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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
QUALIDADE DE CONSUMIDOR
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
MEDIADOR
Sumário
I - Ao contrato promessa de compra e venda pode ser aplicado o regime de compra e venda de coisa defeituosa (artigos 913.º e seguintes, do C. C.) ou o vertido no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 (venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), por força do disposto no artigo 410.º, n.º 1, do C. C.. II - O promitente comprador que visa adquirir uma fração autónima para aí residir é um consumidor. II.1 - Enquanto consumidor, pode resolver o contrato se a fração que lhe é prometida entregar pela promitente vendedora não está conforme o acordado. II.2 - Estando acordado que os tetos da fração seriam construídos em pladour, com lã de rocha e oferecendo a promitente vendedora a fração com todos os tetos acabados em betão, não havendo prova de que tal solução seja alterável ou compensada ao promitente comprador, pode este resolver o contrato promessa. II.3 - Com a resolução, tem o promitente comprador direito a receber o sinal que prestou em singelo. III - A mediadora pode ser responsabilizada pelos danos causados ao destinatário, nos termos do artigo 17.º, da Lei n.º 15/2013, nomeadamente por não comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado. III.1 - Não se provando que a mediadora não comunicou a alteração referida em 2.2) e que a sua eventual e judicialmente presumida falta de comunicação tenha sido causal de danos ao promitente comprador, não há fundamento para a sua responsabilização.
Texto Integral
Processo n.º 7842/21.1T8VNG.P1.
João Venade.
Ana Márcia Vieira.
Isabel Silva.
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1). Relatório (aproveitando parcialmente o elaborado pela 1.ª instância).
AA, residente na Rua ..., Vila Nova de Gaia, intentou contra
A..., Lda., com sede Rua ..., ..., ..., ... e ..., Monção;
B..., Unipessoal Lda., com sede na Rua ..., Vila Nova de Gaia,
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo:
a) condenação da 1.ª Ré a pagar a quantia de 144.000 EUR, acrescida de juros vincendos, desde a citação, à taxa legal ao tempo em vigor, até integral pagamento, contados sobre o capital.
b) condenação solidária da 2.ª na quantia de 72.000 EUR, acrescida de juros vincendos, desde a citação, à taxa legal ao tempo em vigor, até integral pagamento, contados sobre o capital.
Em síntese, alega que:
. a 1.ª Ré dedica-se à construção de edifícios e a 2.ª a mediação imobiliária;
. decidiu comprar uma fração no imóvel em construção pela 1.ª, pelo preço de 240.000 EUR, celebrando contrato de promessa de compra e venda em 14/07/2020;
. qualquer alteração ao contrato deveria revestir a forma escrita, em documento assinado por todas as partes;
. pagou entre 15/07/2020 e 18/03/2021, a quantia de 72.000 EUR a título de sinal e princípio de pagamento;
. em 21/07/2021, o imóvel era diferente daquele que havia sido contratado entre as partes;
. a 1.ª Ré incumpriu o contrato;
. a 1.ª Ré celebrou com a 2.ª Ré um contrato de mediação imobiliária;
. esta sabia que ocorreram as apontadas alteração ao acordado e que tinha de lhas comunicar;
. sofreu assim um dano patrimonial: a entrega do sinal pelo que a 1.ª Ré tem de devolver o mesmo em dobro, sendo a 2.ª Ré responsável solidariamente com a 1.ª Ré pelo valor do sinal em singelo.
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As Rés, regularmente citadas, apresentaram contestação, alegando em resumo que:
. A..., Lda. (1.ª Ré).
. a petição inicial é inepta;
. não há motivo relevante para suscitar a resolução do contrato;
. B..., Unipessoal Lda. (2.ª Ré).
. celebrou contrato de mediação imobiliária com a 1.ª Ré e não com o Autor;
é alheia a qualquer alteração feita pela 1ª Ré;
. cumpriu todos os seus deveres.
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Foi requerida e admitida a intervenção acessória provocada de «C... –Companhia de Seguros, S. A.» e de «D..., S.A.» (atualmente E..., S. A.) para intervirem como auxiliares na defesa da 2.ª Ré no que respeita à verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, bem como ao apuramento e quantificação dos danos alegadamente sofridos pelo Autor.
A interveniente «E...…» apresentou articulado onde alega aceitar a celebração de contrato de seguro com a 2.ª Ré e impugnou a matéria de facto alegada na petição inicial.
A interveniente «C...…» aceitou a celebração de contrato de seguro com a 2.ª Ré, em vigor no período de 01/04/2021 a 31/03/2022 e impugnou a matéria de facto alegada na petição inicial.
Alega ainda que as alegadas omissões que são imputadas pelo Autor à 2.º Ré são anteriores ao início de vigência do contrato de seguro da Interveniente.
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Realizou-se audiência prévia, fixando-se como:
. objeto do litígio:
«A) Incumprimento pela 1ª R. do contrato-promessa celebrado com o A. e consequências desse incumprimento.
B) Qualidade de consumidor do A. ao celebrar esse contrato-promessa.
C) Responsabilidade da 2ª R. no âmbito da atividade de mediação imobiliária perante o A.; e Temas da prova:
«1º) Circunstâncias que determinaram o A. à futura aquisição do imóvel objeto do contrato-promessa.
2º) Contactos estabelecidos pelo A. com a 2ª R. e em que qualidade.
3º) Características do imóvel e do empreendimento onde o mesmo se insere que foram comunicadas ao A. antes da celebração do contrato-promessa.
4º) Características do imóvel e do empreendimento existentes em 21/07/2021, diferentes das que haviam sido comunicadas ao A..
5º) Alterações ao projeto efetuadas pela 1ª R., ocultando as mesmas ao A..
6º) Desvalorização e descaracterização do imóvel devido a tais alterações.
7º) Comunicações por escrito entre A. e 1ª R..
8º) Comportamento da 2ª R. incumpridor dos seus deveres para com o A.».
Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar totalmente improcedente a ação.
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Inconformado, recorre o Autor, formulando as seguintes conclusões:
«1º. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, a qual julgou a ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu as Rés A..., Lda. e B..., Unipessoal Lda., ora Recorridas, dos pedidos formulados.
2º. Funda-se o presente recurso, salvo melhor opinião, em falhas de apreciação em que assenta a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo designadamente no que diz respeito à matéria de facto considerada como assente e julgada e, bem assim à decisão de direito proferida pelo douto Tribunal.
3º. Salvo o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo deu relevância errada aos e-mails trocados pelo Autor com a 1.ª e a 2.ª Rés, onde este nada refere sobre o incumprimento do mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa, desvalorizando, contudo, o depoimento prestado pela funcionária da 2.ª Ré, BB, que expressamente referiu ao douto Tribunal a quo que o Autor havia comunicado a ambas as Rés que pretendia que o mapa de acabamentos anexo ao referido contrato promessa fosse cabalmente cumprido.
4º. E bem assim, o Tribunal a quo também desvalorizou um facto importantíssimo expressamente referido e comum às testemunhas, incluindo as testemunhas também arroladas pelas Recorridas, BB e CC: não foram, em momento algum, comunicadas as posteriores alterações ao projeto inicialmente apresentado ao Recorrente aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda. Nem sequer foram formalizadas, mediante documento particular, tais alterações, em obediência ao expressamente estipulado pelas partes no contrato promessa.
5º. O Autor ter adquiriu um imóvel para habitação própria permanente, para ali residir com a sua família, tendo-o feito com base num prospeto entregue pelas Recorridas e nas imagens por aquelas propagadas e, ao final de contas, acabou por adquirir um imóvel diferente do que aquele que lhe teria sido prometido vender por aquelas.
6º. Foram levadas a cabo alterações estruturais, efetuadas unilateralmente pela 1ª R., tanto no interior da fração como nas partes comuns do empreendimento que conduziram a uma total descaracterização da fração prometida vender e do empreendimento
7º. O Autor apenas pretendia que fosse cumprido integralmente o prospeto que lhe foi entregue inicialmente, e ainda pretende, e, por conseguinte, apenas e somente pretende que a fração que lhe foi prometida vender seja conforme ao mapa de acabamentos e prospeto que lhe foi demonstrado e por aquele aceite.
8º. A aceitar-se, sequer permitir-se ou conceber-se que as alterações efetuadas pela 1.ª Ré estão conformes, o Tribunal a quo encontra-se a dar um verdadeiro cartão branco não só à conduta da 1.ª Ré que fez tais alterações sem o consentimento do Autor, e sem obedecer ao formalismo legal que o contrato promessa de compra e venda definia para o efeito – documento particular -, mas também a todas as outras sociedades construtoras, para que daqui em diante, possam na pendencia da construção dos imoveis unilateralmente alterar os mapas de acabamentos ou prospetos entregues aos compradores aquando da aquisição dos mesmos.
9º. A resposta à matéria de facto quesitada é, deste modo, desprovida de fundamento, em alguns factos controvertidos, tendo sido a mesma mal apreciada, esperando-se com o presente recurso se repõe nos autos a verdade material, alterando-se os factos julgados e, consequentemente, deverá ser feito novo enquadramento jurídico.
10º. O Tribunal a quo considerou como provado os seguintes factos:
(…)
11º. Por outro lado, de acordo com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não resultaram provados os seguintes factos (…):
12º. Ora, uma vez que ocorreu gravação de todos os depoimentos prestados e existem documentos juntos aos autos, nos quais constam factos ou circunstâncias que não foram atendidos, nem relevados, pelo Tribunal a quo na decisão da matéria de facto, salvo o devido respeito por opinião diversa, existe manifesto erro de julgamento; impugnando- se, assim, a decisão proferida sobre matéria de facto – art. 638º, 640º, 662º todos do C.P.C.;
13º. Destarte, a Apelante considera incorretamente julgados os seguintes factos dados como provados na douta sentença 41 e 42, os quais, outrossim, haviam de ter sido dados como não provados.
14º. Por sua vez, os factos considerados como não provados e não considerados na douta sentença, 1. a 19., são, outrossim, muito relevantes para o enquadramento dos presentes autos e dos motivos que levaram à existência da presente demanda.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
15º. No que concerne ao ponto 41. dos factos dados como provados na Sentença, este deveria ser dado como não provado.
16º. A assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se invoca, deveria ter sido dado como provado nos seguintes moldes «O teto da varanda está executado com metais de fixação das placas de vidro perfeitamente visíveis e os acabamentos estão betão polido aparente. O teto estava remendado e desnivelado e deveria ter sido pintado à cor branca.»
17º. Isto porque, em momento algum o teto da varanda está conforme o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa.
18º. A este propósito, veja-se o depoimento prestado por DD, arquiteto, que prestou um depoimento no dia 09/12/2022, tendo o mesmo ficado gravado em sistema integrado de gravação digital com início às 15:29:49 e fim às 16:03:52, passagens de Passagens de 00:03:35 a 00:04:41:, e ainda o depoimento prestado por BB, diretora de processos da 2.ª Ré, que prestou um depoimento no dia 09/12/2022, tendo o mesmo ficado gravado em sistema integrado de gravação digital, com início às 16:05:07 e fim às 16:51:25, passagens de Passagens de 00:03:35 a 00:04:41, passagens de 00:18:27 a 00:19:50, passagens de 00:23:30 a 00:25:24.
19º. Resulta dos depoimentos acima transcritos que os tetos das varandas não estavam conforme o previsto no mapa de acabamentos, tendo sido concluídas com betão polido aparente, contrariamente ao definido, e bem assim encontrando-se com metais de fixação das placas de vidro perfeitamente visíveis.
20º. A própria Mma. Juiz questiona a testemunha BB se o Autor lhe havia referido se as varandas do imóvel não fossem alteradas que não queria o imóvel. Sendo que a testemunha referiu que se houvesse um entendimento entre todos, alterando-se o que não estava de acordo ao mapa de acabamentos, tudo correria bem entre as partes.
21º. De igual forma, resulta do documento n.º 9 junto com a Petição Inicial, e facto dado como provado na douta Sentença que no dia 22 de julho de 2021, que o Autor enviou um e-mail à arquiteta referida, tendo aquele questionado a Arquiteta se «o teto da varanda ficará com metais de fixação das placas de vidro aparentes, bom como acabamento em betão polido aparente», ao que aquela responde que tudo ficará «conforme executado em obra».
22º. Ademais, atente-se à prova documental junta aos autos pelo Autor, mormente os ficheiros de imagem juntos pelo Autor, constante da prova documental por aquele careada aos presentes autos em requerimento de 17/11/2022, onde se verifica que os tetos se encontram em betão aparente, totalmente desnivelados. Os tetos não se encontram totalmente lisos, nem sequer perto disso. Verificam-se, claramente, os sulcos que neles se encontram e os acabamentos grosseiros e incompletos. Verifica-se, de igual forma, que os tetos das varandas não se encontram de cor branca, encontram-se, também em betão aparente, à cor do mesmo, com sulcos e desníveis, e bem assim com os metais de fixação das placas de vidro nas varandas acima da fração em questão perfeitamente visíveis. Tudo isto quando expressamente consta do mapa de acabamentos junto aos autos «tetos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg na habitação; teto de varanda pintado e as guardas metálicas em vidro laminado e betão aparente (…)»
23º. Resulta do exposto que o teto das varandas ficou com metais de fixação das placas de vidro perfeitamente visíveis e foi construído em betão polido aparente, sendo que o prometido seria o teto de varanda pintado e as guardas metálicas em vidro laminado e betão aparente. Os tetos estavam remendados e desnivelados e deveria ter sido pintado à cor branca, o que não sucedeu.
24º. No que concerne ao ponto 42. dos factos dados como provados na Sentença este não deveria ter sido dado como provado, outrossim, deveria ter sido dado como não provado.
25º. Ressalve-se que resulta da fundamentação jurídica da douta Sentença que «a alteração do material do muro do empreendimento deveu-se ao facto de não haver no mercado nem pedra, nem mão de obra disponível para executar o muro em granito e teve por objetivo acabar o projeto a tempo de poder cumprir atempadamente os contratos promessa», contudo, salvo o devido respeito por opinião diversa, o Autor não aceitou tal alteração, nem sequer, em momento algum, foi feita prova indubitável sobre tal alegação, mormente documental, a não ser pelo alegado pelas testemunhas das Rés
26º. Em boa verdade, e conforme ao adiante se logrará explanar, os anos de 2021 e 2022 foram, claramente, os melhores anos no setor da pedra. Aliás, o ano de 2021 foi reconhecido como um ano bastante melhor do que o ano de 2020 em tal setor. A título de exemplo, veja-se o presente no sitio da internet https://www.construir.pt/2021/06/04/mercado-da-pedra-natural-marco-de-2021-entre-os-melhores-dos-ultimos-anos e adicionalmente, veja-se ainda o presente no sítio da internet https://www.engeobras.pt/Artigos/378628-Setor-mineiro-e-pedra-natural-exportacoes-2021-como-melhor-ano-de-sempre.html
27º. Destarte, tal facto deveria ter sido dado como não provado, porquanto, não só não corresponde à atualidade do setor da pedra à data, como não foi feita qualquer prova pelas Rés no sentido de sustentar fáctica e documentalmente tal afirmação.
28º. Se a 1.ª Ré não executou os sobreditos muros em granito tradicional no empreendimento foi porque assim não o quis, tomando tal decisão unilateralmente, sem nada comunicar ao Autor, ora Recorrente. Claro está que, encontrando-se os muros exteriores em betão polido aparente, estes em nada de comparam ou sequer assemelham ao que estava previsto, e aceite por ambas as partes, no mapa de acabamentos, referindo-se que os muros exteriores seriam em “granito tradicional”.
29º. As alterações estruturais efetuadas unilateralmente pela 1ª R., no interior da fração ou nas partes comuns do empreendimento (como no muro exterior) conduziram a uma total descaracterização e diminuição do valor da fração e do empreendimento é irreversível, e conduziram a uma total contradição em face ao que foi prometido vender ao Autor.
30º. Consta do mapa de acabamentos enviado em 15 de maio de 2020, pela 2ª Ré ao Autor, no e-mail com a informação sobre o empreendimento em questão, que os acabamentos exteriores seriam compostos por “Muros em granito tradicional” – documento n.º 1 da petição inicial. Por sua vez, consta no mapa de acabamentos anexo ao contrato de promessa celebrado em 14 de julho de 2020 que os acabamentos exteriores seriam compostos por “Muros em granito tradicional” – documento n.º 2 da petição inicial. Ainda, resulta da cláusula sexta do referido contrato de promessa de compra e venda que «qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito e assinado por todas as partes constantes do mesmo».
31º. Resulta da motivação da douta Sentença proferida que «A convicção do tribunal resulta da ponderação e confronto de toda a prova produzida nos autos. É de relevar que os factos provados sob os nºs 4 a 23, 27, 28 e 39 resultam unânimes de toda a prova produzida sobre os mesmos, sendo que o teor do contrato promessa e seus anexos foi aceite por ambas as partes outorgantes e pela 2ª Ré (…)».
32º. Ora, tendo sido relevante para o tribunal a unanimidade da prova produzida sobre os factos 4. a 23., e bem assim o teor do contrato promessa e seus anexos, não se concebe a motivação do Tribunal em considerar que as alterações ao contrato de promessa, mormente o seu mapa de acabamentos, tenha sido levada a cabo em violação do disposto na referida cláusula sexta do contrato promessa.
33º. Ora, não só tais alterações não foram expressamente comunicadas ao Autor, como também não foram formalizadas conforme expressamente estipulado entre as partes, mediante documento particular. O que, por conseguinte, constitui uma clara violação do referido contrato promessa.
34º. A propósito das alterações não terem sido formalizadas por documento particular nem sequer comunicadas ao Autor, veja-se o depoimento prestado por BB, acima melhor identificado, Passagem de 00:04:35 a 00:06:05, Passagem de 00:06:50 a 00:07:25, Passagens de 00:09:55 a 00:11:00, Passagens de 00:16:05 a 00:18:20. Resulta de tal depoimento que, quando o imóvel foi visitado pelo Autor e pela referida testemunha (segundo esta crê em abril) foi quando ele tomou conhecimento das alterações constavam no imóvel e que estas não correspondiam ao mapa de acabamentos. E pese embora este tenha demonstrado o seu descontentamento face à realidade atual do imóvel e a realidade que havia sido contratada, a 1.ª Ré foi dizendo ao Autor que “iam ver se era possível”, sem nunca avançar com uma resposta definitiva.
35º. No que concerne aos factos 1. e 2. considerados como não provados na Sentença, salvo o devido respeito, parece-nos claro que foram incorretamente julgados pelo que, outrossim, estes deveriam ter sido dados como provado.
36º. A assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se invoca, o facto 1. deveria ter sido dado como provado nos seguintes moldes: «O Autor encontrava-se noivo de EE aquando da celebração do contrato promessa. O Autor contraiu matrimónio com FF posteriormente à celebração do referido contrato promessa.»
37º. A este propósito, relembra-se apenas o facto de, aquando da assinatura do contrato promessa, o Autor encontrar-se no estado civil de Solteiro. Sendo certo que, atualmente, encontra-se casado.
38º. A este propósito veja-se o referido em sede de discussão de audiência de julgamento no depoimento prestado por BB, acima identificado, Passagens de 00:11:50 a 00:12:05, que refere que o Autor lhe havia transmitido a intenção do imóvel constituir a sua casa de morada de família e, veja-se também, o depoimento prestado por GG, no dia 21/11/2022, tendo o mesmo ficado gravado em sistema integrado de gravação digital, com início às 10:48:32 e fim às 11:19:42, onde este ultimo refere que o motivo pelo qual havia o Autor comprado o referido imóvel era para ali residir com a sua atual esposa e os seus animais de estimação, sendo certo que ambos tinham vontade em ali constituir família.
39º. Da própria motivação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, refere-se que a «mulher» do Autor afirmou que o imóvel para habitação própria do casal. De igual forma, resulta ainda da motivação da Sentença proferida que «Do depoimento da testemunha do Autor GG resulta apenas que o Autor inicialmente pretendia o imóvel para habitação própria (…)»
40º. Resulta claro de três depoimentos que o Autor pretendia o imóvel para habitação própria permanente. E, conclusão obvia, sendo recentemente casado, queria ali reunir-se com a sua família, aguardando o fim das obras para o efeito. Se o Autor à data da promessa do contrato de compra e venda encontra-se no estado civil de solteiro, e se se veio a casar quando estava no Brasil, já após a assinatura do referido contrato promessa, claro está que a compra do imóvel tinha como intuito de ali viver com a sua companheira e construir a sua família.
41º. Ademais, sempre se refira que o Autor juntou prova documental, em requerimento datado de 28/11/2022, mormente e-mail enviado à sua noiva, em 16/12/2020, pelas 19:08h, em que este refere o seguinte: «Eu adoro entrar no site do empreendimento pra ver onde nossa família vai crescer! ... Eu te amo! Muito. Mesmo. Pra sempre.» e ainda um e-mail enviado a 22/03/2021, pelas 17:53 horas, à Sra. BB, trabalhadora da 2.ª Ré, referindo expressamente «Conforme expliquei-lhe, o apartamento em questão foi comprado com a intenção de ser a minha habitação própria».
42º. Pelo que, não se concebe a motivação da Mma. Juiz, face à prova documental e testemunhal, em dar como não provado tal facto. Resulta claro que posteriormente à celebração do contrato promessa o Autor e a sua noiva vieram a casar, tendo ambos como objetivo constituir família e desde a assinatura do contrato de promessa de compra e venda que aguardavam pela conclusão das obras para ali residirem.
43º. No que concerne ao facto 3 considerado como não provado na douta Sentença, veja-se o referido em sede de discussão de audiência de julgamento no depoimento prestado por BB, Passagens de 00:12:54 a 00:13:30 e também o depoimento de GG, no dia 21/11/2022, gravado em sistema integrado de gravação digital, com início às 10:48:32 e fim às 11:19:42, passagens de 00:03:40 a 00:04:10, resultando deste ultimo que o referido Sr. GG foi impedido de entrar na obra assim que ali chegou, estando uma pessoa na obra que o insultou no imediato.
Passagens de 00:12:54 a 00:13:30.
44º. De igual forma, a 1.ª Ré, no ponto 28. da sua Contestação refere que «Registe-se também não ser verdade que a 1ª ré alguma vez impediu visitas ao local. Simplesmente o local é um estaleiro de obras, perigoso por natureza, e existem regras de segurança a observar por quem visita a obra. Daí que se peça para se se agende com antecedência a visita.», admitindo, ainda que implicitamente, que tal visita não se sucedeu, alegadamente por razões segurança.
45º. Indo, assim, ao encontro da prova documental junta pelo Autor aos presentes autos em requerimento de 28/11/2022. Ora vejamos o e-mail enviado pela 1.ª Ré, através do Departamento Financeiro do Grupo F..., na pessoa de HH, à Sra. BB, em 09/03/2021, pelas 14:45 onde se refere o seguinte:
«Olá BB, Acabei de confirmar com o Eng. II, na altura ele falou com o Sr. GG e este ficou de lhe ligar de volta para confirmar disponibilidade, mas não o fez. Ainda assim, o Eng. Disse-me pode passar pela obra qualquer dia, entre as 9-13H| 14- 17H, basta que antes ligue com ele para o alertar. O contacto é .... Relembro, contudo, que os visitantes à obra são responsáveis por trazer os equipamentos de proteção individual e máscara sanitária.
Agradecia se pudesse transmitir essa informação ao cliente. Com os melhores cumprimentos». Sendo certo que o sobredito e-mail foi em reposta a um outro enviado no mesmo dia, pelas 14:29 horas, da Sra. BB à 1.ª Ré, através do Departamento Financeiro do referido Grupo, referindo o seguinte: «Boa tarde, O reforço estava previsto ser feito assim que, fosse feita a visita à obra. Sabe dizer-me alguma coisa relativamente a essa questão, chegou a ser agendada/feita?»
46º. Pelo que, efetivamente, o Sr. GG tentou efetuar uma visita à obra. E, efetivamente, tal visita lhe foi negada. Motivo pelo qual é referido pelo 1.ª Ré, através do Financeiro do Grupo F... que “Ainda assim, o Eng. Disse-me pode passar pela obra qualquer dia, entre as 9-13H| 14-17H, basta que antes ligue com ele para o alertar. O contacto é ....”
47º. Tanto assim o é que, em 18/03/2021, pelas 20:02 horas, o Autor dirige e-mail à Sra. BB, à 2.ª Ré, na pessoa de “Arquitetura Grupo F...”, referindo que: «(…) Ainda, @BB, faça chegar ao conhecimento do departamento financeiro o que segue abaixo.
Exigir em uma quarta-feira que o pagamento seja realizado “ainda esta semana” sem dar a oportunidade do cliente visitar o imóvel foi descortês e abusivo. A Sra. BB já havia informado aos senhores vendedores que eu faria o pagamento assim que o meu representante pudesse visitar o imóvel e que as respostas aos questionamentos colocados no dia da visita fossem respondidos. No entanto, mesmo após o absurdo solicitado pela Sra. HH e embora esteja previsto o prazo 10 dias para realizar o pagamento do reforço de sinal após comunicação formal, (CPCV, cláusula 3ª nº 2. Abaixo), os senhores vendedores decidiram me notificar para realizar pagamento em um prazo de 5 dias úteis, em total desacordo com o contrato.»
48º. Claro está que o douto Tribunal não atendeu à sobredita prova documental junta aos autos pelo Autor (os referidos e-mails juntos em requerimento de 28/11/2021), nem sequer os dizeres proferidos pela testemunha BB quando questionada se sabia se a visita do Sr. GG se havia concretizado posteriormente, dado que a primeira visita este não a fez, tendo sido impedido de entrar na obra. Aliás, a referida testemunha, Sra. BB, referiu também não saber se o senhor GG acabou, mais tarde, por vir a conseguir efetuar a visita. O que, efetivamente se confirma, visto que a questão colocada pela referida testemunha à 1.ª Ré no sobredito e-mail de «Sabe dizer-me alguma coisa relativamente a essa questão, chegou a ser agendada/feita?», não foi respondida no e-mail seguinte.
49º. No que concerne ao ponto 4. dos factos dados como não provados o Tribunal a quo incorreu em claro erro de julgamento ao considerar como não provado o facto 4., que outrossim, deveria ter sido dado totalmente como provado.
50º. Ou, assim a não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se invoca, dever-se-ia dar este facto como provado nos seguintes moldes: «O Autor esteve ausente de Portugal, encontrando-se no Brasil desde, pelo menos, o período de 08/02/2021 e até 12/04/2021. Pelo menos entre o período de 08/02/2021 e até 12/07/2021 não foi efetuada qualquer visita ao imóvel, nem pelo Autor nem por pessoa interposta para o efeito para conclusão do crédito bancário. Após, pelo menos, 12/07/2021, o Autor fez visita ao imóvel acompanhado pelo avaliador da entidade bancária onde solicitou o crédito para adquirir o referido apartamento»
51º. A este propósito, cronologicamente falando, chama-se à atenção do Tribunal ad quem para a prova documental careada pelo Autor aos autos, que consiste em e-mail trocados entre o Autor e a 1.ª e 2.ª Ré, juntos em requerimento de 28/11/2022.
52º. O Autor encontrou-se no Brasil, desde, pelo menos 08/02/2021 até 12/04/2023. Tal constata-se através dois e-mails remetidos pelo mesmo à 1.ª e 2.ª Ré. Ora vejamos, em email enviado pelo Autor à 1.ª e 2.ª Ré, em 08/02/202, pelas10:20, este refere o seguinte:
«Bom dia, Sra. BB. Como vai? Em virtude das restrições de descolamento, acabei optando por prorrogar a minha estada no Brasil. Agora, meu regresso está marcado para o dia 12/04. Assim, questiono a disponibilidade da reunião ser feita por videoconferência no mesmo horário proposto. Após a reunião, solicitaria que a minha sócia e/ou o marido dela fossem em meu nome pessoalmente no local da obra para conversarem sobre as eventuais questões que ainda restarem.», tendo este referido e-mail sido enviado pelo Autor em resposta a um anteriormente enviado, em 05/02/2021, pelas 08:58, pela 2.ª Ré para a 1.ª Ré, que posteriormente veio a remeter para o Autor: «Bom dia, Dr. AA. Envio a resposta que recebi agora relativamente ao seu pedido de reunião. “Bom dia BB, Será possível verificar com o cliente se tem disponibilidade para a reunião em obra segunda, dia 08/02/21, por volta das14h30? Com os melhores cumprimentos,
CC»
53º. Pelo que, duvidas não residem de que, pelo menos desde o dia 08/02/2021, motivo pelo qual solicitou a reunião com a 1.ª Ré se realizasse por videoconferência e fosse um terceiro, de sua confiança, para avaliar o estado da obra. Neste seguimento, efetivamente dirigiu-se um terceiro da confiança do Autor, Sr. GG à obra. Contudo, como acima se referiu, foi impedido de nela entrar, pelo que a este respeito ressalva-se tudo o quanto acima já se referiu no que concerne à impugnação da matéria de facto dada como não provada sob o ponto 3., mormente o e-mail remetido pela 1.ª Ré, através do Departamento Financeiro do Grupo F..., na pessoa de HH, à Sra. BB, em 09/03/2021, pelas 14:45, e ainda o e-mail de 18/03/2021, pelas 20:02 horas, enviado pelo Autor à 1.ª e 2.ª Ré, onde este refere expressamente que ainda não foi possível realizar qualquer visita ao imóvel, e bem assim ao depoimento prestado por BB, acima identificado, passagens de 00:12:45 a 00:13:40 e passagens de 00:07:35, 00:09:00 e passagens de 00:15:40 a 00:18:20.
54º. Ademais, o Autor remete um e-mail à 1.ª e 2.ª Ré em 05/07/2021, pelas 16:08, o Autor envia um e-mail à 1.ª e 2.ª Ré referindo o seguinte: «Prezados, Preciso dos seguintes elementos para seguir com o processo de financiamento: - plantas imóvel e garagem
- certidão do registo predial ou código de acesso
- caderneta predial
Ainda, continuo aguardando uma resposta aos questionamentos realizados anteriormente. Cumprimentos.» E, seguidamente, no dia 12/07/2021, pelas 16:05, o Autor remete novo e-mail à 1.ª e 2.ª Ré, referindo o seguinte: «Prezados, boa tarde. Quando podemos agendar a vistoria do banco para a conclusão do crédito bancário? Ainda, continuo aguardando uma resposta por parte dos senhores. Espero realmente que a ausência de uma resposta por parte dos responsáveis não acarrete em mais uma falha na prestação do serviço. Reitero que da mesma forma que não tinha autorizado a instalação dos eletrodomésticos e da cuba da pia sem ser comunicado para ver alternativas aos modelos selecionados pela construtora, também não autorizo que os demais pontos sem resposta sejam finalizados.»
55º. Resulta da prova documental careada aos autos pelo Autor que, pelo menos desde 08/02/2021 até 12/04/2021 o Autor encontrava-se no Brasil, não tendo efetuado, neste período, qualquer visita ao imóvel, nem por si, nem por pessoa interposta para o efeito com vista à conclusão da aprovação do crédito bancário solicitado. Ademais, também pelo menos, entre o período de 05/07/2021 a 12/07/2021 o Autor continuou sem efetuar qualquer visita ao imóvel, atendendo a que em 12/07/2021 continua a aguardar uma resposta por parte da 1.ª Ré para efeitos de agendamento de visita acompanhado da entidade bancária. De igual forma, também resulta da prova documental careada nos autos, mormente nos e-mails remetidos pelo Autor à 1.ª Ré que em 12/07/2021, o Autor continuou sem efetuar qualquer visita ao imóvel, atendendo a que no referido e-mail de 12/07/2021 este afirma que “continua a aguardar uma resposta” por parte da 1.ª Ré para efeitos de agendamento de visita acompanhado da entidade bancária.
56º. No que concerne ao ponto 5. dos factos dados como não provados, uma vez mais, salvo o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo incorreu em claro erro de julgamento ao dar tal facto como não provado.
57º. A este propósito remete-se para tudo o quanto já foi referido acima relativo ao ponto 4. dos factos dados como provados, mormente aos e-mails remetidos pelo Autor à 1.ª e 2.ª Ré, solicitando visita ao imóvel para conclusão da aprovação do crédito ao Banco.
58º. Isto porque, o Autor esteve no Brasil até, pelo menos, 12/04/2021; tendo o Sr. GG impedido de entrar no imóvel, como acima se referiu; e sendo certo que não havia ainda visitado o imóvel após o seu regresso, tanto assim o é que no e-mail remetido pelo Autor à 1.ª Ré, em 12/07/2021 este refere que “continua a aguardar uma resposta” por parte da 1.ª Ré para efeitos de agendamento de visita acompanhado da entidade bancária.
59º. No que concerne aos pontos 6. a 13. dos factos dados como não provados também o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento, pelo que salvo o devido respeito por opinião diversa, devem os referidos factos serem integralmente dados como provados.
60º. A assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se invoca, os factos 6. a 13. deveriam ser redigidos da seguinte forma, dando-se, assim, como integralmente provados:
«Assim que o Autor regressou a Portugal, após, pelo menos, 12/04/2021, este visitou o imóvel.
Ali chegado, o Autor deparou-se que este encontrava-se completamente distinto do que aquilo que havia sido contrato entre as partes Tanto o empreendimento como a fração habitacional em questão tinham características completamente diferentes do que havia sido apresentado ao Autor. Os materiais utilizados e os acabamentos em nada correspondiam com o mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda. Os tetos estavam remendados e desnivelados. O teto da varanda devia ser pintado a cor branca. Os armários deviam ser lacados, no interior e exterior das portas. Os móveis encontravam-se declivosos, desalinhados e sem acabamento Foi, pelo menos, a partir de tal data que o Autor se apercebeu que a 1ª Ré havia efetuado uma alteração no mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.
O Autor manifestou vontade no imediato que pretendia que o imóvel tivesse os acabamentos consoante o contratado no contrato promessa de compra e venda celebrado».
61º. A este propósito, veja-se o depoimento prestado por DD, arquiteto, que prestou um depoimento no dia 09/12/2022, acima identificado, Passagens de 00:03:20 a 00:04:50, Passagens de 00:05:20 a 00:06:10:, Passagens de 00:07:15 a 00:10:56, Passagens de 00:31:25 a 00:33:10, donde que, resulta, claramente que, sem qualquer hesitação, a testemunha que o imóvel não se encontra atualmente conforme havia sido acordado entre as partes aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda.
62º. A sobredita testemunha refere que o muro contratado não é o mesmo que se encontra no imóvel, estando ora executado um muro de betão ao invés de granito. As varandas e os respetivos tetos que se encontram no imóvel também não são o que estava contratado, estando ora executadas varandas estão em vidro fosco, ao invés de ter aquela estrutura de betão que acaba no espetro. Os espetros não estão acabados e está em betão aparente. Inversamente, havia sido contratado paredes em alvenaria com gesso projetado e tetos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg.
63º. Tanto os materiais utilizados como os acabamentos não correspondem com o mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda. E, como a sobredita testemunha o refere, colocar o isolamento como está previsto no CPCV, designadamente, lã de rocha, os focos e fazer um teto falso sem mexer no vidro, na sua opinião, poderá ser remediado, mas nunca ficará com o aspeto que o Autor estava em crer que iria ter. E, bem assim, refere ser diferente gostar-se do prédio conforme previsto no mapa de acabamentos e no prospeto, do que aquele que ali se encontra agora, sendo, na opinião da testemunha “mais brutalista (…) despido.”
64º. A este propósito, veja-se também o depoimento prestado por BB, diretora de processos da 2.ª Ré, acima identificado, Passagens de 00:05:10 a 00:07:24, Passagens de 00:09:00 a 00:10:00, Passagens de 00:09:55 a 00:12:00, Passagens de 00:16:05 a 00:18:20, Passagens de 00:18:27 a 00:19:50, Passagem de 00:22:50 a 00:24:35, Passagens de 00:24:50 a 00:25:10, donde resulta que o imóvel se encontrava diferente ao previsto no mapa de acabamentos. Mais refere que não comunicou ao Autor tais alterações ao mapa porquanto pensava que a 1.ª Ré já o havia feito. Resulta ainda do referido depoimento que, das visitas que fez com o Autor ao imóvel, este lhe referiu que gostaria que o imóvel fosse conforme consta no contrato de promessa. Que, inclusive, o solicitou a uma Engenheira da 1.ª Ré aquando de uma visita, sendo que esta última apenas deu uma resposta evasiva, dizendo que iam tentar, não tendo nunca, em momento algum, dado qualquer resposta definitiva ao Autor. De igual forma, resulta de tal depoimento os tetos das varandas estavam previstos numa determinada forma e foram executados de outra, mormente em betão aparente. Resulta ainda de tal depoimento que os armários e portas estavam contratadas entre as partes como sendo de cor branca, encontrando-se, executados, em cinzentos.
65º. Ademais, atente-se à prova documental junta aos autos pelo Autor. Pelos ficheiros de imagem juntos pelo Autor, constante da prova documental por aquele careada aos presentes autos em requerimento de 17/11/2022, verifica-se os tetos do interior do empreendimento. Verifica-se assim, que os tetos se encontram em betão aparente, totalmente desnivelados. Os tetos não se encontram totalmente lisos, nem sequer perto disso. Verificam-se, claramente, os sulcos que neles se encontram e os acabamentos grosseiros e incompletos. Verifica-se, de igual forma, que os tetos das varandas não se encontram de cor branca, encontram-se, também em betão aparente, à cor do mesmo, com sulcos e desníveis, e bem assim com os metais de fixação das placas de vidro nas varandas acima da fração em questão perfeitamente visíveis. Verifica-se, também, dos sobreditos ficheiros de imagem que os armários da cozinha não são lacados, nem sequer brancos, outrossim são cinzentos e não lacados.
66º. De igual forma, resulta do e-mail enviado pelo Autor à 1.ª Ré, na pessoa da sua Arquiteta, CC, em 22 de julho de 2021, acima transcrito, as alterações levadas a cabo pela 2.ª Ré, unilateralmente realizadas, contrárias ao presente no mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa referido.
67º. E, deva-se realçar, que, conforme a testemunha BB o referiu, que quando o Autor foi com ela foi visitar o imóvel, verificando o estado do imóvel, mormente os seus acabamentos totalmente diferentes do contratado, de imediato manifestou vontade em que o imóvel fosse conforme consta no contrato de promessa. Tal testemunha refere ainda que tal vontade foi expressamente comunicada, aquando de uma visita, à Engenheira da Ré ali presente. Assim, o Autor solicitou expressamente a tal Engenheira para colocar os acabamentos do imóvel conforme estava no mapa de acabamentos presente no contrato de promessa, que era este o seu objetivo. Contudo, a 1.ª Ré, na pessoa da referida Engenheira não o fez. Apenas limitando-se a dar respostas evasivas de como “iam tentar”, sendo que, ao fim e ao cabo, nada foi feito.
68º. No que concerne ao ponto 14. Dos factos dados como não provados, que ao adiante se transcreve, também o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pelo que salvo o devido respeito por opinião diversa, devem os referidos factos serem integralmente dados como provados.
69º. Isto porque, o prospeto propagado nos anúncios do empreendimento e apresentado quando da negociação do mesmo, diverge do que integra o mapa de acabamentos anexo ao Contrato de Promessa de Compra e Venda. Nas imagens propagadas pela 1.ª Ré, assim como no mapa de acabamento original do empreendimento, apresentado ao Autor durante a negociação do imóvel, as guardas que compõem as fachadas principais seriam em betão aparente. Contudo, no Mapa de Acabamento que compõe o Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado, tal item foi, de forma ludibriosa, modificado pela Promitente Vendedora, tendo passado a constar unicamente “guardas em vidro laminado”.
70º. Tudo isto sem que o Autor tivesse sido alertado pela 1.ª Ré sobre tal facto. O que apenas e somente demonstra a má-fé com a que a 1.ª Ré pautou a sua conduta, mesmo já na celebração do contrato promessa de compra e venda. A mudança realizada, apesar de sutil em palavras, e por isso ainda mais impercetível ao homem médio que não possui especificidade técnica sobre empreitadas, mudou inteiramente o empreendimento, interferindo completamente no seu estilo visual e arquitetónico.
71º. O Autor comprou o imóvel com base no prospeto que lhe foi apresentado e as imagens que acompanhavam o mesmo. Dali constam as fachadas do edifico em betão aparente, o que claramente contraria a atualidade das fachadas do edifício. Claro está que, tal alteração ao item foi ludibriosamente inserida no contrato promessa, sem que nada tivesse sido dito ou referido ao Autor. O Autor formou a sua vontade em adquirir o imóvel para ali residir e construir família com base no prospeto que lhe foi entregue aquando da negociação do imóvel e nas imagens que o acompanhavam.
72º. Contudo, as alterações unilaterais que foram sendo realizadas pela 1.ª Ré, altamente significativas do ponto de vista estrutural e arquitetónico do edifício, foram realizadas de má fé e que conduziram a uma total descaracterização do edifício face ao que inicialmente havia sido apresentado ao Autor. Pelo que, não se concebe, nem se crê, como é que este doutro Tribunal não deu como provado o referido facto 14, que, outrossim, deveria integralmente ter sido dado como provado.
73º. No que concerne aos pontos 15., 16., 17. e 19 dos factos não provados pelo douto Tribunal a quo, também o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento, pelo que salvo o devido respeito por opinião diversa, devem os referidos factos serem integralmente dados como provados.
74º. Primeiramente, ressalve-se que o que aqui se discute é o Autor ter adquirido um imóvel para habitação própria permanente, para ali residir com a sua família, tendo-o feito com base num prospeto entregue pelas Recorridas e nas imagens por aquelas propagadas e, ao final de contas, adquirir um imóvel diferente do que aquele que lhe teria sido demonstrado por aquelas.
75º. As alterações estruturais ao imóvel, mormente ao mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa, foram todas elas efetuadas unilateralmente pela 1ª R., no interior da fração ou nas partes comuns do empreendimento (como no muro exterior), sem que uma qualquer comunicação e/ou informação tivesse dirigido ao Autor. Sendo certo que, por conseguinte, tais alterações acabaram por, inevitavelmente, conduzir a uma total descaracterização e diminuição do valor da fração e do empreendimento, como conduziram a uma total contradição em face ao que imóvel que foi prometido vender ao Autor.
76º. O Autor comprou uma fração por gosto, com base no seu prospeto, nas imagens que o acompanhavam e no respetivo mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa, no entanto, foram executadas, unilateralmente, as sobreditas alterações à fração, que a descaracterizaram, e sem que o Autor delas tivesse sido informado previamente, dado o consentimento escrito ou verbal.
77º. A este propósito, veja-se o depoimento prestado por DD, arquiteto, que prestou um depoimento no dia 09/12/2022, acima identificado, Passagens de 00:03:20 a 00:04:50 e Passagens de 00:07:15 a 00:10:20 e ainda o depoimento prestado por BB, Passagens de 00:43:50 a 00:44:35:
78º. Ora, se na instância do próprio Tribunal a quo a referida testemunha BB expressamente refere que a avaliação foi efetuada depois de algumas visitas ao imóvel, o que se depreende que este já tinha os sobreditos acabamentos efetuados, e bem assim tal avaliação foi abaixo do valor de compra, o que mais se poderá dizer sobre este ponto a não ser que deveria ter sido dado integralmente como provado?
79º. Claro está que, fruto da arquitetura mais despida (face ao betão), aos acabamentos defeituosos dos tetos e afins, o imóvel sofreu uma clara desvalorização.
80º. Pelo que, não se concebe, nem se crê, como é que este doutro Tribunal não deu como provado os referidos factos de 15., 16. 17. e 19. outrossim, tais factos devem ser integralmente dados como provados, atendendo aos depoimentos acima transcritos e prova documental (mormente os ficheiros de imagens e o referido relatório de patologias do edifício, ambos acima referidos) juntos pelo Autor aos presentes autos.
81º. Por fim, no que concerne ao ponto 18. dos factos não provados pelo douto Tribunal a quo, também o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento, pelo que salvo o devido respeito por opinião diversa, deve o referido facto ser integralmente dado como provado.
82º. A assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se invoca, o facto 18. Deve ser redigido da seguinte forma, dando-se, assim, como integralmente provado: «O Autor só teve conhecimento das alterações efetuadas no imóvel assim que regressou do Brasil e assim que a 1.ª Ré permitiu que acedesse ao imóvel. Verificando o estado do imóvel, de imediato o Autor manifestou a sua vontade à 1.ª e 2.ª Ré em como os acabamentos do imóvel fossem conforme o contratado no mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa de compra e venda.»
83º. A este propósito remete-se para tudo o quanto se referiu anteriormente a propósito do facto 4 dos factos dados como não provados pelo douto Tribunal, mormente no que se refere ao depoimento da testemunha BB e da prova documental junta aos autos (os sobreditos e-mails).
84º. Relembra-se que resulta da prova documental careada aos autos pelo Autor que, pelo menos desde 08/02/2021 até 12/04/2021 o Autor encontrava-se no Brasil, não tendo efetuado, neste período, qualquer visita ao imóvel.
85º. Ademais, também pelo menos, entre o período de 05/07/2021 a 12/07/2021 o Autor continuou sem efetuar qualquer visita ao imóvel, atendendo a que em 12/07/2021 continua a aguardar uma resposta por parte da 1.ª Ré para efeitos de agendamento de visita acompanhado da entidade bancária.
86º. Chama-se a atenção do Tribunal ad quem para a prova testemunhal também produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mormente para o depoimento prestados por BB, acima identificado, que resulta que a visita a realizar-se algures entre fevereiro e março de 2021, pelo Sr. GG, não se concretizou, bem como a confirmação de que o Autor lhe referiu que se encontrava no Brasil. E ainda a propósito do depoimento de BB, remete-se para as passagens que se mencionam anteriormente, mormente as Passagens de 00:05:10 a 00:07:24, Passagens de 00:09:00 a 00:10:00, Passagens de 00:09:55 a 00:12:00, Passagens de 00:16:05 a 00:18:20, Passagens de 00:18:27 a 00:19:50:, Passagem de 00:22:50 a 00:24:35, Passagens de 00:24:50 a 00:25:10.
87º. De tudo o quanto se referiu, resulta indubitável que o Autor regressou a Portugal, pelo menos, a partir de 12/04/2021. Assim que tomou conhecimento do estado do imóvel, mormente dos seus acabamentos, verificando que era completamente distinto daquilo que havia sido contratado entre as partes, solicitou que os acabamentos do imóvel fossem conforme o que haviam contratado, i.e. conforme o mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.
88º. Contudo, a 1.ª Ré, na pessoa da referida Engenheira não o fez. Apenas limitando-se a dar respostas evasivas de como “iam tentar”, sendo que, ao fim e ao cabo, nada foi feito
89º. O Autor quando regressou do Brasil e com ela foi visitar o imóvel de imediato manifestou vontade em que o imóvel fosse conforme consta no contrato de promessa, comunicando expressamente tal facto à 1.ª e 2.ª Rés.
DA IMPUGNAÇÃO DO DIREITO APLICADO PELO TRIBUNAL A QUO:
90º. Entende, a Recorrente, que a douta Sentença recorrida fez uma incorreta aplicação do facto e por consequência de Direito ao caso concreto, na medida em que decide julgar a ação totalmente improcedente por não provada e absolve as Rés, ora Recorridas, A..., Lda. e B..., Unipessoal Lda. dos pedidos contra si formulados.
91º. No dia 14.07.2020 foi celebrado documento escrito intitulado de “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Fração Autónoma a Construir” entre a Ré A..., Lda. e o Autor, “com as características e acabamentos descritos em anexo” e que “a fração prometida vender e objeto do presente contrato será entregue (…) no dia da celebração da escritura de compra e venda, livre de quaisquer ónus ou encargos, nas condições e com as características e acabamentos acordados e que fazem parte integrante do presente Contrato”, reprodução que consta da cláusula 2.ª.
92º. O Tribunal a quo, apreciou e dividiu o litígio em três pontos:
1) Incumprimento pela 1ª Ré do contrato-promessa celebrado com o Autor e consequências desse incumprimento;
2) Qualidade de consumidor do Autor ao celebrar esse contrato-promessa;
3) Responsabilidade da 2ª Ré no âmbito da atividade de mediação imobiliária perante o Autor;
93º. Quanto ao incumprimento pela 1ª Ré do contrato-promessa celebrado com o Autor e consequências desse incumprimento, importa esclarecer que decorre da douta sentença que “…dos autos não resulta qualquer fundamento para enquadrar incumprimento por parte da 1ª Ré ou recusa de cumprimento uma vez que até já tinha marcado data para celebração do contrato definitivo. “e "Tudo ponderado, entendo que a resolução do contrato efetuada pelo Autor, baseada em incumprimento sem fundamento configura uma resolução ilícita e, consequentemente, impede o Autor de pedir a restituição do sinal em dobro nos termos do artigo 442º/2, do Código Civil.”
94º. Mas carece de total razão, salvo melhor entendimento. Não só logrou o Recorrente demonstrar fundamento para a resolução do contrato promessa de compra e venda como, ignora a decisão recorrida do fundamento chave para a boa decisão do litígio com que nos deparamos.
95º. Não assiste razão ao Tribunal a quo, porquanto, ignora com elegância, o ponto que reveste maior relevo para a boa decisão da causa, e que consta do clausulado convencionado pelas partes, sob o ponto 3, da cláusula 6.ª, do contrato promessa “qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito e assinado por todas as partes constantes do mesmo”.
96º. Condições contratuais a que as partes ficam vinculados, sem possibilidade de negociação.
97º. É lícito estabelecer em contratos promessa de compra e venda de imóvel, clausulas acessórias (previstas artº 270 do C.C.), ao abrigo do princípio da autonomia privada (contido no artº 405 do C.C.) mediante as quais a vigência do contrato ou a produção dos seus efeitos, fica dependente de um facto futuro e incerto (condição) – como o caso em apreço.
98º. E, por isso, essa condição de corresponder à expectativa, à idealização do Recorrente, porque assim lhe prometeram, trata-se uma condição resolutiva, quando a verificação do facto futuro e incerto, determina a eliminação dos efeitos do contrato, retroativamente, com a consequente restituição do que tiver sido prestado (neste caso o valor do sinal prestado).
99º. O contrato-promessa (e In Caso) traduz no emitir de declarações de vontade negocial coincidentes com o clausulado no contrato prometido. A celebração do contrato prometido (futuro) é que conclui verdadeira e definitivamente o negócio.
100º. Até ao negócio estar concluído, a vontade das partes está sujeita ao contrato promessa e ainda as disposições legalmente aplicáveis, como não poderia deixar de ser.
101º. A resolução do contrato-promessa corresponde a um direito potestativo que pode ser despoletado a partir de uma situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), nos termos do art. 808.° do CC ou a partir da verificação de uma cláusula resolutiva expressa - resolução de origem contratual – (neste caso, a verificação de que a alteração ao mapa de acabamentos não foi alterada por documento escrito nem assinada pelas partes e, só assim, as poderia aceitar) ao abrigo do disposto no art. 432.° do Código Civil ou ainda através de uma condição resolutiva, ao abrigo do disposto no art. 270.° do Código Civil
102º. A cláusula 6ª, ponto 3 do contrato: “qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito e assinado por todas as partes constantes do mesmo”, é de qualificar como cláusula resolutiva expressa por estar inserida no contrato-promessa e na vontade das partes, com a qual concordaram e aceitaram.
103º. Não emergem dúvidas que qualquer alteração teria de ser exarada de documento escrito e assinada pelos contraentes, que, só assim o aceitariam.
104º. E, portanto, fica demonstrado, que o Autor, ora Recorrente, considera que a fração autónoma, depois da construção, não corresponde ao que o Recorrente pretendia e esperava em termos de acabamentos, ou seja, não correspondia aquilo que teriam contratado.
105º. Ficou provado que o Recorrente interpelou de forma admonitória a Recorrida A..., Lda., porém esta não respondeu às comunicações enviadas, o que, a falta de resposta por parte da Recorrida A..., Lda. conduziu a um incumprimento definitivo do promitente vendedor.
106º. A Recorrida na qualidade de sociedade construtora, tinha o dever de verificar se os contratos de promessa de compra e venda por si elaboradores correspondiam, de facto, às características do imóvel que estava a construir.
107º. Em tal contexto, existe causa legítima de resolução contratual pelo promitente-comprador, atenta a natureza das deficiências – que se demonstrou terem sido aceites pelas Recorridas o não cumprimento de exarar as alterações do mapa de acabamentos por escrito e comunicar ao Recorrente, para que o mesmo pudesse tomar conhecimento e aceitá-las.
108º. Porque o incumprimento definitivo resulta, neste caso, de omissão da promitente-vendedora.
109º. No que concerne à qualidade de consumidor do Autor ao celebrar esse contrato-promessa, o tribunal a quo, não aplica as clausulas contratuais convencionadas e inseridas pelas partes mas sim, faz uma interpretação (ou ilação) daquilo que o Autor poderia ou deveria ter conhecimento pela profissão que exerce, enquanto advogado.
110º. Repare-se que o Autor, na qualidade de promitente comprador de uma fração autónoma a construir não se obrigou, naquele contrato promessa como advogado, mas sim, como um consumidor, o qual aceitou aquele negócio nos exactos termos em que estão redigidos.
111º. A este propósito, tal como define o Prof. Calvão da Silva, in «Venda de Bem de Consumo», 4ª ed., 2010, Almedina, pág. 55 e segs., consumidor é a pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico – de modo a satisfazer necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.
112º. Ora, como se referiu e vem sendo entendido sem discrepância, o AUJ não uniformizou o conceito de consumidor que deve ser adoptado, não se impondo, assim, o referido entendimento, que não é, parece-nos, o que está consagrado legalmente. Relevante é que não seja dado ao bem adquirido um uso profissional – o Autor não ia dar uso profissional ao imóvel, pelo que o Autor só poderá considerar- se Consumidor, nos termos da lei aplicar.
113º. No que concerne à responsabilidade da 2ª Ré no âmbito da atividade de mediação imobiliária perante o Autor, a responsabilidade da Recorrida B..., Unipessoal Lda. , advém, de forma clara, na medida em que esta teve conhecimento da alteração do mapa de acabamentos pela Recorrida A..., Lda., e não as comunicou ao promitente comprador.
114º. A Recorrida B..., Unipessoal Lda., no âmbito da atividade de mediação, violou o dever de informação e o dever de esclarecimento, conforme dispõe O artigo 17º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 15/2013, refere que a empresa de mediação, no caso em concreto, a Recorrida., é obrigada a “certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes”.
115º. Tal violação por parte da Recorrida B..., Unipessoal Lda. resulta do facto de esta, apesar de ter conhecimento das alterações efetuadas pela construtora do imóvel, nada fez, ou seja, não se dignou a comunicá-las ao Autor, tão pouco reduzi-las a documento escrito.
116º. A Recorrida B..., Unipessoal Lda incumpriu dois deveres aos quais estava legalmente obrigada: o dever legal de informação e o dever legal de esclarecimento.
117º. Pelo exposto, a Recorrida B..., Unipessoal Lda. incorre em responsabilidade civil perante o Autor, uma vez que estão preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 483º, n.º1, do Código Civil, ou seja, os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos (o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano).
118º. A obra finalizada é totalmente desconforme ao que havia sido acordado e, consequentemente, a decisão do Recorrente foi influenciada, uma vez que este estava convicto em adquirir uma fração com características exatas daquelas que lhe foram prometidas vender e, que não vieram a corresponder à realidade.
119º. As Rés, ora Recorridas, tinham o dever de prestar informação verídica e adequada à celebração do contrato de compra e venda e, mais, tinham o dever de o comunicar por escrito, conforme convencionaram no contrato firmado “qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito e assinado por todas as partes constantes do mesmo”.
120º. Em face do exposto, sempre deverão as presentes alegações serem julgadas procedentes, por errada apreciação da matéria de direito, e por conseguinte, e errónea aplicação do direito ao caso concreto, devendo, por isso, em consequência ser revogada a decisão e substituída por outra que julgue totalmente procedente a presente ação, assim se fazendo a tão acostumada Justiça!»
Termina pedindo a revogação da sentença, condenando-se as Rés no pedido.
*
As Rés contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido, o mesmo defendendo as intervenientes.
*
As questões a decidir são:
. apreciação da matéria de facto, em grande medida incidente sobre a prova do conhecimento, pelo recorrente, das alterações e da repercussão das mesmas no aspeto e valor do imóvel;
. relevância das alterações efetuadas na vigência do contrato promessa;
. aplicação a tal contrato do regime de venda de coisas defeituosas e da proteção conferida pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04;
. responsabilidade da 2.ª Ré, mediadora, na falta de comunicação das alterações ao Autor e prova dos pressupostos da sua eventual responsabilidade.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
«1. O Autor é um cidadão de nacionalidade brasileira, advogado, residente em Portugal há vários anos.
2. A 1ª Ré dedica-se à construção de edifícios, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários. (cf. certidão permanente junta com a contestação da 2ª Ré, que se dá por reproduzida)
3. A 2ª Ré exerce a atividade mediação imobiliária. Administração de imóveis por conta de outrem. Compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim. Atividade de intermediação de créditos. (cf. certidão permanente junta com a contestação da 2ª Ré, que se dá por reproduzida)
4. Em meados de 2020, o Autor procurava adquirir um imóvel para habitação própria permanente.
5. Para tal contactou a 2ª Ré que forneceu ao Autor informação sobre um empreendimento denominado “...”, sito em Vila Nova de Gaia.
6. Nessa data a obra estava numa fase de construção inicial.
7. Toda a apresentação do imóvel foi elaborada com base na descrição apresentada, da qual constava o mapa de acabamentos e as imagens onde era possível perceber como seria o imóvel quando concluído.
8. O empreendimento era apresentado como sendo “um condomínio fechado com piscina e privilegiando os espaços verdes.”
9. O mapa de acabamento apresentado descrevia o seguinte:
- Fachada e cobertura: Fachada em betão aparente, Guardas metálicas em vidro laminado e betão aparente, Janelas de correr em PVC, com vidro duplo e controlo solar, Cobertura plana com manta térmica, tela PVC, isolamento térmico em poliestireno extrudido XPS e godo.
- Acabamentos exteriores: Muros em granito tradicional, Jardins e logradouros em relva semeada com arbustos e arborização autóctone, Piscina coletiva e amplas zonas verdes (condomínio fechado).
- Acabamentos interiores: Paredes em alvenaria com gesso projetado e tetos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg, Projetores embutidos com iluminação Led, Portas de segurança de 37db com trancas em 6 pontos de fecho, blackouts interiores, Pavimento flutuante estratificado AC5, Loiças sanitárias e lavatórios suspensos, Cerâmicos, porcelânicos e torneiras de marca a definir, Cozinhas e roupeiros embutidos até ao teto em melanina branca, Bancada da cozinha em pedra natural, Eletrodomésticos (placa, forno, frigorifico, exaustor, cilindro/painel solar), Ar condicionado ou radiadores, Videoporteiro, Revestimento das paredes dos halls em madeiras naturais.
10. O Autor decidiu avançar para a compra de um apartamento de tipologia “T3”, correspondente à fração autónoma identificada com a letra “B”, pelo preço acordado foi de € 240.000,00.
11. No dia 14.07.2020 foi celebrado documento escrito intitulado de “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Fração Autónoma a Construir” entre a 1ª Ré e o Autor. (cf. documento nº 2 junto com a petição inicial que se dá por reproduzido)
12. Da cláusula segunda do contrato celebrado consta que promete vender fração “com as características e acabamentos descritos em anexo” e que “a fração prometida vender e objeto do presente contrato será entregue (…) no dia da celebração da escritura de compra e venda, livre de quaisquer ónus ou encargos, nas condições e com as características e acabamentos acordados e que fazem parte integrante do presente Contrato”.
13. Na cláusula sexta, sob o ponto 3. do contrato consta que “qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito e assinado por todas as partes constantes do mesmo”.
14. Como adicional ao contrato celebrado, intitulado de “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Fração Autónoma a Construir” as partes acordaram que a 1ª Ré colocaria um portão de acesso ao terraço, bem como a avisar o Autor para escolher os eletrodomésticos que pretendia ver alterados assim que chegasse a essa fase da obra e a colocar tomadas no logradouro da fração.
15. Do mapa de acabamentos anexo ao contrato consta que as “guardas em vidro laminado (em substituição de guardas em betão aparente)”.
16. O Autor procedeu ao pagamento da quantia global de € 72.000,00 a titulo de sinal e principio de pagamento, efetuado através de pagamentos parcelares de € 12.000,00 efetuados em 15.07.2020, 09.09.2020, 09.09.2020, 11.09.2020, 18.03.2021 e 18.03.2021.
17. Em data posterior à assinatura do contrato de promessa de compra e venda o Autor viajou para o Brasil.
18. O Autor pediu a um amigo, GG, para se deslocar ao imóvel, com o intuito de avaliar o estado da obra.
19. A fração prometida vender em vez de tetos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg, tinha tetos em betão polido aparente.
20. O teto da varanda apresentava metais de fixação das placas de vidro visíveis e os acabamentos estavam em betão polido aparente.
21. Os muros exteriores do empreendimento estavam em betão polido aparente contrariamente ao mapa de acabamentos, do qual constava que os muros exteriores seriam em granito tradicional.
22. Os armários do imóvel, de acordo com o mapa de acabamentos, deveriam ser brancos e encontravam-se em cor cinza.
23. A parede da cozinha estava pintada e não revestida de vidro lacado branco.
24. No dia 22 de julho de 2021, o Autor enviou um e-mail à arquiteta responsável pelo empreendimento, questionando-a sobre divergências encontradas na visita ao imóvel.
25. A arquiteta respondeu no mesmo dia, informando que o teto do apartamento “ficará em betão aparente conforme mapa de acabamentos atualizado”; o teto da varanda ficará com metais de fixação das placas de vidro aparentes, bom como acabamento em betão polido aparente, “conforme executado em obra”; os muros ficarão em betão aparente “conforme executado em obra”; o acabamento entre os móveis da cozinha é em “vidro lacado branco”. (cf. documento nº 9 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido)
26. No prospeto entregue ao Autor no momento da negociação do imóvel, as guardas que compõem as fachadas principais seriam metálicas em vidro laminado e betão aparente. (cf. documentos nº 1 e 2 juntos com a petição inicial, que se dão por reproduzidos)
27. As mudanças realizadas não foram aplicadas às imagens promocionais do empreendimento.
28. A 1ª Ré não comunicou previamente ao Autor as alterações introduzidas em obra.
29. Por comunicação escrita, datada de 26 de julho de 2021, intitulada de “Notificação Extrajudicial”, o Autor comunica à 1ª Ré que “Notificada não pretende honrar nem com o descrito no Mapa de Acabamento apresentado quando da negociação do referido Contrato e veiculado na propaganda do empreendimento, nem ao menos com o Mapa de Acabamento que integra o Contrato de Promessa de Compra e Venda. (…) Nas imagens propagadas pela Notificada, assim como no Mapa de Acabamento original do empreendimento, apresentado ao Notificante durante a negociação do imóvel, as guardas que compõem as fachadas principais seriam em betão aparente, entretanto, no Mapa de Acabamento que compõe o Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado, tal item foi, de forma ludibriosa, modificado pela Promitente Vendedora, tendo passado a constar “guardas em vidro laminado (…) Conforme Mapa de Acabamento que compõe o Contrato de Promessa de Compra e Venda, assinado por Notificante e Notificada, os muros do empreendimento deveriam ser em granito tradicional, entretanto, o que consta no local, e assim permanecerá sendo, segundo a Sra. CC, são muros de betão polido aparente; os tetos do apartamento deveriam ser lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha de 70 kg, no entanto, o que encontra-se no local e assim também permanecerá a ser, conforme a Sra. CC, são tetos em betão aparente, totalmente remendados, e desnivelados; os armários do imóvel, segundo o Mapa de Acabamento, deveriam ser brancos, mas no local encontram-se móveis cinza, extremamente declivosos, desalinhados e sem acabamento, apesar de já terem sido dados como concluídos pela Notificada.” (cf. documento nº 11 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido)
30. Na mesma comunicação o Autor escreve que a 1ª Ré “pretendendo entregar o empreendimento em dissonância consubstancial ao que foi efetivamente prometido ao Notificante, resta caracterizado por parte da Notificada o incumprimento definitivo do Contrato. Destarte, por plena violação da Cláusula Segunda do Contrato celebrado entre as partes, requerer o Promitente Comprador/Notificante a resolução do Contrato de Promessa de Compra e Venda por incumprimento definitivo da Promitente Vendedora/Notificada, em consonância com o disposto pelo artigo 442, nº 2 do Código Civil, e previsão contratual pela Cláusula Quinta. Assim, fica a Notificada ciente de que possui prazo de 10 dias, a contar do recebimento da presente notificação, para concretizar de forma amigável a resolução do Contrato.”.
31. A 1ª não respondeu à missiva enviada pelo Autor.
32. Nessa data, o Autor recebeu uma comunicação da 1ª Ré a solicitar a indicação de uma data, entre 16 de agosto e 15 de setembro de 2021, para a realização da escritura de compra e venda. (cf. documento nº 12 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido)
33. Por carta datada de 11 de agosto de 2021, registada a 17 de agosto de 2021, o Autor comunica à 1ª Ré que “conforme notificação já remetida no passado dia 26 de julho de 2021 pelo promitente comprador, o contrato encontra-se em incumprimento por parte da promitente vendedora (…) ficam pela presente missiva V.ª Exas. notificados para, no prazo de 10 (dez) dias a contar do registo da presente carta, informar o promitente comprador se, até ao dia 15 de setembro de 2021, data limite pela promitente vendedora indicado na missiva para realização da escritura, irão proceder às devidas alterações na obra com o intuito de concluir o imóvel e fazer cumprir, pontualmente, o contrato de promessa de compra e venda. Mais ficam V.ª Exas. informados que, caso tal não suceda, o incumprimento do contrato de promessa de compra e venda por parte de V.ª Exas. ter-se-á como definitivo, considerando-se o mesmo resolvido”. (cf. documento nº 13 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido)
34. O Autor idealizou uma fração habitacional, quer em função do mapa de acabamentos, quer em função do prospeto publicitário que lhe foi entregue.
35. A 2ª Ré celebrou um contrato de mediação imobiliária com a 1ª Ré (anteriormente designada G... Lda.) relativo ao Empreendimento “...”, sito em Vila Nova de Gaia. (cf. documento nº 5 junto com a contestação da 2ª Ré, que se dá por reproduzido).
36. A 2ª Ré limitou-se a transmitir aos potenciais interessados na aquisição de frações a informação recebida da 1ª Ré.
37. As negociações dos termos do contrato promessa, das alterações aos projetados acabamentos e demais características da fração foram negociados entre a 1ª Ré e o Autor.
38. O Autor teve conhecimento, previamente à formalização do contrato promessa, das características e mapa de acabamentos, da fração e do Empreendimento.
39. A 2ª Ré facultou ao Autor todas as informações sobre a situação jurídica do imóvel, bem como localização do Empreendimento e respetivas características e acabamentos, tal como lhe foram transmitidos pela 1ª Ré antes da celebração do contrato.
40. É possível os acabamentos dos os armários de cozinha e o revestimento da parede da cozinha.
41. O teto da varanda está conforme o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa.
42. A alteração do material do muro do empreendimento deveu-se ao facto de não haver no mercado nem pedra, nem mão de obra disponível para executar o muro em granito e teve por objetivo acabar o projeto a tempo de poder cumprir atempadamente os contratos promessa.
43. Entre a E..., S.A. e a 2ª Ré foi celebrado contrato de seguro do ramo responsabilidade civil mediador imobiliários, titulado pela apólice nº ..., com limite do capital seguro de € 200.000 por sinistro e anuidade. (cf. documento nº 2 junto com a contestação da 2ª Ré, que se dá por reproduzido)
44. O contrato estava em vigor na data dos factos dos autos.
45. Os factos não foram participados à seguradora.
46. A Interveniente Acessória, C... Portugal celebrou um contrato de Seguro de Responsabilidade Civil com Apemip – Associ Prof. e Empresas Med. Imobiliária Portugal, titulado pela APÓLICE N.º .... (cf. documentos nº 1 e 2 juntos com a contestação da interveniente, que se dão por reproduzidos).
47. O contrato esteve em vigor para o período de 01.04.2021 a 31.03.2022.
48. Não foi participado sinistro à interveniente.».
E resultaram não provados:
«1. Durante o período em que esteve no Brasil, contraiu matrimónio com FF.
2. O casal tem como objetivo constituir família e desde a assinatura do contrato de promessa de compra e venda aguardava ansiosamente a conclusão das obras para ali residirem.
3. GG foi impedido de entrar na obra.
4. Assim que voltou a Portugal, o Autor efetuou no dia 21 de julho de 2021 uma visita ao imóvel, acompanhado pelo avaliador da entidade bancária onde solicitou o crédito para adquirir o referido apartamento.
5. Apenas por esse motivo teve acesso ao empreendimento, pois enquanto promitente comprador, não lhe foi permitido o acesso ao imóvel.
6. Nessa mencionada visita do dia 21 de julho de 2021, o Autor deparou-se com um imóvel completamente distinto daquilo que havia sido contratado entre as partes.
7. Tanto o empreendimento como a fração habitacional em questão tinham características completamente diferentes do que havia sido apresentado ao Autor.
8. Os materiais utilizados e os acabamentos em nada correspondiam com o mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.
9. Os tetos estavam remendados e desnivelados.
10. O teto da varanda devia ser pintado a cor branca.
11. Os armários deviam ser lacados, no interior e exterior das portas.
12. Os móveis encontravam-se declivosos, desalinhados e sem acabamento.
13. Foi apenas nesta data que o Autor se apercebeu que a 1ª Ré havia efetuado uma alteração no mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.
14. No mapa de acabamentos que compõe o contrato de promessa de compra e venda celebrado, o item referente às guardas que compõem as fachadas principais foi, de forma ludibriosa, modificado pela 1ª Ré, tendo passado a constar “guardas em vidro laminado”.
15. As alterações mudaram inteiramente o empreendimento e habitação, interferindo no seu valor e desvalorizam o valor do imóvel em milhares de euros.
16. Já com o imóvel em fase de conclusão, o mesmo foi avaliado em € 230.000,00, € 10.000,00 abaixo do valor da compra, ainda em planta.
17. Esta avaliação é consequência das alterações realizadas pela 1ª Ré no decorrer da obra.
18. O Autor só teve conhecimento das alterações em 21 de julho de 2021.
19. As alterações efetuadas pela 1ª Ré conduziram a uma total descaracterização da fração prometida vender.
20. É possível os acabamentos do teto da cozinha.».
*
2.2). Do mérito do recurso.
A). Impugnação da matéria de facto. Facto provado 41. O teto da varanda está conforme o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa.
O recorrente pretende que tal resulte não provado ou então que o teto estava remendado e desnivelado e deveria ter sido pintado à cor branca.
No mapa de acabamentos juntos ao contrato promessa não é feita qualquer referência aos tetos das varandas – documento n.º 2, junto com a petição inicial -. O recorrente, neste mesmo articulado, alegou que o teto da varanda em vez de ser pintado a cor branca apresentava metais de fixação das placas de vidro perfeitamente visíveis (artigos 51.º e 52.º). Mas o certo é que não sabemos como seriam os tetos das varandas de acordo com o mapa de acabamentos pois, repete-se, neste não é feita menção a tal situação.
Assim, também não se pode concluir que esse teto está conforme tal mapa porque se desconhece como seriam efetuados; assim, o teor deste facto 41 passa a não provado, sendo o facto não provado 10.1.
*
Facto provado 42. A alteração do material do muro do empreendimento deveu-se ao facto de não haver no mercado nem pedra, nem mão de obra disponível para executar o muro em granito e teve por objetivo acabar o projeto a tempo de poder cumprir atempadamente os contratos promessa.
O recorrente pretende que tal facto seja dado como não provado.
O tribunal menciona que «do depoimento de CC, arquiteta do imóvel, resultou que …a alteração dos muros da dificuldade de arranjar material e pessoal.».
Este depoimento, de muito difícil audição, em partes totalmente impossível de ouvir, é também, na nossa opinião, insuficiente para se concluir como o fez o tribunal. Desconhece-se totalmente a disponibilidade concreta do mercado, o número de pessoas que trabalham no material em causa, o tipo de contratos que a construtora celebra – subempreitadas ou pessoal contratado permanentemente que realiza as várias especialidades -, para se poder dar como provado a justificação para que se tenha alterado o projeto, num aspeto relevante. Ou seja, foi uma afirmação sem o mínimo de sustentação documental ou noutros depoimentos, pelo que também este facto deve ser dado como não provado.
Deste modo, o facto 42 passa a considerar-se não provado, sendo o n.º 21.
*
Factos não provados. 1 e 2. Durante o período em que esteve no Brasil, contraiu matrimónio com FF. O casal tem como objetivo constituir família e desde a assinatura do contrato de promessa de compra e venda aguardava ansiosamente a conclusão das obras para ali residirem.
Estes dois factos são irrelevantes para a decisão. Não está em causa saber se o Autor é casado ou solteiro nem se queria constituir família.
Não é igualmente alegado que o Autor seja uma pessoa que faça profissão da compra de imóveis nem o mesmo pede qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
Não vislumbramos que os mesmos sejam instrumentais de qualquer outra factualidade essencial, sendo que já resulta provado que o Autor procurava adquirir um imóvel para habitação própria permanente (facto 4), motivo pelo qual não se aprecia esta argumentação.
*
3. GG foi impedido de entrar na obra.
Este facto está relacionado com o provado n.º 18, com o seguinte teor: O Autor pediu a um amigo, GG, para se deslocar ao imóvel, com o intuito de avaliar o estado da obra.
O recorrente pretende que se dê como provado que ocorreu tal impedimento; porém:
. a própria testemunha GG referiu que, numa segunda vez (março de 2021) entrou no imóvel (entrou mesmo no apartamento) pelo que nunca se poderia concluir que tinha sido impedido de entrar na obra; no máximo, pelas suas palavras, poderia dar-se como provado que, numa primeira visita, alguém lhe disse que não podia entrar, o que também não tem qualquer relevo pois o releva é que a testemunha possa ter visto o estado do imóvel.
As comunicações que o recorrente menciona nas doutas alegações (mails de 09/03 e 18/03 de 2021) não traduzem que houve um impedimento puro e simples de entrar na obra mas antes que ou ocorreu uma falta de acordo prévio sobre o modo como a visita se podia realizar ou a necessidade de se acordar a data da visita por razões de segurança. Impedimento no sentido que o Autor pretende que se apure – não se deixou entrar o seu amigo na obra porque não se queriam visitas – não pode assim ser dado como provado, mantendo-se a não prova desta factualidade.
*
4. Assim que voltou a Portugal, o Autor efetuou no dia 21 de julho de 2021 uma visita ao imóvel, acompanhado pelo avaliador da entidade bancária onde solicitou o crédito para adquirir o referido apartamento.
O recorrente pretende que se dê como provado tal factualidade ou, que O Autor esteve ausente de Portugal, encontrando-se no Brasil desde, pelo menos, o período de 08/02/2021 e até 12/04/2021. Pelo menos entre o período de 08/02/2021 e até 12/07/2021 não foi efetuada qualquer visita ao imóvel, nem pelo Autor nem por pessoa interposta para o efeito para conclusão do crédito bancário. Após, pelo menos, 12/07/2021, o Autor fez visita ao imóvel, acompanhado pelo avaliador da entidade bancária onde solicitou o crédito para adquirir o referido apartamento.
Com o devido respeito, nem dos mails que o recorrente menciona na sua alegação, nem do teor dos depoimentos que indica nem do próprio teor da redação subsidiária que propõe, se deteta prova para o facto nem que a sua pretensão se reporte à mesma factualidade.
Em nenhum dos documentos que menciona (juntos em 28/11/2022) se retira que regressou a Portugal em data próxima a 21/07/2021 e que só tenha visitado o imóvel na companhia de avaliador bancário (o documento n.º 13, junto naquela data, mail de 07/06/2021 desmente-o, nas palavras do próprio); e nenhum dos excertos do depoimento que cita (BB) faz transparecer a ocorrência dessa factualidade.
Assim, mantém-se a não prova.
*
5. Apenas por esse motivo teve acesso ao empreendimento, pois enquanto promitente comprador, não lhe foi permitido o acesso ao imóvel.
O Autor, como admite, teve acesso ao imóvel, por si e através de outras pessoas, nada mais havendo a referir, da nossa parte, quanto a esta questão.
Mantém-se a não prova.
*
6 a 13. Nessa mencionada visita do dia 21 de julho de 2021, o Autor deparou-se com um imóvel completamente distinto daquilo que havia sido contratado entre as partes. Tanto o empreendimento como a fração habitacional em questão tinham características completamente diferentes do que havia sido apresentado ao Autor. Os materiais utilizados e os acabamentos em nada correspondiam com o mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda. Os tetos estavam remendados e desnivelados. O teto da varanda devia ser pintado a cor branca. Os armários deviam ser lacados, no interior e exterior das portas. Os móveis encontravam-se declivosos, desalinhados e sem acabamento. Foi apenas nesta data que o Autor se apercebeu que a 1ª Ré havia efetuado uma alteração no mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.
O recorrente pretende que os factos sejam dados, na íntegra, como provados ou que se apure que:
«Assim que o Autor regressou a Portugal, após, pelo menos, 12/04/2021, este visitou o imóvel.
Ali chegado, o Autor deparou-se que este encontrava-se completamente distinto do que aquilo que havia sido contrato entre as partes
Tanto o empreendimento como a fração habitacional em questão tinham características completamente diferentes do que havia sido apresentado ao Autor.
Os materiais utilizados e os acabamentos em nada correspondiam com o mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.
Os tetos estavam remendados e desnivelados.
O teto da varanda devia ser pintado a cor branca.
Os armários deviam ser lacados, no interior e exterior das portas.
Os móveis encontravam-se declivosos, desalinhados e sem acabamento.
Foi, pelo menos, a partir de tal data que o Autor se apercebeu que a 1ª Ré havia efetuado uma alteração no mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.
O Autor manifestou vontade no imediato que pretendia que o imóvel tivesse os acabamentos consoante o contratado no contrato promessa de compra e venda celebrado».
Mais uma vez, na nossa perspetiva, o recorrente não tem razão.
Face à prova efetuada nos autos, o imóvel não é completamente distinto do que estava contemplado no contrato e mapa de acabamentos anexo ao mesmo, como foi dado como provado nos factos 19) a 23) e que o recorrente não questiona.
Não houve prova, admitida nos autos (a junção dos documentos de 05/01/2023 e conexos não foi admitida por despacho de 03/02/2023), minimamente segura de que exista qualquer defeito no nivelamento dos tetos nem que estes necessitem de ser remendados, o mesmo se referindo em relação aos móveis.
Das fotografias juntas em 17/11/2022 não se retira que os tetos precisem de ser remendados, desde logo porque seria necessário analisar o tipo de construção em causa (betão aparente) e depois saber se os mesmos estão imperfeitamente realizados e ainda se teria de saber qual a solução a aplicar caso houvesse necessidade. Das fotografias não se consegue concluir qual a intervenção a realizar, se necessária, nem tal foi demonstrado em julgamento.
Quanto aos tetos das varandas já nos referimos aos mesmos.
Por fim, no que respeita ao momento em que o recorrente se apercebeu das diferenças existentes, remete-se para o que o tribunal recorrido menciona sobre tal questão, com a qual concordamos e também pelo que já referimos quanto à data em que visitou o imóvel e em que se teria de ter apercebido das diferenças do imóvel em relação ao acordado.
Deste modo, não se altera esta factualidade, mantendo-se como não provada.
*
14. No mapa de acabamentos que compõe o contrato de promessa de compra e venda celebrado, o item referente às guardas que compõem as fachadas principais foi, de forma ludibriosa, modificado pela 1ª Ré, tendo passado a constar “guardas em vidro laminado”.
Não há a mínima prova nos autos da ocorrência de tal engano; houve a alteração desse acabamento, que não terá sido comunicada ao recorrente (facto provado 28) mas daí não se retira que a omissão seja parte ou fruto de uma atividade intencionalmente enganadora, nem o recorrente indica qualquer meio de prova que possa sustentar tal prova.
Mantém-se assim o facto como não provado.
*
15 a 19. As alterações mudaram inteiramente o empreendimento e habitação, interferindo no seu valor e desvalorizam o valor do imóvel em milhares de euros. Já com o imóvel em fase de conclusão, o mesmo foi avaliado em € 230.000,00, € 10.000,00 abaixo do valor da compra, ainda em planta. Esta avaliação é consequência das alterações realizadas pela 1ª Ré no decorrer da obra. O Autor só teve conhecimento das alterações em 21 de julho de 2021. As alterações efetuadas pela 1ª Ré conduziram a uma total descaracterização da fração prometida vender.
Quanto ao facto 18), nada mais há a referir face ao que já abordamos quanto a essa matéria.
No mais, inexistiu prova sobre o que o recorrente pretende que resulte provado. Nem a desvalorização de um edifício e respetiva fração pode resultar de imagens nem se apura mediante hipóteses colocadas por testemunhas que, diga-se, não chegaram a afirmá-lo.
Não consta dos autos avaliação do imóvel que permita aferir se o valor aí encontrado era ponderado.
Deste modo, mantêm-se estes factos como não provados.
*
B). Da apreciação jurídica.
Na presente ação, o Autor/recorrente pede a condenação das Rés em 144 000 EUR (a 1.ª) e 72 000 EUR (a 2.ª).
Como já decorre do relatório, o sustento de tal radica, no que respeita à 1.ª Ré (A...…) em o Autor ter celebrado com a mesma um contrato promessa de compra e venda de uma fração de um edifício, a construir, na qual ele, recorrente, assume a qualidade de promitente comprador e a indicada Ré promitente vendedora.
Essa matéria factual resultou inquestionavelmente provada – factos provados 11 e 12 -.
Assim, o recorrente, em 14/07/2020, prometeu comprar o referido imóvel e a recorrida/Ré «A...…» prometeu vendê-lo, pelo preço de 240 000 EUR (conforme contrato promessa com cópia junta com a petição inicial como documento n.º 2).
Daí que, como se menciona na decisão recorrida, a obrigação que as partes se obrigaram foi a de celebrarem um contrato de compra e venda quanto a tal imóvel, tal como definido no artigo 410.º, n.º 1, do C. C., contrato esse que seria celebrado no prazo máximo de dezoito meses após a outorga da promessa (ou seja, 14/01/2022).
O recorrente pede aquele valor acima referido de 144 00 EUR, sustentando-se no incumprimento definitivo do contrato promessa, ao abrigo do disposto no artigo 442.º, n.º 2, 2.ª parte, do C. C. (o promitente que prestou o sinal pode exigir ao contraente faltoso o dobro do valor que entregou).
Ora, se se atentar nos fundamentos alegados que sustentam a conclusão de que o contrato promessa foi definitivamente incumprido pela promitente vendedora (A...…), nenhum se enquadra na falta de cumprimento da obrigação de se celebrar o contrato definitivo (contrato de compra e venda), nomeadamente na falta de marcação de data para realização de escritura atempada. A notificação que está vertida nos factos 29 e 30 (datada de 26/07/2021), enviada pelo recorrente/promitente comprador, reporta-se ao incumprimento pela promitente vendedora do contrato no sentido de terem sido introduzidas alterações ao imóvel que não foram acordadas e existirem desconformidades na execução do mesmo imóvel.
Nem faria sentido alegar o incumprimento da celebração do contrato definitivo em julho de 2021 quando a celebração do mesmo estava prevista até 14/01/2022, o que, corretamente, não foi invocado.
Importa então aferir se os fundamentos que o recorrente então (e agora) alega, podem conduzir à resolução do contrato promessa, como pedido e, na afirmativa, qual a respetiva consequência.
Tais fundamentos – alterações na fração e edifício onde a mesma se integra e execução com anomalias – são situações que se podem integrar no incumprimento (lato) do contrato no sentido de se ter acordado a entrega de um objeto com determinadas características e se propor a entrega do mesmo com diferentes qualidades/características e patologias ao nível da construção.
Em relação a esta última situação, não houve prova que no imóvel (na fração ou edifício) existam partes defeituosamente executadas (factos não provados 9 e 12), pelo que também o recorrente não pode prevalecer-se, com sucesso, dessa alegação.
No que respeita a entrega de bem diferente do que foi acordado, tais diferenças resultaram provadas nos seguintes aspetos:
. a fração, em vez de tetos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg, tem tetos em betão polido aparente (19).
. os muros exteriores do empreendimento são em betão polido aparente em vez de granito tradicional (21).
. os armários do imóvel têm cor cinza em vez de serem brancos (22);
. a parede da cozinha está pintada e não revestida de vidro lacado branco (23).
O facto 21 - o teto da varanda tem metais de fixação das placas de vidro visíveis e os acabamentos estão em betão polido aparente – não se enquadra nem numa execução incorreta (não é possível concluir que por os metais de fixação estarem visíveis a sua execução não é concretizada de acordo com boas regras de construção) – nem numa alteração do acordado (o facto de os acabamentos serem em betão é algo que já consta do mapa de acabamentos, anexo ao contrato promessa – fachada em betão aparente -).
Fixados os quatro pontos que levam a que se possa concluir que o que foi acordado comprar pelo recorrente não corresponde ao objeto que a promitente vendedora (1.ª Ré) propõe entregar, importa determinar como pode aquele reagir.
Como já dissemos, nesta situação em que a parte obrigada a entregar um bem (imóvel) o faz (, no caso, se propõe fazer) com determinadas características diferentes das acordadas, na nossa opinião, poderia encaixar-se na prometida entrega de um bem com defeito pois o bem não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor, no caso, pelo promitente vendedor – artigo 913.º, n.º 1, do C. C. -.[1]
Não será propriamente um vício/defeito mas antes a falta da qualidade assegurada pelo contraente mas que, legalmente, faz com que a coisa assim entregue seja defeituosa.
Estando contratualmente previstos aqueles quatro acabamentos que não se concretizam, a 1.ª Ré está disposta a entregar um imóvel diferente daquele que foi acordado, ou seja, está a prometer entregar um bem que a lei considera defeituoso.
Ora, o regime geral do contrato de compra e venda de coisa defeituosa tem previsão sobre os meios ao dispor do comprador, conforme artigos 914.º, 915.º e 905.º, este ex vi artigo 913.º, n.º 1, parte final, do C. C..
Mas, antes de se analisar que possibilidades terá o recorrente/Autor de ver procedente a sua pretensão de resolução do contrato, importa analisar se não haverá um regime específico para o contrato de compra e venda em que a obrigação de entrega do bem não corresponde ao que foi acordado.
O contrato promessa foi celebrado em 14/07/2020 pelo que, nessa altura, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 (venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), na redação prévia à alteração dada pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18/10 (com entrada em vigor em 01/01/2022, aplicável aos contratos celebrados após tal data – artigos 53.º, n.º 1 e 55.º, do referido diploma -).
O citado Decreto-Lei n.º 67/2003 determina que o seu regime é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, sendo estes definidos como aqueles a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho – artigos 1.º-A, n.º 1 e 1.º-B, a) -.
A 1.ª Ré, sendo uma empresa que se dedica à construção de edifícios, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários (facto 2) é um profissional pois visa obter benefício (lucro) com a sua atividade.
O Autor, procurando adquirir o imóvel para habitação própria permanente (factos 4 e 5), é um potencial consumidor pois ser-lhe-ia fornecido um bem para uso não profissional.
Este diploma é aplicável a imóveis - bem de consumo, qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão – artigo 1.º-B, alínea b), do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 -.
Sendo aplicável à compra e venda de imóveis, também o diploma consagra medidas para proteger o consumidor, mencionados no artigo 4.º, a saber: 1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. 2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
Assim, se o recorrente/Autor tivesse comprado o imóvel, poderia, face a este regime específico previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04[2] lançar mão daqueles remédios; mas, como sabemos, o recorrente apenas prometeu comprar o imóvel.
Por isso, a questão que se coloca é a de aferir se tais soluções podem ser aplicadas a quem promete a compra de um imóvel e a parte contrária pretende cumprir a sua obrigação com a entrega de um bem que é desconforme com o contratado; a resposta, na nossa opinião, é positiva.
O artigo 410.º, n.º 1, do C. C. dispõe que à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
Assim, ao contrato promessa de compra e venda são aplicáveis as disposições relativas ao contrato de compra e venda com exceção das relativas à forma (o que não está em causa nos autos) e quanto àquelas que, pela sua razão de ser, não se possam estender à promessa. Ora, na nossa opinião, nada obsta a que se aplique à possibilidade de cessação de um contrato promessa os fundamentos relativos à entrega de um bem já vendido e que não esteja conforme o acordado.
A situação é em tudo semelhante, apenas com a diferença de que na compra e venda já houve entrega e na promessa a mesma será futura; mas se o bem sofre de tais patologias, a posição do consumidor, que está na iminência de lhe ser entregue um bem com características que não acordou, é em tudo igual àquele que já recebeu o bem com as mesmas patologias.
A diferença que existe deve servir para o proteger de uma efetiva entrega que não foi acordada, evitando que se concretize um negócio (compra e venda) que, à partida, estaria condenado a ver questionada a sua validade.
Com tal aplicação, evita-se a concretização de um negócio, não sendo curial e adequado, para nós, defender que o consumidor tem de adquirir um bem que não pretende e que é efetivamente desconforme com o acordado para só depois poder questionar a sua validade; tal implicaria um esforço desnecessário para o adquirente sem que descortine qual o motivo para tal suceder.
Deste modo, pode o Autor/recorrente lançar mão daquelas soluções para evitar que adquira um bem que esteja desconforme com o acordado (neste sentido, Acs. S. T. J. de 03/06/2003, rel. Alves Velho, Ac. S. T. J. de 29/06/2010 citado na decisão recorrida, e de 02/12/2013, rel. Maria Prazeres Beleza, R. G. de 30/01/2014 e de 31/01/2019, rel. Eva Almeida, todos em www.dgsi.pt).
O mesmo Autor/recorrente pede a resolução do contrato e, nos termos do n.º 5, do artigo 4.º, do citado Decreto-Lei n.º 67/2003, o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
Importa agora determinar se o recurso à resolução do contrato pelo Autor/recorrente é legítimo no sentido de que, no fundo, ao solicitar a destruição do contrato, não está ostensivamente a violar regras de boa-fé.
Se se demonstrar que, ao formular tal pedido, não está a agir manifestamente em conformidade com uma atuação que deveria ter adotado ou que era possível ou, por exemplo, que anteriormente teve, pode concluir-se que age em abuso de direito (artigo 334.º, do C. C.) e assim resulta neutralizado o direito a resolver o contrato.[3]
No caso concreto, pensamos que há três perspetivas necessárias para analisar se o referido direito resolutivo não pode ser exercido:
. se as patologias são sanáveis, sem prejuízo relevante para o consumir/Autor, tornando a destruição do contrato manifestamente excessiva;
. não sendo reparáveis, se há outro tipo de solução menos drástica;
. não havendo alternativa, se assumem relevo para o Autor;
. se o Autor adotou algum tipo de comportamento que poderia claramente indiciar que para ele aquelas questões não eram relevantes.
No que concerne a saber se aquelas quatro diferenças do imóvel em relação ao acordado são possíveis de alterar, o facto provado 40) responde positivamente em relação aos acabamentos dos armários de cozinha e do revestimento da parede da cozinha (o facto está imperfeitamente redigido mas pensamos que é claro que é este o sentido do mesmo).
Ou seja, os armários poderão ser pintados de branco e a parede da cozinha revestida de vidro lacado branco.
No que respeita a esta última situação, pensamos que nem na carta de 26/07/2021 (factos provados 29 e 30) nem na de 11/08/2021 (facto provado 33) o Autor faz menção à falta de colocação do vidro como motivo de resolução do contrato. E, na nossa opinião, não o faz porque expressamente a arquiteta responsável pelo desenho do edifício declarou que a parede da cozinha seria revestida a vidro (facto provado 25). Deste modo, quanto a esta problemática, não servindo de fundamento à resolução, não há que a analisar.
Quanto à pintura dos armários, a mesma serviu de fundamento à resolução, mas resulta dos factos que tal situação poderá ser solucionada. Desse modo, à partida, bastaria ao Autor conceder um prazo para a 1.ª Ré solucionar essa questão para que já não se colocasse a questão da resolução por esse fundamento pois, se se pode optar por uma solução que se afigura simples (pintura de outra cor), não há então justo fundamento para se procurar destruir o contrato que pode convir ao desejo do contraente com uma postura menos drástica. Mas, diga-se, nem o Autor pede a resolução só por este motivo nem ainda se analisou qual a postura da 1.ª Ré quanto a este (e outros) ponto(s) pelo que se irá, na parte final da apreciação jurídica, avaliar se a resolução, também por este motivo, foi licita ou não.
Quanto aos muros exterioresserem em betão polido aparente em vez de granito, não está provado que tal seja possível de remediar nem que a 1.ª Ré tenha apresentado qualquer tipo de solução construtiva alternativa.
Nesta questão, o que está em causa é o aspeto exterior do edifício pois não foi colocado nos autos qualquer problema relativo a segurança da construção ou falta de realização da finalidade do muro, agora em betão aparente.
E quanto aos tetos da fração não estarem construídos em pladour com lã de rocha, estando, ao invés, construído também em betão aparente, também aqui não há prova que possa ser revertida a situação atual nem que tenha sido apresentada solução alternativa ao que foi efetivamente construído.
No entanto, aqui já não se está perante unicamente uma questão estética mas também de conforto pois os tetos teriam lã de rocha com a finalidade de servir de isolamento acústico.
Em termos objetivos, ou seja, sem se ponderar a posição das partes ao longo do tempo que medeia entre a celebração da promessa e do contrato definitivo, pensamos que não haveria óbice em que o Autor pudesse resolver o contrato.
Em relação ao muro exterior, está-se perante uma alteração esteticamente com algum relevo (basta ver a imagem que consta do documento n.º 10, junto com a petição inicial – brochura publicitária do empreendimento -) e a que consta do documento n.º 6 junto em 17/11/2022) para notar diferenças. Mas, apenas pela vertente estética, consideramos que não haveria motivo para resolver o contrato. Não se deteta que a construção do muro em betão aparente acarrete qualquer tipo de choque visual negativo para quem viva ou visite o imóvel ou que tenha de existir um sentimento de rejeição para se querer viver no empreendimento por causa do aspeto do muro (nem há a mínima prova nesse sentido).
Poderia ter relevância a nível do preço da fração no sentido de que a anterior construção em granito era mais cara do que a que se realizou em betão aparente, o que deveria determinar uma redução do preço. Mas o Autor, coerentemente pois pretende a resolução do contrato, não alegou essa diferença de preço, pelo que não é possível concluir que, por exemplo, sendo a diferença de custo relevante e não havendo reflexo no preço da aquisição, o recorrente pudesse desde logo resolver o contrato (sem prejuízo de se analisar a posição da 1.º Ré, o que faremos a seguir).
Já no que respeita aos tetos em pladour, está em causa o teto de pelo menos cinco divisões – três quartos, cozinha e sala -, em que não há prova de apresentação de qualquer solução que possa satisfazer o acordado e em que não se está unicamente perante uma solução estética (e ainda assim muito relevante pois será totalmente diverso um teto branco que corre pela fração do que um teto com aspeto e cor do betão) mas igualmente de conforto (está em causa uma fração no r/c, logo com possibilidade de residência no 1.º andar, sendo que, como dissemos, a lã de rocha serviria para atenuar esse impacto acústico).
Não vemos que o Autor tenha de prescindir do que pretendia nesses termos porque a 1.ª Ré alterou, sem lhe comunicar (facto 28), a construção para uma solução totalmente diversa e não demonstra que tenha apresentado qualquer possibilidade de construção nos termos acordados
Se a promitente vendedora propusesse uma redução do preço devido a tal desconformidade, então teria de se analisar se a mesma poderia redundar num preço justo para quem ou prescindia daquele aspeto estético e de conforto ou se, com a redução, poderia o comprador encetar ele próprio por executar os tetos como desejava.
Ou ainda se resultasse provado que a alteração efetuada traduzia um resultado equivalente em termos estéticos ou acústicos, então poderia entender-se que a recusa na celebração do contrato não tinha fundamento.
Mas nem a Ré demonstra (o abuso de direito é uma exceção que a mesma teria de demonstrar – artigo 342.º, n.º 2, do C. C. -) que uma redução de preço satisfaria o desejo do Autor nem que alguma vez o tenha proposto. Oferecendo a promitente vendedora a fração, sem tais tetos, não mencionando que irá corrigir a situação ou alterando o valor de aquisição, o promitente comprador encontra-se numa situação em que o que lhe é proposto que aceite um bem bastante diferente do que lhe foi prometido, sem que vislumbre algum tipo de compensação por essa diferença.
É certo que se pode viver em tal edifício, não assumindo tal diferença a gravidade, por exemplo, de uma prometida entrega de um bem sujeito a infiltrações de humidade; mas a proteção do consumidor não é somente reservada para casos tão extremos mas para todos os casos em que há desconformidade e não se deteta motivo para o mesmo tenha de aceitar a entrega do bem.
Para nós, não existe, nesta vertente, uma atuação do Autor que se revele como de pouca lisura para com a contraparte: acordou-se na entrega de um imóvel com determinadas características relevantes, a proposta de entrega não corresponde ao acordado, não há prova de que possa ser concretizado o que se acordou e não se apresenta uma solução que possa compensar essa falha.
Antes pelo contrário, a 1.ª Ré, confrontada duas vezes, por escrito, com a alegação da diferença em causa (cartas de 26/07 e 11/08 de 2021) não responde e, ainda que se admita que por coincidência, na mesma data de 26/07/2021 solicita a marcação de escritura, sabendo certamente que os tetos não estavam construídos como acordado (factos 29 a 33).
Importa agora determinar se o Autor, de algum modo, fez crer à 1.ª Ré que não era relevante a alteração dos tetos ou, pelo menos, se não era relevante a alteração ao ponto de não querer celebrar o contrato prometido.
Ora, analisando os factos provados, o primeiro contacto do Autor com a 1.ª Ré onde são mencionadas divergências na execução da fração ocorre a 22/07/2021 (factos 24 e 25), onde a primeira questão que o ora recorrente coloca é a de saber se o teto do apartamento ficará em betão polido aparente, ao que a já referida arquiteta responde afirmativamente conforme mapa de acabamentos atualizado.
E nas duas cartas de 26/07 e 11/08 de 2021, já igualmente referidas, é mencionada aquela situação dos tetos (na segunda por remissão para a primeira) pelo Autor.
Não está provada qualquer factualidade de onde se retire, expressa ou implicitamente, que o Autor aceitou a execução dos tetos dessa forma ou que não entendia tal como fator de resolução do contrato; o que se tem é uma alteração não comunicada a que o Autor reage, sempre pedindo a resolução, primeiro amigável e depois já em termos mais formais, pugnando pelo incumprimento definitivo do contrato.
Deste modo, ao Autor, é proposta a entrega de um imóvel executado em condições diferentes do acordado, condições essas relevantes, não comunicadas previamente, sem proposta de alteração e sem prova de que seja possível tal alternativa, sem ainda se apresentar qualquer outra solução que não fosse a de se celebrar o contrato e sem, finalmente, que se demonstre que o Autor atua em abuso de direito.
Face a este quadro, na nossa opinião, estão preenchidos os requisitos para que o Autor pudesse resolver o contrato, como fez operar na carta de 11/08/2021, decorridos os dez dias aí conferidos à 1.ª Ré para alterar a situação. Tal resolução é lícita face ao acima mencionado regime do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04.
Resolvido licitamente o contrato, importa aferir quais as consequências de tal declaração.
O contrato promessa dispõe de um regime específico para a cessação contratual, no caso, quando o incumprimento existe do lado do promitente vendedor: restituição do sinal prestado, em dobro – artigo 442.º, n.º 2, do C. C. -.
Mas, como já dissemos, o incumprimento do contrato promessa revela-se quando não se celebra o contrato prometido; ora, no caso, este poderia ser celebrado e a promitente vendedora ofereceu-se para o celebrar. O que sucedeu é que o seu cumprimento seria imperfeito e, por isso, se recorreu à aplicação do regime do contrato prometido. E, no que respeita às consequências contratuais derivadas da resolução, deve continuar-se a aplicar o regime que se aplicaria ao contrato prometido pois, sendo equivalentes as situações, devem igualmente ser equivalentes as sanções.
Se o comprador de um imóvel que se vem a deparar com defeitos pode resolver o contrato e, em consequência, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou (artigo 289.º, n.º 1, ex vi 433.º, ambos do C. C.), não faz sentido que aquele que ainda não comprou o imóvel e assim evitou receber um produto com defeito, venha a receber o valor que entregou em dobro, valor este que é uma sanção que visa punir aquele que não celebra um contrato (citado Ac. do S. T. J. de 02/12/2013).
Por isso, o recorrente terá direito a receber da 1.ª Ré o valor do que prestou, ou seja, 72 000 EUR, acrescido dos juros de mora desde a data da citação por não ser feita referência uma outra concreta e realística no pedido (menciona-se uma data de insolvência que não tem qualquer relação com o alegado), à taxa legal de 4% - artigo 1.º, da Portaria n.º 291/2003, de 08/04 -.
*
Da responsabilidade da 2.ª Ré.
A 2.ª Ré «B..., Unipessoal Lda., aqui recorrida celebrou um contrato de mediação imobiliária com a 1ª Ré relativo ao empreendimento em causa (facto 35).
O Autor/recorrente alega que a mesma Ré, enquanto mediadora, violou deveres que lhe são legalmente impostos pelo artigo 17.º, da Lei n.º 15/2013.
Este artigo dispõe, no n.º 1, que a empresa de mediação é obrigada a:
a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;
b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;
c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro; d)Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.
Colocamos em itálico a última alínea porque se nos afigura que só essa poderá ter alguma aplicação no caso dos autos; na verdade:
. não está em causa a legitimidade da 1.ª Ré para poder vender a fração em causa (alínea a);
. do que sabemos, as características fornecidas pelo cliente (1.ª Ré) não divergiam, antes da celebração do contrato promessa, das indicadas pela 2.ª Ré ao Autor (alínea b) – não se demonstra que o cliente indicou determinadas características que eram diferentes da realidade; o que se prova é que determinadas características foram alteradas depois da celebração do contrato promessa);
. igualmente não se prova que as características mencionadas pela mediadora não correspondiam à realidade, podendo o Autor/destinatário ser induzido em erro – mais uma vez, o que ocorre é uma alteração das características depois da celebração do contrato promessa -.
Onde a atuação da 2.ª Ré pode ser alvo de censura é quando não dá conhecimento ao Autor da alteração que acima consideramos relevante: diferente realização dos tetos (já que, quanto às outras três alterações, já afastamos a sua relevância).
Esta alteração de um acabamento contratualmente fixado entre Autor e 1.ª Ré, em contrato angariado pela 2.ª Ré, sendo importante e tendo conduzido à resolução do contrato promessa, devia ter sido conhecida pela mediadora/2.ª Ré para ser comunicada imediatamente ao destinatário, no caso, o Autor, por poder estar em causa a concretização do negócio visado (compra e venda do imóvel).
Naturalmente que a promitente vendedora tinha de ter dado conhecimento dessa alteração ao Autor, não só por uma questão de boa-fé (artigo 762.º, do C. C.) mas também porque estava contratualmente obrigada a proceder a essa alteração por escrito e com o acordo da contraparte – cláusula 6.ª n.º 3, do contrato promessa -.
Mas além dessa obrigação da promitente vendedora, também a mediadora, conhecendo ou devendo conhecer da alteração, tinha de a comunicar ao promitente comprador; está em causa a responsabilidade extracontratual (artigo 483.º e seguintes, do C. C.), tal como corretamente explanado na sentença recorrida. E, por isso, tem de se buscar nos factos se ocorre a prática, com dolo ou negligência, de um facto ilícito (falta de comunicação ao Autor da referida alteração) que tenha causado danos ao promitente comprador.
Apura-se que a 2.ª Ré teve intervenção causal na celebração da promessa por ser mediadora (assim se declara no mesmo contrato, na cláusula 9.ª).
Mas, em primeiro lugar, em rigor, não está provado que a 2.ª Ré não transmitiu ao Autor a referida alteração quanto aos tetos, mormente a título doloso – quis omitir tal alteração ao Autor com um qualquer fundamento também desconhecido e não provado -.
Sabemos que a promitente vendedora não o comunicou – facto 28 -; mas não consta que a 2.ª Ré também não efetuou tal comunicação, matéria que, sendo integrante do pressuposto da responsabilidade civil extracontratual – facto ilícito -, tinha de ser provado pelo Autor (artigo 342.º, n.º 1, do C. C.) -.
Assim, desde logo não há prova do facto ilícito apontado à 2.ª Ré.
Mas, em segundo lugar, ainda que se pudesse concluir que se a promitente vendedora não comunicou a alteração, afirmando o Autor desconhecê-la antes de visitar o imóvel (por si ou por terceiro), pode judicialmente presumir-se (artigo 351.º, do C. C.) que também a mediadora não a comunicou (sendo que, se o tivesse feito, certamente o alegaria, o que não fez), também não vislumbramos que essa hipotética violação das suas obrigações tenha causado um dano ao Autor.
Este, quando celebra o contrato, e também depois, desembolsa quantias a título de sinal e adiantamento de pagamento do preço; mas o contrato é celebrado sem que haja qualquer violação do dever de informação da mediadora pois, à partida, o imóvel ia ser edificado como prometido.
A necessidade de restituição do sinal de 72.000 EUR não advém da falta de informação contemporânea à celebração do contrato promessa (por exemplo, se o Autor soubesse que a 1.ª Ré não era dona do imóvel onde se iria construir e não tinha capacidade para o adquirir, nunca teria celebrado o negócio)[4] mas surge depois da sua celebração – constata-se que foi efetuada uma alteração nem consentida nem querida -.
O prejuízo que o Autor teve em ter de desembolsar 72.000 EUR que agora pode ver restituído, do que se sabe, advém exclusivamente da atividade da promitente vendedora e ocorre numa altura que desconhecemos – não está provado quando foi determinada tal alteração nem quando foi executada -.
Não é atributo da mediadora participar nas decisões da sua cliente mas apenas comunicá-las ao destinatário se forem relevantes para o mesmo.
A mediadora, sendo diligente, poderia aperceber-se que a alteração estava efetuada mas, para assim se concluir, precisávamos de saber quando é que poderia ter conhecido essa alteração (ou quando soube, se lhe tivesse sido comunicada pela promitente vendedora) e quando é que o Autor a conheceu para se aferir se havia falta de diligência em comunicar ao destinatário a alteração e em que que grau se refletia essa negligência.
Depois de se conhecerem tais elementos, poder-se-ia concluir que havia um cumprimento defeituoso do contrato pela 1.ª Ré que conduzia à sua resolução e que a 2.ª Ré, por não ter comunicado imediatamente a alteração que devia conhecer, tinha causado um prejuízo ao promitente comprador mas não necessariamente igual ao valor do sinal prestado.
Este foi entregue sem prova de que a 2.ª Ré tenha influenciado negativamente essa decisão (na totalidade ou em parte do sinal prestado – poderia provar-se que quando uma parcela do sinal foi entregue já a mediadora conhecia a alteração -); mas a omissão de pronta informação da alteração poderia conduzir à prova de algum outro tipo de prejuízo: danos não patrimoniais, danos patrimoniais causados por não se ter celebrado o contrato como o ter de viver num hotel, a título de exemplo.
Tal prova não ocorreu.
Daí que a hipotética omissão não conduziria à condenação da 2.ª Ré pelo que, nesta parte, confirma-se a decisão recorrida.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, condena-se a Ré A..., Lda. a restituir ao Autor a quantia de 72.000 EUR, acrescida de juros de mora, a contar da citação da mesma Ré, à taxa de 4% até pagamento.
Mantém-se a parte restante da decisão.
Custas do recurso a cargo do recorrente e recorrida A..., Lda., na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
Porto, 2023/09/14.
João Venade
Ana Vieira
Isabel Silva
___________ [1] João Calvão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, novembro 2001, página 40. [2] Em que existe expressa menção à falta de conformidade do bem com o contrato, o que encaixa mais naturalmente em alterações ao previamente acordado. [3] Deve haver o respeito por princípios – como o da razoabilidade, da proporcionalidade e da prioridade da restauração natural – Ac. S. T. J. de 13/12/2022, rel. António Barateiro Martins, no mesmo sítio -. [4] Como sucede na situação relatada no Ac. da R. L. de 14/09/2009, rel. Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt.