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CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Sumário
I - O prazo previsto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na actual redacção conferida pela Lei n.º 13/2019, tem natureza supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a três anos, desde que as partes nisso tenham convencionado. II - O uso da expressão “Salvo estipulação em contrário” no início do dispositivo em causa significa que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos. III - Tal entendimento resulta não só da interpretação literal do preceito, mas igualmente da sua interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.
Texto Integral
Processo n.º 1394/22.2YLPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paredes – Juiz 2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.RELATÓRIO.
“A..., S.A.”, instaurou procedimento especial de despejo, pedindo a emissão de título de desocupação do locado, atenta a falta de restituição do mesmo no prazo legalmente previsto.
Alega, para o efeito que, em 01.07.2015, o B..., com o NIPC ..., celebrou com a Requerida AA, um Contrato de Arrendamento para Habitação Permanente, com prazo certo, tendo por objecto a fração autónoma “D”, correspondente ao 4.º Andar Esquerdo – ..., do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., em ..., Paredes, domicílio convencionado no Contrato, descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número .../..., inscrita na matriz predial urbana com o artigo ..., com prazo de duração inicial de 5 anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes. A renda inicialmente acordada foi de € 230,00 (duzentos e trinta euros), a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior a que diga respeito.
No entretanto, o imóvel locado foi vendido à Requerente por Escritura Pública celebrada a 29.06.2021, encontrando-se o registo devidamente inscrito.
A transmissão do imóvel inclui a transferência da posição de locador e locatário, o actual proprietário tem interesse na recuperação da posse do imóvel, pelo que lançou mão do procedimento especial de despejo.
Através de cartas registadas com aviso de recepção enviadas para o domicílio convencionado, a Requerente comunicou opor-se à renovação do Contrato de Arrendamento.
A Requerida não procedeu à entrega voluntária do imóvel locado, devoluto de pessoas e bens, com todos os elementos pertencentes à Proprietária e incluídos no Contrato, no término do Contrato de Arrendamento – a 30 de Junho de 2022.
A requerida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 15º.-D do NRAU, deduziu oposição ao despejo, pedindo que seja julgado improcedente o requerido ou, em alternativa, que lhe seja concedido o diferimento de um prazo de 5 meses para a entrega do imóvel.
Alega, quanto à renovação do Contrato de Arrendamento, que em causa está um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, com duração de 5 anos, com início em Julho de 2015 e termo a 30 de Junho de 2020. E, apesar de constar das cláusulas que o mesmo se renovará por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, por força imperativa da Lei, nomeadamente do artigo 1096.º do Código Civil, na actual redacção dada pela Lei n.º 13/2019 de 12 de Fevereiro, tal renovação deveria de ser pelo prazo de 3 (três) anos.
Refere que, pretendendo a Requerente opor-se à renovação do contrato de arrendamento, a mesma só produzirá efeitos a 30 de Junho de 2023.
Acrescenta que, no seguimento da notificação recebida da Requerente, contactou a mesma para indagar do motivo da oposição à renovação do contrato, tendo-lhe sido transmitido ser propósito da Requerente proceder à venda da fracção. A Requerida questionou a Requerente sobre a possibilidade de comprar o imóvel, tendo-lhe a Requerente respondido que deveria enviar a sua proposta, o que a mesma fez através de missiva enviada por correio registado a 11.04.2022, apresentando uma proposta de compra do imóvel pelo valor de 60.000,00 €. A Requerida recebeu a 20.04.2022 uma resposta por e-mail da Requerente, dizendo que o seu pedido de compra ia ser encaminhado para o departamento comercial e que seria contactada o mais célere possível.
Não obstante, a Requerida nunca mais foi contactada, tendo sido surpreendida com a notificação do procedimento especial de despejo. Face às atitudes da Requerente, a Requerida gerou expectativas na compra do imóvel, não tendo acreditado em momento algum que iria ter de sair do imóvel, pois encontrava-se a aguardar resposta por parte da Requerente relativamente à proposta enviada.
Adianta que no imóvel habita a Requerida e um filho menor, com 13 anos de idade. Atendendo à situação actual do mercado imobiliário, não é de todo previsível que a Requerida consiga, em 30 dias, encontrar um imóvel para habitar com as mesmas condições de habitabilidade e valor mensal de renda, mencionando ainda que aufere um rendimento mensal ilíquido de 705,00 €.
O Balcão Nacional de Arrendamento deu regular cumprimento ao disposto no artigo 15º.-H do NRAU, remetendo o procedimento especial de despejo à distribuição no tribunal territorialmente competente.
Oportunamente, a Requerida foi notificada para aperfeiçoar o requerimento inicial, nos termos consignados a fls. 45 dos autos.
Na sequência dessa notificação, veio apresentar requerimento, no qual, para prova do alegado no ponto 7, juntou comprovativo do registo da carta enviada à Requerente.
Para prova do alegado no ponto 11, juntou certidão de nascimento e respectiva regulação das responsabilidades parentais, bem como comprovativo de matrícula do menor na Escola.
Mais esclareceu, não pretender juntar prova testemunhal, requerendo a junção da prova documental aos autos.
Por sua vez, a Requerente, regularmente notificada, respondeu em articulado superveniente no qual declara impugnar toda a matéria factual da contestação, bem como o pedido de diferimento de entrega do locado.
Alega que a Requerida teve conhecimento do teor da carta de oposição à Renovação do Contrato de Arrendamento ainda em finais do ano 2021, pelo que, desde essa data, teve oportunidade para organizar a sua vida e a do seu filho menor, nada fez para resolver o que quer que seja, parecendo à Requerente que a Requerida usa de meio para entorpecer o processo, arrastando a situação.
Depois de fixado o valor processual do procedimento especial de despejo e de afirmada a validade e regularidade processuais, conhecendo-se do mérito da causa, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Nesta decorrência, indefiro o pedido de emissão de título de desocupação do locado, por julgar improcedente, por não provado, o presente procedimento especial de despejo e, por consequência, absolvo a requerida AA do presente, por se manter válido o contrato de arrendamento celebrado, produzindo a sua renovação efeitos até 30.06.2023. Relativamente ao incidente de diferimento do despejo, na decorrência do acima decidido, julgo o mesmo supervenientemente inútil (artigo 277º., al. e) do CPC). Custas pela requerente, nos termos do previsto nos artigos 527º. e 539º., nºs 1 do CPC, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc´s. Registe e Notifique”.
2. Não se resignando a Requerente com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: A. A Recorrente apresentou um requerimento de despejo, no Balcão Nacional do Arrendamento, correndo a ação sob forma de procedimento especial de despejo. B. No decorrer da fase administrativa não se verificou nenhum fundamento para a recusa do requerimento de despejo, nos termos do Artigo 15.º-C do NRAU. C. Não se verificando motivos para a recusa do requerimento, o BNA procedeu à notificação da Recorrida para esta (i) desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada ou (ii) deduzir oposição à pretensão e/ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto nos Artigos 15.º-N e 15.º-O (n.º1 do Artigo 15.º-D). D. A Recorrida depois de notificação pelo Balcão Nacional do Arrendamento apresentou Oposição invocando a aplicação imperativa do Artigo 1096º do Código Civil, alterado pela Lei 13/2019, de 13 de Fevereiro, pelo que o Contrato apenas caducaria em 30/06/2023. G. O Tribunal de 1ª Instância fez errada apreciação e interpretação do artigo 1096 do Código Civil, ao decidir absolver a Recorrida do pedido. H. Mal andou também ao decidir pela improcedência do pedido da Recorrente e ao declarar o contrato como válido e em vigor até 30/06/2023. I. Tendo produzido efeitos a comunicação de oposição à renovação do Contrato de Arrendamento, deveria ter sido declarado procedente o processo especial de despejo, por cessação do Contrato em 30/06/2022. J. A comunicação da oposição à renovação do contrato é válida, eficaz e tempestiva, produziu os seus efeitos, pelo que a Recorrida deveria ter entregue o imóvel livre de pessoas e bens, na data de 30/06/2022. K. A Recorrente e atual proprietária sempre manifestou o interesse na recuperação da posse do Imóvel, tendo lançado mão do procedimento especial de despejo. L. A letra do Artigo 1096º do Código Civil, alterado pela Lei 13/2019 foi mal interpretado pelo Tribunal a quo, uma vez que não se trata de norma com caracter imperativo. M. A norma assume caracter supletivo e nos termos do Artigo 12º do Código Civil, quanto à aplicação da Lei no tempo, a Lei nova apenas dispõe para o futuro. N. Permitindo o legislador que qualquer Contrato de Arrendamento tenha a duração mínima de 1 ano – esse prazo sim, de caracter imperativo – ou a possibilidade de contratos não renováveis no seu termo, não pretendeu a Lei estabelecer prazos de renovação obrigatórios, por hipótese, mais extensos que os iniciais e diferentes do acordado pelas Partes ab initio e tendo por referência a lei vigente na data. O. Não sendo imperativa, as Partes são livres de estabelecer o conteúdo da relação contratual ao abrigo do princípio da liberdade contratual. P. A decisão recorrida é ilegal, violando o Artigo 9, Artigo 12º e, consequentemente, os Artigos 1080°, 1096° n°1 e 3 todos do Código Civil. Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente a ação, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação do senhorio) e, consequentemente condene a R. nos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã JUSTIÇA”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- validade e vigência do contrato de arrendamento;
- eficácia da comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1 – Em 01.07.2015, o B..., com o NIPC ..., celebrou com o(s) Requerido(s) AA e BB, um Contrato de Arrendamento para Habitação Permanente, com prazo certo, tendo por objecto a fração autónoma “D”, a que corresponde o 4º Andar Esquerdo – ..., o prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., em ... – Paredes – domicílio convencionado no Contrato – descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número .../..., inscrita na matriz predial urbana com o artigo ..., com prazo de duração inicial de 5 anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
2 - A renda inicialmente prevista foi de € 230,00 (duzentos e trinta euros) e deveria ser paga ao primeiro dia útil do mês anterior a que a renda diga respeito.
3 - O imóvel locado foi vendido à Requerente por Escritura Pública realizada em 29/06/2021, encontrando-se o registo devidamente inscrito, conforme certidão predial [que se] junta [para todos os legais efeitos].
4 - A transmissão do imóvel incluiu a transferência da posição de locador e Locatário.
5 - O actual proprietário tem interesse na recuperação da posse do imóvel, pelo que lançou mão do presente procedimento especial de despejo.
6 - A requerente em 3 de Dezembro de 2021, através de carta registada com AR, comunicou à requerida a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, fazendo menção na mesma que o mesmo cessaria em 30 de Junho de 2022, devendo, por conseguinte, ocorrer a desocupação do locado nessa data.
7 - Em 09.08.2022 dá entrada no Balcão Nacional do Arrendamento, o requerimento nº. 41767 instaurando o presente procedimento especial de despejo referente ao imóvel sito na Rua ... – ... – 4ª. Esqº., ... ..., Paredes.
8 – A requerida enviou por correio registado a 11.04.2022 uma proposta de compra do imóvel no valor de € 60.000,00.
9 – A requerida recebeu a 20.04.2022 uma resposta por e-mail da requerente dizendo que o seu pedido de compra ia ser encaminhado para o departamento comercial e que seria contactada o mais célere possível.
10 – No imóvel habitam a requerida e um filho menor com 13 anos, conforme resulta do Assento de nascimento junto e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
11 – A requerida aufere um rendimento de mensal ilíquido de 705,00 €.
12 – Quanto ao certificado e matrícula do filho menor da requerida, conforme o documento aos autos junto a fls. 44 verso cujo teor se dá aqui por reproduzido.
III.2. A mesma instância considerou não provados os “demais factos articulados, não incluídos nos factos acima transcritos, designadamente: Requerimento inicial: 5. Oposição: 5, 10 e 12.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Como resulta do quadro factual recolhido nos autos, em 01.07.2015 foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, entre o B... e AA e BB tendo por objecto a fração autónoma designada pela letra “D”, a que corresponde o 4.º Andar Esquerdo – ..., do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., em ... – Paredes, descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número .../..., inscrita na matriz predial urbana com o artigo ....
O referido contrato foi celebrado com prazo de duração inicial de 5 anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
A..., S.A., actual proprietária da dita fracção, tendo-a adquirida por escritura pública celebrada a 29.06.2021, em 3 de Dezembro de 2021, através de carta registada com A/R, comunicou à locatária a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, fazendo menção na respectiva missiva que o mesmo cessaria em 30 de Junho de 2022, devendo, por conseguinte, ocorrer a desocupação do locado nessa data.
Tendo o contrato de arrendamento em causa sido celebrado em 1.07.2015, sofreu, entretanto, a lei várias alterações, designadamente com incidência no prazo de renovação, importando, no caso, determinar qual a aplicável, tomando por referência o início da relação arrendatícia por ele constituída e o exercício da oposição renovação do contrato.
Na sucessão de leis no tempo, como é o caso, a equação da questão colocada demanda a existência de normas de direito transitório:
- especial, ou seja, as contidas na lei nova que disciplinem a sua aplicação no tempo;
- sectorial: que regulem a aplicação no tempo acerca de certa matéria específica;
- geral: que definam o modo de aplicação da lei no tempo, independentemente das matérias versadas, como sucede com o artigo 12º do Código Civil.
A convocação de cada uma delas deve efectuar-se de forma sucessiva e sequencial, sempre que seja constatada a ausência das primeiras a serem chamadas a equacionarem a questão[1]. Como explica o referido acórdão da Relação de Coimbra de 15.02.2011, “na sucessão de leis no tempo, potencialmente aplicáveis às relações jurídicas duradouras, o problema terá que ser resolvido, em primeiro lugar, através de normas de direito transitório especial (ou seja, normas da própria lei nova que disciplinem a sua aplicação no tempo), depois pelas normas de direito transitório sectorial (ou seja, que regulem na aplicação no tempo das leis sobre certa matéria), e finalmente por normas de direito transitório geral (ou seja, que definam o modo de aplicação no tempo da generalidade das leis, independentemente da matéria sobre que versam).
Por conseguinte, só na ausência de qualquer regime especial é que se deve indagar, sucessivamente, da existência de normas de direito transitório sectorial ou de direito transitório geral - como é o regime fixado no art.12º do CC - para, na sua falta, recorrer aos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência. Noutra perspectiva, não tendo aqui natureza constitucional o princípio da não-retroactividade das leis, a sua eficácia temporal postula, antes de mais, um problema de interpretação, ou seja, se o legislador pretendeu, ou não, abranger as situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor. Por isso, não basta atender às regras enunciadas no artigo 12º do CC, que só em caso de dúvida são de observar e não têm mais força vinculativa que as das outras leis ordinárias, e daí que não prevaleçam sobre os resultados da interpretação da lei em causa (cf. VAZ SERRA, RLJ ano 110, pág. 271 e segs.)”.
Segundo o artigo 12º do Código Civil:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispuser sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo-se dos factos que deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Tendo as relações arrendatícias efeitos duradouros, que se prolongam enquanto as mesmas subsistirem, a nova lei do arrendamento é aplicável aos contratos daquela natureza - não obstante ter a sua celebração ocorrido antes da sua entrada em vigor - cujos efeitos se estendem para além do início da sua vigência.
O contrato em discussão nos autos teve início a 1.07.2015, com prazo convencionado de duração de cinco anos, ocorrendo o seu termo a 30.06.2020.
Também foi então acordado que o referido contrato se renovaria por iguais e sucessivos prazos de 1 ano, salvo denúncia do mesmo pelas partes.
O contrato de arrendamento aqui em discussão foi, pois, celebrado e teve início no âmbito da vigência da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
Sob a epígrafe Renovação Automática dispunha então o artigo 1096.º do Código Civil, na redacção conferida por aquele diploma. 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.
Antes do termo do contrato, a ter lugar a 30.06.2020, como se referiu, a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, com entrada em vigor no dia 13 de Fevereiro de 2019, introduziu importantes alterações quanto ao regime jurídico do arrendamento urbano, destinando-se a mesma a promover “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
Veio esta Lei a alterar várias disposições relativas ao arrendamento, designadamente o citado artigo 1096.º do Código Civil, cuja redacção passou a ser a seguinte: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior. 3 – [...]”.
Também os n.ºs 3 e 4 do artigo 1097.º do Código Civil sofreram alterações introduzidas pela mesma Lei, passando a ser a seguinte a sua redacção:
[...] “3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 1103.º”.
A alteração introduzida pela Lei n.º 13/2019 aplica-se não só aos contratos futuros, mas igualmente aos contratos já em vigor, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil[2].
A interpretação do n.º 1 do artigo 1096.º, na versão da mencionada Lei n.º 13/2019, nomeadamente quanto ao sentido e alcance da expressão estipulação em contrário nele prevista, não tem sido consensual.
A Lei n.º 13/2019 veio acrescentar ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, em relação à precedente redacção, a expressão “ou de três anos se esta for inferior”, estabelecendo o artigo daquela Lei, quando define o seu objecto, que “A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade [...]”.
Tendo por base a referida alteração e ainda a definição do objecto prosseguido pela citada Lei n.º 13/2019, tem a doutrina e a jurisprudência perfilhado distintos entendimentos quanto à natureza – imperativa ou supletiva – do prazo de renovação do contrato de arrendamento previsto para o efeito no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil: para os que atribuem a esta norma natureza imperativa, o prazo de renovação teria sempre de corresponder ao prazo inicial ou de 3 anos, no caso de aquele ser inferior, sem possibilidade de poderem as partes convencionarem prazos diferentes; em sentido contrário, defende outra corrente de opinião que a alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil deixou incólume a sua natureza supletiva, amparando essa interpretação no elemento literal e sistemático da norma em causa, a demandar a sua conjugação com o n.º 3 do artigo 1097.º do mesmo diploma legal.
Segundo Jéssica Rodrigues Ferreira[3], “[A] nova redação do art. 1096.º suscita várias dúvidas interpretativas, desde logo relacionadas com o alcance da expressão “salvo estipulação em contrário”. Reportar-se-á apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, ou permitirá também a estipulação de um prazo de renovação diferente do aí previsto? Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei (…)”.
Também em sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, defende Jorge Pinto Furtado[4] que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender”[5].
Entendimento contrário, sustentando ter o legislador fixado um prazo mínimo de renovação, defende Maria Olinda Garcia[6], que “ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos”[7].
O Conselheiro Pinto Furtado[8], interpretando o n.º 3 do artigo 1097.º, em conjugação com o artigo 1096.º, ambos do Código Civil, refere: “...quanto aos contratos de arrendamento habitacional existentes, que se submetiam ao disposto na Lei n.º 31/2012 e, não havendo estipulação contratual, estavam a renovar-se supletivamente, sem mais, segundo períodos de dimensão igual à duração contratual, interessará considerar os celebrados por um ou dois anos. Estando estes contratos a renovar-se então, supletivamente, por períodos de um ano ou de dois, respetivamente, segundo a lei antiga, chegado o novo normativo agora imposto no art. 1097-3, uma de duas soluções parecerão, em princípio, aplicáveis. Será a primeira que aqueles contratos habitacionais de durações menores, que já completaram a sua renovação ou renovações, à sombra da lei antiga, mas ainda não tenham atingido os três anos de duração contratual para haver uma primeira renovação pela lei nova, deverão submeter-se a esta, computando-se nesses três anos os períodos menores já cumpridos, preenchendo-se desse modo a bitola do art. 1097-3. Outra será, antes, que a nova lei exige o pré-decurso trienal só para a primeira renovação: logo, os contratos que já então completaram uma primeira renovação, ainda que sem preenchimento dos três anos de duração prévia, não estão abrangidos por ela, visto o prazo renovatório menor a que obedeceram já se ter completado. Cremos, pela nossa parte, que será esta segunda opção o entendimento a subscrever, pois como declara o art. 297-2, os prazos mais longos da lei nova só se inserem nos prazos mais curtos da lei anterior que ainda “estejam em curso”. Assim, os contratos com duração de um ano que, findo o seu prazo de duração, se renovaram pelo mesmo período e o completaram antes de entrar em vigor a nova lei, continuam a renovar-se pelo mesmo período depois disso; mas aqueles que ainda não consumiram esse período de renovação terão de prosseguir no tempo já decorrido até perfazer o triénio de duração para que ocorra uma nova renovação (…). Naturalmente, este entendimento é aplicável, não apenas às renovações supletivas, mas também as convencionadas nas mesmas condições.”.
Na jurisprudência dos tribunais superiores pronunciaram-se no sentido de que o actual n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil tem natureza imperativa – embora alguma dessa jurisprudência reconduza essa imperatividade somente ao prazo mínimo de renovação de 3 anos -, entre outros, os acórdãos da Relação de Guimarães de 11.02.2021 e de 8.04.2021, respectivamente, processos n.ºs 1423/20.4T8GMR.G1 e da Relação de Évora de 10.11.2022, de 10.11.2022 e de 25.01.2023 (este último com um voto de vencido, pugnando pela defesa do entendimento contrário), processos n.ºs, respectivamente, 983/22.0YLPRT.E1, 126/21.7T8ABF.E1, e 3934/21.5T8STB.E1, todos em www.dgsi.pt.
Aos invés, defendem que a norma em causa mantém natureza supletiva, admitindo a fixação de um prazo de renovação inferior a 3 anos, entre outros, os acórdãos de Lisboa de 17.03.2022, de 24.05.2022 e de 10.01.2023, processos n.ºs 8851/21.6T8LRS.L1-6, 7855/20.0T8LRS.L1-7, 1278/22.4YLPRT.L1-7, respectivamente, da Relação do Porto de 23.03.2023, processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1 e do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2023, processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, todos em www.dgsi.pt.
Segundo o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2023, “O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos”[9].
Pese embora a bondade dos argumentos em defesa do carácter imperativo do prazo de renovação consagrado no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na actual redacção conferida pela Lei n.º 13/2019, pensamos que o prazo aí previsto tem natureza supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a três anos, desde que as partes nisso tenham convencionado, entendimento que não afronta o espírito do legislador, embora o mesmo se afigure pouco transparente, estando conforme o elemento literal e o elemento sistemático da interpretação da norma em causa.
Reproduzem-se aqui, pela sua pertinente acutilância, alguns dos argumentos acolhidos no mencionado acórdão da Relação de Lisboa de 17.03.2022 em abono do entendimento da natureza supletiva da disposição em análise: “...quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação. A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos. Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial). Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior. Mas foi a opção do legislador. O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual. Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objecto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade. A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade? Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato. Efectivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código […]. E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado. Ou seja e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano. Duração inicial ou sucessiva de um ano. Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial. Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento. Por fim, refira-se que o processo legislativo […] pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto. Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso. […] Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos. Uma e outra acepção, encontrando-se por demonstrar. Não se desconhecem decisões contrárias, no sentido da imperatividade da alteração legislativa da Lei nº 13/2019 […]. Contudo, não concordamos com tal posição, com o maior respeito pela mesma, na medida em que a argumentação que as sustenta é construída sempre desta forma: a norma é imperativa, porque a lei pretendeu definir um limite mínimo de três anos ao contrato de arrendamento. Ora, como se viu, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano. Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil”.
E, em idêntico sentido, retira-se do também já mencionado acórdão da Relação de Lisboa de 10.01.2023: “Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2. Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado. Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443). A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual: «3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.» Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil. De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático”.
No mesmo sentido, refere o recente acórdão desta Relação de 23.03.2023, também anteriormente mencionado: “...percorrido o actual regime do arrendamento para habitação com prazo certo, o que dele decorre é que: - há um prazo mínimo de um ano e um prazo máximo de 30 anos, que são imperativos; - o arrendamento não pode ter duração inferior a um ano, mas pode durar apenas esse ano, caso se preveja a sua não renovação automática; - estando prevista a sua não renovação automática, o arrendamento durará menos de três anos se for celebrado pelo prazo de um ou pelo prazo de dois anos. Vistas estas situações, que resultam da conjugação dos arts. 1095º, nº 2, 1096º, n º 1, e 1097º, nº 3, do Código Civil, realmente não se percebe que nestes casos o legislador não quisesse proteger a segurança e estabilidade do arrendamento por mais tempo e não se tenha preocupado com a situação de desequilíbrio entre senhorio e arrendatário, e só o tivesse pretendido fazer nos casos de renovação automática em que o período inicial de duração fosse de um ou dois anos. Menos se percebe esta discrepância, se considerarmos a posição que defende que apenas o prazo de 3 anos como mínimo para a renovação é imperativo, o que significaria que no caso de contratos celebrados por 4 ou mais anos o prazo de renovação poderia ser fixado em período inferior ao inicial (desde que no mínimo 3 anos): também aqui se poderia questionar o porquê de num contrato com duração inicial de 10 anos se poder fixar a renovação por períodos de 3 anos, inferiores a um terço do período inicial – neste caso já não estaria em causa a estabilidade do arrendamento, nem seria relevante o desequilíbrio de posições entre as partes? Portanto, o que pode concluir-se em termos de lógica do sistema e de boa interpretação do português utilizado no texto da norma é que o legislador pretendeu que nos casos em que as partes não quiseram regular expressamente essa matéria as renovações automáticas não fossem por períodos inferiores a 3 anos, mas não pretendeu que o não pudessem fazer de modo diferente, unicamente com as excepções já referidas, das quais resulta que: - tratando-se de arrendamento de duração de um ou dois anos, com renovação automática expressamente prevista, seja qual for o prazo desta, não pode haver oposição à primeira renovação do contrato; - tratando-se de arrendamento de duração de um ano, com renovação automática expressamente prevista, o prazo da primeira renovação não pode ser inferior a dois anos, já podendo sê-lo o prazo das renovações subsequentes. Veja-se, aliás, a redacção da norma: inicia-se com a expressão “salvo estipulação em contrário”, seguindo-se uma vírgula e depois toda a expressão “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”. Tal significa, em bom português, que a possibilidade de estipulação em contrário abrange toda a hipótese situada após a vírgula, isto é, a possibilidade ou não de renovação do contrato e a respectiva duração da renovação prevista. Ou seja, daí resulta que as partes podem estipular que o contrato não se renova no fim do prazo de duração inicial, podem estipular que se renova sem fixar prazo para o efeito ou remetendo para o prazo previsto na lei, ou podem estipular que se renova por prazo diferente do que consta da lei (nas palavras de Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed. revista e actualizada, 2021, pág. 651, “a ressalva é expressa, surgindo, soberana, a encabeçar o preceito”). Só não podem é prever que haja oposição à renovação antes de decorridos três anos desde o início do contrato, atenta a disposição, essa sim imperativa, do nº 3 do art. 1097º do Código Civil. O que apenas significa que nos contratos em que não haja cláusula a prever a não renovação automática, a sua duração será no mínimo de 3 anos, mas daí nada se pode inferir para os períodos ulteriores, posto que esta norma nada estabelece quanto a estes”.
De acordo o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na sua actual redacção, o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Este é, porém, o regime supletivo nele previsto para a renovação automática dos contratos de arrendamento com prazo certo.
Com efeito, o uso da expressão “Salvo estipulação em contrário” no início do dispositivo em causa apenas pode querer significar que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.
É claramente o que resulta da interpretação literal do preceito, mas que igualmente é apontada por uma interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.
Se a lei permite que os contratos de arrendamento possam ser celebrados pelo prazo de um ano, de acordo com o n.º 2 do artigo 1095.º, se a lei nem sequer veda a possibilidade de, por acordo, as partes excluírem a renovação automática do contrato, não faria qualquer sentido que impusesse, sem admissão de poderem as partes convencionarem prazo inferior, um prazo mínimo de três anos para a renovação automática do mesmo contrato.
Volvendo à concreta situação discutida nos autos: o contrato de arrendamento teve início a 1.07.2015, com prazo convencionado de duração de cinco anos, logo com termo previsto para 30.06.2020.
Em plena vigência inicial do aludido contrato foi publicada e entrou em vigor, a 13 de Fevereiro de 2019, a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro que, entre o mais, alterou a redacção do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil.
Aquando da celebração do contrato convencionaram as partes que este se renovaria por iguais e sucessivos prazos de 1 ano, salvo denúncia do mesmo pelas partes.
O artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil, na sua actual redacção, fixa para os contratos com prazo certo, atingido o respectivo termo, prazos de renovação, por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Os prazos aí contemplados têm, todavia, natureza supletiva, na interpretação, que se tem como a mais ajustada, do referido normativo. O que significa que, podendo as partes convencionar prazo de renovação inferior a três anos - designadamente, de um ano, como no caso aqui apreciado – deva ser este o prazo atendível, nomeadamente para efeitos de oposição à renovação do contrato.
Sendo com acerto se afirma na sentença recorrida que “nos termos da cláusula 2ª, a primeira renovação do contrato de arrendamento em apreço ocorreu em 1 de julho de 2020 e decorria normalmente, quando a requerente após lhe ter sido transmitida a propriedade do imóvel – por escritura pública realizada em 29.06.2021 – entende enviar a comunicação escrita à requerida opondo-se à renovação do contrato (03.12.2021)”, não podemos comungar do entendimento expresso na mesma sentença de que, por imperativo legal, o contrato só cessa em 30.06.2023, pois o prazo da (primeira) renovação findava a 30.06.2021, nos termos convencionados pelas partes.
Considera-se, como tal, que oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada à requerida através de carta registada com A/R de 3 de Dezembro de 2021, fazendo a mesma menção que o referido contrato cessaria em 30 de Junho de 2022, devendo ocorrer a desocupação do locado nessa data, foi válida e tempestivamente efectuada, produzindo a extinção do contrato em causa.
A requerida/arrendatária na oposição deduzida à pretensão processual formulada pela requerente requereu, em alternativa, o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para a habitação, pelo período máximo de 5 meses.
Tal mecanismo, previsto no artigo 15.º-N do NRAU, “consiste num aumento ou dilatação do prazo à disposição do requerido para abandonar o imóvel, ou seja, não se trata de uma oposição à pretensão do requerente de desocupação, uma vez que o arrendatário reconhece e aceita, logo à partida, o facto de ter de desocupar o imóvel, pelo que apenas carece de um maior para o fazer [...], prazo esse que não poderá ser superior a cinco meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão de conceder esse diferimento[...], não se tratando de um meio de defesa ao dispor do arrendatário. O diferimento da desocupação do locado é [...] uma das situações de intervenção judicial em sede de Procedimento Especial de Despejo[...], sendo pois conferido apenas dentro de apertados requisitos, o que fazem deste [...] um meio com menos utilidade do que aquela que à partida poderia ter”[10].
Segundo o n.º 2 do artigo 15.º-N do NRAU, “O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos: a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) Que o arrendatário tem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.”.
O diferimento da desocupação é apreciado e decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, mas a sua concessão pressupõe necessariamente o preenchimento de alguma das circunstâncias expressamente previstas nas alíneas a) e b) do citado normativo, recaindo, naturalmente, sobre o arrendatário/requerente do diferimento o dever de alegação e prova dos pressupostos fundamentadores do respectivo pedido.
Ónus que, no caso, a requerida claramente não satisfez.
Daí que a decisão recorrida haja considerado que “o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para fins de habitação não deverá ser concedido, tendo em conta que não se verifica nenhum dos requisitos exigidos pelo artigo 15º-N do NRAU”, acabando, todavia, a final, .por concluir pela inutilidade superveniente do incidente, face à improcedência da pretensão da requerente.
Procede, assim, o recurso, com a consequente revogação da sentença impugnada.
Revogada a decisão que indeferiu a emissão de título de desocupação do locado com fundamento no facto de o contrato de arrendamento se manter em vigor, produzindo a sua renovação efeitos até 30.06.2023, entendendo-se que a comunicação da oposição à renovação do contrato operou a extinção do contrato a 30.06.2022 e que a requerida/arrendatária não procedeu à entrega do locado na data da cessação do contrato deve, em substituição da decisão revogada, ser proferida decisão que, em deferimento da pretensão da requerente, ordene a emissão de título de desocupação.
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Síntese conclusiva:
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida na parte em que indeferiu “o pedido de emissão de título de desocupação do locado, por julgar improcedente, por não provado, o presente procedimento especial de despejo” e absolveu “a requerida AA do presente, por se manter válido o contrato de arrendamento celebrado, produzindo a sua renovação efeitos até 30.06.2023”, declarando, em consequência, válida a comunicação da requerente à requerida, por carta registada com aviso de recepção de 3 de Dezembro de 2021, de oposição à renovação do contrato de arrendamento tendo por objecto a fração autónoma “D”, correspondente ao 4.º Andar Esquerdo – ..., do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., em ..., Paredes, a qual produziu efeitos de extinção do mencionado contrato a 30.06.2022, devendo, em deferimento da pretensão formulada pela requerente, ser emitido o correspondente título de desocupação do locado.
Custas: as custas do recurso serão suportadas pela recorrente, por tirar proveito da decisão, não havendo lugar à sua condenação em custas de parte ou procuradoria por não ter sido apresentada resposta às suas alegações - artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos]
Porto, 14.09.2023
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida [vencido, conforme voto infra:
Vencido.
Conforme decidi no Acórdão que proferi no processo n.º 944/22.9T8VCD.P1, com data de 15-06-2023, publicado in www.dgsi.pt/jtrp, entendo que "O n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, fixa um prazo imperativo mínimo de três anos de renovação do contrato, pelo que as partes de um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo podem acordar a sua não renovação, mas se acordarem a renovação não podem estipular que esta ocorra por prazo inferior a três anos", interpretação que aplicada ao caso motivaria desfecho distinto do doutamente seguido.»]
Francisca Mota Vieira
_____________________ [1] Acórdão da Relação de Coimbra de 15.02.2011, processo n.º 121/09.4T2ILH.C1, www.dgsi.pt. [2] Cf. Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, Março de 2019, pág. 8. [3] Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, Fevereiro 2020, página 82, https:/ /cije.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf). [4] Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, página 579 [5] Em idêntico sentido, cfr. ainda Isabel Rocha, Paulo Estima, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª Edição, Porto Editora, 2019, página 286. [6] Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, Março 2019. [7] Cfr., no mesmo sentido, José França Pitão e Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano Anotado, 2.ª Edição, Quid Iuris, 2019, página 376), Márcia Passos, Boletim da Ordem dos Advogados, Setembro de 2019, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues, Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, págs. 302 e 303. [8] Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, págs. 656 a 657.) [9] Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt. [10] Edgar Valente, “Procedimento Especial de Despejo [...]”, Coimbra Editora, págs. 75, 76.