 48º do mesmo diploma legal, podendo optar directamente pela execução por alimentos, como fez.

Não restam assim dúvidas que a recorrente tem título executivo que lhe permite intentar a presente execução especial por alimentos, nos termos dos artigos 933º e seguintes do Código de Processo Civil.

E assim sendo, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Sumário – Artigo 663, nº 7, do C.P.C..
I- Em caso de incumprimento da obrigação alimentar, o credor tem ao seu dispor três meios que se articulam entre si numa relação alternativa, segundo escolha do credor, de acordo com os respectivos pressupostos de cada um:
- o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC;
- o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC;
- e a execução especial por alimentos, regulada nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil” (no mesmo sentido veja-se ainda os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 05-02-2019, processo n.º 15180/17.8T8LSB-A.L1-7 e da Relação de Évora, de 26-05-2022, processo n.º 255/21.7T8CSC.E1, consultáveis in www.dgsi.pt.
II- Em face do não pagamento da prestação de alimentos pelo obrigado, a recorrente não tem que recorrer primeiro ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC ou ao procedimento do artigo 48º do mesmo diploma legal, podendo optar directamente pela execução por alimentos, como fez.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos.

Custas pela parte vencida a final.
Guimarães, 28/ 09/ 2023.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


[i] Cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, págs.. 606 a 608.
[ii] Cfr. Autor e obra citados, p. 626.
[iii] Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 3ª edição, p. 20.
[iv] Cfr. Autor e obra citados na nota anterior, p. 31.
[v] Acórdão da Relação de Évora, de 26/05/2022, proferido no processo nº 520/21.3T8STC.E1