CONCLUSÕES DE RECURSO
CESSÃO DE QUOTAS
DOCUMENTO ESCRITO
ILEGITIMIDADE ATIVA SUPERVENIENTE
Sumário


1- Uma coisa é a total falta ou ausência de conclusões de recurso (a qual é insuprível, determinando a imediata rejeição do recurso, sem que seja admitido convite para que o recorrente supra a falta cometida), e outra, diversa, é a situação em que o recurso contém conclusões, mas estas apresentam vícios, nomeadamente o vício da prolixidade decorrente de nelas o recorrente, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, suscitar outras questões inócuas, ou repetir as antecedentes motivações, vícios esse que não determinam a rejeição do recurso, por falta de conclusões (o recurso contém efetivamente conclusões, mas estas apresentam vícios), antes se impondo a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos determinados pelo art. 639º, n.º 3 do CPC.
2- A cessão de quotas tem de ser reduzida a documento escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário, sem outras formalidades adicionais (art. 228º, n.º 1, ex vi, art. 4º-A, ambos do CSC).
3- Não resultando dos enunciados arts. 228º, n.º 1 e 4º do CSC, que a exigência de documento escrito na cessão de quotas seja imposta pelo legislador por razões exclusivamente probatórias, tendo presente o princípio regra enunciado no art. 364º do CC, tem de se considerar que a exigência desse documento escrito que corporiza a cessão de quotas é condição de validade jurídica desse negócio (documento substancial), sem cuja junção aos autos não é possível a prova do mesmo, não podendo essa prova ser feita por outro meio de prova, incluindo a confissão ou por documento que não tenha força probatória superior ao referido documento escrito.
4- Daí que tendo o Réu, em ação instaurada contra aquele em que é pedida que seja destituído do cargo de gerente, apresentado articulado superveniente, em que alegou que o Autor, lhe remeteu, mais à sociedade de que é gerente, carta comunicando-lhes que tinha vendido a terceira sociedade as quotas que detinha no capital da sociedade de que é sócio, e requerendo que, por via disso, tendo o Autor perdido a sua qualidade de sócio da sociedade de que é gerente, se julgasse procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente e se absolvesse o mesmo da instância, não tendo sido junto aos autos o documento escrito que corporiza a cessão de quotas alegadamente celebrada entre o Autor e a sociedade cessionária, não podia o tribunal dar essa cessão de quotas como provada e, nessa sequência, ter deferido a pretensão do Réu, isto apesar do Autor não ter respondido ao articulado superveniente, nem ter impugnado a assinatura que se encontra aposta nas cartas juntas pelo Réu com esse articulado, e deste lhe imputar a autoria de tais assinaturas e de, nas cartas juntas, o Autor comunicar efetivamente ao Réu e à sociedade que tinha vendido as quotas de que era titular no capital social dessa sociedade.
5- A cessão de quotas, salvo disposição do contrato de sociedade dispensando o consentimento, tem de ser consentida, expressa ou tacitamente, pela sociedade, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios, exceto se o contrato de sociedade impuser esse consentimento mesmo nestes casos, e uma vez efetuada, a cessão de quotas tem de ser comunicada ou reconhecida pela sociedade, sob pena de apesar da cessão de quotas ser juridicamente válida, ser ineficaz em relação à sociedade, para quem o cedente (não o cessionário) continua a deter a qualidade de sócio, com todos os direitos e obrigações inerentes a essa qualidade.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

*
I- RELATÓRIO

AA, residente na Quinta ..., Rua ..., ... ..., instaurou a presente ação especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais, contra BB e CC, residentes na Quinta ..., Rua ..., ... ..., pedindo que se suspenda provisoriamente os últimos do exercício de funções de gerentes  da sociedade “Quinta ..., Lda.”, até à decisão final a proferir nos autos e, a final, se destitua os mesmos do exercício dessas funções de gerência.
Em 20/06/2022, proferiu-se sentença, julgando procedente a medida cautelar requerida e, em consequência, determinou-se a suspensão dos requeridos BB e CC do cargo de gerentes da sociedade comercial “Quinta ..., Lda.” e ordenou-se a citação destes, nos termos e para os efeitos dos arts. 1055º, n.º 3 e 366º, n.º 6 do CPC.
       
Inconformados com a decisão cautelar proferida, os requeridos interpuseram recurso, tendo esta Relação, por acórdão de 03/11/2022, transitado em julgado, julgado:

- o recurso interposto pela requerida CC procedente e, em consequência, absolveu-a da instância e revogou a decisão recorrida quanto à mesma;
- o recurso interposto pelo requerido BB improcedente e, em consequência, confirmou a decisão recorrida quanto a ele.
Os Réus deduziram oposição à medida cautelar de suspensão decretada e contestaram a ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Suscitaram a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, sustentando não disporem de legitimidade para contradizer a relação jurídica material controvertida delineada pelo requerente na petição inicial, uma vez que quem é titular do interesse relevante é a própria sociedade, dado que esta apenas tem dois sócios, em que um (o requerente) visa obter a destituição do cargo de gerente do outro sócio (o requerido BB).
Em todo o caso, a assim não se entender, ocorre preterição de litisconsórcio necessário passivo, em virtude da presente ação ter de ser instaurada, por imposição legal, também contra a sociedade.
Acresce que ocorre ilegitimidade passiva da requerida CC dado que não é sócia, mas apenas gerente da sociedade “Quinta ..., Lda.”.
Impugnaram parte da facticidade alegada pelo requerente.

Concluíram, pedindo que:
a- se julgasse procedentes as exceções dilatórias invocadas e, em consequência, se absolvessem os requeridos da instância;
b- a assim não se entender, se julgasse a ação improcedente e se absolvessem os requeridos do pedido;
c- em qualquer dos casos, se condenasse o requerente como litigante de má fé em multa e em indemnização a favor dos requeridos, que consista no reembolso das despesas a que a sua má fé os obrigue, incluindo os honorários com mandatários ou técnicos, bem como na satisfação dos restantes prejuízos que os requeridos sofram como consequência direta ou indireta da má fé;
d- se julgasse procedente a oposição e, em consequência, se indeferisse a providência requerida.

O requerente AA respondeu, suscitando a exceção da inadmissibilidade legal da oposição deduzida pelos requeridos à medida cautelar decretada, sustentando não assistir aos últimos a faculdade de usar, em simultâneo, como meio de reação a esse decretamento, o recurso e a oposição, dado tratar-se de meios processuais de reação alternativos ao decretamento da providência. Ora, tendo os requeridos interposto recurso da sentença que decretou a medida cautelar, a oposição por eles apresentada em 28/07/2022, não pode ser recebida, por terem esgotado os meios de defesa que lhes são assegurados pelos arts. 372º e 366º, n.º 6 do CPC.
Suscitou a exceção da intempestividade da oposição, advogando que o prazo processual para a apresentação desta terminou em 25/06, sem que os requeridos tivessem pago a multa pela apresentação tardia daquela.
Impugnou a quase totalidade dos factos alegados pelos requeridos, negando que litigue de má fé e sustentando que quem deve ser condenado como litigantes de má fé são os próprios requeridos.
Concluiu pedindo que se rejeitasse, por inadmissibilidade legal, a oposição apresentada pelos requeridos e se absolvesse o mesmo do pedido de condenação como litigância de má fé formulado pelos requeridos.
Determinou-se a observância do contraditório em relação aos requeridos quanto às exceções invocadas na resposta à oposição.
Os requeridos responderam, concluindo pela improcedência da exceção de intempestividade da oposição que apresentaram, alegando terem dado entrada em juízo dessa oposição no primeiro dia útil após o termo do prazo processual estabelecido para o efeito e procederam ao pagamento da multa processual respetiva, pelo que nenhuma dúvida existe quanto à tempestividade dessa oposição.
Concluíram pela improcedência da exceção da inadmissibilidade legal da oposição, alegando que o recurso que interpuseram não se debruça sobre o mérito da decisão que decretou a suspensão daqueles das funções de gerentes, mas tem por fundamento questões adjetivas que o deveriam ter precedido e que verdadeiramente competem ao objeto do despacho liminar, questões essas que, na sua perspetiva, não se encontram abrangidas pela previsão da al. a), nem da al. b), do n.º 1, do art. 372º do CPC.
Acresce que, caso ocorresse a dita inadmissibilidade legal da oposição, ela não teria forçosamente que se referir à oposição à providência, cabendo-lhes decidir qual o meio de defesa que pretendiam manter, se o recurso, se a oposição.
Por despacho proferido em 24/08/2022, conheceu-se da exceção da admissibilidade da oposição à providência decretada suscitada pelo requerente, julgando-a procedente e, em consequência, determinou-se que os autos prossigam os seus legais termos em vista o julgamento da pretendida destituição.
 Ordenou-se a notificação do requerente para responder à matéria de exceção alegada pelos réus na contestação e, bem assim, a notificação dos requeridos para responderem ao incidente de litigância de má fé suscitado pelo requerente.
O requerente respondeu, pugnando pela improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pelos requeridos.
Por sua vez, os requeridos responderam ao pedido de condenação como litigantes de má fé deduzido pelo requerente, concluindo pela improcedência desse pedido.
Em 14/10/2022, dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, em que se conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscita pelos requeridos, julgando-a improcedente, e fixou-se o valor da causa em 5.001,00 euros, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, e, bem assim, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para realização de audiência final.
Entretanto, tendo o recurso interposto pelos requeridos da sentença que decretou a medida cautelar de suspensão das funções de gerência descido à 1ª Instância, por despacho de 09/01/2023, determinou-se que, tendo a requerida CC sido absolvida da instância, “o objeto do litígio e os temas de prova oportunamente definidos nos autos passarão a considerar tão só o exercício do cargo de gerência pelo Réu BB”.
Em 05/04/2023, o requerido BB apresentou articulado superveniente, requerendo que:
“a- porque tempestiva e porque os factos que nele são alegados interessam à boa decisão da causa, deve ser admitido o presente articulado superveniente (art. 588º, n.º 4 do CPC);
b- admitido o articulado, deve ordenar-se a notificação da parte contrária para lhe responder e, a final,
c- deve ser o Autor julgado parte ilegítima e o Réu absolvido da instância”.

Para tanto alegou:
“1º
Por cartas registadas com aviso de receção datadas de 22 de março de 2023, o Autor, AA, deu conhecimento à sociedade Q..., Lda., e ao qui Réu, BB, de que havia vendido a sua quota nessa sociedade (docs. nºs ... e ... que se juntam e aqui dão por reproduzidos).

Nesses documentos particulares, quer no dirigido ao Réu, quer no dirigido à sociedade, o Autor comunicou o seguinte:
Na qualidade de titular de uma quota no valor de quota no valor nominal de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) na sociedade "Quinta ..., LDA", sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., com o capital social de cinco mil euros, com o NIPC ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., na qual V. Exa. é titular de uma quota de valor nominal idêntico venho por este meio comunicar-lhe que vendi a quota que detenho na referida sociedade.
A quota que detenho foi vendida à sociedade P..., Lda., pelo preço global de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), quantia já integralmente paga e recebida.
O respetivo registo de transmissão de quota será requerido findo o prazo para o exercício do direito de preferência que assiste à sociedade.
Nos termos previstos no pacto social, pode V. Exa. exercer o direito de preferência na referida compra no prazo contratual aí previsto, findo o qual será requerido o registo de transmissão.

A venda da quota não foi precedida do pedido de consentimento da sociedade que, nos termos do pacto social, é obrigatório para a cedência a estranhos (doc. nº ... que se junta e aqui dá por reproduzido).

A cessão é, pois, ineficaz em relação à sociedade.

A ineficácia da cessão não impede, contudo, a validade da cessão na relação entre cedente e cessionário pelo que, apesar dessa ineficácia, o Autor, de acordo com a informação por ele prestada nas comunicações acima referidas, deixou já de ser titular de qualquer parcela do capital social.

Apenas os sócios de sociedade por quotas podem pedir ao tribunal a destituição com justa causa do gerente da sociedade, nos termos conjugados dos arts. 257º nº 4 do CSC e 1055º nº 1 do CPC.

A qualidade de sócio de uma sociedade por quotas implica necessariamente a titularidade de quota capital social.

Admitindo o Autor não ser já titular de qualquer quota de capital social, conforme escrito dirigido ao aqui Réu e que quanto a esse facto desfavorável ao Autor faz prova plena (cfr. artº 376º, nº 2 do Código Civil), deixou ele de ser titular do interesse em agir, atento o disposto nos referidos artigos 257º nº 4 do CSC e 1055º nº 1 do CPC.

Nos processos de jurisdição voluntária, em que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita quanto ao conteúdo da decisão e à sua fundamentação, não se podem, porém, afastar as normas de natureza imperativa, nomeadamente, as normas relativas aos pressupostos processuais, como é o caso da legitimidade processual, ou pressupostos substantivos da decisão, que impõem a realização de determinados atos processuais ou que limitam o leque de medidas a adotar, sendo nestas questões, aplicáveis critérios de legalidade estrita.
10º
Tendo o Autor deixado de ser titular do interesse em agir, deixou ele de ter legitimidade processual ativa para prosseguir na ação, devendo tal ilegitimidade ser declarada e o Réu absolvido da instância”.

Juntou em anexo ao articulado superveniente as duas cartas acima referidas e respetivos envelopes, bem como certidão do contrato de sociedade da “Quinta ..., Lda.”.
Em 11/04/2023, a 1ª Instância proferiu despacho de admissão liminar do articulado superveniente e ordenou a notificação do requerente “para, no prazo de 10 dias, exercer o respetivo contraditório, tudo de acordo com a previsão do art. 588º, n.º 4 do CPC”.
O despacho que antecede foi notificado ao mandatário do requerente, via Citius, em 12/04/2023, seguindo com essa notificação cópia do articulado superveniente e dos documentos juntos em anexo a esse articulado.
O requerente não se pronunciou na sequência dessa notificação.
Em 11/05/2023, a 1ª Instância proferiu decisão, em que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente do requerente e, em consequência, declarou extinta a instância, constando esse despacho do teor que se segue:
 Resultando dos autos, como é aliás reconhecido pelo próprio Autor que não impugnou nem a factualidade nem os documentos que a sustentam nos termos alegados pelo Réu no respetivo articulado superveniente, que o mesmo não é já titular de qualquer quota de capital social da sociedade Q..., Lda., por força de cessão à mesma comunicada, de acordo com a previsão dos art.ºs 30.º, 577.º, al. e) e 1055.º, n.º 1 do CPC, julga-se verificada a exceção dilatória de ilegitimidade (ativa) superveniente do Autor e, em consequência, declara-se extinta a presente instância.---
Custas a cargo do Autor [art.º 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC].
Valor: o fixado no despacho saneador.
Registe e notifique”.

Inconformado com o decidido o requerente AA interpôs o presente recurso de apelação, em que formulou as seguintes conclusões:

1. O Recorrente não pode conformar-se coma sentença que declarou extinta a presente instância, por considerar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade (ativa) superveniente do Autor, pois não existe qualquer ilegitimidade superveniente;
2. Pois o Recorrente é titular de duas quotas, uma no valor nominal de € 625,00 (seiscentos e vinte e cinco euros), e outra no valor nominal de € 1.875,00 (mil oitocentos e setenta cinco euros) que possui na sociedade “Quinta ..., LDA.”.
3. A gerência da sociedade “Quinta ..., LDA.” é exercida pelos sócios AA, o Recorrente e o Recorrido, BB.
4. O Recorrente comunicou à sociedade e ao Recorrido, o sócio BB, mediante carta registada com aviso de receção, enviada no dia 22 de março de 2023 a venda da quota que detinha na sociedade Quinta ... à empresa P..., Lda.
5. Mais comunicou o Recorrente à sociedade e ao Recorrido BB, que o respetivo registo de transmissão de quota seria requerido findo o prazo para o exercício do direito de preferência, que assistia à sociedade.
6. A comunicação foi feita à sociedade e ao Recorrido BB, que dela tomou conhecimento no dia 27 de março de 2023.
7. Foi-lhe comunicado, além do mais, que o registo de transmissão da quota seria levado a cabo após o decurso do prazo para o exercício do direito de preferência.
8. O Recorrido apresentou articulado superveniente no dia 05/04/2023, ainda decorria o prazo para ser exercido o direito de preferência que lhe assistia.
9. Do qual o Recorrente era titular da quota no capital social, com legitimidade para pedir ao tribunal a destituição com justa causa do gerente da sociedade, nos termos conjugados dos arts. 257º nº 4 do CSC e 1055º nº 1 do CPC.
10. ORecorrente tinha interesse em agir e legitimidade processual ativa para prosseguir na ação.
11. Não se tendo procedido ainda à venda ou ao registo de transmissão da quota.
12. A pretendida venda realizada no dia 27 de abril de 2023, ocorreria findo o prazo para o exercício do direito de preferência, data em que se procederia ao registo de transmissão da quota.
13. Pelo, que nunca se poderia ter julgada verificada a exceção dilatória de ilegitimidade (ativa) superveniente do Autor, porquanto quando a mesma foi invocada ainda decorria o prazo para o exercício de preferência do Recorrido não tendo ainda sido feito o contrato definitivo de compra e venda.
14. E tanto assim é que o contrato definitivo de venda da quota não aconteceu.
15. Com efeito, com data de 05 de abril o Recorrente rececionou notificação por via postal - enquanto sócio e como tal reconhecido pelos Recorridos - para uma assembleia geral nos termos do documento que se junta e se dá por integralmente por reproduzido para todosos legais efeitos.
16. Assim o Recorrente continuou – como continua – a ser sócio e como tal reconhecido pelos Recorridos: cfr. doc. nº ...2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais feitos.
17. Tendo o Recorrente – enquanto sócio e como tal reconhecido –  instaurado procedimento cautelar – suspensão de deliberações sociais: que deu origem ao processo nº 1423/23.... deste tribunal de Comércio.
18. Mantendo, assim, a legitimidade do Recorrente enquanto parte interessada e com legitimidade processual ativa também na presente ação.
19. Pelo, que nunca se poderia ter julgado verificada a exceção dilatória de ilegitimidade (ativa) superveniente do Autor.
20. De modo que deve instância prosseguir os seus termos, revogando-se a decisão que em virtude da ilegitimidade ativa superveniente do autor a julgou extinta.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se douto acórdão em conformidade com as alegações supra formuladas.

Juntou, em anexo às alegações de recurso, os documentos que se seguem:
- cópia da carta datada de 05 de abril de 2023, na qual figura como remetente CC, e como destinatário o requerente, AA, lendo-se nesta:
“… convocam-se os sócios da sociedade denominada Q..., Lda., (…) para uma assembleia geral a realizar no próximo dia 26 de abril de 2023, pelas 15 horas, na sede social, sita (…), com a seguinte ordem de trabalhos:
PONTO ÚNICO
Deliberar a amortização da quota social titulada pelo sócio AA, no valor nominal de dois mil e quinhentos euros (2.500,00 euros) e consequente registo, por se encontrar verificado o fundamento previsto na alínea e) do ARTIGO QUARTO do Pacto Social (a cessão de tal quota a estranhos da Sociedade, sem que tenha sido observado pelo sócio o procedimento obrigatório previsto nos parágrafos primeiro e terceiro do ARTIGO QUARTO do Pacto Social, dado não ter notificado a Sociedade por carta registada com aviso de receção da cessão projetada nem ter solicitado nem obtido o consentimento para tal cessão), amortização essa que nos termos do parágrafo segundo do ARTIGO QUINTO do Pacto Social será efetuada mediante a contrapartida igual ao valor nominal da quota, já inteiramente realizada, de 2.500,00 euros.
A presente convocatória é endereçada aos sócios BB e AA, porquanto embora este haja dado conhecimento particular de que terá sido realizada a cessão (não tendo havido qualquer conhecimento oficial de tal cessão nem tendo sido esta enviada à sociedade), a mesma é ineficaz em relação à sociedade dado não ter sido por ela consentida nem ser por ela reconhecida.
Embora sobre a matéria sujeita a deliberação o sócio AA se encontre impedido de votar (art. 251º, n.º 1 do CSC) não pode o mesmo deixar de ser convocado, face ao que se dispõe no artigo 248º, n.º 5 do CSC.
Por solicitação do sócio BB, a ata será nos termos do disposto no artigo 63º, n.º 6, do CSC lavrada por Notário, caso o mesmo até ao dia da assembleia geral não prescinda de tal formalidade”;
- um envelope, em que figura como remetente CC e como destinatário o requerente AA e onde se encontra aposto o registo ... e como data de registo o dia 06/04/2023;
- cópia de petição inicial de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, intentado, em 05/05/2023, no Tribunal Judicial da Comarca ..., pelo AA (requerente e apelante) contra Q..., Lda. e BB (requerido e apelado), requerendo que se suspenda “todas as deliberações sociais tomadas em 26 de abril de 2023 e constantes da Ata de Reunião da Assembleia Geral da sociedade comercial por quotas, com a firma “Q..., Lda.”, constante do livro 6-1, Fls. 53, Doc. n.º ...0 Fls. 33, do Cartório Notarial ...”;
- certidão de “Instrumento de Ata de Reunião de Assembleia Geral”, lavrado pela notária DD, atinente à dita assembleia geral da “Q..., Lda.”, que teve lugar em 26/04/2023;
- cópia do despacho proferido, em 08/05/2023, no âmbito do identificado processo de procedimento cautelar instaurado, em 05/05/2023, por AA contra a Q..., Lda. e BB, em que se ordena o registo da ação e a citação dos requeridos para deduzirem, querendo, oposição, e de cujo teor se extrai que este procedimento cautelar se encontra a correr termos no Juízo de Comércio ... sob o n.º 1423/23....; e
- conhecimento de depósito de 29/05/2023, relativo à taxa de justiça paga pelo apelante pela propositura do identificado procedimento cautelar.

O apelado contra-alegou, pugnando pela imediata rejeição do recurso por, na sua perspetivas, as alegações apresentadas pelo apelante não conterem conclusões; sobre o recurso impõe-se que recaia decisão sumária do relator, por este ser manifestamente infundado; os documentos juntos pelo apelante em anexo às conclusões não podem serem admitido, por inadmissibilidade legal dessa junção na fase de recurso; e pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as contra-alegações nos termos que se seguem:

5.1. QUANTO À QUESTÃO PRÉVIA: REJEIÇÃO DO RECURSO
1. Sob o título “CONCLUSÕES”, o Recorrente repetiu o conteúdo da antecedente alegação, em toda a sua argumentação discursiva, tendo procedido apenas a pequenas alterações do seu teor literal de forma a que onde tal argumentação se exprimia em 23 parágrafos com 72 linhas de texto, passou a haver 20 parágrafos numerados, mais um em jeito de pedido que remete para “as alegações supra-formuladas”, num total de 67 linhas de texto pelo que, há que concluir, o Recorrente não formulou conclusões, no seu recurso.
2. A falta de conclusões gera o indeferimento do recurso (art. 641º, nº 2, al. b), do CPC), sem que se admita despacho de aperfeiçoamento (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 215).
5.2. SEM PRESCINDIR: QUANTO AO RECURSO MANIFESTAMENTE INFUNDADO
3. Quanto à resposta aos novos factos alegados no articulado superveniente, vale o disposto no artigo 587, nº 1 do CPC (cfr. artº 588º, nº 4, parte final, do CPC) ou seja, sobre a parte contrária impende o ónus da sua impugnação e o não cumprimento de tal ónus determina os efeitos cominatórios previstos no artigo 574º do CPC.
4. E quanto aos documentos juntos com o articulado superveniente vale o disposto no artº 444º do CPC, que determina que a impugnação da letra ou assinaturas desses documentos particulares deveria ser feita na resposta ao articulado ou no prazo de tal resposta.
5. O Recorrente não respondeu a tal articulado, nem se pronunciou quanto aos documentos.
6. O Recorrente, no seu recurso, o que pretende é vir agora, intempestivamente, responder ao articulado superveniente e impugnar os factos nele admitidos por falta de impugnação, colocando ao tribunal ad quem as questões que não colocou ao tribunal a quo previamente à decisão.
7. O recurso é, pois, manifestamente infundado, devendo, com tal fundamento, ser objeto de decisão sumária, nos termos do disposto no artigo 656º do CPC.
5.3. SEM PRESCINDIR: QUANTO À INADMISSIBILIDADE LEGAL DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS, NO CASO CONCRETO
8. Da conjugação entre o disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 425º do C. P. Civil resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:
a) a impossibilidade de apresentação do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância;
b) por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, face à “novidade” ou “surpresa” da decisão proferida.
9. O Recorrente não alegou sequer razão de superveniência dos documentos que juntou ao recurso.
10.Independentemente disso, o certo é que todos os documentos juntos são objetiva e subjetivamente anteriores à data da sentença recorrida e, deles, o documento nº ... é anterior ao próprio articulado superveniente e o documento nº ... anterior ao termo do prazo para resposta a tal articulado superveniente.
11.Não se verificando a superveniência exigida pela lei, a junção ao recurso dos ditos documentos é inadmissível, devendo ser como tal declarada e os mesmos desentranhados e devolvidos ao apresentante.
5.4. SEMPRE SEM PRESCINDIR: QUANTO À TOTAL FALTA DE FUNDAMENTO DO RECURSO
12.A relação jurídica material controvertida tal como configurada pelo Autor, tem por sujeito ativo o Recorrente enquanto sócio da sociedade Q..., Lda. e por sujeito passivo o Recorrido enquanto gerente de tal sociedade.
13.Tendoo Recorrente comunicado ao Recorrido (e à sociedade) que já não era titular de qualquer quota do capital social, afirmou um facto que, por referência à concreta pretensão deduzida em juízo, configura a perda do interesse em demandar que havia invocado como razão da sua legitimidade processual ativa.
14.O Recorrente não deduziu qualquer oposição ao articulado superveniente no qual o Recorrido suscitou, por esse exato facto, a perda pelo Autor do interesse em agir, não tendo impugnado nem os factos alegados, nem os documentos juntos, nem o efeito jurídico que dos mesmos se pretendia extrair.
15.Atento o disposto nos artigos 30º, nº 3, 588º, nºs 3, 4 e 5, 587º, nº 1 e 574º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a decisão recorrida não merece qualquer censura, devendo ser confirmada.
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o que mereceu a adesão do relator.
*
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso do tribunal - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação dessas decisões quando padeçam de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de  natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- se o recurso interposto pelo apelante deve ser rejeitado por não conter conclusões? (questão prévia suscitada pelo apelado e que é do conhecimento oficioso do tribunal);
b- se os documentos juntos pelo apelante em anexo às alegações de recurso não devem ser admitidos, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais para a sua admissão aos autos na fase de recurso?  (questão prévia suscitada pelo apelado e que é do conhecimento oficioso do tribunal);
c- se a decisão recorrida, ao ter julgado procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente e, em consequência, ao ter julgado extinta a instância, padece de erro de direito e se, por via disso, se impõe revogar essa decisão e ordenar o prosseguimento dos autos.
 Note-se que a questão prévia suscitada pelo apelado e por ele intitulada de “Recurso Manifestamente Infundado (Art. 656º do CPC)”, encontra-se ultrapassada, uma vez que o aqui relator, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo mencionado art. 656º, foi do entendimento que as questões suscitas pelas partes junto do tribunal ad quem não assumem os foros de simplicidade que essa previsão legal pressupõe para que sobre elas possa recair decisão sumária e, nessa sequência, submeteu o presente recurso à decisão da conferência.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para o conhecimento do objeto do recurso são os que constam do relatório acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
A- Da rejeição do recurso por falta de conclusões.
Sustenta o apelado, a título de “questão prévia”, que: “Sob o título “CONCLUSÕES”, o Recorrente repetiu o conteúdo da antecedente alegação, em toda a sua argumentação discursiva, tendo procedido apenas a pequenas alterações do seu teor literal, de forma a que, onde tal argumentação se exprimia em 23 parágrafos, com 72 linhas de texto, passou a haver 20 parágrafos numerados, mais um em jeito de pedido que remete para “as alegações supra-formuladas”, num total de 67 linhas de texto” e conclui que, a situação descrita, se reconduz a uma situação de falta de conclusões, o que tem como consequência jurídica “o indeferimento do recurso (art. 641º, nº 2, al. b), do CPC), sem que se admita despacho de aperfeiçoamento”.
Vejamos se assiste razão ao apelado e se, consequentemente, se impõe a imediata rejeição do recurso interposto pelo apelante, por as alegações de recurso que apresentou não conterem conclusões.
Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso (n.º 1, do art. 637º do CPC, onde constam todas as disposições legais que se venham a enunciar, sem menção em contrário), tendo o requerimento de interposição do recurso de conter obrigatoriamente a alegação do recorrente e, bem assim, conclusões, nas quais o recorrente indique o fundamento específico de recorribilidade (n.º 2, do mesmo art. 637º) e nas quais pode restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso (n.º 4, do art. 635º).
A apresentação de requerimento de interposição de recurso sem alegações e/ou sem conclusões, determina, nos termos do art. 641º, n.º 2, al. a), a imediata rejeição do recurso, a ser determinada logo pelo juiz a quo.
As conclusões de recurso são proposições sintéticas em que o recorrente condensa os fundamentos por que pede a revogação, modificação ou anulação da decisão recorrida.
Conforme expende Abrantes Geraldes, “com as necessárias distâncias, tal como a motivação de recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzem na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado final pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o setor da motivação”[2].
Acresce que, além das conclusões de recurso consubstanciarem uma sumula ou resumo dos fundamentos do recurso, aquelas, por via do já enunciado n.º 4, do art. 635º, desempenham a função primordial de delimitação do objeto do recurso, não podendo o tribunal ad quem conhecer de questões que nelas não estejam contempladas, exceto se se tratar de questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia. E tem de conhecer de todas as questões colocadas nas conclusões, sob pena de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, exceto se o conhecimento dessas questões estiver prejudicado pela solução dada a outras (art. 615º. n.º 1, al. d), ex vi, art. 608º, n. 2).
Por isso, compreende-se que se diga que: “conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigoroso daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo”[3], e que a falta de conclusões determine a imediata rejeição do recurso, a ser determinada logo pelo tribunal recorrido, sem que seja admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento dirigido ao recorrente para que formule conclusões, dado que a ausência destas nas alegações inicialmente apresentadas, determina que o recurso interposto não tenha objeto e a ausência de objeto do recurso e, portanto, de conclusões, é insuprível.
Recorrendo novamente aos ensinamentos de Abrantes Geraldes, “estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações que se mostrem destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, n.º 2, al. b)), sem que (a partir da reforma de 2007) se justifique sequer a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação”[4].
No entanto, cumpre enfatizar que uma coisa é a total falta de conclusões, o que determina, conforme antedito, a imediata rejeição do recurso interposto, sem que seja admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento dirigido ao recorrente para que formule conclusões, e outra, diversa, é a apresentação pelo recorrente de requerimento de interposição de recurso contendo alegações, com conclusões, mas em que as conclusões apresentadas padeçam do vício da deficiência, por “não retratarem todas as questões sugerida pela motivação”; da obscuridade, por se encontrarem “formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percecionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama”; da contradição, por “revelarem incompatibilidade com o teor da motivação”; da prolixidade, por “a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso”, nelas serem suscitadas outras questões, “sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição dos argumentos anteriormente apresentados” na motivação de recurso; ou, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões não conterem as especificações previstas no n.º 2, do art. 639º.
Com efeito, em todas as situações que se acabam de enunciar, não ocorre qualquer situação de falta de conclusões (pelo que não existe fundamento legal para se rejeitar o recurso, com fundamento em total falta de conclusões, por não ser essa a situação do caso), mas antes se impõe, nos termos do n.º 3 do art. 639º, ao relator que convide o recorrente a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões que apresentou, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada[5].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, cumpre dizer não ser certa a alegação do apelado quando sustenta que o apelante, nas conclusões de recurso, “repetiu o conteúdo da antecedente alegação”, posto que, conforme o próprio reconhece, o apelante fez, nas conclusões que apresentou, um esforço de síntese das motivações de recurso que delineou, esforço de síntese esse que, no entanto, na perspetiva do apelante, se revela insuficiente por forma a considerar-se integralmente cumprido o comando do n.º 1, do art. 635º.
Porém, a ser assim, embora a posição sufragada pelo apelante, equiparando conclusões prolixas à total falta de conclusões (devendo, em ambas as situações, na sua perspetiva, rejeitar-se o recurso) tenha respaldo em alguma jurisprudência dos Tribunais da Relação[6], o certo é que não subscrevemos esse entendimento, nem este tem sido o adotado pela grande maioria da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Com efeito, segundo o entendimento que vimos seguindo e que tem também sido o sufragado pela generalidade da jurisprudência do STJ, em obediência aos comandos legais acima enunciados, impõe-se distinguir as situações em que as alegações de recurso não contenham conclusões, isto é, sejam totalmente omissas ou falhas de conclusões (caso em que se impõe efetivamente a imediata rejeição do recurso interposto, sem que seja legalmente admissível convite ao aperfeiçoamento, de modo a que o recorrente supra a falta de conclusões. Trata-se de vício insuprível porque a ausência de conclusões determina que o recurso interposto não tenha objeto e a ausência deste não pode ser colmatada, sob pena de violar os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade que recai sobre o recorrente e de se violar frontalmente o princípio do contraditório que assiste ao recorrido), das situações em que o recurso interposto contem conclusões (e, portanto, o recurso interposto tem objeto), mas estas padeçam de um ou vários dos vícios que acima se deixaram enunciados, nomeadamente, do vício da prolixidade, que é aquele a que se reconduz a alegação do apelado.
Em todos os casos em que o recurso interposto contenha conclusões, mas estas padeçam de um dos vícios acima identificados, naturalmente que não ocorre qualquer situação de total falta de conclusões, geradora do imediato indeferimento do recurso interposto, mas antes se impõe convidar o recorrente para que supra esses vícios, conforme o determina o n.º 3 do art. 639º[7].
Ora, não se estando, no caso, perante qualquer situação de falta de conclusões, mas perante conclusões alegadamente prolixas, impõe-se concluir, sem mais, por desnecessárias considerações, pela improcedência da questão prévia suscitada pelo apelado.
Todavia, analisadas as conclusões, diremos que não vislumbramos que estas padeçam do vício da prolixidade que lhes é assacado pelo apelante, ou, pelo menos, que a intensidade desse vício, a verificar-se, seja de tal modo intenso que justifique o recurso ao despacho de convite ao aperfeiçoamento determinado pelo n.º 3 do art. 639º.
Com efeito, o apelante, nas motivações de recurso, submeteu à apreciação do tribunal ad quem uma única questão, a qual se reconduz ao erro de direito que imputa à decisão recorrida, que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente, decorrente daquele ter “vendido” as quotas que detinha na sociedade Q..., Lda. a terceira pessoa e, por isso, ter perdido a  sua qualidade de sócio dessa sociedade, qualidade essa da qual derivava o seu interesse direto em instaurar a presente ação em que pede que o apelado (sócio e gerente da sociedade em causa) seja destituído das funções de gerência. O erro de direito que o apelante assaca à decisão recorrida deriva essencialmente do facto de, na sua perspetiva, os factos alegados pelo apelado no articulado superveniente e a documentação que instruiu esse articulado, apesar de não terem sido por si contestados, não permitiam ao tribunal a quo ter concluído pela prova em como tivesse efetivamente “vendido” as quotas de que era (e é) titular na sociedade “Q..., Lda.”, e que, portanto, tinha perdido a sua qualidade de sócio da sociedade em causa, que lhe conferia legitimidade ativa para instaurar a presente ação.
Perante a singularidade da questão submetida pelo apelante à apreciação desta Relação (embora essa questão convoque a análise e  o elucidar de questões jurídicas cuja resolução não apresenta os foros de simplicidade que apelante  e apelado pretendem emprestar-lhes, respetivamente, nas alegações e contra-alegações de recurso), este apresentou umas motivações de recurso relativamente pouco extensas e com um teor enxuto e linear, o que, necessariamente se repercutiu (e repercute) na extensão das subsequentes conclusões, posto que, se a motivação de recurso apresenta uma extensão relativamente reduzida e enxuta (como é o caso da motivação de recurso apresentada pelo apelante), as conclusões do recurso, apesar do esforço de síntese que nelas tem de ser empreendido pelo recorrente (e que, no caso, foi empreendido pelo apelante), acabam por ser efetivamente, em grande medida, a repetição das antecedentes motivações, sem que esse facto signifique que as conclusões padeçam do vício da prolixidade.
Acresce enfatizar que, caso as conclusões de recurso apresentadas pelo apelante apresentassem efetivamente o vício da prolixidade, nem assim se justificaria a emissão de despacho de convite ao aperfeiçoamento a que alude o n.º 3 do art. 639º, quando se verifica, pelo teor das contra-alegações apresentadas pelo apelado, que esse pretenso vício não o impediu ou lhe dificultou a apreensão do objeto do recurso, não tendo, por isso, constituído qualquer entrave ou restrição ao exercício pleno do direito ao contraditório que lhe assiste, nem impede ou dificulta o trabalho de apreensão desse objeto por parte deste tribunal.
Daí que a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, no contexto que se acaba de descrever, nenhuma mais valia traria para a apreensão do objeto do recurso e para a salvaguarda do direito de defesa do apelante, traduzindo-se na prática de um ato inútil e, como tal, proibido pelo art. 130º, que apenas redundaria em prejuízo para os princípios da celeridade e da economia processual.
Resulta do que se vem dizendo, improceder a questão prévia suscitada pelo apelante.

B- Da admissibilidade legal da junção aos autos dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.
Advoga o apelado que os documentos juntos aos autos com as alegações de recurso, é legalmente inadmissível, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais que permitem ao recorrente juntar os mesmos na fase de recurso.
Sobre a junção de prova documental ao processo declarativo regem as disposições constantes dos arts. 423º, 425º e 651º, n.º 1.
Segundo o n.º 1, do art. 423º, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
A prova documental pode ainda ser junta aos autos, nos termos do n.º 2, daquele art. 423º, até ao vigésimo dia anterior à data em que se realize (efetivamente) a audiência final, ou prolongando-se esta por várias sessões, quando tem lugar a primeira sessão, mas, nesse caso, o apresentante ficará sujeito a multa, exceto se provar que não pôde oferecer o documento em causa com o articulado (n.º 2 do art. 423º do CPC).
Posteriormente ao vigésimo dia que antecede a data da realização efetiva da audiência final, ainda podem ser juntos aos autos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª Instância[8], desde que se verifique alguma das seguintes situações: a) se a apresentação do documento não foi possível até àquela data-limite do vigésima dia que antecede o início da realização efetiva da audiência final, ou b) se a junção do documento se tiver tornado necessária em consequência de ocorrência posterior (n.º 3 do art. 423º).
No que tange à primeira das enunciadas exceções (a impossibilidade de juntar aos autos o documento até ao 20º dia que antecede o início da realização da audiência final e até ao encerramento da discussão em 1ª instância), essa impossibilidade pode ser objetiva ou subjetiva.
Ocorre uma situação de impossibilidade objetiva quando se verifique uma impossibilidade prática, concreta ou real, porque ontológica, do apresentante juntar aos autos o documento até à data limite do vigésimo dia que antecede o início da realização efetiva da audiência final, por o documento respeitar a factos ocorridos historicamente após essa data limite. E ocorre uma situação de impossibilidade subjetiva quando o documento que se intenta juntar aos autos, apesar de respeitar a factos ocorridos historicamente antes do decurso da data limite do vigésimo dia que antecede o início da efetiva realização da audiência final, o apresentante, por razões que não lhe são imputáveis, nomeadamente, a título de negligência, desconhecia da existência do documento em causa ou não ter acesso ao mesmo (v.g., desconhecendo a existência do documento, a parte veio a ter conhecimento da sua existência antes ou depois da data limite do vigésimo dia que antecede o início efetivo da audiência final, mas, neste último caso, tendo prontamente solicitado ao organismo responsável pela sua emissão, o funcionário apenas o emitiu já depois de ter decorrido essa data limite),  acabando apenas por tomar conhecimento do documento e a ter acesso ao mesmo já após o decurso dessa data limite.
Conforme é bom de ver, enquanto na impossibilidade objetiva a impossibilidade resulta demonstrada pelo próprio teor do documento, pelo que o apresentante não terá de alegar e provar factos dos quais resultem ser justificada a junção aos autos do documento após o vigésimo dia que antecede o início da realização efetiva da audiência final e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, na impossibilidade subjetiva não é assim. Daí que se compreenda que, ocorrendo impossibilidade subjetiva, o apresentante tenha de alegar e provar factos dos quais decorram que a junção do documento após o vigésimo dia em que realizou ou se iniciou efetivamente a audiência final (caso esta se estenda ao longo de várias sessões) não lhe é imputável a título de culpa, nomeadamente, negligência[9].
Acresce que, quer na impossibilidade objetiva, quer na subjetiva, a parte tem de requerer a junção aos autos do documento logo que isso se lhe torne possível, sem aguardar qualquer dilação[10].
Em relação à outra situação excecional em que é admitida a junção aos autos de documento após o decurso do prazo limite do vigésimo dia que antecede o início efetivo da audiência final e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância - a junção se ter tornado necessária em virtude de ocorrência posterior –, o elemento legitimador para a junção tardia assenta na “ocorrência posterior” ao decurso desse prazo limite, pelo que o documento que se intenta juntar aos autos tem de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo desse prazo limite[11].
Após o encerramento da discussão em 1ª Instância, em princípio, não é admitida a junção aos autos de documentos, exceto em caso de recurso e nos termos limitados e excecionalíssimos previstos nos arts. 425º e 651º, n.º 1 do CPC, os quais consentem que sejam juntos aos autos, com as alegações de recurso, documentos em duas situações, a saber:
a) a junção do documento não ter “sido possível até àquele momento”, isto é, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por impossibilidade objetiva ou subjetiva do apresentante[12], com o sentido e o alcance já supra enunciados e que nos abstemos de reproduzir; ou
b) a junção do documento se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
A junção de documento na fase de recurso com fundamento em a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância pressupõe que esse julgamento seja de todo surpreendente para as partes relativamente ao que lhes seria expectável em face dos elementos do processo, ou seja, é necessário que a decisão da 1ª Instância se tenha baseado em meio de prova não esperado, designadamente, em meio probatório inesperadamente junto aos autos oficiosamente pelo tribunal ou em preceito jurídico ou em interpretação de preceito jurídico com cuja invocação/interpretação as partes não tivessem justificadamente contado[13].
Dito por outras palavras, para que a junção do documento seja permitida na fase de recurso com fundamento no julgamento realizado pela 1ª Instância, não basta que a junção seja necessária em face do julgamento, mas é essencial que a junção apenas se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento, ou seja, que a decisão proferida pela 1ª Instância se tenha ancorado num elemento “inovatório” e, por isso, surpreendente, dado o seu cariz de novidade para as partes.
Daí que se a junção as autos de determinado documento era necessária para fundamentar a ação ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância, e se essa decisão se baseou em meios de prova com que as partes podiam razoavelmente contar, como sejam depoimentos de parte ou de testemunhas, declarações de parte, prova documental, pericial ou por inspeção judicial, respetivamente, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinados pelo juiz, mas, neste último caso, em momento processual em que ainda era possível às mesmas carrearem para os autos o documento que se propõem juntar aos mesmos com as alegações de recurso, com vista a contrariar a prova produzida por determinação oficiosa do tribunal (até ao encerramento da discussão em 1ª Instância), então a junção do documento em causa com as alegações de recurso não ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância, posto que as partes tiveram oportunidade de controlar a prova produzida em que assentou a decisão da 1ª instância e tiveram, inclusivamente, oportunidade de juntar aos autos o documento até ao encerramento da discussão em 1ª Instância.
Apenas nos casos em que a decisão da 1ª Instância se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, mas junto aos autos por iniciativa oficiosa do tribunal, em momento processual em que já não lhes era possível apresentar o documento que agora se propõem juntar aos autos com as alegações de recurso, tendo em vista contrariar esse meio de prova, ou quando essa decisão tenha assentado em regra de direito ou interpretação de regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não podiam contar, em obediência ao princípio do contraditório, na sua dimensão positiva de proibição de prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), impõe-se admitir a junção aos autos do documento na fase das alegações de recurso, uma vez que, nesses casos, e exclusivamente neles, se pode afirmar que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento realizado na 1ª Instância, dado o cariz inovador deste[14].
Posto isto, revertendo ao caso dos autos, o apelado (requerido BB) apresentou, em 05/04/2023, articulado superveniente requerendo que, uma vez admitido esse articulado, se ordenasse a notificação do apelante para lhe responder e, a final, se julgasse o apelante (requerente) parte ilegítima.
Como fundamento dessa pretensão alegou que, por cartas registadas, com aviso de receção, datadas de 22 de março de 2023, o apelante AA deu conhecimento à sociedade Quinta ..., Lda. e ao próprio requerente (apelado) que tinha vendido a quota  que detinha naquela sociedade e que, apesar dessa venda ser ineficaz em relação à sociedade, por não ter sido por esta consentida, nem reconhecida, essa ineficácia não impede a validade da cessão da quota na relação estabelecida entre cedente (apelante) e o cessionário, pelo que, “admitindo o Autor não ser já titular de qualquer quota de capital social, conforme escrito dirigido ao aqui Réu e que quanto a esse facto desfavorável ao Autor faz prova plena (cfr. art. 376º, n.º 2 do CC), deixou ele de ser titular do interesse em agir, atento o disposto nos referidos artigos 257º, n.º 4 do CSC e 1055º, n.º 1 do CPC”.
O apelado instruiu o articulado superveniente acabado de referir com as duas cartas a que alude nesse articulado e com os envelopes que as conteriam.
Ambas as cartas encontram-se datadas de 22/03/2023, e nelas figura como remetente o nome do aqui apelante, e como destinatário: uma, a sociedade de S..., Lda., e a outra, o apelado, BB (apelado), constando, no termo de cada um dessas cartas, aposta uma assinatura como tendo sido aí aposta pelo punho do apelante.
Nos envelopes juntos consta como data de registo o dia 22/03/2023.
O apelado também instruiu o articulado superveniente com a escritura do contrato de sociedade da “Sociedade Turística Quinta de ..., Lda.”, de cujo teor se vê que esse contrato de constituição de sociedade foi outorgado em 03/11/1998, no ... Cartório Notarial de  – cfr. Citius.
A 1ª Instância admitiu liminarmente o articulado superveniente acabado de referir, por despacho proferido em 11/04/2023, e nele ordenou a notificação do Autor (apelante), para em dez dias, “exercer o respetivo contraditório, tudo de acordo com a previsão do art. 588º, n.º 4 do CPC” – cfr. Citius.
O mandatário do apelante foi notificado para o teor do despacho que antecede e para os efeitos nele determinados, via Citius, em 12/04/2023, sendo essa notificação instruída com o articulado superveniente e com os documentos juntos com esse articulado.
Deste modo, tendo em conta o disposto nos arts. 247º, n.º 1 e 248º do CPC, o prazo de dez dias para o apelante contestar os factos alegados pelo apelado no articulado superveniente (arts. 588º, n.º 4, parte final, 587º, n.º 1 e 574º do CC), bem como para impugnar a assinatura constante das duas cartas (documentos particulares) que instruem esse articulado superveniente (arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 373º, n.º 1, 376º do CC e 444º do CPC) e, bem assim, para arguir a falsidade da escritura pública do contrato de sociedade da “Sociedade Turística de ..., Lda.”, mediante a dedução do incidente previsto no art. 446º do CPC, terminou em 27/04/2023.
Acontece que, o apelante não deduziu oposição nem o identificado incidente, pelo que sobre a pretensão do apelado formulado no articulado superveniente recaiu a decisão recorrida de 11/05/2023.
No recurso que interpôs dessa decisão, o apelante juntou aos autos uma carta, convocando-o para a assembleia geral da “Quinta ..., Lda.”, a ter lugar em 26/04/2023, e, bem assim, cópia da petição inicial de procedimento cautelar que intentou em 05/05/2023, contra a dita sociedade e o aqui apelado, bem como a ata daquela assembleia, junta em anexo a essa petição inicial, bem como de despacho proferido no âmbito desse procedimento cautelar e do conhecimento de depósito relativa à taxa de justiça nele paga, com vista a fazer prova em como, contrariamente ao que foi alegado no articulado superveniente e do decidido na decisão sob sindicância, o mesmo não cedeu (vendeu) as quotas de que é titular na sociedade “Quinta ..., Lda.” e continua a deter a qualidade de sócio dessa sociedade e, por isso, a deter legitimidade ativa para a presente ação.
 Acontece que o primeiro documento junto pelo apelante em anexo às alegações de recurso (carta que lhe foi remetida por CC, convocando-o para a assembleia geral de sócios da Quinta ..., Lda., a ter lugar no dia 26 de abril de 2023), encontra-se datada de 05/04/2023 e o respetivo registo data de 06/04/2023.
Por sua vez, o segundo documento junto pelo apelante com as alegações de recurso, consubstancia-se na petição inicial de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, instaurado pelo apelante contra o apelado e a sociedade “Quinta ..., Lda.”, pedindo que se suspenda todas as deliberações sociais tomadas naquela assembleia geral de 26 de abril de 2023, na qual se encontra aposta, como data de entrada desse articulado inicial em juízo, o dia 05/05/2023; no “Instrumento de Ata de Reunião da Assembleia Geral” da Quinta ... de 26/04/2023, com que o apelante instruiu esse articulado inicial; no conhecimento de depósito da taxa de justiça paga pelo apelante em 29/05/2023, pela propositura da dita providência cautelar, e o despacho proferido nesta em 08/05/2023.
Conforme é bom de ver, a carta de 05/04/2023, em que se convoca o apelante para a assembleia geral da Quinta ..., Lda., a ter lugar no dia 26/04/2023, o envelope relativo a essa carta, onde consta a data de registo de 06/04/2023, e a ata da assembleia geral da “Quinta ...” do dia 26/04/2023, não são historicamente posteriores ao términus do prazo que o apelante dispunha para contestar a facticidade alegada pelo apelado no articulado superveniente e para se pronunciar quanto aos documentos por este juntos em anexo a esse articulado, pelo que, em relação a estes concretos documentos não ocorre qualquer impossibilidade objetiva (histórica, real, concreta) que fosse impeditiva do mesmo os ter junto aos autos no prazo que dispôs para contestar o articulado superveniente.
Acresce que o apelante não alega qualquer razão subjetiva, que não lhe fosse imputável, que o tivesse impedido de juntar aos autos tais documentos dentro do prazo de contestação do articulado superveniente.
Passando à petição inicial do procedimento cautelar instaurado pelo apelante contra o aqui apelado e a Quinta ..., Lda., essa petição deu entrada em juízo em 05/05/2023, e o despacho proferido no âmbito desse processo, ordenando o registo desse procedimento e a citação dos nele requeridos para deduzirem, querendo, oposição, foi proferido em 08/05/2023 (o conhecimento de depósito respeitante à taxa de justiça paga pelo apelante pela propositura do procedimento cautelar em causa, é totalmente irrelevante para os fins probatórios visados alcançar pelo apelante com a junção da documentação anexa às alegações de recurso), pelo que se trata de documentos que são posteriores ao termo do prazo de dez dias que o apelante dispunha para contestar o articulado superveniente, ocorrendo, por isso, uma situação de impossibilidade objetiva do apelante em ter junto aos autos esses concretos documentos dentro do referido prazo de contestação do articulado superveniente.
Contudo, essa petição e despacho são anteriores à data da prolação, em 11/05/2023, da decisão recorrida, em que a 1ª Instância, deferindo a pretensão do apelado deduzida no identificado articulado superveniente, julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente e, em consequência, declarou extinta a instância.
Ora, cumprindo ao apelante juntar aos autos os identificados documentos mal teve acesso aos mesmos, por forma a que fossem considerados na decisão a proferir pelo tribunal quanto à pretensão do apelado e seus fundamentos vertidos no articulado superveniente (na medida em que tal fosse ainda viável), o que o apelante não fez, sem que tivesse apresentado qualquer razão para essa não junção, não se descortina fundamento legal para admitir a junção de tais documentos na fase de recurso.
Note-se que logo, em 05/05/2023 (data em que propôs o procedimento cautelar), o apelante estava em condições de juntar aos presentes autos a petição inicial com que instaurou o referido procedimento cautelar contra o aqui apelado e a sociedade “Quinta ..., Lda.” e, bem assim, a ata da assembleia geral com que instruiu esse articulado inicial, pelo que, se não cuidou em os juntar imediatamente aos presentes autos, como não fez, sib imputet.
Acresce dizer que a decisão recorrida não apresenta qualquer caráter de cariz inovador em relação à facticidade alegada pelo apelado no articulado superveniente, nem quanto aos elementos de prova por ele aí juntos, com vista a demonstrar a factividade alegada nesse articulado, nem quanto às considerações de direito que aí explanou com vista a fundamentar a sua pretensão de que fosse julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente, mas antes essa decisão, que julgou procedente a exceção em causa, assentou estritamente na facticidade alegada pelo apelado naquele articulado superveniente, na prova nele junta e nas considerações jurídicas que também aí foram aduzidas.
Resulta do exposto, não se encontrarem preenchidos os requisitos legais previstos no art. 651º, n.º 1, ex vi, art. 425º de admissibilidade legal dos documentos juntos pelo apelante em anexo às alegações de recurso, impondo-se, após trânsito, ordenar o desentranhamento desses documentos dos autos e condenar o apelante/apresentante nas custas do incidente que gerou, fixando a taxa de justiça em uma UC.

C- Do recurso interposto pelo apelante – erro de direito.
A presente ação especial de suspensão e de destituição de titulares de órgãos sociais foi instaurada pelo apelante AA contra BB e CC, em que pedia, a título cautelar, que os requeridos fossem suspensos das funções de gerência da “Quinta ..., Lda.”, e que, a final, fossem destituídos, em definitivo, dessas funções, de que AA e BB são os únicos sócios.
Acontece que tendo, em sede cautelar, o apelado BB sido suspenso das funções de gerente da Quinta ..., Lda., enquanto a requerida CC foi absolvida da instância, os presentes autos encontram-se, desde o trânsito em julgado do acórdão proferido por esta Relação em 03/11/2022, que assim decidiu, a correr termos exclusivamente entre o requerente AA (apelante) e o requerido BB (apelado), tendo em vista apreciar o pedido formulado pelo primeiro em ver o último destituído do cargo de gerente da já identificada sociedade, de que, reafirma-se, ambos são os únicos sócios.
O presente recurso tem por objeto a decisão proferida em 11/05/2023, em que julgando provada a factualidade alegada pelo apelado BB, no articulado superveniente, entrado em juízo em 05 de abril de 2023, em virtude dessa facticidade não ter sido impugnada pelo apelante, que também não impugnou os documentos juntos com esse articulado superveniente, a 1ª Instância concluiu que,  não sendo o apelante já titular de qualquer quota do capital social da sociedade “Q..., Lda.”, por força de cessão de quotas comunicada a essa sociedade, falece-lhe legitimidade ativa para poder prosseguir com a presente ação tendo em vista a destituição do apelado das funções de gerente e, em consequência,  julgou verificada a exceção dilatória de legitimidade ativa superveniente do apelante e declarou extinta a instância.
O apelante imputa erro de direito ao assim decidido, sustentando que, apesar de ter comunicado à sociedade e ao apelado BB, mediante carta registada com aviso de receção, enviada no dia 11 de março de 2023, a cessão da quota que detinha na sociedade “Quinta ..., Lda.” à sociedade “P..., Lda.”, que, contrariamente ao aí comunicado e ao decidido na sentença recorrida, essa cessão de quota não se chegou a concretizar, continuando aquele a ser sócio da sociedade e a deter, por isso, legitimidade ativa para a presente ação, ao que o apelado contrapôs a essa alegação o ónus da impugnação especificada que impende sobre o apelante e que o obrigava a ter de impugnar os factos alegados no articulado superveniente, sob pena de mesmos se considerarem confessados, contestação essa que não ocorreu, e, bem assim com a força probatória de que beneficiam as cartas juntas em anexo a esse articulado superveniente, assinadas e remetidas pelo apelante ao apelado e à sociedade, comunicando-lhes a cessão das quotas de que era titular naquela sociedade, cuja assinatura o apelante não impugnou, apesar de lhe ser imputada, bem como a força probatória da inerente confissão.
Está assim em causa determinar quais a consequência jurídicas decorrentes do apelante não ter respondido ao articulado superveniente apresentado pelo apelado em 05/04/2023, nem ter impugnado os documentos juntos com esse articulado.
No ordenamento jurídico adjetivo nacional vigora o denominado ónus da impugnação especificada, que tem consagração legal no art. 570º, n.º 1, de acordo com o qual, o réu, ao elaborar a contestação, tem de tomar posição definida quanto aos factos alegados pelo autor na petição inicial como fundamento da sua pretensão.
O réu não pode, por isso, remeter-se “a uma posição cómoda de silêncio ou de inércia. Pelo contrário, tem que declarar, no articulado de defesa, se aceita esses factos como reais, ou se os repele como inexistentes. Essa é a atitude ético-jurídica categoricamente imposta pelo art. 490º, n.º 1 (atual vigente art. 574º, n.º 1), ao prescrever” que “o réu deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”. “E para tornar esse comando verdadeiramente eficaz, a lei cobre-o com o manto jurídico do ónus correspondente. O réu tem que contradizer os factos que não considera reais, sob pena de se considerarem como admitidos por acordo. E o que, sob este aspeto, se afirma quanto ao réu, perante os factos articulados na petição inicial, aplica-se de igual modo, por uma questão de coerência e de justiça relativa, ao próprio autor, no que respeita aos factos alegados na contestação, se houver réplica; diz-se, de um modo geral, quanto à impugnação dos novos factos alegados em qualquer dos articulados, sempre que haja articulados posteriores à petição e contestação”[15] .
O ónus da impugnação especificada embora se encontre previsto no art. 574º, n.º 1, em relação ao réu, fazendo impender esse ónus sobre o último em relação aos factos essenciais constitutivos da causa de pedir narrados (alegados) pelo autor na petição inicial, obrigando-o a tomar posição definida quanto a esses factos essenciais, sob pena dos mesmos se terem admitidos por acordo, é estendido pelo art. 587º, n.º 1 ao próprio autor obrigando-o, na réplica, a tomar posição definida quanto aos novos factos alegados pelo réu na contestação, bem como, nos termos do art. 588º, n.º 4, parte final, que obriga à contraparte, no caso de apresentação de articulado superveniente, na resposta a esse articulado, a tomar posição definida quanto aos factos novos alegados pela parte no articulado superveniente, sob pena de os mesmos se terem admitidos por acordo.
Dito por outras palavras, o ónus da impugnação especificada impende sobre o réu, quanto aos factos essenciais constitutivos da causa de pedir alegados pelo autor na petição inicial; quanto ao autor, no caso de ser admissível réplica, obriga-o a tomar posição definida quanto aos factos novos (factos essenciais integrativos de exceção) alegados pelo réu na contestação; e em relação à contraparte de articulado superveniente, em que esta, na resposta a esse articulado, tem de tomar posição definida quanto aos factos novos (essenciais integrativos de exceção) alegados no articulado superveniente.
A sanção para o incumprimento desse ónus é o terem-se admitidos por acordo esses factos essenciais alegados, mas não impugnados de forma definida pela parte onerada com o ónus de impugnação especificada.
Contudo, conforme resulta logo do n.º 2, do art. 574º, a consequência jurídica para o incumprimento pela parte onerada com o ónus da impugnação especificada que se vem enunciando, especificada nesse preceito, não é absoluta, mas comporta várias exceções.
Com efeito, estabelece-se no n.º 2, do art. 574º que: “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito”, de onde resulta, que ainda que a parte onerada com o ónus da impugnação especificada incumpra com o mesmo (não tomando o réu, na contestação, posição definida quanto aos factos essenciais constitutivos da causa de pedir alegados pelo autor na petição inicial, ou não tomando o autor, na réplica, posição definida quanto aos factos essenciais integrativos de exceção alegados na contestação, ou não tomando a parte contra quem seja apresentado articulado superveniente, na resposta a esse articulado, posição definida quanto aos factos essenciais integrativos da exceção nela invocado pelo apresentante do articulado superveniente), esses factos não se consideram admitidos por acordo  sempre que estejam em contradição com a defesa apresentada no seu conjunto, bem como, quando se trate de factos em relação aos quais não seja admissível a confissão ou que apenas possam ser provados por documento escrito.
Em todas essas situações, apesar dos factos não terem sido impugnados pela parte onerada com o respetivo ónus de impugnação especificada, esses factos permanecem controvertidos.
Note-se que o que se acaba de dizer mostra-se em plena concordância com o disposto no art. 607º, n.º 4, onde se estabelece que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”, e em cujo n.º 5, se acrescenta que: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Com efeito, resulta das disposições legais que se acabam de transcrever que o legislador distingue entre facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, que é o princípio regra vigente no âmbito do processo civil nacional, sobre a qual vale as considerações que enuncia na primeira parte dos n.ºs 4 e 5 do art. 607º, daquelas outras situações em que a facticidade alegada se encontra subtraída a esse princípio regra, mas antes se encontra submetida a regras de direito probatório material, as quais impõem ao julgador determinado resultado probatório em relação à facticidade alegada, que o juiz terá de observar, sem qualquer margem de subjetivismo, sob pena de incorrer em erro de direito.
Essas regras de direito probatório material constam, designadamente, do CPC, de cujo elenco faz parte precisamente o ónus da impugnação especificada previsto no art. 574º, mas principalmente do CC, nomeadamente nos arts. 341º e ss., e no que ao caso dos autos releva, assumem especial relevância os comandos legais enunciados nos arts. 352º, 354º, al. a), primeira parte, 364º e 376º do CC.
No caso em análise, o apelado (requerido) BB, apresentou articulado superveniente, requerendo que, admitido este, se notificasse o apelante (requerente) AA para responder e, a final, se julgasse procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e se absolvesse aquele da instância.
Como fundamento dessa pretensão, alegou que, por cartas registadas com aviso de receção datadas de 22 de março de 2023, o apelante comunicou ao apelado e à sociedade “Quinta ..., Lda.” que tinha vendido a quota de 2.500,00 euros, de que era titular naquela sociedade” e que, apesar dessa cessão de quotas, na perspetiva do apelado, ser ineficaz em relação à sociedade, a mesma é válida entre cedente (apelado) e cessionário (adquirente da quota),  pelo que, “admitindo o Autor não ser já titular de qualquer quota de capital social, conforme escrito dirigido ao ora Réu e que quanto a esse facto desfavorável ao Autor faz prova plena (cfr. arts. 376º, n.º 2 do CC), deixou ele de ser titular do interesse em agir, atento o disposto nos arts. 257º, n.º 4 do CSC e 1055º, n.º 1 do CPC).
Em anexo a esse articulado o apelado juntou as cartas datadas de 22 de março de 2023, remetidas pelo apelante, na mesma data, ao apelado e à sociedade “Quinta ..., Lda.”, os envelopes dessas cartas, bem como certidão do contrato de sociedade da sociedade.
Nas referidas cartas, o apelante comunica ao apelado e à sociedade “Quinta ..., Lda.” que: “Na qualidade de titular de uma quota no valor de quota no valor nominal de 2.500,0 euros (dois mil e quinhentos euros) na sociedade “Quinta ..., Lda.” …, na qual V. Exa. é titular de uma quota de valor nominal idêntico, venho por este meio comunicar-lhe que vendi a quota que detenho na referida sociedade. A quota que detenho foi vendida à sociedade P..., Lda., pelo preço de 25.000,00 euros (vinte e cinco mil euros), quantia já integralmente paga e recebida. O respetivo registo de transmissão da quota será requerido findo o prazo para o exercício do direito de preferência que assiste à sociedade. Nos termos previstos no pacto social, pode V. Exa. exercer o direito de preferência na referida compra no prazo contratual aí previsto, findo o qual será requerido o registo de transmissão. Sem outro assunto de momento, Com os melhores cumprimentos”, seguindo-se uma assinatura como tendo sido feita pelo punho do apelante (destacado nosso).
Sucede que, admitido liminarmente o articulado superveniente, uma vez notificado o apelante para responder, o mesmo não o fez, nem impugnou a assinatura que se encontra aposta nas referidas cartas, ou arguiu o incidente de falsidade em relação à escritura pública de constituição da sociedade, pelo que, por sentença proferida em 11/05/2022, a 1ª Instância, dando os factos alegados pelo apelado no articulado superveniente como provados  e que, consequentemente, o apelante já não era titular de qualquer quota no capital da sociedade “Q..., Lda.”, por as ter cedido à sociedade “P..., Lda.” , conforme plenamente se encontrará provado por confissão, julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente e, em consequência, julgou extinta a instância.
Note-se que, com bem diz o apelado, não tendo o apelante impugnado os factos alegados por aquele no articulado superveniente, tais factos, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 574º do CPC, em princípio, têm-se como admitidos por acordo.
Acresce que, não tendo o apelante, no prazo de resposta ao articulado superveniente impugnado a assinatura que consta da carta remetida pelo apelante ao apelado, apesar deste lhe imputar a autoria dessa assinatura, conforme, nos termos do disposto no art. 444º, n.º 2 do CPC, lhe era processualmente imposto, consubstanciando a carta um documento particular (arts. 362º, 363º, n.º 1, 373º, n.º 1 do CC), nos termos do n.º 1, do art. 374º do CC, considera-se que a assinatura nela aposta como provindo efetivamente do punho do apelante, pelo que, nos termos do disposto no art. 376º, nºs 1 e 2 do CC, consideram-se provados os factos compreendidos na declaração feita pelo apelante na identificada carta junto do apelado, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas a confissão é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
Daí que, sendo a declaração feita pelo apelante ao apelado na carta em apreço de que teria cedido as quotas de que era titular no capital social da sociedade “Quinta ..., Lda.” à sociedade “P..., Lda.”, pelo preço global de 25.000,00, já integralmente pago a recebido, desfavorável aos interesses do apelante, essa cessão de quotas por ato inter vivos[16] feita pelo apelante se tem, em princípio, como plenamente provada.
Acresce que, sendo a confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (art. 382º do CC), tendo o apelante remetido a carta em análise ao apelado BB, e declarando nela expressamente que cedeu as quotas de que era titular no capital social da “Quinta ..., Lda.” à sociedade “P..., Lda.”, pelo preço de 25.000,00 euros, já recebido, sendo esses factos desfavoráveis ao apelante e favoráveis aos interesses do apelado, nos termos do disposto nos arts. 352º, 353º, n.º 1, 355º, n.º s 1 e 4 e 358º, n.ºs 1 e 3 do CC, têm-se, em princípio, esses mesmos factos, confessados extrajudicialmente, em documento particular (carta remetida pelo apelante ao apelado), pelo apelante junto do apelado como provados nos termos aplicáveis a esses documentos, ou seja, em princípio, como plenamente provados.
E dizemos em princípio, porque, nos termos do disposto no art. 354º, al. a) do CC) “a confissão não faz prova contra o confitente se for declarada insuficiente por lei” e a prova plena decorrente do art. 376º do CC, quanto aos factos compreendidos em declaração constante de documento particular, cuja assinatura não tenha sido impugnada pelo declarante, apesar de lhe ser imputada, que se mostrem contrários aos interesses deste, não atua, nos termos do disposto no art. 364º, n.º 1 do CC “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular”, uma vez que, nesses casos, o documento legalmente exigido “não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”,  mas, conforme se lê no seu n.º 2 “Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituída por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”.
Conforme ponderam Pires de Lima e Antunes Varela, em função do regime legal previsto no art. 364º acabado de transcrever, “a regra é a de que os documentos escritos, autênticos, autenticados ou particulares, são exigidos como formalidades ad substantiam. Daí o princípio da nulidade consagrado no art. 220º. Só quando a lei se refira, pois, claramente á prova do negócio, é que é aplicável regime do n.º 2 deste artigo. Entre os dois regimes há uma diferença considerável. No primeiro caso – formalidade ad substantiam – o negócio é nulo, salvo se constar de documento de força probatória superior; no segundo – formalidade ad probationem – o ato não é nulo, mas só pode provar-se por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, devendo neste último caso constar de documento de igual ou superior valor probatório. Assim, no primeiro caso, se a lei exige documento particular, vale um documento autêntico ou autenticado que o substitua. Mas não vale a prova por confissão. Se, por exemplo, A confere procuração verbal a B para celebrar um contrato-promessa de compra e venda de imóveis, o facto de A confessar que outorgou os poderes representativos não basta para provar a representação, dado que a procuração, neste caso, tem de constar de documento assinado pelo representado”[17].
Decorre do que se vem dizendo que não tendo o apelado, com o articulado superveniente, ou em momento algum, junto o documento escrito mediante o qual declarou ceder à sociedade “P..., Lda.” as quotas de que era titular no capital da sociedade “Quinta ..., Lda.”, mediante o preço de 25.000,00 euros, já recebidos, impõe-se indagar se esse específico contrato de cessão de quotas se encontra submetido ao princípio da liberdade de forma, ou se antes, a lei impõe que seja celebrado por documento escrito e, neste caso, se essa exigência consubstancia uma formalidade ad substantiam ou antes uma formalidade ad probationem.
Nos termos do disposto no art. 228º, n.º 1 do CSC, a transmissão de quotas entre vivos deve ser reduzida a escrito.
Sendo a cessão de quotas uma  das espécies de transmissão de quotas entre vivos, na medida em que compreende apenas a transmissão de quotas entre vivos feita por ato voluntário do titular das quotas cedidas, decorre do regime jurídico do enunciado art. 228º, n.º 1 do CSC, quando conjugado com o art. 4º-A, do mesmo Código que a cessão de quotas ente vivos se encontra subtraída ao princípio da liberdade de forma, mas antes tem de ser efetuada por documento escrito assinado por cedente e cessionário, sem formalidades adicionais[18].
A justificação para que o contrato de cessão de quotas tenha de ser celebrado por documento escrito, assinado por cedente e cessionário, conforme pondera Paulo Olavo Cunha advém “da natureza jurídica da quota (bem incorpóreo) que continua a justificar que, na respetiva transmissão onerosa inter vivos, a exteriorização da vontade se corporize em documento escrito, o qual constituirá forma especial para a transmissão; pelo que a eventual  preterição da mesma provoca a nulidade do negócio translativo (cfr. art. 220º do CC)”[19].
Desta feita, atenta a razão de ser da exigência da forma escrita imposta pelo legislador para a cessão de quotas entre vivos, e porque do regime do art. 228º, n.º 1 do CSC, nada se retira no sentido de que foi intuito daquele impor a forma escrita à celebração desse concreto negócio jurídico apenas com vista a viabilizar a prova do mesmo, isto é, como formalidade ad probationem, e tendo presente o princípio regra que se encontra consagrado no art. 364º, n.º 1 do CC, segundo o qual, quando a lei exija documento escrito para certo tipo de negócio, requere-o como forma de validade daquele,  decorre do exposto que, nos termos do art. 364º, n.º 1 do CC, o documento escrito outorgado entre o cedente (apelante) e a cessionária (a sociedade “P..., Lda.”, mediante o qual o primeiro declarou ceder-lhes as quotas de que era titular no capital social da “Quinta ..., Lda.”, mediante o preço de 25.000,00 euros, consubstancia uma formalidade ad substantiam, ou seja, trata-se de documento necessário à validade jurídica desse concreto negócio, sem o qual não é possível a prova do mesmo, não podendo a exibição do documento que corporiza a cessão de quotas celebrado entre apelante (cedente) e a sociedade “P..., Lda.” (cessionária) ser feita através de outro meio de prova, incluindo a confissão ou por documento que não tenha força probatória superior ao referido documento escrito.
Daí que, salvo melhor opinião, apesar do apelante não ter respondido ao articulado superveniente, nem ter impugnado a assinatura aposta nas cartas juntas aos autos com esse articulado apesar da autoria da assinatura nelas aposta lhe ser imputada pelo apelado no identificado articulado superveniente, cartas essas em que o próprio apelante confessa efetivamente ao apelado ter cedido as quotas de que era titular na sociedade “Quinta ..., Lda.” à sociedade “P..., Lda.”, não podia o tribunal a quo dar essa cessão de quotas como provada e, a partir da prova desse facto, concluir, conforme concluiu, que o apelante perdera a sua qualidade de sócio da sociedade “Quinta ...” e, em consequência, julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente e ter julgado extinta a instância por via da absolvição do apelado desta.
Ao assim decidir, quando não foi junto aos autos documento escrito mediante o qual o apelante declarou alegadamente (mas por ele confessadamente) ceder as quotas de que era titular no capital social da sociedade “Quinta ..., Lda.” à sociedade “P..., Lda.”, pelo preço de 25.000,00 euros, já integralmente paga e recebida, apesar de se tratar de documento imprescindível para que se possa concluir pela existência juridicamente válida desse negócio e, como tal, necessário à prova desse concreto negócio, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, impondo-se, em consequência, revogar a sentença recorrida e determinar o prosseguimento dos autos.
Acresce dizer que, ainda que o documento escrito que corporiza o contrato de cessão de quotas celebrado entre o apelante e a sociedade “P..., Lda.” tivesse sido junto aos autos (que não foi), ainda assim, o presente recurso tinha de proceder, dada a ineficácia jurídica desse negócio em relação à sociedade “Quinta ..., Lda.”.
Na verdade, salvo cláusula do contrato de sociedade que dispense o consentimento da sociedade em geral, ou para determinadas situações, a cessão de quotas não é livre, mas depende do consentimento da sociedade, posto que a cessão de quotas não produz efeitos em relação a esta enquanto não for consentida pela última, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios (arts. 228º, n.º 2 e 229º, n.º 2 do CSC).
Note-se que apesar de cessão de quotas entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios ser, em princípio, livre, na medida em que não está dependente do consentimento da sociedade, o contrato de sociedade pode impor esse consentimento (art. 229º, n.º 3 do CSC).
Como escreve Paulo Olavo Cunha, “A limitação à livre transmissibilidade da quota é um efeito natural da crescente pessoalização das sociedades por quotas, gradualmente mais fechadas, ao ponto de a lei admitir que uma sociedade se feche completamente ao exterior, proibindo em absoluto a cessão (cfr. art. 229º, n.º 1 in fine). Contudo, se tal acontecer ou se a proibição tiver uma duração superior a dez anos, a lei concede aos sócios, uma vez decorrido o prazo (de dez anos), o direito de exoneração, o que corresponde, no fundo, a admitir que eles têm o direito de livremente se afastar da sociedade, realizando uma finalidade em tudo idêntica à da própria cessão da participação social, mas sem estarem dependentes da existência de comprador. E a exoneração, pelo menos em termos qualitativos, é em tudo idêntica à cessão, porque conduz à saída da sociedade. Já em termos quantitativos, o sócio pela cessão poderá fazer um negócio melhor, transmitindo a participação por um valor superior ao valor do balanço”[20].
Acrescente-se que nos casos em que a cessão de quotas está sujeita a prévio consentimento da sociedade, esse consentimento tem de ser solicitado, por escrito, à sociedade, com indicação do cessionário e de todas as condições da cessão, cabendo então aos sócios, ou seja, à assembleia geral da sociedade, que para tal terá de ser convocada, conceder ou não esse consentimento, sem que o consentimento expresso à cessão possa ser condicionado (art. 230º do CSC).
Acresce dizer que a lei permite que, em certos casos, o consentimento à cessão de quotas seja concedido tacitamente pela sociedade (art. 228º, n.º 3 do CSC), como acontece nas situações em que ocorra uma cessão de quotas sujeita a consentimento da sociedade sem que o cedente ou o cessionário tenham diligenciado pela prévia obtenção de consentimento daquela e, uma vez realizada a cessão, o cessionário se apresente a uma assembleia geral de sócios da sociedade e seja a admitido a ela e à votação das deliberações que aí forem apresentadas, sem que nenhum dos sócios impugne essas deliberações com esse fundamento; nesse caso, ocorre consentimento tácito da sociedade em relação à cessão de quotas quanto a esse concreto cessionário e, em tais situações, o consentimento tácito da sociedade à cessão de quotas, para efeitos de registo, prova-se pela ata da deliberação (art. 230º, n.º 6 do CSC)[21].
 Obtido o consentimento expresso ou tácito da sociedade à cessão de quotas, efetuada esta, a cessão tem ainda de ser comunicada à sociedade ou reconhecida por ela (art. 228º, n.º 3 do CSC).
Note-se que nos casos em que a cessão de quotas esteja dependente de consentimento prévio da sociedade e de posterior comunicação da cessão de quotas efetuada à mesma, conforme decorre do art. 228º, n.ºs 2 e 3 do CSC, o referido consentimento, expresso ou tácito, da sociedade à cessão de quotas e a comunicação ou o reconhecimento da cessão efetuada, não são condição de validade da cessão de quotas, mas sim condição de eficácia da cessão em relação à sociedade.
Daí que quando o consentimento da sociedade seja exigido e este não tenha sido concedido, expressa ou tacitamente, pela sociedade, nomeadamente, porque o cedente ou o cessionário não lho solicitaram ou este foi recusado, e/ou quando a cessão não tenha sido comunicada ou reconhecida pela sociedade, a cessão de quotas, conquanto tenha sido celebrado através de documento escrito, seja válida, transmitindo a titularidade das participações sociais do cedente para o cessionário, mas essa cessão de quotas é ineficaz em relação à sociedade enquanto o consentimento desta não for dado (expressa ou tacitamente) e enquanto a cessão não lhe for transmitida ou por ela for reconhecida, pelo que para ela quem continua a deter a qualidade jurídica de sócio é o cedente e não o cessionário[22].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, verifica-se que, no articulado superveniente, é o próprio apelado que alega que a cessão de quotas efetuada pelo apelante à sociedade “P..., Lda.” não foi precedida de pedido de consentimento da sociedade “Quinta ..., Lda.” quando esse consentimento, nos termos do contrato de sociedade, era necessário.
Neste contexto, apesar da cedência de quotas celebrada entre o apelante e a sociedade “P...”, mediante a qual aquele, a troco de 25.000,00 euros, terá cedido as quotas que detinha no capital social da sociedade “Quinta ..., Lda.” seja válida, operando a transmissão dessas participações do apelante para a sociedade cessionária, contanto que essa cessão tenha sido realizada por documento escrito, o qual, porque não se encontra junto aos autos, impede que se conclua pela prova dessa cedência de quotas, essa cedência de quotas é ineficaz em relação à sociedade “Quinta ..., Lda.”, enquanto esta não consentir, expressa ou tacitamente, naquela e enquanto essa cessão de quotas não for comunicada à mesma ou por ela reconhecida, continuando até lá o apelante a deter a qualidade de sócio perante a sociedade, com todos os direitos e obrigações inerentes a essa sua condição de sócio.
Daí que, salvo melhor entendimento, ainda que o contrato de cessão de quotas tivesse sido celebrado pela forma escrita que é imposta por lei (art. 228º, n.º 1 do CSC) e esse contrato escrito tivesse sido junto aos autos (que não foi), essa circunstância era impeditiva que se tivesse julgado procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente, com a consequente absolvição do apelado da instância.
Resulta do que se vem dizendo, proceder a presente apelação, impondo-se revogar a sentença recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
1- Uma coisa é a total falta ou ausência de conclusões de recurso (a qual é insuprível, determinando a imediata rejeição do recurso, sem que seja admitido convite para que o recorrente supra a falta cometida), e outra, diversa, é a situação em que o recurso contém  conclusões, mas estas apresentam vícios, nomeadamente o vício da prolixidade decorrente de nelas o recorrente, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, suscitar outras questões inócuas, ou repetir as antecedentes motivações, vícios esse que não determinam a rejeição do recurso, por falta de conclusões (o recurso contém efetivamente conclusões, mas estas apresentam vícios), antes se impondo a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos determinados pelo art. 639º, n.º 3 do CPC.
2- A cessão de quotas tem de ser reduzida a documento escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário, sem outras formalidades adicionais (art. 228º, n.º 1, ex vi, art. 4º-A, ambos do CSC).
3- Não resultando dos enunciados arts. 228º, n.º 1 e 4º do CSC, que a exigência de documento escrito na cessão de quotas seja imposta pelo legislador por razões exclusivamente probatórias, tendo presente o princípio regra enunciado no art. 364º do CC, tem de se considerar que a exigência desse documento  escrito que corporiza a cessão de quotas é condição de validade jurídica desse negócio (documento substancial), sem cuja junção aos autos não é possível a prova do mesmo, não podendo essa prova ser feita por outro meio de prova, incluindo a confissão ou por documento que não tenha força probatória superior ao referido documento escrito.
4- Daí que tendo o Réu, em ação instaurada contra aquele em que é pedida que seja destituído do cargo de gerente, apresentado articulado superveniente, em que alegou que o Autor, lhe remeteu, mais à sociedade de que é gerente, carta comunicando-lhes que tinha vendido a terceira sociedade as quotas que detinha no capital da sociedade de que é sócio, e requerendo que, por via disso, tendo o Autor perdido a sua qualidade de sócio da sociedade de que é gerente, se julgasse procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente e se absolvesse o mesmo da instância, não tendo sido junto aos autos o documento escrito que corporiza  a cessão de quotas alegadamente celebrada entre o Autor e a sociedade cessionária, não podia o tribunal dar essa cessão de quotas como provada e, nessa sequência, ter deferido a pretensão do Réu, isto apesar do Autor não ter respondido ao articulado superveniente, nem ter impugnado a assinatura que se encontra aposta nas cartas juntas pelo Réu com esse articulado, e deste lhe imputar a autoria de tais assinaturas e de, nas cartas juntas, o Autor comunicar efetivamente ao Réu e à sociedade que tinha vendido as quotas de que era titular no capital social dessa sociedade.
5- A cessão de quotas, salvo disposição do contrato de sociedade dispensando o consentimento, tem de ser consentida, expressa ou tacitamente, pela sociedade, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios, exceto se o contrato de sociedade impuser esse consentimento mesmo nestes casos, e uma vez efetuada, a cessão de quotas tem de  ser comunicada ou reconhecida pela sociedade, sob pena de apesar da cessão de quotas ser juridicamente válida, ser ineficaz em relação à sociedade, para quem o cedente (não o cessionário) continua a deter a qualidade de sócio, com todos os direitos e obrigações inerentes a essa qualidade.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em:

I- não admitir a junção aos autos dos documentos juntos pelo apelante, AA, em anexo às alegações de recurso e, após trânsito, ordenam o desentranhamento desses documentos dos autos e a respetiva devolução ao apresentante, condenando o apelante/apresentante nas custas do incidente que gerou, fixando a taxa de justiça em uma UC.
II- julgar a presente apelação procedente e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida e ordenam o prosseguimento dos autos.
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Custas da apelação pelo apelado BB (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 28 de setembro de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias – Relator
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 1º Adjunto
Maria Gorete Morais – 2ª Adjunta
 


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”. Vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 147.
[3] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 147.
[4] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 145.
[5] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 146.
[6] Ac. R.L., de 24/02/2022, Proc. 185/21.2YHLSB.L1-PICRS, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário.
[7] Ac. STJ., de 30/03/2023, Proc. 351/16.2T8CTB.C1-S, cujo sumário é o seguinte: “Tendo o recorrente sido convidado, nos termos do art. 639º, n.º 3 do CPC, a sintetizar as conclusões das alegações da apelação, por estas se apresentarem complexas e tendo o recorrente apresentado novas conclusões, com uma redução de 27% face à versão inicial, não deverá ser adotado um critério essencialmente quantitativo para se concluir que o ónus de sintetização não foi cumprido. A maior ou menor extensão das conclusões do recorrente deverá ser alvo de um juízo de adequação face à própria extensão e complexidade das questões suscitadas. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões (art. 635º, n.º 4 do CPC), a clareza dessas conclusões é fundamental para que o julgador consiga apreender cabalmente e sem dificuldade o âmbito da pretensão recursiva, devendo o recorrente, através de uma linguagem simples e clara, dar expressão ao princípio da cooperação (art. 7º do CPC) e ao dever da boa-fé processual (art. 8º do CPC) na formulação das conclusões. Tendo o recorrente, nas novas alegações, cumprido minimamente o ónus de sintetização das conclusões, e não tendo sido causalmente justificado em que medida a extensão ou o caráter repetitivo das novas conclusões impediria ou dificultaria seriamente o trabalho do julgador na apreensão do âmbito das pretensões recursivas do recorrente, não se pode concluir que tais conclusões apresentam um grau de deficiência (em sentido amplo) tão elevado ou uma falta de clareza tal que justifiquem a decisão de não se conhecer a totalidade do recurso”.
Ainda, Ac. STJ, de 13/12/2022, Proc. 2952/21.8T8OAZ.P1.S1: “Num recurso, a repetição, em segmento que o recorrente designa de “conclusões”, de tudo o que, antes, no corpo das alegações, foi referido pelo recorrente, não corresponde à ausência de conclusões e não permite, por isso, que, com base no art. 641º/2/b) do CPC, se rejeite o recurso. Em tal hipótese, estar-se-á perante uma situação de conclusões complexas ou excessivas, a que é aplicável o disposto no art. 639º/3 do CPC, devendo ser proferido despacho de aperfeiçoamento que permita à parte superar a irregularidade processual cometida (passando a apresentar conclusões sintéticas – cfr. art. 639º/1 do CPC)”.
No mesmo sentido, a título exemplificativo, Acs. STJ., de 16/12/2020, Proc. 2817/18.0T8PNF-P1.S1; de 03/03/2020, Proc. 34202/08.0T8VLG-E.P1.S1; de 05/07/2018, Proc. 131/16.5T8MAI-A.P1.S1 
[8] Paula Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2013, Almedina, págs. 340 e 341; no mesmo sentido de que o encerramento da discussão em 1ª Instância é o limite máximo até ao qual o art. 423º, n.º 3 do CPC, consente a junção aos autos de documentos, verificados que estejam os requisitos legais que enuncia, vide Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 352, nota 829; Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2016, 12ª ed., Almedina, pág. 320.
[9] Acs. STJ., de 13/02/2007, Proc. 06A4496; RC., de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG-G1
[10] Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, pág. 515.
[11] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 341.
[12] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 229.
[13] Acs. STJ., de 18/01/2005, Rec. n.º 3689/04-4ª, Sumários, jan./2005; 18/04/2006, Proc. 06A844
[14] Acs. STJ., de 30/04/2019, Proc. 22946/11.02TSNT-A.L1-S2; de 26/09/2012, Proc. 174/08.TTVFX.L1.S1; RG., de 19/06/2014, Proc. 36/12.9TBEPS-A.G1; RC., de 18/11/2014, Proc. 628/13.9TBGRD.C1, lendo-se no primeiro que: “Da leitura articulada dos arts. 651º, n.º 1 e 425º do CPC decorre que as partes podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excecional, numa das hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido em 1º Instância. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objetiva e superveniência subjetiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a exceção ditada, nesta matéria, pelo legislador. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade e imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção do documento quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento”.  
[15] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 315.
[16] Note-se que o conceito de “cessão de quotas” não se confunde com o de “transmissão de quotas”, posto que, conforme expende Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, vol. II, 7º ed., Almedina, pág. 345, o Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), no art. 228º, “distingue “transmissão de quotas entre vivos” e “cessão de quotas”. A cessão de quotas é também transmissão entre vivos (transferência da titularidade ou propriedade de quotas entre vivos), é uma sua espécie – compreende apenas a transmissão feita por ato voluntário do titular das quotas (v.g., compra e venda, dação em cumprimento, doação, entrada em sociedade, permuta); a “transmissão de quotas entre vivos” é conceito mais amplo, compreende a “cessão” e as formas de alienação não fundadas na vontade do titular das quotas (v.g., a venda e adjudicação judiciais – cfr. o art. 239º)”.
No mesmo sentido, Paulo Olavo da Cunha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 7ª ed., Almedina, pág. 505; António Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 4ª ed., Almedina, pág. 797.
[17] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 322 e 323.
No mesmo sentido, Parecer de Inocêncio Galvão Telles, CJ, 1984, 4º, pág. 5, onde se lê: “Em princípio, quando a lei exige documento para certo tipo de negócio requere-o como forma que o negócio deva revestir, portanto, como algo indispensável à sua existência válida, pelo que o documento não pode ser dispensado se se quer dar vida a um ato conforme com a Lei e dotado de relevância jurídica. Se o documento é exigido somente para prova do negócio jurídico (documento probatório), o ato celebra-se validamente por qualquer modo, não tendo de ser reduzido a escrito. Em princípio a prova desse ato só pode produzir-se através de documento escrito; essa exibição apenas poderá ser substituída por confissão expressa judicial ou por confissão extrajudicial constante de documento de valor igual ou superior. Se o documento é exigido para a formação do negócio – como requisito de forma e, portanto, como condição de validade (documento substancial), há que provar a feitura do documento”.
Em igual sentido Acs. STJ., de 07/06/2022, Proc. 1517/20.6T8FAR.E1.S1;  R.P., de 22/06/1998, CJ., 1998, 3º, pág. 210; R.C., de 02/05/2000, BMJ, 497º, pá. 448; R.L., de 19/02/2008, CJ, 2008, 1º, pág. 102.
[18] António Menezes Cordeiro, b. cit., pág. 797, nota 4; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 345 Paulo Olavo da Cunha, ob. cit., pág. 514;
[19] Paulo Olavo da Cunha, ob. cit., pág. 514.
Ac. R.E., de 10/05/2018, proc. 411/15.7T8STB.E1, em que se sufraga o entendimento de que “são válidas as cláusulas acessórias, respeitantes à contraprestação pela cedência de quotas de uma sociedade, não só porque não estão abrangidas pela razão da exigência da forma, como também não colidem com o conteúdo da escritura de cedência, na parte em que esta tem força probatória plena”.
[20] Paulo Olavo da Cunha, ob. cit., págs. 506 e 507.
[21] Ac. STJ., de 10/12/2015, Proc. 1990/07.8TBAGD; Paulo Olavo da Cunha, ob. cit., págs. 508 e 509.
[22] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 345, onde escreve: “Assim, quando o consentimento da sociedade seja exigido, a cessão de quota pode ser válida (tem de constar de documento escrito, ou equiparado: art. 228º,1, 4º-A (a escritura pública deixou de ser exigida depois da reforma de 2006 do CSC)), eficaz entre as partes (cedente e cessionário) e até relativamente a terceiros (se estiver registada: CRcom, arts. 3º, 1, c), 14º,1) -, mas não produz efeitos para com a sociedade enquanto o consentimento não for dado; para ela é o cedente (não o cessionário) que continua a ser sócio, com os respetivos direitos e obrigações”, e adiantando, a fls. 346 e 347 que: “A cessão de quota torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe for (validamente) comunicada por escrito ou por ela reconhecida, expressa ou tacitamente (art. 228º, n.º 3). Portanto, há cessões de quotas que, para serem eficazes relativamente à sociedade, têm de cumprir dois requisitos: o consentimento da sociedade e a comunicação (ou o reconhecimento por ela); as cessões que não necessitam do consentimento têm de ser comunicadas à sociedade (ou por ela reconhecidas)”.
No mesmo sentido, Paulo Olavo Cunha, ob. cit., págs. 515 e 516: “Mas, em termos de eficácia, não chega a forma escrita. É preciso o consentimento da sociedade e que, subsequentemente à formalização da transmissão – mesmo que ele tenha sido dado -, a sociedade seja notificada de que efetivamente a cessão se realizou (cfr. art. 228º, n.ºs 2 e 3), tal como deve ser promovido o respetivo registo (cfr. art. 242º-A), que é obrigatório (art. 3º, alínea c) do CRcom). Enquanto não for comunicada à sociedade, a cessão não produz efeitos perante esta (cfr. art. 228º, n.º 3), não constituindo o registo (comercial) requisito de oponibilidade da cessão realizada à sociedade e aos sócios. Uma vez realizada a inscrição registral solicitada, a cessão tem-se por efetuada para com terceiros, na data do pedido de registo). (…) se uma pessoa (um sócio) transmite a sua quota sem autorização, o que acontece é que a transmissão é inoponível à sociedade, cuja «falta de consentimento não constitui um vício de formação do contrato de cessão de quotas», que não é por essa razão inválido, mas simplesmente ineficaz «para com a sociedade». Portanto, é um ato que não produz efeitos perante a sociedade, qualificando-se como uma situação de ineficácia relativa. A cessão não produz então efeitos e quem continua a ser sócio é o sócio cedente, ou seja, aquele que pretendia alienar a sua participação social” (destacado nosso).
Ainda, António Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 798 e 799, notas 5 e 6.