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MAIOR ACOMPANHADO
NOMEAÇÃO DE DOIS ACOMPANHANTES
PROIBIÇÃO DE ATRIBUIÇÃO DE DIREITOS OU BENEFÍCIOS
UNIÃO DE FACTO
Sumário
I–No âmbito de uma acção de maior acompanhado nomeadas duas acompanhantes, uma para as questões pessoais e outra para as questões patrimoniais, e fixadas na sentença as funções a exercer por cada uma das acompanhantes, estas devem, a todo o passo, articular-se no sentido do cabal exercício das mesmas, da forma que melhor entenderem, mas sempre do prisma da salvaguarda daquilo que é o interesse imperioso do beneficiário.
II.–A decisão que impeça a atribuição de direitos ou benefícios decorrentes de eventuais relações de união de facto que venham a ser estabelecidas pelo Beneficiário após a data do início da incapacidade fixada na sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º, al. b) da Lei n.º 7/2001, de 11.05. 17, apenas vale para eventuais novas relações ficando de fora a união de facto pré existente e estabelecida desde há cerca de 25 anos entre o Beneficiário e a ora nomeada acompanhante.
(Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–Relatório:
C… intentou a presente acção especial de acompanhamento a favor de J…, divorciado, nascido a 25 de Agosto de 1943, filho de F… e de M…, com residência na Rua …, alegando, em suma, que o mesmo padece de doença crónica e degenerativa sugestiva de síndrome demencial e encontra-se dependente de terceiros nas suas actividades diárias, com necessidade de supervisão para garantir a sua segurança, cuidados de saúde e sobrevivência. Pediu decretamento de medida urgentes. Indicou como acompanhante ela própria e, para integrar o Conselho de Família, C… e R…, sobrinhas da Requerente. Deu-se publicidade à acção e, não tendo sido conseguida a citação pessoal do requerido, cumpriu-se o disposto no artigo 21.º, do Código de Processo Civil, tendo sido citado o Ministério Público que apresentou contestação, no sentido de não se verificarem os pressupostos de decretamento das medidas urgentes, mas, defendendo que sendo comprovada a incapacidade do requerido, nada ter a opor ao decretamento do acompanhamento e de que deverá a filha do beneficiário ser auscultada quanto aos termos da acção.
Foi a filha do beneficiário, D…, notificada para, querendo, se pronunciar quanto aos termos da acção, o que fez, no sentido de que seja, ela, filha a pessoa nomeada para exercer o cargo de acompanhante, indeferidas as medidas urgentes requeridas e indicadas para comporem o Conselho de Família as netas do beneficiário DC… e DMC... .
Foi suprido o consentimento para a propositura da acção e indeferido o decretamento de das medidas provisórias de acompanhamento requeridas.
Teve lugar exame médico, o qual, além do mais, concluiu que o examinando apresenta o diagnóstico de síndrome demencial em provável Doença de Alzheimer, o que torna o examinando incapaz de reger a sua pessoa e bens, apresentando os condicionalismos clínicos para que seja aplicado o estatuto de maior acompanhado.
O Tribunal procedeu à pesquisa sobre a existência de testamento vital e à diligência de audição do requerido, da indicada acompanhante e de testemunhas.
De seguida foi proferida sentença com a seguinte decisão:«Pelo exposto, julgo procedente a acção e, em consequência: a)-Decreto o acompanhamento, por razões de saúde, a favor do beneficiário, J…, divorciado, nascido a 25 de Agosto de 1943; b)-Aplico a favor do mesmo: - a medida de representação geral, a que alude o artigo 145.º, n.º 2, alínea b), e n.º 4 do Código Civil, que segue o regime da tutela, aqui se incluindo, para além do dever de assistência e cuidados por parte do(a)(s) acompanhante(s), todas as medidas necessárias para os cuidados de saúde e administração e gestão dos bens do beneficiário, incluindo a abertura de contas bancárias e recebimento e gestão dos seus dinheiros, perante quaisquer entidades públicas e privadas (inibindo-se o beneficiário de ter acesso a cheques, cartão de débito e crédito, MB Way, Homebanking, caderneta, devendo ser oficiado ao Banco de Portugal, nos termos do art.º 894.º do Código de Processo Civil, no sentido de fazer divulgar pelas entidades bancárias e instituições financeiras, as inibições e limitações referidas); c)-Consigno que a medida se tornou conveniente desde 01 de Janeiro de 2021; d)-Consigno que o beneficiário não outorgou testamento vital ou procuração para cuidados de saúde; e)-Determino que a medida seja revista decorridos cinco anos, a não ser que se justifique a revisão, alteração ou cessação anterior; f)-Nomeio, como acompanhantes do beneficiário: i)-No plano pessoal, C…, incumbindo-lhe a gestão dos assuntos atinentes à alimentação, higiene, vestuário e deslocação e fixação de residência do beneficiário e na gestão das actividades da vida pessoal quotidiana do beneficiário, cabendo à acompanhante, neste plano, a responsabilidade por providenciar pela toma de medicação adequada por parte do beneficiário, agendamento e acompanhamento médico, bem como adesão às terapêuticas que forem prescritas ao beneficiário, ou a sua submissão a actos e tratamentos médicos, entre outras medidas específicas que se venham a apurar necessárias, devendo ser objecto de autorização judicial prévia as decisões de recusa de tratamento proposto de acordo com as leges artis que gerem uma possibilidade de redução da esperança de vida expectável ou do conforto e bem-estar do beneficiário.Mais fica a acompanhante obrigada a disponibilizar à outra acompanhante que exerce as funções no plano patrimonial todos os elementos atinentes ao património do beneficiário, presentes e futuros – nomeadamente, indicação do património existente, móvel, imóvel e direitos/ créditos (saldos bancários, pensões e rendas, por exemplo) e respectivos elementos de identificação administrativos, códigos de acesso a portais de finanças e segurança social ou banca electrónica,disponibilização de todas as comunicações e notificações provenientes dos serviços da administração tributária e da segurança social bem como de entidades bancárias e credores do beneficiário e disponibilização de todos os documentos e elementos relativos a contratos de arrendamento ou outros com efeitos patrimoniais de que o beneficiário seja titular; ii)-No plano patrimonial, D…, a quem incumbirá a administração e gestão dos bens do beneficiário, incluindo a abertura de contas bancárias e recebimento e gestão dos seus dinheiros, perante quaisquer entidades públicas e privadas (inibindo-se o beneficiário de ter acesso a cheques, cartão de débito e crédito, MB Way, Homebanking, caderneta, devendo ser oficiado ao Banco de Portugal, nostermos do art.º 894.º do Código de Processo Civil, no sentido de fazer divulgar pelas entidades bancárias e instituições financeiras, as inibições e limitações referidas) e que se deverá articular com a acompanhante designada para o plano pessoal, com vista à satisfação das necessidades financeiras pessoais do beneficiário. Para o efeito do cabal do exercício das suas funções, fica a acompanhante D… obrigada a manter um contacto permanente com o beneficiário, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal (cfr. nos termos do artigo 146.º, n.º 2, do Código Civil); g)-Como medidas de apoio e tratamento, autoriza-se que, quando a acompanhante designada para o plano pessoal deixar de conseguir providenciar ao beneficiário, na sua residência, os cuidados necessários do ponto de vista das atividades básicas da vida diária, aquele integre unidade de cuidados continuados na área das demências ou, não sendo possível, estabelecimento residencial para idosos, ouvindo-se previamente a outra acompanhante e o Conselho de Família. h)-Para integrar o Conselho de Família, nomeio C… como protutora e DC…, como vogal; i)-Consigno que o beneficiário não tem capacidade para exercer as responsabilidades parentais, recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida (para os efeitos do disposto no artº 6.º n.º 2 da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho), recusar tratamento médico adequado e necessário à sua condição de saúde, deslocar-se no país e no estrangeiro, desacompanhado de responsável, fixar domicilio ou residência, votar, celebrar negócios da vida corrente, e (para os efeitos do disposto no art. 2189.º, al. b) do Código Civil) de testar; j)-Consigno, para os efeitos do disposto no art. 1601.º, al. b) do Código Civil, que a presente decisão de declaração de situação de acompanhamento, constitui impedimento dirimente absoluto; k)-Consigno, para os efeitos do disposto no art. 2.º, al. b), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que a situação de acompanhamento de maior, ora declarada, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto; l)-Consigno, para os efeitos do art. 4.º n.º 1, do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, que o acompanhado não pode aceitar ou rejeitar liberalidades, a seu favor.»
Inconformada quanto aos segmentos decisórios supra destacados veio a requerente recorrer, formulando as seguintes conclusões: « A)-A douta sentença fixa a data de 01 de janeiro de 2021, como sendo a data em que a medida de representação geral do acompanhado deve ser considerada; B)-Consta da matéria de facto provada, que durante o ano de 2021 o Beneficiário interveio como outorgante devidamente representado, com procuração emitida pelo mesmo em 28 de julho de 2021 e respetivo termo de autenticação emitido na mesma data numa escritura de cessão de quinhão hereditário datada de 21 de dezembro de 2021. C)-Durante o ano de 2021, o Beneficiário tinha massa critica, consciência, vontade própria, capacidade de decidir, discernimento e ainda estava capaz de gerir o seu património. D)-O Beneficiário foi sujeito a perícia psiquiátrica em 30.01.2023. E)-O Tribunal a quo deu como provado, sob o ponto 36 da matéria de facto, o teor parcial do relatório pericial e não qualquer facto com base no mesmo. F)-Todas as medidas deverão estar reflectidas em factos concretos e relatos reais e não meramente hipotéticos da vida quotidiana dos Beneficiários. G)-A data indicada no relatório pericial, é meramente indicativa, sem uma base factual sólida que a sustente e não espelha o verdadeiro estado de saúde do Beneficiário nesse período e durante todo esse ano de 2021. H)-O estado de saúde do Beneficiário, começa a ter um acentuado agravamento, apenas, durante o ano de 2022. I)-Apenas, durante o ano de 2022, o Beneficiário começa a perder as suas faculdades e a doença de que padece se manifestou já com exuberância. J)-Motivo que levou à necessidade de instaurar a competente ação de Acompanhamento de Maior em 22 de junho de 2022. K)-Por não espelhar a verdadeira condição física e mental do Beneficiário, a data da sua incapacidade total deverá ser alterada com o seu inicio em 01.01.2022, e não a que consta da decisão do Tribunal a quo. L)-O Tribunal a quo decidiu que a acompanhante pessoal ora recorrente deverá entregar à Acompanhante patrimonial toda a informação referente a bens imóveis, móveis, códigos das Finanças, Segurança Social, dividas, contratos de arrendamento…e saldos e códigos de contas bancárias do Beneficiário. M)-Acresce que o Beneficiário tem apenas uma conta bancária em que a Recorrente também é Titular. N)-Como irá a ora Recorrente fornecer à Acompanhante do plano patrimonial informação de saldos bancários da única conta bancária do Beneficiário onde constam também quantias auferidas pela Recorrente que são sigilosas e que compõem o património de ambos? E quanto ao IRS, continuam a fazer juntos? Tem que fornecer as senhas das Finanças. Mas como proceder se fazem o IRS juntos? O)-O Tribunal a quo, designa D…, única filha do Beneficiário, responsável pelo plano patrimonial, “a quem incumbirá a administração e gestão dos bens do Beneficiário, incluindo a abertura de contas bancárias e recebimentos e gestão dos seus dinheiros, perante quaisquer entidades públicas e privadas…”, P)-O Tribunal a quo deu como provado no ponto 32 “…que o relacionamento pessoal entre o Beneficiário e a sua filha é distante…não mantendo os mesmos contacto há alguns anos” Q)-Há muitos anos que a Acompanhante do plano patrimonial não tem qualquer tipo de ligação próxima com a Acompanhante do plano pessoal e com o Beneficiário. R)-O regime do Acompanhamento tem como objectivo garantir o bem-estar, a recuperação (que neste caso é irreversível), o pleno exercício dos seus direitos, bem como, a observância dos deveres do adulto, focando-se na pessoa, e não apenas no seu património. S)-Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento de Vªs Ex.ªs, consideramos que o Tribunal a quo, não salvaguardou os interesses do Beneficiário. T)-Entende-se, ser essencial e fundamental, que, em função das necessidades mensais do Beneficiário, seja definido um valor mensal para assegurar as necessidades básicas e despesas mensais do Beneficiário, de modo que se consiga assegurar a sobrevivência do mesmo com dignidade. Sempre importando aqui mais referir que, havendo necessidade de realizar despesas em valores superiores para assegurar o bem-estar e/ou interesses do Beneficiário, sempre poderá ser requerido autorização ao Tribunal para o efeito. Importa ainda referir que, caso as despesas mensais para assegurar o bem-estar do Beneficiário e as suas necessidades venham a assumir o montante constante ao estipulado, sempre poderá a medida de acompanhamento ser modificada quanto ao montante definido. U)-A decisão proferida pela Mer.ª Juiz a quo, salvo o devido respeito, é vaga e não acautela as necessidades do Beneficiário, pelo que deverá ser substituída por outra que fixe um valor mensal, que satisfaça, com dignidade as necessidades básicas e bem-estar do Beneficiário, V)-Que seja revogada a medida de acompanhamento proferida no ponto K) da decisão proferida “…para os efeitos do disposto no art. 2.º, al. b), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que a situação de acompanhamento de maior, ora declarada, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto”; W)-O Tribunal a quo deu como provado que Recorrente e Beneficiário vivem em união de facto há mais de 25 anos. X)-A Junta de Freguesia da …, emitiu no dia 20.10.2022 atestado de união de facto entre a ora Recorrente e o Beneficiário, pelo período 25 anos e que consta nos presentes autos. Y)-Esta comunhão de vida surgiu da vontade e sentimento dos intervenientes e é reconhecida por familiares, amigos, vizinhos e por todos aqueles com quem convivem. Z)-A Requerente e o Beneficiário apresentam declaração conjunta de IRS desde o ano 2005, no entanto, já viviam em união de facto desde 1997. AA)-O direito a constituir uma família fora do casamento é um direito fundamental dos cidadãos, expressão do seu direito à liberdade e à sua autodeterminação e, sendo a família uma substancialidade imediata do espírito tem como determinante a autoconsciência da sua própria individualidade, nessa mesma unidade. BB)-Refere o artigo 2º, al. b), da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, que: “Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto: al. b) demência notória, mesmo com intervalos lúcidos e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do inicio da união de facto.”, como é o caso, da Recorrente e do Beneficiário que vivem em união de facto desde 1997. CC)-Logo não se aceita e desde já se impugna a presente medida decretada, por ir contra a legislação em vigor e não existir prova que justifique a decisão tomada, pelo que deverá ser revogada. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, considerando-se que a douta sentença violou, assim, as normas citadas nestas alegações, devendo ser revogada a douta decisão proferida, substituindo-se por outra que acautele os interesses do Beneficiário.».
O Ministério Público contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo que: «1.–Inconformada com a sentença proferida nos autos, entendeu por bem a Recorrente levá-la à censura de V. Exas., pedindo, em suma, a sua revogação e a substituição por outra que fixe a data de início da incapacidade total do beneficiário no dia 01.01.2022 (e não no dia 01.01.2021), que estabeleça um valor mensal para assegurar as necessidades básicas e despesas mensais do Beneficiário e que, bem assim, seja revogada a medida de acompanhamento proferida no ponto k) da decisão proferida. 2.–Nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 3.–A Recorrente não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto que sobre si impendia, já que não indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham que o Tribunal a quo tivesse fixado como data de início da incapacidade total do beneficiário o dia 01.01.2022, diversamente ao que considerou no Facto 36 dado como provado. 4.–Com efeito, para concluir pela fixação da data do início da incapacidade total do Beneficiário naquela data a Recorrente limita-se genericamente a dizer que apenas durante o ano de 2022 o Beneficiário começou a perder as suas faculdades e a doença de que padece se manifestou já com exuberância. 5.–Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto (assim, Ac. do STJ, de 27.09.2018, proferido no Processo n.º2611/12.2TBSTS.L1.S1). 6.–Termos em que se entende que, quanto à pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto, impõe-se a rejeição do presente recurso. 7.–Sem prejuízo, e para o caso de assim não se entender, sempre se dirá que leitura da fundamentação da matéria de facto constante da sentença resulta que, para a fixação da data do início da incapacidade total do beneficiário em 01.01.2021 (Facto 36 dos Factos Provados), foram decisivas as Conclusões do Relatório Pericial junto aos autos, em cujo ponto 6 foi arbitrado que a incapacidade total estará seguramente presente desde pelo menos Janeiro de 2021. 8.–Conclusões estas que, refira-se, não foram objecto de qualquer censura da Recorrente quando de tal relatório foi notificada, já que do mesmo não reclamou, nem requereu a que se procedesse a segunda perícia, nos termos em que o admitem os normativos constantes dos artigos 485.º, n.º 2 e 487.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil. 9.–A data em questão fixada na sentença encontra apoio em elementos factuais e documentação clínica, tidos em consideração e devidamente explicitados pelo Sr. Perito Médico no relatório pericial em questão, como sejam a TAC-CE realizada em Agosto de 2020 e a avaliação neuropsicológica efectuada no final do mesmo ano, que já espelhavam défices graves do Beneficiário em múltiplas áreas, tendo, assim, permitido que o Tribunal a quo, de forma coincidente com o entendimento do Sr. Perito, tenha fixado com segurança o dia 01.01.2021 como a data do início da incapacidade total do beneficiário. 10.–Pelo que andou bem o Tribunal a quo quando fixou tal data (01.01.2021) como a data do início da incapacidade total do beneficiário, devendo, por isso, nesta parte, improceder o recurso apresentado. 11.–As questões suscitadas pela Recorrente relativa à obrigação de ter de fornecer à acompanhante nomeada no plano patrimonial informações atinentes aos saldos das contas bancárias co- tituladas pelo beneficiário e por si e às senhas de acesso ao portal da AT são passíveis de fácil resolução caso as duas acompanhantes nomeadas nos autos estejam, como se lhes impõe, focadas no bom desempenho das funções que lhe foram atribuídas. 12.–Na sentença apenas deverão ser fixadas as funções a exercer por cada uma das acompanhantes, que devem, a todo o passo, articular-se no sentido do cabal exercício das mesmas, da forma que melhor entenderem, mas sempre do prisma da salvaguarda daquilo que é o interesse imperioso do beneficiário. 13.–Uma boa articulação entre as acompanhantes dispensa a requerida fixação pelo Tribunal a quo de um valor fixo para assegurar as necessidades básicas e as despesas mensais dos Beneficiário, já que tendo a acompanhante no plano patrimonial ficado também obrigada a articular-se com a acompanhante designada para o plano pessoal, com vista à satisfação das necessidades financeiras pessoais do beneficiário, deverá aquela providenciar pelo pontual pagamento de toda e qualquer despesa necessária à satisfação dessas necessidades, pelo modo que entenda ser o mais eficiente e prático, o que poderá passar pela concessão de um montante mensal, a estabelecer em articulação com a outra acompanhante. 14.–Pelo que também neste conspecto não assiste razão à Recorrente, tendo o Tribunal a quo acautelado devidamente na sentença os interesses do Beneficiário, devendo, isso sim, as acompanhantes nomeadas, actuar, no quadro das suas funções, conforme bem entenderem, posto que privilegiando sempre o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família na concreta situação considerada (cfr. art. 146.º, n.º1 do Cód. Civil). 15.–Donde se entende que também nesta parte deverá improceder o recurso. 16.–A Recorrente não interpretou devidamente o sentido e o alcance do que foi consignado no ponto k) do dispositivo da sentença, que apenas teve em vista impedir a atribuição de direitos ou benefícios decorrentes de eventuais novas relações de união de facto que venham a ser estabelecidas pelo Beneficiário após a data do início da incapacidade fixada na sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º, al. b) da Lei n.º 7/2001, de 11.05. 17.–Pelo que de fora, naturalmente, fica a união de facto estabelecida desde há cerca de 25 anos entre o Beneficiário e a ora Recorrente, tal como expressamente reconhecida e considerada na sentença em questão. 18.–O que está estabelecido na alínea k) do dispositivo da sentença não contende com a protecção que o legislador nacional confere às situações jurídicas de união de facto, antes está de acordo com o que vem disposto na aludida disposição legal. 19.–Pelo que andou bem o Tribunal a quo quando decidiu consignar na sentença que decretou o acompanhamento do Beneficiário que, para os efeitos do disposto no art. 2.º, al. b), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, a situação de acompanhamento de maior, ora declarada, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto. 20.–Termos em que se considera que também nesta parte deverá improceder o recurso, não merecendo qualquer censura a sentença nos autos proferida.»
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. *
Questões a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber no caso concreto: 1.-Se é de alterar a data do início da incapacidade total do Beneficiário fixada na sentença; 2.-Se haverá que alterar a obrigação da Recorrente fornecer à acompanhante nomeada no palmo patrimonial informações atinentes aos saldos bancários das contas tituladas pelo beneficiário e as senhas de acesso ao portal da AT e da necessidade de ser determinado na sentença um valor mensal para assegurar as necessidades básicas e despesas mensais do Beneficiário; 3.-Se é de eliminar o impedimento da atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto, decorrente do acompanhamento decretado, tal como consignado na alínea k) do dispositivo da sentença. *
II.–FUNDAMENTAÇÃO:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos: 1.–J…, divorciado, nascido a 25 de Agosto de 1943, filho de F… e de M…, tem residência na Rua …, residindo também na Rua …; 2.–D…, solteira, nascida a 25.10.1971 é filha do beneficiário; 3.–DC…, solteira, nascida a 17.08.2002 é neta do beneficiário; 4.–DMC…, solteira, nascida a 8.07.2004, é neta do beneficiário; 5.–C…, solteira, nascida a 28.03.1945 vive com o beneficiário em condições análogas às dos cônjuges desde há cerca de 25 anos; 6.–CG…, solteira, nascida a 27.11.1969, é sobrinha de C…; 7.–R…, solteira, nascida a 18.11.1978, é sobrinha de C…; 8.–O beneficiário apresenta um quadro de síndrome demencial em provável doença de Alzheimer; 9.–A situação clínica é grave, persistente e progressiva, sendo de antever contínuo agravamento dos défices cognitivos, a par da redução progressiva da autonomia ainda existente; 10.–A atenção é possível de captar com alguma facilidade, mas a concentração está prejudicada; 11.–Apresenta lentificação psíquica global; 12.–O discurso é muito escasso e pobre, apenas provocado, consistindo em poucas palavras ou frases muito curtas; 13.–Consegue dizer o seu nome, mas não o seu sobrenome, 14.–Não sabe dizer a idade ou a data de nascimento ou morada; 15.–O pensamento é muito pobre, perseverante, não sendo possível aceder ao conteúdo do mesmo ou explorar a visão que o próprio tem do mundo e do seu lugar neste; 16.–As consequências da patologia de que está afecto, do ponto de vista médico, têm por tradução uma redução ou afectação de diversos domínios cognitivos, incluindo a linguagem, atenção, memória, o cálculo, a capacidade para abstracção, o julgamento crítico, entre outras, que serão tanto mais afectadas quanto a perturbação progredir ao longo do tempo, como é habitual; 17.–O beneficiário não consegue compreender o conceito de acompanhante nem escolher o mesmo; 18.–Não consegue tratar da sua higiene, nem do seu vestuário, nem consegue confecionar a sua alimentação, pese embora consiga comer pela própria mão, desde que os alimentos sejam colocados à sua disposição e alcance; 19.–Não consegue deslocar-se ao médico sozinho nem tomar a medicação sem a ajuda de terceiros; 20.–Não consegue ler nem escrever o seu nome; 21.–Não conhece o dinheiro, não consegue efectuar pequenos cálculos, nem tem discernimento para realizar negócios correntes; 22.–Apresenta-se desorientado no espaço e no tempo; 23.–Não sabe a sucessão dos dias, meses e anos ou a sua data de aniversário; 24.–Evidencia alheamento que é interrompido quando se lhe dirigem perguntas em tom de voz mais elevado; 25.–Ainda reconhece as suas netas, com quem mantém laços afectivos, que foram fomentados pela filha do beneficiário ao longo dos anos, e reconhece C… e CG…, no entanto, não consegue recordar-se do nome delas; 26.–Consegue deslocar-se com marcha autónoma; ainda assim, a marcha é lenta e hesitante; 27.–Tem já importante dificuldade em pedir ajuda a terceiros, sendo que o cuidado continuado da companheira e a experiência desta na interpretação de pequenos sinais permite antecipar ou reconhecer necessidades, mesmo na ausência de comunicação verbal; 28.–Não consegue iniciar ou atender chamadas telefónicas; 29.–O beneficiário reside com C…, com quem mantém vínculo afectivo, a qual vem assegurando os seus cuidados e necessidades; 30.–CG… auxilia C… em alguns aspectos do cuidado do beneficiário, dando-lhe, por exemplo, apoio em deslocações a consultas médicas e visita regularmente a ambos; 31.–As netas do beneficiário visitam o mesmo (que permanece a maior parte do tempo em …), maioritariamente nas pausas lectivas, comunicando com o mesmo por videochamada esporadicamente; 32.–O relacionamento pessoal entre o beneficiário e a sua filha é distante, embora não conflituante, fruto, em grande parte da circunstância de aquele ter vivido nos Estados Unidos durante largo anos e a filha ter permanecido em Portugal, não mantendo os mesmos contacto há alguns anos; 33.–O beneficiário apresenta uma natureza reservada e independente; 34.–O requerido não outorgou testamento Vital e/ou procurador de cuidados de saúde; 35.–Os primeiros sinais de défices cognitivos terão surgido pelo menos desde 2020, com progressiva evolução os longos dos anos; 36.–A incapacidade total está seguramente presente desde, pelo menos, 01 de Janeiro de 2021. 37.–Relativamente aos meios de apoio e de tratamento, conclui-se no relatório pericial que “(…)[o beneficiário] deverá manter acompanhamento médico regular, na especialidade de medicina geral e familiar ou medicina interna, com apoio pelas especialidades de neurologia e psiquiatria, bem como outras quando consideradas necessárias. Atentos os défices existentes, bem como a evolução previsível (com agravamento da dependência) o examinando está totalmente incapaz para viver autonomamente e por si só, requerendo e dependendo de terceiros para quase todas as actividade básicas de vida diária, cuidados de saúde, entre outros, necessitando de supervisão permanente, como presentemente ocorre em contexto domiciliário. Não pode ser colocado em meio com menor nível de cuidados do que aqueles de que actualmente beneficia. Dada a extensão da dependência e a natureza progressiva da doença, é previsível que seja em breve necessário aumentar o nível de cuidados a prestar no domicílio (porventura com ajuda externa) ou, alternativamente, admite-se como possível que possa surgir necessidade de colocação em Lar Residencial.(…)”; 38.–A 21 de Dezembro de 2021 foi outorgada no Cartório Notarial de ..... da Notária AR..... uma Escritura de Cessão de Quinhão Hereditário no qual interveio como outorgante o beneficiário, então representado pela Senhora Dra. S… que outorgou na qualidade de procuradora do beneficiário com poderes para o acto, de acordo com a procuração emitida pelo beneficiário em 28 de Julho de 2021 e respectivo termo de autenticação emitido na mesma data pela Advogada C…, registados no respectivo site e que foram arquivados no Cartório; 39.–Pela indicada escritura, o beneficiário cedeu a A… e AB…, o quinhão hereditário que detinha na aberta por óbito de M…, que não compreendia bens móveis, sendo o preço total da cessão (incluindo o seu quinhão e os dos demais interessados outorgantes) de 100 000 € (cem mil euros). *
III.–O DIREITO:
No âmbito deste recurso insurge-se a recorrente não com a questão essencial, ou seja, determinar a necessidade do acompanhamento de maior, mas sim as medidas concretas aplicadas, por um lado, e a data de tal necessidade, por outro. Com efeito, a recorrente designada (co)acompanhante do beneficiário vem primeiramente pôr em causa a data considerada em termos de incapacidade do requerido. Sustenta que o facto de constar da matéria de facto que no ano de 2021 o Beneficiário interveio como outorgante devidamente representado, com procuração emitida pelo mesmo em 28 de julho de 2021 e respectivo termo de autenticação emitido na mesma data, numa escritura de cessão de quinhão hereditário, datada de 21 de dezembro de 2021, o mesmo tinha massa critica, consciência, vontade própria, capacidade de decidir, discernimento e ainda estava capaz de gerir o seu património. Donde, entende que tendo o beneficiário sido sujeito a perícia psiquiátrica em 30/01/2023, e tendo o Tribunal a quo dado como provado, sob o ponto 36 da matéria de facto, o teor parcial do relatório pericial e não qualquer facto com base no mesmo, entende que a data indicada no relatório pericial, é meramente indicativa, sem uma base factual sólida que a sustente e não espelha o verdadeiro estado de saúde do Beneficiário nesse período e durante todo esse ano de 2021. No mais, conclui que o beneficiário, começou a ter um acentuado agravamento apenas durante o ano de 2022, o que determinou a acção em causa, devendo a data da sua incapacidade total ser alterada com o seu inicio em 01/01/2022, e não a que consta da decisão do Tribunal a quo. Pugna o Ministério Público, quer pela rejeição do recurso nesta parte, quer ainda pela sua improcedência.
Vejamos, então.
Quando seja impugnada a matéria de facto estabelece o art. 640.º do C.P.C.:«(…), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:a)-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do nº 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:a)-Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b)-Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Refere Abrantes Geraldes (in ”Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, pp. 158-159):«A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:a)-Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); b)- Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));c)-Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d)-Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e)-Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».
Ora, é por demais evidente que a Recorrente não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto que sobre si impendia, já que não indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham que o Tribunal a quo tivesse fixado como data de início da incapacidade total do beneficiário o dia 01/01/2022, diversamente ao que considerou no Facto 36 dado como provado. Acresce que o facto em causa não se limita a reproduzir o relatório pericial psiquiátrico, concluindo sim por uma data concreta alicerçada no mesmo. Donde, por ausência de cumprimento de tal preceito e não existindo possibilidade de aperfeiçoamento das alegações no tocante à matéria de facto (neste sentido entre outros, Ac. do STJ, de 27.09.2018, proferido no Processo n.º2611/12.2TBSTS.L1.S1), tal determinaria a rejeição de tal segmento recursório. Porém, considerando a natureza da acção e os direitos envolvidos na mesma e o que se pretende salvaguardar, mesmo que se aprecie tal pretendida alteração a mesma estará votada ao insucesso. Com efeito, na fixação da data do início da incapacidade total do beneficiário em 01/01/2021 (Facto 36 dos Factos Provados), foram decisivas as conclusões do Relatório Pericial junto aos autos, em cujo ponto 6 foi arbitrado que a incapacidade total estará seguramente presente desde pelo menos Janeiro de 2021. Ora, a Recorrente notificada que foi do relatório não reclamou ou pediu esclarecimentos quanto ao mesmo, aliás, foi ouvida aquando da realização da peritagem, como resulta do relatório. Por outro lado, a data em questão e fixada na sentença encontra apoio em elementos factuais e documentação clínica, tidos em consideração e devidamente explicitados pelo Sr. Perito Médico no relatório pericial, como sejam a TAC-CE realizada em Agosto de 2020 e a avaliação neuropsicológica efectuada no final do mesmo ano, que já espelhavam défices graves do Beneficiário em múltiplas áreas. Na verdade, o relatório junto alude quer ao exame directo ao beneficiário, bem como aos elementos relativos ao exame indirecto, nomeadamente, a declaração da médica neurologista, o registo do acompanhamento em consultas, mas igualmente entrevista à ora recorrente e à sobrinha da mesma. Perante tais elementos conclui, além do mais, que:”O quadro clínico que condiciona a incapacidade síndrome demencial em provável Doença de Alzheimer - ter-se-á feito notar sensivelmente desde pelo menos 2020, pouco tempo depois do examinando ter sido intervencionado cirurgicamente. Segundo relata a esposa, até essa data o examinando funcionaria com autonomia nas mais diversas dimensões, ainda que revelasse já dificuldade na expressão em inglês (língua que aprendeu já como adulto). Terá sido em 2020 referenciado a consultas de Neurologia (Dra. A…) para investigação de queixas mnésicas. Contudo, em consulta ocorrida em Abril de 2020 já era evidente existência de anomia, com discurso muito confuso, sendo, portanto, provável que o processo demencial se tivesse iniciado em data mais distante; contudo, o relato dos familiares é efectivamente de funcionalidade normal até 2020. Da investigação efectuada pela Neurologia ainda em 2020 destaca-se TAC-CE realizada em Agosto de 2020 (sic), sendo que a avaliação neuropsicológica que investiga os diversos domínios da cognição realizada em final de 2020, docu (sic), com défices graves em múltiplas áreas. Segundo os familiares, desde final de 2020 / início de 2021 que o examinando exibiu perda acelerada de competências, designadamente cometendo erros na condução (e.g. conduzindo em sentido contrário ao da via em que se encontrava, deixando de perceber -se em zonas que conhecia bem e tornando-se mais intensas as queixas mnésicas (com esquecimentos frequentes). Segundo relatado pelos familiares, o examinando não faz qualquer uso de dinheiro desde meados de 2021, deixando nessa altura de participar em negócios ou de acompanhar as suas finanças. Veio a perder a capacidade de se expressar em inglês no início de 2022. A esposa relata agravamento substancial nos últimos 6 meses, com incremento da dependência de terceiros para actividades básicas de vida diária. Desde há sensivelmente 3 ou 4 meses o examinando deixou de conseguir nomear familiares, embora mantenha reacção de familiaridade.”.
A intervenção na escritura plasmada nos pontos 38. e 39., além de ter ocorrido como representado e não presencialmente pelo próprio, nada nos leva a considerar uma data diferenciada. Aliás, a procuração mediante a qual o beneficiário teve intervenção em tal acto data de 28/07/2021, mas desconhecemos em que termos foi feita, nem esta é suficiente para contrariar o relatório pericial e documentação em que o mesmo se alicerça nas suas conclusões. Também não vislumbramos em que baseia a recorrente a alteração da data para 1/01/2022, pois tal data não resulta de qualquer meio de prova, nem a recorrente indica de onde resulta tal período temporal como sendo o marco que determina a incapacidade do beneficiário. Donde, é manifesta a improcedência do recurso, nesta parte. No mais, antecipando, a recorrente nas questões que suscita labora em erro, senão vejamos. Não se insurge a requerente, ora recorrente, quanto à representação do beneficiário nos termos fixados na sentença, mas sim questões de ordem prática quanto a essa representação na sua vertente patrimonial.
A sentença neste segmento expõe o seguinte:«Quanto à representação do beneficiário, e para além desta norma, haverá ainda que recorrer ao disposto no art. 143.º, do Código Civil, onde vêm definidas as pessoas que podem/ devem ser nomeados acompanhantes e os critérios subjacentes:1- O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente. 2-Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:a)- Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto; b)- Ao unido de facto; c)- A qualquer dos pais; d)- À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado; e)- Aos filhos maiores; f)- A qualquer dos avós; g)- À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado; h)- Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação; i)-A outra pessoa idónea. 3- Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores. Processualmente, dispõe o artigo 900.º, do Código de Processo Civil, que:1- Reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes. 2- O juiz pode ainda proceder à designação de um acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família. 3- A sentença que decretar as medidas de acompanhamento deverá referir expressamente a existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde e acautelar o respeito pela vontade antecipadamente expressa pelo acompanhado. De acordo com o n.º 3 do art. 902.º, do Código de Processo Civil, a decisão que decrete o acompanhamento ou que o rejeite é publicitada e comunicada nos precisos termos decididos ao abrigo do artigo 894.º. No caso dos autos, tendo em conta o diagnóstico do beneficiário e as suas limitações, entendemos que a medida a aplicar deverá ser a prevista na alínea b), do n.º 2 e n.º 4, do art. 145.º, do Código Civil, mais concretamente, de representação geral. Na medida aplicada enquadra-se, naturalmente, para além do dever de assistência e cuidados por parte do(a) acompanhante, todas as medidas necessárias para os cuidados de saúde e administração de bens do beneficiário, incluindo a abertura de contas bancárias e recebimento e gestão dos seus dinheiros, perante quaisquer entidades públicas e privadas. Acresce que, tendo em conta os efeitos e a extensão da incapacidade e em conformidade com o disposto no artigo 147.º, n.º 1, in fine do Código Civil excluem-se do livre exercício, pelo beneficiário, os direitos exercer as responsabilidades parentais, adoptar, recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida (para os efeitos do disposto no artº 6.º n.º 2 da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho), de recusar tratamento médico adequado e necessário à sua condição de saúde, de se deslocar no país e no estrangeiro, desacompanhado de responsável, de fixar domicilio ou residência, de votar, de celebrar negócios da vida corrente, e (para os efeitos do disposto no art. 2189.º, al. b) do Código Civil) de testar. As medidas tornaram-se convenientes desde 01 de Janeiro de 2021. No que tange à concordância para a designação de acompanhante, o beneficiário não revelou ter condições, nem para compreender o âmbito do acompanhamento, nem para decidir e transmitir uma vontade esclarecida relativamente à pessoa do acompanhante. Importa, pois, neste contexto e não sendo possível aferir do desejo da pessoa acompanhada, ponderar sobre quem se encontra em melhores condições para assumir as funções de acompanhamento legal e em que âmbito, tendo em conta a existência de duas pessoas que manifestaram vontade em assumir o cargo de acompanhante e as responsabilidades inerentes ao mesmo, bem como a necessidade de salvaguarda dos interesses do beneficiário. Assim e relativamente ao plano pessoal, avaliando a situação social do beneficiário, que reside com a sua companheira de há mais de duas décadas, com quem mantém laços afectivos, sendo esta quem tem vindo a prover de facto pelo seu cuidado, mais avaliando a situação de distanciamento relacional vivenciada entre o beneficiário e a sua filha, permitimo-nos concluir sem grande dúvida que é a requerente C… quem está em melhores condições para exercer as funções de acompanhante no plano pessoal, consistente na gestão dos assuntos atinentes à alimentação, higiene, vestuário e deslocação e fixação de residência do beneficiário e na gestão das actividades da vida pessoal quotidiana do beneficiário, cabendo à acompanhante, neste plano, a responsabilidade por providenciar pela toma de medicação adequada por parte do beneficiário, agendamento e acompanhamento médico, bem como adesão às terapêuticas que forem prescritas ao beneficiário, ou a sua submissão a actos e tratamentos médicos, entre outras medidas específicas que se venham a apurar necessárias, devendo ser objecto de autorização judicial prévia as decisões de recusa de tratamento proposto de acordo com as leges artis que gerem uma possibilidade de redução da esperança de vida expectável ou do conforto e bem-estar do beneficiário. Mais fica a acompanhante obrigada a disponibilizar à acompanhante que exerça as funções no plano patrimonial todos os elementos atinentes ao património do beneficiário, presentes e futuros – nomeadamente, indicação do património existente, móvel, imóvel e direitos/ créditos (saldos bancários, pensões e rendas, por exemplo) e respectivos elementos de identificação administrativos, códigos de acesso a portais de finanças e segurança social ou banca electrónica, disponibilização de todas as comunicações e notificações provenientes dos serviços da administração tributária e da segurança social bem como de entidades bancárias e credores do beneficiário e disponibilização de todos os documentos e elementos relativos a contratos de arrendamento ou outros com efeitos patrimoniais de que o beneficiário seja titular. Como medidas de apoio e tratamento, autoriza-se que, quando a acompanhante deixar de conseguir providenciar ao beneficiário, na sua residência, os cuidados necessários do ponto de vista das actividades básicas da vida diária, aquele integre unidade de cuidados continuados na área das demências ou, não sendo possível, estabelecimento residencial para idosos, ouvindo-se previamente a outra acompanhante e o Conselho de Família. Relativamente ao plano patrimonial, entende-se que é a filha do beneficiário, D…, a pessoa a quem devem ser acometidas as funções de acompanhante. Não se olvida a situação de distanciamento relacional vivenciado entre pai e filha já desde momento anterior ao início da incapacidade. As relações interpessoais são afectadas por questões endógenas e exógenas aos próprios indivíduos que as condicionam e, na situação vertente, o distanciamento vivido não radicou de um conflito ou despreocupação mútua entre pai e filha, antes no distanciamento em alguma medida potenciado pelas circunstâncias da distância física que os separou durante largos anos e que se terá reflectido numa perda de intimidade e identificação entre ambos, sendo que tal não obstou a que D... tenha fomentado, com sucesso, o relacionamento do beneficiário com as netas, suas filhas. D... revelou, no processo, preocupação com o beneficiário e vontade de dele cuidar, o que não deve ser desprezado, antes fomentado, para além do mais porque se trata da única filha do beneficiário. Não há qualquer indicação de que o beneficiário repudiasse a intervenção da sua filha, com quem, reitere-se não mantinha relação de conflito ou rejeição. A filha do beneficiário apresentasse como pessoa idónea e desprovida de reserva de interesses relativamente ao património do beneficiário. Por outro lado, de acordo com os elementos dos autos, o beneficiário terá praticado actos de disposição patrimonial já após o começo da incapacidade, outorgando procuração com vista à cessão de quinhão hereditário numa altura em que permanecia já, de facto, ao cuidado de C…, a suscitar a preocupação sobre se a dinâmica do casal e a postura da requerente é de molde a habilitá-la a que proceda à tomada de decisões no sentido de uma gestão objectiva e eficaz do património do beneficiário e no melhor sentido dos seus interesses. Neste contexto factual, conclui-se como se iniciou, no sentido de entender-se dever ser D... , filha do beneficiário, a acompanhante designada para o plano patrimonial, a quem incumbirá a administração e gestão dos bens do beneficiário, incluindo a abertura de contas bancárias e recebimento e gestão dos seus dinheiros, perante quaisquer entidades públicas e privadas (inibindo-se o beneficiário de ter acesso a cheques, cartão de débito e crédito, MB Way, Homebanking, caderneta, devendo ser oficiado ao Banco de Portugal, nos termos do art.º 894.º do Código de Processo Civil, no sentido de fazer divulgar pelas entidades bancárias e instituições financeiras, as inibições e limitações referidas) e que se deverá articular com a acompanhante designada para o plano pessoal, com vista à satisfação das necessidades financeiras pessoais do beneficiário. Para o efeito do cabal exercício das suas funções, fica a acompanhante D… obrigada a manter um contacto permanente com o beneficiário, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal(cfr. artigo 146.º, n.º 2, do Código Civil).» (sublinhado nosso).
Da parte recursória ora em apreço e das suas conclusões não resulta evidente que a recorrente pretenda que se altere a sentença quanto à indicação de uma acompanhante do beneficiário a nível pessoal e outra a nível patrimonial, mas sim que se considere a inexequibilidade do previsto no segmento decisório quanto à articulação de ambas.
Sustenta assim, que a entrega pela ora recorrente à acompanhante patrimonial de toda a informação de saldos e códigos de contas bancárias do Beneficiário, vai bulir com elementos sigilosos da própria, dizendo que o Beneficiário tem apenas uma conta bancária em que a Recorrente também é titular, sendo ainda que o IRS é conjunto, pelo que também se insurge quanto ao fornecimento de senhas de acesso a nível fiscal.
Acresce que alude que a única filha do Beneficiário, responsável pelo plano patrimonial, não tem qualquer tipo de ligação próxima com a Acompanhante do plano pessoal e com o Beneficiário, pelo que com tal nomeação não se salvaguardou os interesses do Beneficiário. Todavia, não conclui pela alteração da decisão, mas sim que atendendo ás “necessidades mensais do Beneficiário, seja definido um valor mensal para assegurar as necessidades básicas e despesas mensais do Beneficiário, de modo que se consiga assegurar a sobrevivência do mesmo com dignidade. Sempre importando aqui mais referir que, havendo necessidade de realizar despesas em valores superiores para assegurar o bem-estar e/ou interesses do Beneficiário, sempre poderá ser requerido autorização ao Tribunal para o efeito. Importa ainda referir que, caso as despesas mensais para assegurar o bem-estar do Beneficiário e as suas necessidades venham a assumir o montante constante ao estipulado, sempre poderá a medida de acompanhamento ser modificada quanto ao montante definido.”.
Logo, não almeja a recorrente a alteração do acompanhamento definido na sentença, mas sim que se “fixe um valor mensal, que satisfaça, com dignidade as necessidades básicas e bem-estar do Beneficiário”.
Resulta desde logo das conclusões da recorrente que a mesma não impugna o que fundamentou a nomeação de duas acompanhantes nos termos sobreditos, nomeadamente a questão patrimonial. Pois não há que olvidar que aquando da interposição da acção a recorrente além de pretender que fosse nomeada única acompanhante, limitou-se a indicar sobrinhas da própria para o conselho de família, evidenciando o afastamento total quer da filha, quer das netas do beneficiário.
Acresce que, como bem evidencia o Ministério Público, as questões suscitadas pela Recorrente relativas à obrigação de ter de fornecer à acompanhante nomeada no plano patrimonial informações atinentes aos saldos das contas bancárias co-tituladas pelo beneficiário e por si e às senhas de acesso ao portal da Autoridade Tributária são de fácil resolução, caso as duas acompanhantes nomeadas nos autos estejam, como se lhes impõe, focadas no bom desempenho das funções que lhe foram atribuídas. Deste modo, fixadas na sentença as funções a exercer por cada uma das acompanhantes, estas devem, a todo o passo, articular-se no sentido do cabal exercício das mesmas, da forma que melhor entenderem, mas sempre do prisma da salvaguarda daquilo que é o interesse imperioso do beneficiário, o que manifestamente dispensa a requerida fixação pelo Tribunal a quo de um valor fixo para assegurar as necessidades básicas e as despesas mensais dos Beneficiário, nem aliás a recorrente indica o valor que considera adequado.
Aliás a existência apenas de uma conta conjunta poderá facilmente ser alterada, devendo a recorrente indicar que valores pertencem ao beneficiário e que rendimentos é que o mesmo possui que incrementam tal conta e, no caso de entender que o sigilo bancário predomina, deverá ser considerada uma abertura de conta diferenciada, onde sejam depositados os valores pertencentes ao beneficiário, mas nunca tal será impedimento para que as funções deixem de ser exercida tal como foram definidas na sentença recorrida. Importa ainda referir que a nível fiscal nada impede a apresentação de IRS conjunto, pois a concessão de senha é sempre individual e visa o acesso da acompanhante de toda a informação fiscal do beneficiário, sendo esta um elemento específico de cada contribuinte e não do “casal”, como parece resulta das conclusões da recorrente. Donde, no plano patrimonial competirá à obrigada articular-se com a acompanhante designada para o plano pessoal, com vista à satisfação das necessidades financeiras pessoais do beneficiário, devendo aquela providenciar pelo pontual pagamento de toda e qualquer despesa necessária à satisfação dessas necessidades, pelo modo que entenda ser o mais eficiente e prático, o que poderá passar pela concessão de um montante mensal, a estabelecer em articulação com a outra acompanhante, ou de outra forma que entendam mais conveniente, mas competindo a ambas privilegiar sempre o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família na concreta situação considerada (cfr. art. 146.º, n.º1 do Cód. Civil).
Deste modo, é de manter a decisão nos seus precisos termos, a qual decidiu por forma a salvaguardar todos os interesses do beneficiário.
Resta, por fim, aferir do segmento decisório que determinou no ponto K) da decisão proferida que: “Consigno, para os efeitos do disposto no art. 2.º, al. b), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que a situação de acompanhamento de maior, ora declarada, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto”.
Entende a recorrente que tendo sido considerado que a Recorrente e Beneficiário vivem em união de facto há mais de 25 anos, constando tal atestado pela Junta de Freguesia da …, nos termos constante do atestado de 20/10/2022, bem como a comprovação de apresentação de declaração conjunta de IRS desde o ano 2005, ainda que já vivessem em união de facto desde 1997, não poderia o Tribunal decidir como o fez. Mais defende que o direito a constituir uma família fora do casamento é um direito fundamental dos cidadãos, expressão do seu direito à liberdade e à sua autodeterminação e, sendo a família uma substancialidade imediata do espírito tem como determinante a autoconsciência da sua própria individualidade, nessa mesma unidade, logo, não se aceita e desde já se impugna a presente medida decretada, por ir contra a legislação em vigor e não existir prova que justifique a decisão tomada, pelo que deverá ser revogada.
O equívoco da recorrente fica evidenciado na interpretação do que se entende decidido no ponto k) do dispositivo da sentença, pois neste apenas se teve em vista impedir a atribuição de direitos ou benefícios decorrentes de eventuais novas relações de união de facto que venham a ser estabelecidas pelo Beneficiário após a data do início da incapacidade fixada na sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º, al. b) da Lei n.º 7/2001, de 11.05. 17. Pelo que de fora, naturalmente, fica a união de facto estabelecida desde há cerca de 25 anos entre o Beneficiário e a ora recorrente, tal como expressamente foi reconhecida e considerada na sentença em questão. Deste modo, o que está estabelecido na alínea k) do dispositivo da sentença não contende com a protecção que o legislador nacional confere às situações jurídicas de união de facto, antes está de acordo com o que vem disposto na aludida disposição legal.
Logo, o que se pretendeu salvaguardar foi eventuais uniões de facto posteriores à incapacidade do beneficiário, pois para os efeitos do disposto no art. 2.º, al. b), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, a situação de acompanhamento de maior, ora declarada, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto, mas tal como se prevê no mesmo preceito tal impedimento apenas ocorre às uniões posteriores a tal situação, estando a união de facto entre o beneficiário a recorrente salvaguardada pela excepção na última parte da alínea b) Artigo 2.º do diploma aludido, ao referir que: “Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto(…)b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos e situação de acompanhamento de maior, se assim se estabelecer na sentença que a haja decretado, salvo se posteriores ao início da união”.
No entanto, para assegurar eventuais diferendos ou interpretações menos adequadas, para que tal situação fique definida no segmento decisório em causa passará a constar que: «k)Consigno, para os efeitos do disposto no art. 2.º, al. b), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que a situação de acompanhamento de maior, ora declarada, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto que possa ocorrer a partir da data de declaração da incapacidade, salvaguardando-se a existente nessa data.». Porém, tal explicitação já resultaria da fundamentação da sentença, não significando a procedência do recurso qua tale, pelo que improcede, assim, in totum a apelação. *
IV.–Decisão: Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recursode apelação interposto pela requerente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, explicitando-se que o segmento decisório contido no ponto k. passará a ter a seguinte redacção: «k)-Consigno, para os efeitos do disposto no art. 2.º, al. b), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que a situação de acompanhamento de maior, ora declarada, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto que possa ocorrer a partir da data de declaração da incapacidade, salvaguardando-se a existente nessa data.». Custas pela apelante. Registe e notifique.
Lisboa, 28 de Setembro de 2023
Gabriela de Fátima Marques Maria de Deus Correia(com declaração de voto que se segue) Teresa Pardal
DECLARACÃO DE VOTO Voto vencida o presente acórdão pois não acompanho o raciocínio nele plasmado, desde logo, na questão processual, ao considerar que não vem impugnada a decisão de estabelecer uma acompanhante para os assuntos pessoais e outra acompanhante para os assuntos patrimoniais. Na verdade, das várias conclusões de recurso e da parte final do mesmo, não pode deixar de interpretar-se que é esse, precisamente, o sentido do recurso. A Apelante conclui que a sentença recorrida “não salvaguarda os interesses do Beneficiário” (Conclusão S). Nas conclusões P) e Q), a Apelante impugna, claramente, a nomeação da filha do Beneficiário como acompanhante alegando que a mesma “ não tem qualquer ligação próxima com a Acompanhante do plano pessoal e com o Beneficiário”. E, em consonância, termina pedindo que “deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, considerando-se que a douta sentença violou, assim, as normas citadas nestas alegações, devendo ser revogada a douta decisão proferida, substituindo-se por outra que acautele os interesses do Beneficiário.” Não se vê que a Apelante pudesse ser mais clara. Confunde-se, no acórdão, o pedido, com os argumentos invocados pela Apelante para considerar que a nomeação de duas acompanhantes é de difícil execução e prejudicial aos interesses do Beneficiário. Vem, pois, impugnada, a meu ver, a decisão de nomear duas acompanhantes, e é essa a decisão que a Apelante pretende ver substituída por outra em que seja ela a única acompanhante. Essa é a única razão de ser do recurso. Quanto à questão substantiva, acompanho os argumentos da Apelante no sentido de que, no caso concreto, a fixação de um acompanhamento bicéfalo, efectivamente não salvaguarda os interesses do Beneficiário. A solução preconizada na sentença recorrida e confirmada no acórdão afigura-se potenciadora de conflitos sendo o Requerido o principal lesado com tal situação. Por outro lado, permite uma intromissão intolerável na vida privada da Apelante, por parte da filha do Beneficiário. Com efeito, não parece razoável que a Apelante fique sujeita ao controlo daquela, em relação às despesas da gestão quotidiana da casa, num contexto em que vive em união de facto com este, há vinte e cinco anos. Não dão os autos qualquer motivo para por em causa a idoneidade da Apelante para utilizar criteriosamente os recursos patrimoniais disponíveis, necessários para cuidar do Beneficiário. Antes pelo contrário. E, se tal acontecer, a lei contém mecanismos para corrigir essa situação, como a obrigação de prestar contas, prevista no art.º 151.º n.º2 do Código Civil. Por outro lado, importa não perder de vista que a decisão no âmbito deste processo nada tem a ver com direitos sucessórios. É evidente que a filha é herdeira legitimária do Beneficiário e a Apelante não o é, a menos que o seja por via testamentária. Porém, essa qualidade não vem ao caso neste processo, nem pode constituir argumento para esta decisão. Pelas razões sucintamente referidas, julgaria procedente a apelação.
Lisboa, 28 de Setembro de 2023 Maria de Deus Correia