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EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
DEVER DE ACATAMENTO DAS DECISÕES
Sumário
I. A sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual e que não seja mais susceptível de recurso ordinário ou de reclamação fica a ter força obrigatória dentro do processo (caso julgado formal), impedindo que o mesmo tribunal, na mesma acção, possa alterar a decisão proferida.
II. Decidido por acórdão proferido em sede de reclamação - apresentada de recurso de apelação não admitido - que o mesmo era admissível (nomeadamente, por ter sido apresentado no prazo legal, já que a decisão recorrida não transitara em julgado antes da sua interposição), não pode mais esta concreta questão ser discutida e apreciada nos mesmos autos.
III. A indiscutível consagração da independência dos magistrados judiciais, no exercício da sua função judicante, é feita com a expressa salvaguarda do seu dever de acatamento das decisões que, em via de recurso, sejam proferidas por Tribunais superiores; e a violação desse dever constitui uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida.
IV. Decidido por acórdão transitado em julgado a revogação de sentença antes apresentada como título executivo, não pode o Tribunal onde corre a execução deixar de a declarar extinta, com este preciso fundamento.
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães; 2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.
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ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada 1.1.1. Em 04 de Março de 2022 AA, residente no Lugar ..., em ..., ..., propôs a presente acção executiva (por apenso à acção de processo comum, que com o n.º 2551/18.... corre termos pelo J..., Comarca de ...), contra R..., Limitada, com sede no Lugar ..., em ..., ..., apresentando como título executivo uma sentença proferida em 13 de Julho de 2021 (nos autos principais), por forma a obter o pagamento coercivo da quantia de € 107.544,68 (sendo € 102.549,27 a título de capital e € 4.995,41 a título de juros de mora vencidos, contados até à data de entrada em juízo do requerimento executivo), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa supletiva legal, contados sobre a quantia de capital, desde 5 de Março de 2022 até integral pagamento. 1.1.2. Processados regularmente os autos de execução, foram realizadas diversas penhoras.
1.1.3. Em 28 de Abril de 2023, foi proferido despacho, declarando extinta a execução, por inexistência de título executivo, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Atento o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05/05/2022, superiormente confirmado e transitado em julgado em 23/01/2023, nos termos do qual foi concedido provimento à apelação, decidindo-se pela revogação do despacho proferido em 17/06/2021 e, consequentemente, pela revogação do despacho e sentença que foram subsequentes, proferidos em 13/07/2021, inexistindo, por consequência, título executivo (sentença), determina-se a extinção da presente execução, ordenando-se o imediato levantamento de todas as penhoras efetuadas, quer no âmbito da presente execução quer daquela que com o n.º 2551/18.... se encontra igualmente apensa e em que exequente e executada são os mesmos. (…)»
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformado com o despacho proferido, o Exequente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindoque fosse provido e se revogasse a decisão recorrida.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):
A - Entende a sentença recorrida que do teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido nos autos principais declarativos, proferido em 05/05/2022, e transitado em julgado em 23/01/2023, revogando o despacho proferido em 17/06/2021 e, consequentemente, pela revogação do despacho e sentença que foram subsequentes, proferidos em 13/07/2021.
B - Assim, revogada a sentença, que é o título executivo da presente execução, inexiste, em consequência título executivo, foi proferida a sentença recorrida, determinando a extinção da presente execução, ordenando o levantamento das penhoras efetuadas.
C - A revogação sobredita do despacho de 17/06/2021 (rejeição e desentranhamento da contestação) é que provoca, em consequência, a revogação da sentença título executivo na presente execução.
D - Colocam-se duas questões:
a) Se o douto Acórdão, proferido no recurso de apelação, supra referido, podia ou pode revogar o referido despacho de 17/06/2021 - rejeição da contestação - transitado em julgado; e
b) Caso se entenda, que o referido douto Acórdão, revogando, o despacho de rejeição da contestação (de 17/06/2021), ordenando a admissão da contestação, proferindo decisão contraditória, com trânsito posterior, ao do despacho de 17/06/2021, quais das decisões devia ser cumprida, pelo tribunal recorrido.
E - O douto despacho, proferido pelo Tribunal recorrido, na ação declarativa, em 17/06/2021, conclui da seguinte forma: “Pelo exposto, uma vez apresentada por quem não tinha poderes, nem podia estar, por si em juízo, ordena-se o desentranhamento da contestação apresentada nos autos.”
F - Objetivamente é rejeitado o articulado da contestação, por tal despacho, sendo o mesmo notificado às partes, com data de 18/06/2021.
G - De tal despacho - rejeição do articulado contestação - cabe recurso autónomo de apelação, em separado, nos termos da al. d), do n.º 2, do Art.º 644º e n.º 2, do Art.º 645, ambos do C.P.C..
H - O prazo da interposição de tal recurso de apelação autónomo, está previsto, na 2ª parte, do n.º 1, do Art.º 638º, sendo de 15 (quinze) dias.
I - O prazo do recurso de tal despacho de 17/06/2021 - rejeição da contestação -, contando a prorrogação prevista, no n.º 5, do Art.º 139º, do C.P.C., findou em 09/07/2021.
J - Tendo tal despacho, por falta da interposição do recurso respetivo, transitado em julgado, nos termos, do Art.º 628º, do C.P.C..
K - Tal despacho, transitado em julgado, só pode ser substituído, modificado ou revogado por qualquer tribunal, incluindo aquele que o proferiu, através do recurso extraordinário de Revisão.
L - Jamais poderia ser revogado, por transitado em julgado, pelo Acórdão proferido, em recurso de apelação, pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, em 05/05/2022, supra referido.
M - Tratando-se de caso julgado formal, do referido despacho, tal tem eficácia e é vinculativo no presente processo, onde foi proferido (Art.º 620º, n.º 1, do C.P.C).
N - Não revogado o despacho referido, mantem-se, em consequência, a sentença, título executivo.
Sem prescindir,
O - Entendendo-se que o tribunal de primeira instância, está obrigado a aceitar a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, cujo Acórdão revoga o despacho de 17/06/2021, transitado em julgado, em 09/07/2021 e, consequentemente, a sentença - título executivo -, decidindo, contraditoriamente, ao sobredito despacho, mandando admitir a contestação e seguir os ulteriores termos processuais, tal Acórdão do Tribunal da Relação, transitou em julgado, apenas, em 23/01/2023.
P - Estamos, assim, perante duas decisões contraditórias (uma a rejeitar a contestação e outra a admiti-la) transitadas em julgado.
Q - O trânsito em julgado decorre da lei e é de conhecimento oficioso.
R - Perante decisões contraditórias, o Tribunal recorrido tinha ao seu dispor a previsão legal, do Art.º 625º, do C.P.C., onde se impõe o dever de cumprir a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar, quer para as decisões de mérito, quer para as decisões sobre questões processuais, conforme o n.º 2, do mesmo artigo – Vide Acórdão do S.T.J., de 07/07/2022, Conselheira Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in www.dgsi.pt.
S - Atendendo à disposição legal do Art.º 625º, do C.P.C. e à jurisprudência mais avalisada, o tribunal recorrido devia ter dado cumprimento ao despacho, que proferiu, nos autos, em 17/06/2021, transitado em julgado, em 09/07/2021, que rejeitou a contestação, mantendo tudo o que decidido foi, posteriormente, incluindo a sentença, título executivo da presente execução.
T - Cumprindo-se tal despacho, quer por não poder ser revogado pelo Acórdão proferido pelo Tribunal Superior, no recurso de apelação, quer, ainda, por a decisão de tal despacho, de 17/06/2021, ser contraditória, com a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/05/2022, por, aquele, ter transitado em julgado em primeiro lugar, as decisões subsequentes a tal despacho terão que subsistir, como supra referido.
U - Continuando a existir título executivo na presente execução, não poderia ser determinada a extinção da instância executiva, com as consequências ordenadas na sentença recorrida.
V - A douta sentença recorrida infringiu, entre outras, as disposições legais dos Arts. 620º, n.º 1; 625º; 628º; 638º, n.º 1; 644º, n.º 2, al. d); 645º, n.º 2 e 647º, n.º 1; todos do C.P.C..
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Exequente(AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:
· Questão Única- Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação do direito, ao desconsiderar na sua decisão (de extinção da acção executiva, por falta do título - sentença - que se executava) o caso julgado formal constituído sobre outra e prévia decisão sua (a desatender a contestação apresentada nos autos principais, permitindo assim a válida prolacção da dita sentença, agora alegadamente invalidada) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Atento o teor dos autos (em toda a sua extensão, principal e apensos), e o disposto nos art.ºs 363.º, n.º 2 e 371.º, n.º 1, do CC, encontram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão da questão enunciada:
1 - Em 18 de Outubro de 2018, AA (aqui Recorrente) propôs uma acção de processo comum contra R..., Limitada (aqui Recorrida) - de que ele próprio era sócio, juntamente com BB - , pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 102.549,27, a título de suprimentos com que a teria beneficiado, acrescida de juros de mora, contados à taxa supletiva legal, desde a citação até integral pagamento (acção essa que corre termos sob o n.º 2551/18...., pelo J..., C..., e que aqui constitui os autos principais).
2 - Em 13 de Julho de 2018, por via postal, foi remetido ofício para citação de R..., Limitada (Lugar ... - ... ... ...); e em 16 de Julho de 2018 foi o respetivo aviso de recepção devolvido, assinado na mesma data por CC, «pessoa a quem foi entregue a Carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário».
3 - Em 18 de Outubro de 2018 foi proferido despacho, considerando que a acção não fora contestada, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) A ré, regularmente citada, não apresentou contestação no prazo de que dispunha para o efeito. Nestes termos e de harmonia com o disposto no art.º 567º, nº 1, do NCPC, julgo confessados os factos articulados pelo autor. Cumpra o disposto no nº 2, do referido art.º 567º, do citado diploma legal. (…)»
4 - AA alegou por escrito, concluindo pela procedência da acção.
5 - Em 26 de Outubro de 2018 R..., Limitada, representada pelo seu sócio BB, juntou uma procuração, datada de 24 de Outubro de 2018, outorgada por ela a favor de advogado, concedendo-lhe poderes para a representar em juízo.
6 - Em 29 de Outubro de 2018, R..., Limitada, por intermédio de advogado que constituíra, contestou a acção, pedindo nomeadamente o reconhecimento da invalidade da respectiva citação, alegando que a carta que lhe foi dirigida «foi entregue a CC, esposa do A. desta ação, tendo sido ela quem assinou o competente aviso de receção».
7 - Em 10 de Dezembro de 2018 (já depois de AA se ter oposto à pretensão de R..., Limitada), foi proferido despacho, decidindo pela nomeação de um curador ad litem à Sociedade, já que o sócio que assinara a procuração (constituindo mandatário judicial a seu favor) estaria em conflito com ela, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Nestes termos, decide-se: - julga-se que a ré não se encontra validamente representada através da procuração constante de fls. 26; e - nomear um representante especial à mesma, com vista a suprir a invocada irregularidade de representação judiciária, nos moldes ora definidos. (…)»
8 - Em 21 de Janeiro de 2019, proferiu-se despacho, reiterando a necessidade de nomeação de um curador ad litema R..., Limitada, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Tendo em consideração o estado do processo de suspensão de destituição de sócio gerente intentada pelo sócio BB contra os aqui autor e ré, o diferendo entre os dois sócios da ré e a matéria ora em causa, afigura-se-nos ser patente a existência de conflito de interesses entre os aludidos sócios e a ré (cfr. art.º 25º, do NCPC). Deste modo, e não obstante a suspensão provisória do autor do cargo de gerente, subsiste a necessidade nomear um curador especial da ré. (…)»
9 - Em 01 de Fevereiro de 2019, o Tribunal procedeu à nomeação de um curador ad litemaR..., Limitada (tendo por fundamento a existência de um conflito de interesses entre os seus sócios e ela própria).
10 - Em 20 de Novembro de 2019, veio o Curador ad litemnomeado, e notificado para o efeito, declarar que não ratificava os actos praticados pelo sócio BB em nome de R..., Limitada (nomeadamente, a outorga de procuração forense).
11 - Em 22 de Novembro de 2019, foi proferido despacho, considerando sem efeito todos os actos praticados por advogado constituído em nome de R..., Limitada, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Uma vez que o curador especial da Ré manifestou não ratificar os atos anteriormente praticados em nome daquela nos presentes autos, designadamente a outorga da procuração junta aos autos e subsequentes atos praticados pela então mandatária, fica sem efeito todo o processado posterior ao momento da apresentação daquele instrumento – cfr. art.º 27.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil. Notifique.
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Aproveitando-se, entretanto, o processado anterior, designadamente o despacho que nos termos e de harmonia com o disposto no art.º 567º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, julgou confessados os factos articulados pelo Autor, bem como as alegações por este entretanto juntas, passa-se a proferir a subsequente decisão. (…)»
12 - Em 22 de Novembro de 2019, foi proferida sentença, que, na ausência de contestação válida e eficaz, julgou a acção totalmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Na ausência de contestação por parte do Réu, resultam provados todos os factos alegados na petição inicial e, em conformidade, aderindo aos fundamentos ali alegados, a presente ação deve proceder.
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4. DECISÃO Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente procedente e, em consequência, decide condenar da Ré R..., Ld.ª no pagamento ao Autor AA do montante de € 102.549,27, correspondente aos suprimentos, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral e efectivo pagamento. (…)»
13 - Em 06 de Janeiro de 2020 R..., Limitada interpôs recurso de apelação (que não foi contra-alegado), juntando procuração a favor do advogado DD, emitida em sua representação pelo Curador ad litem, arguindo nomeadamente a falta da respectiva citação.
14 - Em 18 de Junho de 2020 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, reconhecendo a falta de citação de R..., Limitada e anulando todo o processado subsequente à petição inicial, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Decisão Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso e, consequentemente, por falta de citação da recorrente conforme supramencionado, revogam a sentença e anulam tudo o que se processou depois da nomeação do curador incompatível com essa nulidade, devendo, com essa citação, o processo continuar os seus termos. (…)»
15 - Em 04 de Setembro de 2020 AA interpôs recurso de revista (que não foi contra-alegado), defendendo nomeadamente a ofensa, pelo acórdão recorrido do alegado caso julgado formado sobre o despacho de 18 de Outubro de 2018 (que considerara a acção não contestada), lendo-se nas suas alegações de recurso: «(…)
I. Caso julgado quanto à validade e regularidade da citação da Ré/recorrida. Consta dos autos e do relatório do douto Acórdão recorrido que, após o decurso do prazo perentório, de deduzir a contestação, foi proferido, nos autos, douto despacho, em 18/10/2018, com a seguinte decisão: “A ré, regularmente citada, não apresentou contestação no prazo de que dispunha para o efeito. Nestes termos e de harmonia com o disposto no art.º 567º, n.º 1, do NCPC, julgo confessados os factos articulados pelo autor. Cumpra o disposto no n.º 2, do referido art.º 567º, do citado diploma legal.” Deste despacho, precedente à sentença apelada, não houve qualquer recurso, nos termos da al. h), do n.º 2, do Art.º 644º, do C.P.C., sendo que, o recurso de apelação da sentença é extemporâneo, quanto ao referido despacho, não podendo ter qualquer efeito sobre este. Após tal despacho, surge uma “trapalhada” processual com um misto de contestação e incidente processual da instância, com a intervenção do sócio gerente da Ré, BB. Além de tal intervenção ser extemporânea e anómala, pois que, para tais situações, há procedimentos próprios, como sejam, o recurso. O Tribunal de primeira instância, não prevendo qual o objetivo, tendo em conta a falta de representação da Ré, ainda, nomeia um curador para, em nome dela, ratificar ou não, os atos praticados, pelo sócio gerente BB, com mandatário forense constituído, como gestor de negócios da Ré. Com toda a objetividade, o curador não ratificou tais atos, indo mais longe, não ratificando o ato de constituição de mandatário, a favor da Ré, outorgado pelo sócio gerente BB. Contudo, mesmo que fossem ratificados, tais atos, os mesmos eram extemporâneos e anómalos, salvaguardando-se, apenas, o mandato. Porém, nada foi ratificado. Temos, pois, verificado o caso julgado do douto despacho proferido, nos autos, em 18/10/2018, quanto à regularidade da citação e à confissão dos factos, alegados pelo Autor/recorrente, pela Ré/recorrida (…)»
16 - Em 23 de Março de 2021 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, não admitindo a revista, por considerar não verificada qualquer ofensa de caso julgado, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) A definição de caso julgado formal resulta da disposição do n.º 1 do artigo 620º do CPC onde se determina que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. O caso julgado, seja formal ou material, pressupõe o pronunciamento jurisdicional sobre uma determinada questão suscitada pelas partes ou decorrente dos poderes oficiosos do tribunal. A decisão jurisdicional conformadora de caso julgado tem necessariamente um objecto (a factualidade submetida à apreciação jurisdicional) e um conteúdo (o sentido da valoração judicial). Ora, o despacho em causa, supostamente constitutivo de caso julgado formal, é do seguinte teor: “A ré, regularmente citada, não apresentou contestação, no prazo de que dispunha para o efeito. Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 567º, n.º 1, do NCPC, julgo confessados os factos articulados pelo autor. Cumpra o disposto no n.º 2 do referido art. 567º do citado diploma legal”. Tal despacho, na parte em que refere a regularidade da citação da ré, é nitidamente tabelar ou genérico, na medida em que não se pronuncia em concreto sobre a validade ou invalidade do acto de citação da demandada. Contém apenas mera declaração sobre a aparente regularidade da citação, sem a apreciar directamente. Ou seja, o tribunal da 1ª instância não emitiu qualquer pronúncia, qualquer valoração jurídica sobre o acto da citação da ré e, por esse motivo, esse despacho não é susceptível de constituir caso julgado formal. Por outro lado, no que concerne ao segmento do despacho que julga confessados os factos articulados pelo autor (cfr. parte final da conclusão A.), tem de convir-se que ele se encontra numa relação de prejudicialidade com a ajuizada falta de citação da ré. Se falta a citação, não podem operar os efeitos da revelia previstos no artigo 567º, n.º 1, do CPC. (…) Consequentemente, não se prefigurando uma situação de ofensa de caso julgado, não se conhece do objecto do recurso, dada a inadmissibilidade da revista. (…)» 17 - Em 27 de Abril de 2021, R..., Limitada foi citada na pessoa do Curador ad litem nomeado.
18 - Em 27 de Maio de 2021 R..., Limitada - representada pelo mandatário judicial que tinha sido constituído pelo sócio BB e depois pelo Curador ad litem - contestou os autos, defendendo nomeadamente que «deverá o Srº Curador especial cessar as suas funções como represente da Ré, por manifesta desnecessidade de representação desta» (face à suspensão provisória do sócio AA do cargo de gerente respectivo, entretanto judicialmente decretada).
AAopôs a esta pretensão, e pediu o desentranhamento da contestação entretanto apresentada.
19 - Em 17 de Junho de 2021 foi proferido despacho, ordenando o desentranhamento da contestação de R..., Limitada e declarando confessados os factos articulados por AA, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Nos presentes autos, por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, foi declarado nulo tudo o que se processou depois da nomeação do curador à Ré, a qual fora determinada por despacho de 01/02/2019, tendo por fundamento a existência de conflito de interesses entre os sócios e a ré, o que se não alterou até ao momento. No seguimento do referido Acórdão, o Tribunal procedeu à citação do curador, em 26/04/2021, para em representação da Ré, contestar a presente ação, citação aquela que se efetivou-se em 27/04/2021. Ora, o Curador, devidamente citado para contestar a presente ação, não o fez, nem nada veio alegar. Entretanto, foi junta aos autos, contestação subscrita pelo Ilustre Advogado DD, enquanto como mandatário da Ré, fazendo apelo à previsão do n.º 3, do Art.º 25º, do Cód. Proc. Civil, designadamente alegando que na ação intentada pelo sócio gerente BB, sob o n.º 486/18...., em que pede a destituição do A. como gerente da Ré, este foi provisoriamente suspenso das funções de gerente da Ré, sendo em primeira instância a ação julgada totalmente procedente, sendo o A. destituído do cargo de gerente da Ré; adiantando ainda que foram interpostos recursos pelo Autor, tendo sido confirmado integralmente o decidido em 1ª instância. Sucede que, analisados os termos da certidão entretanto junta aos autos e referente ao supra id. processo, constata-se que sobre o fundo da questão do pedido ali formulado ainda não foi proferido Acórdão. Assim sendo, não se mostram verificados quaisquer pressupostos que justifiquem a pretendida cessação da intervenção do Curador ad litem entretanto nomeado, como representante da Ré nestes autos, mantendo-se a necessidade de tal representação, pelo que a contestação apresentada não pode ser considerada como sendo da Ré, pois que o curador que a deverá representar em juízo não mandatou enquanto tal o Ilustre Advogado que a apresentou e assinou, aliás o que claramente resulta do próprio articulado, em que se pede a cessação de funções do curador (!).--- Recorde-se, aliás, que a procuração apresentada nos autos, por requerimento de 26/10/2018, fora outorgada pelo sócio gerente BB, em 24/10/2018; e que, por despacho transitado em julgado, proferido nos autos, em 10/12/2018 (antes da nomeação do Curador ad litem) foi julgado que a Ré não se encontrava validamente representada, através de tal procuração; entretanto, por requerimento, de 14/12/2018, foi junta aos presentes autos, procuração pessoal e individual do sócio gerente BB, outorgada, em 15/11/2018, mas não outorgada pela Ré. Pelo exposto, uma vez apresentada por quem não tinha poderes, nem podia estar, por si em juízo, ordena-se o desentranhamento da contestação apresentada nos autos. D.n..
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Regularmente citada, na pessoa do curador ad litem nomeado nos autos, a Ré não apresentou contestação, o que importa se tenham por confessados os factos articulados pelo Autor – cfr. art.º 567.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, Notifique, nos termos do disposto no nº 2 do citado normativo. (…)»
20 - Em 18 de Junho de 2021, R..., Limitada veio pedir a rectificação/reforma do despacho proferido em 17 de Junho de 2021, nomeadamente porque o Tribunal não teria atentado que o mandatário judicial subscritor da contestação mandada desentranhar fora igualmente constituído pelo Curador ad litem (e não apenas, e previamente, pelo seu sócio BB).
AA opôs-se a esta pretensão. 21 - Em 13 de Julho de 2021 foi proferido despacho, desatendendo a pretensão deR..., Limitada, por o Tribunal ter entendido ser intempestiva a arguição de nulidade feita, devendo a decisão em causa ser impugnada apenas com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) In casu, a Requerente fundamenta o seu pedido de rectificação/reforma do despacho em crise em vício/erro de fundamentação, o que, consubstanciará uma nulidade de acordo com a previsão do art.º 615.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Civil, e não, como é pretendido um qualquer mero lapso manifesto, considerando a concreta fundamentação do despacho. Ora, segundo o prevê o mesmo dispositivo no respectivo n.º 4, tal nulidade só poderá ser arguida perante o tribunal que proferiu a decisão/despacho se este não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades. Sucede, pois, que a decisão em crise nestes proferida admite recurso ordinário - ainda que a interpor juntamente com o recurso da decisão final, pelo que será no âmbito daquele que tal nulidade poderá e deverá ser arguida. Pelo exposto, vai indeferida a respetiva pretensão. Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal. (…)» 22 - Em 13 de Julho de 2021 foi proferida sentença, julgando a acção (tida por não contestada) totalmente procedente.
23 - Em 08 de Setembro de 2021 R..., Limitada interpôs recurso de apelação da sentença proferida, onde nomeadamente impugnou o despacho proferido em 17 de Junho de 2021 (que ordenara o desentranhamento da contestação apresentada em seu nome), defendendo ser o mesmo nulo, bem como todo o processado após a sua prolação.
24 - AA opôs-se à admissibilidade do recurso (defendendo que o despacho que ordenara o desentranhamento da contestação transitara em julgado) e pugnou ainda pela sua improcedência (sem, porém, ampliar o seu objecto, ou interpor recurso subordinado), lendo-se nomeadamente nas suas contra-alegações: «(…) 1.1. - O despacho com a referência ...13, profere decisão de rejeição da contestação, ordenando o desentranhamento dos autos, da mesma. Tal despacho foi proferido, nos autos, em 17/06/2021 e notificado às partes com data de 18/06/2021. O recurso de apelação foi interposto, em 08/09/2021. Nos termos, do al. d), do n.º 2, do Art.º 644º, do C.P.C. dispõe: “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: (…) d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado (…)" Porém, relativamente ao prazo, da interposição do referido recurso, dispõe a 2ª parte, do n.º 1, do Art.º 638º, do C.P.C., o seguinte: “O prazo para interposição do recurso é de 30 dias (…), reduzindo-se para 15 dias (…) nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644º (…)”. Assim, o prazo para recorrer do despacho, com a referência ...13, contando a prorrogação, prevista, no n.º 5, do Art.º 139º, do C.P.C., findou em 09/07/2021. Tal despacho transitou em julgado, devendo ser considerado, o recurso interposto, do mesmo, extemporâneo e, assim inadmissível. (…)»
25 - Em 14 de Outubro de 2021, foi proferido despacho, não admitindo o recurso de apelação de R..., Limitada, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Nos presentes autos, por despacho proferido aos 21/01/2019, foi decidido nomear curador especial à Ré, in casu EE, ao abrigo do disposto no art.º 25º, n.º 2, do C.P.C. De tal decisão e nomeação não houve qualquer oposição/recurso. Ora, a partir de tal nomeação, quem tem capacidade judiciária para estar em juízo em representação da Ré, R..., Lda. é o Curador “ad litem”. Entretanto, foi junta aos autos procuração, por requerimento de 26/10/2018, que fora outorgada pelo sócio gerente BB, em 24/10/2018; e que, por despacho transitado em julgado, proferido nos autos, em 10/12/2018 (antes da nomeação do Curador ad litem) foi julgado que a Ré não se encontrava validamente representada, através de tal procuração; entretanto, por requerimento, de 14/12/2018, foi junta aos presentes autos, procuração pessoal e individual do sócio gerente BB, em 15/11/2018, mas não outorgada pela Ré. Por despacho datado de 17/06/2021, entendendo-se que a contestação entretanto apresentada o foi por quem não tinha poderes, nem podia estar, por si em juízo, foi determinado o respectivo desentranhamento. Na mesma senda, é agora interposto recurso da decisão final proferida aos 13/07/2021.--- Pelo exposto, conclui-se que o recurso foi interposto por quem não tem poderes, nem pode estar, por si, em juízo, pelo que vai o mesmo rejeitado para os devidos efeitos. (…)»
26 - Em 26 de Outubro de 2021 R..., Limitada reclamou da não admissão do recurso de apelação que interpusera, reiterando ter sido interposto por mandatário judicial constituído pelo Curador ad litem, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Incompreensivelmente, todavia, o Tribunal a quo, omite qualquer referência à procuração outorgada pela Sr. Curador ad litem em 06/01/2020 e junta aos autos com o requerimento datado de 06/01/2020 (Refª ...90), através da qual são (validamente) conferidos poderes forenses ao Advogado signatário quer da contestação, quer da apelação. (…)» 27 - Em 14 de Dezembro de 2021, foi proferida decisão singular pelo Tribunal da Relação de Guimarães, julgando procedente a reclamação e admitindo o recurso interposto por R..., Limitada, nomeadamente por ter sido subscrito por mandatário judicial constituído pelo Curador ad litem e por o despacho proferido em 17 de Junho de 2021 não ter transitado em julgado (já que, não admitindo apelação autónoma, só poderia ser impugnado com o recurso a interpor da decisão final), lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Quem se apresenta a recorrer é a R. R..., LDª. A representação da R. em juízo cabe ao representante especial “ad litem”, Drº EE, assim nomeado pelo Tribunal. Nesse sentido, o mesmo juntou aos autos procuração - nessa qualidade - a favor do ilustre mandatário subscritor do requerimento de interposição do recurso. Essa mesma procuração foi aceite para admissão e apreciação do recurso interposto em 6/1/2020 em nome da R. (até ao STJ). De facto, conforme inclusive consta do acórdão desta Relação então proferido (em 18/6/2020) “…a nomeação do curador acarretava que só ele poderia representar a recorrente e através desta poderia requerer o que houvesse por conveniente mediante a constituição obrigatória de advogado, conforme dispõem os artºs 40º e 41º do CPC, atento ao valor oferecido à lide na petição inicial (102.549,27€, valor esse que veio a ser fixado à causa na sentença).” De facto, sendo o patrocínio obrigatório e não sendo o curador advogado, teria de outorgar procuração para efeitos de representação da R.. Quem recorre é a R. - a parte, que não deixa de o ser por via da incapacidade judiciária, não há qualquer substituição processual -, devidamente representada em juízo pelo curador “ad litem”, através da junção da competente procuração, nessa qualidade, a favor do ilustre mandatário que elabora a peça. A incapacidade judiciária está por isso coberta pela atuação do curador. O facto da procuração se encontrar junta aos autos antes do acórdão proferido ter determinado a nulidade do processado “depois da nomeação do curador incompatível com essa nulidade, devendo, com essa citação, o processo continuar os seus termos”, salvaguarda precisamente a “validade” da junção da procuração. Entendemos portanto que estando a R. devidamente representada, nada obsta à admissão do recurso por esse prisma.
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Cabe no entanto verificar se outra(s) circunstância(s) obsta(m) à sua admissão. Invocou o recorrido a intempestividade do recurso do despacho proferido em 17/6/2021 que decidiu no sentido que “uma vez apresentada por quem não tinha poderes, nem podia estar, por si em juízo, ordena-se o desentranhamento da contestação apresentada nos autos.” Diz o recorrido que, tratando-se de um despacho que manda desentranhar um articulado, enquadra-se numa apelação autónoma cujo prazo do recurso, não respeitado, era de 15 dias, conforme resulta do disposto no artº. 644º, nº. 2, d), e 638º, nº. 1, do C.P.C.. A questão que se coloca é de facto se estamos perante um despacho suscetível de apelação autónoma, face à norma citada, sendo a questão do prazo dependente dessa. O Ac. desta Relação de 25/5/2016 (processo nº. 15/14.1TBMG-B.G1, relator António Santos, in www.dgsi.pt) delimitou este normativo, sumariando do seguinte modo: “1.- Para efeitos de subsunção na alínea , do nº 2, do artº 644º, do CPC, ou seja, para que concreta decisão seja passível de apelação autónoma, importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que, apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é , o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade;”. “Prima facie” resultaria desde logo que a resposta à questão colocada é afirmativa. De facto, numa visão literal e direta, o despacho termina determinando o desentranhamento da contestação. Todavia, o mesmo despacho analisa a questão prévia de que aquela é consequência e que se reporta, uma vez mais, à incapacidade judiciária da R. e irregularidade da representação. Apreciou em primeiro lugar que “o Curador, devidamente citado para contestar a presente ação, não o fez, nem nada veio alegar.”; e depois que “não se mostram verificados quaisquer pressupostos que justifiquem a pretendida cessação da intervenção do Curador ad litem entretanto nomeado, como representante da Ré nestes autos, mantendo-se a necessidade de tal representação, pelo que a contestação apresentada não pode ser considerada como sendo da Ré, pois que o curador que a deverá representar em juízo não mandatou enquanto tal o Ilustre Advogado que a apresentou e assinou, aliás o que claramente resulta do próprio articulado, em que se pede a cessação de funções do curador (!).” E nesses pressupostos não admitiu a contestação. O articulado de contestação é mandado desentranhar quando é apresentado fora de prazo, quando não se mostra junto com o mesmo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou benefício de apoio judiciário (decorridos os prévios trâmites legais). Já no caso de falta de patrocínio obrigatório (e não cumprida a falta após convite para o efeito), implica que a defesa seja dada sem efeito (ou a absolvição da instância se disser respeito ao A.) – cfr. “código de Processo Civil Anotado” dos autores citados, pag. 74 À contestação aplicam-se as regras previstas no artº. 558º do C.P.C. (mesma obra, pag. 622), pelo que nos casos de violação dos requisitos aí previstos, e uma vez que a peça entra já para o processo (ao contrário da p.i. que ainda é objeto de distribuição, pelo que primeiro passa pelo “crivo” da secretaria), nesses casos deve ter lugar o seu desentranhamento, feitas as devidas adaptações. Os casos de desentranhamento colocam-se por isso num patamar de controle formal. Já assim não é quando está em causa a verificação do cumprimento do artº. 572º do C.P.C., que define os elementos da contestação, na medida em que, com exceção do primeiro (em que, faltando a identificação da ação, pode nem sequer chegar a ser junta ao respetivo processo), trata-se de ónus processuais cujas consequências para o desrespeito são também processuais. Igualmente no caso de não ser apresentada oposição, não ser constituído mandatário pelo R., nem este tiver qualquer intervenção no processo; ou ainda se não contestar devendo considerar-se regularmente citado ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, estamos perante situações de revelia, com o consequente cominatório processual. A situação dos autos assemelha-se a esta, uma vez que o Tribunal “a quo” entendeu que a contestação apresentada não podia ser imputada à R. e por isso considerou que a mesma se constituiu em situação de revelia. Não sem antes apreciar a questão prévia nela suscitada. E nessa senda, além disso, e na ótica do Tribunal, a contestação não pode ser imputada à R. na medida em que entendeu manter-se a necessidade de representação por curador especial. Tudo visto e conjugado, o Tribunal apreciou uma questão que, não sendo um pedido da ação, é uma questão que também não é meramente formal e relativo à peça processual, naquele sentido que lhe demos; incide antes sobre a relação processual, e nessa medida é mais do que um despacho de desentranhamento de articulado (independentemente desse ser ou não a consequência correta, o que já tem que ver com o mérito do recurso). Pelo exposto, não se tratando de um despacho que devia ser objeto de apelação autónoma, ele será recorrível com o recurso da sentença, como foi. Improcede por isso igualmente a visão do recorrido quanto á intempestividade do recurso interposto no que concerne ao despacho em causa, já que só se aplicava o prazo de 15 dias á apelação autónoma (que não é o caso). (…)» 28 - Em 12 de Janeiro de 2022 AA veio reclamar para a Conferência, pedindo que sobre a reclamação apresentada por R..., Limitada (relativa à não admissão do recurso de apelação que interpusera) fosse proferido acórdão, lendo-se nomeadamente nas suas alegações: «(…) 10. Quanto ao despacho de desentranhamento da contestação, com a rejeição, da mesma, atendendo ao supra alegado, que se dá aqui por reproduzido, e, atendendo à questão prévia, inserida quando da contestação, bastava para o desentranhamento, da mesma, atendendo que, o tribunal da primeira instância, não se pronunciou sobre o fundo das questões alegadas na contestação. Ao ter em conta a questão prévia, de forma alguma avançou para o alegado na contestação, a questão que abordou é prévia, à matéria da contestação. 11. Pelo já dito, não se pode conformar com o que, sobre esta questão é abordado quanto ao despacho de rejeição da contestação. 12. Tal despacho transitou em julgado, estando-se perante caso julgado, pela não interposição do recurso devido, estando vedado o pronunciamento, sobre tal questão, na decisão singular proferida. 13. É evidente o controle formal, quanto à capacidade judiciária, ao patrocínio obrigatório e à revelia, o que se impõe quanto à contestação, contrariamente ao que é afirmado na decisão singular. 14. Tendo de se considerar que, sobre o despacho da rejeição e desentranhamento da contestação, cabia apenas o recurso autónomo, da al. d), do n.º 2, do Art.º 644º, do C.P.C., o que não foi acionado, transitando, assim, tal despacho, em julgado, estamos perante caso julgado, do despacho da rejeição da contestação. (…)»
29 - Em 17 de Fevereiro de 2022, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, julgando procedente a reclamação e admitindo o recurso interposto por R..., Limitada, nos mesmos exactos termos da decisão singular proferida antes (nomeadamente, por ter sido subscrito por mandatário judicial constituído pelo Curador ad litem e por o despacho proferido em 17 de Junho de 2021 não ter transitado em julgado, já que não admitia apelação autónoma, isto é, só podia ser impugnado com o recurso a interpor da decisão final). 30 - Em 04 de Março de 2022, AA propôs uma acção executiva (por apenso à acção de processo comum, que com o n.º 2551/18.... corre termos pelo J..., Comarca de ...), contra R..., Limitada, apresentando como título executivo a sentença proferida em 13 de Julho de 2021, por forma a obter o pagamento coercivo da quantia de € 107.544,68 (sendo € 102.549,27 a título de capital e € 4.995,41 a título de juros de mora vencidos, contados até à data de entrada em juízo do requerimento executivo), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa supletiva legal, contados sobre a quantia de capital, desde 5 de Março de 2022 até integral pagamento.
31 - Em 05 de Maio de 2022, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, julgando procedente o recurso de apelação de R..., Limitada e, em consequência, revogando o despacho proferido em 17 de Junho de 2021 (que ordenara o desentranhamento da sua contestação) - bem como todas as decisões subsequentes -, e determinando que a contestação apresentada fosse admitida, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Estabelecendo uma ordem lógica de apreciação das questões suscitadas, temos de começar por apreciar a correção do despacho proferido em 17/6/2021, uma vez que a sua manutenção ou revogação é que dita quer a necessidade de apreciação do despacho seguinte, quer a necessidade de apreciação do mérito da sentença proferida. Já se mostra decidido, face ao nosso anterior acórdão, que o que está em causa apreciar no despacho de 17/6 e por isso também neste recurso que sobre o mesmo incide, é saber se a R. se constituiu em situação de revelia por não lhe poder ser imputada a contestação apresentada nos autos, o que nos remete para a análise da procuração junta em 6/1/2020. A questão prévia apreciada no despacho relativa à desnecessidade de intervenção do curador não é objeto do recurso, pelo que mostra-se assente. Vejamos então os factos que importam a essa apreciação.
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III MATÉRIA A CONSIDERAR
Os fundamentos fácticos a atentar são os que já resultam “supra”, tudo conforme consulta eletrónica dos autos principais.
Reitera-se: - em 6/1/2020 foi interposto recurso nos autos e junta a procuração infra destacada, o qual foi admitido por despacho de 8/4, nestes termos: “R..., Ld.ª, não se conformando com a decisão final proferida nos autos, veio interpor recurso.
Assim, porque versa sobre decisão recorrível, foi instaurado por pessoa dotada de legitimidade, para tal devidamente representada, e apresentado tempestivamente, admite-se o recurso interposto, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo [art.ºs 627.º, n.ºs 1 e 2, 629.º, nº 1, 631.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.ºs 1 e 5, 639.º, n.ºs 1 e 2, 641.º, n.ºs 1 e 5, todos do Cód. Proc. Civil].”; - a R. foi citada em 27/4/2021 (referência ...19) na pessoa do curador que lhe foi nomeado para que fosse chamada ao processo para apresentar defesa/contestação ao pedido formulado nos autos; - em 27/5/2021 (referência ...27) é junta ao autos articulado de contestação, subscrito pelo Exmº. Dr. DD; a peça finda com a seguinte menção. “DD. Advogado. Céd. Nº .... Telefone: ... * Fax: .... Email: ... Praça ... ... .... C/P outorgada pelo Srº Curador ad litem C/P outorgada pelo sócio gerente da Ré.”
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IV O MÉRITO DO RECURSO.
(…) Face à leitura da peça e dos acontecimentos que antecedem a sua junção, cremos que não assiste razão ao Tribunal. De facto, em primeiro lugar não se atendeu à procuração junta em 6/01/2020 e que não foi afetada pela declaração de nulidade do processado declarada pelo Acórdão de 18/6/2020. A procuração é passada pelo curador nomeado à R., a qual é mencionada na contestação. Logo, a contestação, a nosso ver, é apresentada pelo curador em nome da R.. Por um lado, o facto de ter sido suscitado como questão prévia o facto de se ter tornado desnecessária a representação, face ao nº. 3 do artº. 25º do C.P.C., isso não é independente de despacho nesse sentido a proferir pelo juiz da causa em que foi nomeado o curador, sob pena de cair na incerteza de quem representaria a R.. No caso o despacho foi de indeferimento, o que significa que foi negada a cessação da representação por curador. Assim, mantém-se a contestação apresentada pelo mesmo nessa qualidade. Por outro lado, o facto de na contestação também se fazer referência à procuração junta pelo sócio gerente BB não altera aquele entendimento. Sendo o mesmo mandatário a representar o curador (- já vimos que não sendo o nomeado mandatário, podia e tinha de se fazer representar por advogado em juízo, por si constituído na qualidade de curador) e a representar o sócio gerente BB, nada impedia que este se apresentasse desde logo também como contestante para o caso de ser deferido o pedido de cessação de funções do curador. Tendo sido desconsiderada a intervenção do curador nessa qualidade, o despacho proferido que considerou que a R. não se apresentou a contestar não pode manter-se. Neste sentido, porque idênticos, cremos ser de reproduzir aqui os nossos argumentos usados para a admissão do recurso interposto, devidamente adaptada a situação à apresentação da contestação. (…) Não está em causa uma nulidade processual ou erro suscetível de retificação (nomeadamente que o Tribunal recorrido pudesse sanar em despacho subsequente), mas antes um erro de julgamento. Não se coloca a alegada omissão de cumprimento do artº. 48º do C.P.C. pois que a nosso ver a procuração não sofre de qualquer vício. O despacho deve por isso ser revogado e substituído por outro que admita a contestação apresentada pela R. e determine o prosseguimento subsequente dos autos, implicando por isso a revogação dos despachos que lhe sucederam, incluindo a sentença proferida já que esta implicou a consideração da falta de contestação e consequente confissão dos factos alegados pelo A., conforme despacho que antecedeu a sentença, sendo proferida a mesma após prévio cumprimento do disposto no nº. 2, 1ª parte do artº. 567º do C.P.C. (cfr. o nº. 1). Ficam por isso prejudicados os demais argumentos relativos ao despacho e sentença proferidos em 17/3 (cfr. artº. 608º, nº. 2, ex vi artº. 663º, nº. 2, ambos do C.P.C.). Tendo o A./apelado decaído no recurso, as custas do recurso são a seu cargo.
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V DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, conceder provimento à apelação, revogando o despacho proferido em 17/6/2021 - referência ...13 - e consequentemente revogar o despacho e sentença que foram subsequentes, proferidos em 13/7/2021 - referência ...11 - determinando que se admita a contestação apresentada pela R. e se sigam os ulteriores trâmites processuais. Custas do recurso pelo recorrido - artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.. (…)» 32 - Em 08 de Junho de 2022, AA interpôs recurso de revista do acórdão de 05 de Maio de 2022, arguindo nomeadamente a sua nulidade, por omissão de pronúncia, lendo-se a propósito nas suas alegações de recurso: «(…) O ponto essencial da questão recorrenda diz respeito à situação de caso julgado do despacho que rejeitou a contestação, bem como do despacho de rejeição do recurso de apelação interposto conforme disposições dos Art. os 580º, 621º e 628º, do Código de Processo Civil.
I. Do despacho de rejeição da contestação.
É sobre este despacho que o douto Acórdão recorrido se pronuncia. Vejamos: 1º - Nas contra-alegações da apelação, foi, pelo ora recorrente alegada a questão da extemporaneidade do recurso sobre tal despacho. Ora, o douto Acórdão recorrido, não se pronuncia sobre tal questão, a qual é, no entender do recorrente, muito importante. Pois, ao não se pronunciar sobre tal questão, não atende a situação de trânsito em julgado, do mesmo, e, assim, jamais se poderia pronunciar sobre, o mesmo, devido a que o mesmo tinha força de caso julgado, mesmo que formal. Daí, não poderia o Tribunal recorrido, revogar tal despacho substituindo-o por outro que admita a contestação. Assim, o Tribunal recorrido ao não se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, estamos perante a nulidade do Acórdão, prevista na al. d), do n.º 1, do Art.º 615º, “ex vi” do Art.º 666º, ambos do C.P.C.. 2º - Do caso julgado do despacho de rejeição da contestação. a) Da extemporaneidade e inadmissibilidade da apelação do despacho. O despacho que profere decisão de rejeição da contestação, ordenando o desentranhamento, dos autos, da contestação, foi proferido, em 17/06/2021, e notificado às partes com data de 18/06/2021, considerando-se notificada, em 21/06/2021. O recurso de apelação, sobre que recaiu o douto Acórdão recorrido, foi interposto, em 08/09/2021. Ou seja, 32 (trinta e dois) dias após a notificação. Nos termos, da al. d), do n.º 2, do Art.º 644º, do C.P.C.: “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: (…) d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado (…)”. Porém, relativamente ao prazo da interposição do referido recurso, dispõe a 2ª parte, do n.º 1, do Art.º 638º, do C.P.C., o seguinte: «O prazo para interposição do recurso é de 30 dias (…), reduzindo-se para 15 dias (…) nos casos previstos no n.º 2, do Artigo 644º (…)”. Assim, o prazo para recorrer do despacho da rejeição da contestação, contando a prorrogação prevista, no n.º 5, do Art.º 139º, do C.P.C., findou em 09/07/2021. Tal despacho, revogado e substituído por outro, pelo Acórdão recorrido, tinha transitado em julgado, devendo ser considerado, o recurso de apelação interposto, do mesmo, extemporâneo e, assim, inadmissível. Estando, por isso, o Acórdão recorrido além de ferido de nulidade, ser ofensivo do caso julgado. E por, ainda, não transitado em julgado, deve o douto Acórdão ser revogado, mantendo-se o despacho que determinou a rejeição da contestação, por transitado em julgado. (…)» 33 - Em 30 de Junho de 2022, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, julgando improcedente a arguição de nulidade feita por AA (no recurso de revista por si interposto), lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) O recorrido reporta-se à falta de apreciação de uma questão que foi apreciada previamente, em sede de decisão sumária depois submetida á conferência e mantida por acórdão de 17/02/2022: a extemporaneidade do recurso relativo ao despacho que não admitiu a contestação. (…) Note-se que o recorrido já havia invocado esta alegada falta de apreciação da questão quando reclamou para a conferência. Fá-lo novamente nesta sede, sendo que efetivamente a questão não foi apreciada no acórdão de que se reclama porque já havia sido apreciada no que o antecedeu e transitou. Pelo que nem tinha nem podia ser reapreciada. Em suma, não ocorre, a nosso ver, a nulidade do acórdão em apreço, pelo que improcede a sua arguição.
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V DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a arguição de nulidade suscitada pelo recorrido AA, e atinente ao acórdão proferido nos presentes autos. (…)» 34 - Em 05 de Dezembro de 2022, foi proferida decisão singular pelo Supremo Tribunal de Justiça, julgando inadmissível o recurso de revista, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…) Analisando a admissibilidade do presente recurso de revista, importa deixar referido que ele comporta como únicas questões de conhecimento: - a referente à arguição da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia; - a referente à revogação do despacho que rejeitou a contestação apresentada e determinou o prosseguimento dos autos. (…) Na apreciação desta questão [primeira enunciada] na perspetiva da admissibilidade da revista cumpre lembrar que foi a ré e não o recorrente quem interpôs recurso de apelação e, também, que o autor/ora recorrente, na sua resposta às alegações na apelação, sem interpor recurso subordinado ou ampliar o interposto pelo réu, limitou-se a protestar que devia ser “considerado o recurso referente aos despachos precedentes à sentença, totalmente extemporâneos, sendo, tais despachos, considerados com trânsito em julgado, com todas as consequências legais, incluindo a inadmissibilidade de tal recurso, por infringirem os dispositivos legais, relativamente ao prazo de recorribilidade”. (sublinhado da nossa responsabilidade) Resulta como inequívoco que o autor, ali recorrido e ora recorrente, pretendia a inadmissibilidade da apelação interposta pela ré uma vez que se esta era extemporânea, como ele mesmo propunha, o recurso deveria ser (ter sido) rejeitado. Neste âmbito e sequência verificamos que a 1ª instância não admitiu o recurso de apelação interposto pela ré e tendo esta reclamado nos termos do disposto no art. 643 do CPC, o relator na Relação julgou procedente a reclamação e admitiu o recurso, o que veio a ser confirmado por acórdão em Conferência, tendo assim transitado em julgado a decisão que admitiu o recurso que veio a ser decidido, constituindo essa decisão, para esta revista, a decisão recorrida. Daqui devem extrair-se, então, duas conclusões: - o recurso de apelação foi definitivamente admitido; - do objeto desse recurso de apelação delimitado pelas conclusões do recorrente (que não era o ora recorrente na revista) não fazia parte qualquer questão referente ao trânsito em julgado da decisão que ordenou o desentranhamento da contestação, precisamente porque quem delimitou o recurso foi o recorrente nas suas conclusões e não o recorrido, que não interpôs recurso subordinado nem ampliou a apelação - arts. 633 e 636 nº1 e 3 do CPC. Explicada a situação fica esclarecido que o recorrente com a arguição da nulidade por omissão de pronúncia - consistente em o Tribunal da Relação não ter apreciado se a apelação era extemporânea - pretende recorrer de uma questão que não fez parte do objeto da decisão recorrida e que este Supremo Tribunal de Justiça venha a declarar a inadmissibilidade e a rejeição do recurso de apelação interposto e no qual foi proferido o acórdão recorrido. Parece evidente a incoerência lógica e processual em que labora a presente revista ao suscitar em revista e como omissão de pronúncia, a admissibilidade da apelação em que foi proferida a decisão de que se recorre depois dessa admissibilidade ter sido decidida por acórdão da Conferência transitado em julgado. A recorrente pretende, como significado útil do que defende, que depois de uma apelação ter sido admitida e, posteriormente, de nela ter sido proferido acórdão, possa ser suscitada na revista desta decisão a questão da admissibilidade/inadmissibilidade da apelação onde foi proferida a decisão recorrida na revista. A impossibilidade de se conhecer dessa matéria decorre da evidência de a decisão sobre a admissibilidade do recurso de apelação, em qualquer dos seus pressupostos e requisitos, designadamente o da tempestividade, ter transitado em julgado para além de que, obviamente, do recurso de apelação não fez nem poderia fazer parte essa questão que o recorrente pretende suscitar na revista, motivo para que, se outras razões não existissem, nunca seria admissível nesta parte recurso de revista. Mesmo pretendendo argumentar-se que não é a inadmissibilidade da apelação o que se quer discutir na presente revista, mas sim que a decisão de que se recorreu através dessa apelação se encontrava transitada em julgado e que isso não foi apreciado, tal é apenas nomear o mesmo de forma diferente para obter o mesmo resultado, legalmente proibido, qual é o de ser julgado inadmissível um recurso interposto depois de ele ter sido admitido através de decisão transitada em julgado e decidido. Ainda que não sendo necessário esclarece-se que, em tese, a propósito da arguição das nulidades da sentença dispõe o art. 615 nº4 do CPC que “4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.” Significa este preceito que apenas quando o recurso interposto seja admissível e admitido, as nulidades arguidas podem fazer parte do seu objeto pois, quando não, apenas pelo tribunal que proferiu a decisão podem ser conhecidas. Assim, mesmo que não tivesse sido julgada inadmissível a revista quanto à invocada omissão de pronúncia, como o foi por outros motivos, ela só seria admissível se o recurso na parte restante fosse admitido. No entanto, não é necessário apreciar a admissibilidade da revista com base na outra questão que o recorrente invoca para que se deixe decidido desde já que quanto à omissão de pronúncia invocada o presente recurso deve ser rejeitado. A outra questão que inclui o objeto da revista é a referente à admissão/rejeição da contestação, tendo neste âmbito a decisão recorrida revogado a da 1ª instância, que havia mandado desentranhar a contestação julgando confessados os factos articulados pelo autor e proferindo sentença. (…) O acórdão sob escrutínio encerra, pois, decisão que não recai sobre a relação controvertida (se assim fosse consubstanciaria uma decisão materialmente final), tem por objeto questão processual (mas sem que tenha absolvido da instância os réus, pois, de outro modo seria decisão formalmente final equiparada à decisão materialmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil), tendo a Relação conhecido dela depois da 1ª instância o ter feito anteriormente. Assim, não havendo, ainda, recurso de acórdão da Relação que conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo, a que possa o recurso sobre essa questão acoplar-se nos termos do art. 673 do CPC, impor-se-ia concluir que essa decisão interlocutória não possa ser impugnada nesta revista, não podendo opor-se a esta conclusão (como antes decidimos a propósito da omissão de pronúncia) a existência de caso julgado da decisão de 1ª instância que determinou o desentranhamento da contestação. A admissibilidade do recurso de apelação nos seus requisitos, v.g. os da tempestividade, com rebate na definição do seu trânsito em julgado, encontra-se definitivamente resolvido sem possibilidade de voltar a ser discutido. Apenas por questões de rigor e sem necessidade para a economia desta decisão, diga-se que o despacho que mandou desentranhar a contestação foi proferido em 17-6-2021 e que, tendo a ré apresentado requerimento a pedir a retificação/alteração do mesmo, a 1ª instância em decisão que antecede a própria sentença, na mesma peça processual, decidiu que tal nulidade só poderá ser arguida perante o tribunal que proferiu a decisão/despacho se este não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades. Sucede, pois, que a decisão em crise nestes proferida admite recurso ordinário – ainda que a interpor juntamente com o recurso da decisão final, pelo que será no âmbito daquele que tal nulidade poderá e deverá ser arguida. Tem-se presente que um despacho - sentença ou acórdão - forma caso julgado quando a decisão neles contida se torna imodificável “logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação” - art. 628 do CPC, referindo a este propósito Abrantes Geraldes que “independentemente dos motivos, valores de segurança jurídica implicam que só possa considerar-se transitada em julgado a decisão depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição de recurso ou, não sendo este admissível, para a arguição de nulidades ou dedução de incidente de reforma.” E acrescenta que “quando a decisão é suscetível de recurso ordinário o trânsito em julgado depende, em primeiro lugar, do facto de se encontrarem esgotadas as possibilidades de interposição desse recurso em cujas alegações deve ser integrada a arguição de nulidades da sentença ou a reforma quanto a custas e multa (arts. 615º, nº 4, e 616º, nº 3).
Quando seja insuscetível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº 4, e 616º (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respetivamente).” Todavia devemos considerar que «[p]odem ocorrer vicissitudes suscetíveis de determinar tanto a antecipação como o diferimento da data do trânsito em julgado.
A antecipação pode coincidir com a apresentação, por ambas as partes, de declaração de renúncia ao prazo para interposição de recurso ou de reclamação. Quanto à dilação do trânsito em julgado, há efeitos que forçosamente se produzem mesmo quando o recurso é rejeitado, tendo em conta a necessidade de aguardar a definitividade do despacho de não admissão, sujeito a reclamação para o tribunal superior, nos termos do artigo 643º. O mesmo ocorre nos casos em que a parte opte pela arguição de nulidades ou apresentação de requerimento, ainda que infundado, no sentido de obter a reforma da decisão”. Tudo isto esclarece que foi a partir da decisão proferida na data da sentença e nessa mesma peça processual e como nela expressamente se decide, que a ré poderia interpor recurso, como o fez, do despacho de rejeição e desentranhamento da contestação, como foi decidido e decorre da própria decisão que admitiu o recurso de apelação uma vez que, se considerasse que a decisão apelada se encontrava transitada em julgada teria rejeitado e não admitido a apelação. Ora, sabemos que o art. 644 nº2 permite recurso de apelação (autónomo) do despacho de admissão ou de rejeição de algum articulado ou meio de prova, mas isso em nada não altera o juízo de inadmissibilidade do presente recurso de revista. Esclarece neste ponto Abrantes Geraldes que “se o articulado rejeitado for a contestação e se o despacho não for contemporâneo da sentença o réu tem o ónus de interpor recurso de apelação desse despacho não podendo aguardar a sua impugnação apenas para o recurso que venha a ser interposto da sentença final, sob pena de precludir a possibilidade de o impugnar.” Decorre então deste trecho explicativo que, se o despacho que não admite a contestação for contemporâneo da sentença (como acontece no caso em presença) ele é impugnado e impugnável no recurso de apelação que venha a ser interposto da sentença, como foi interposto pelo réu ora recorrido. Todavia, uma vez mais insistimos em ter presente que as questões, todas as questões, envolvendo a admissibilidade do recurso de apelação onde foi tirado o acórdão recorrido se encontram definitivamente resolvidas, quer quanto à sua tempestividade quer quanto a ser admissível e aos termos em que era (e foi) recorrível o despacho e a sentença da 1ª instância impugnados na apelação. E definitivamente resolvidas por acórdão em Conferência que admitiu a apelação e que transitou em julgado. Em resumo, a presente revista interposta pelo autor, não questiona diretamente a decisão recorrida tomada no sentido de determinar a admissão da contestação, a anulação dos atos posteriores, entre eles a sentença proferida, e determinar o prosseguimento dos autos. O recorrente limita-se a esgrimir questões que em seu entender deveriam ter impedido que a apelação fosse admitida e decidida, quais sejam, a omissão de pronúncia por o Tribunal da Relação na decisão recorrida não se ter pronunciado sobre a intempestividade do recurso (de apelação) e por entender que se havia formado caso julgado sobre a decisão de 1ª instância que rejeitou a contestação (o que determinaria também a inadmissibilidade da apelação). Acontece que a ambas as questões está vedada a revista por estarem definitivamente decididas antes com a admissão da apelação, sendo que quanto à segunda questão, mesmo a admitir-se que não se admite, que fosse admitida revista dirigida à decisão que admitiu a contestação e determinou o prosseguimento dos autos, também neste caso não é admissível a revista porque com esse fundamento ela só pode ter lugar com ou na que venha ser interposta nos termos do art. 671 nº 1 do CPC Na decorrência do exposto, concluímos que o conhecimento em recurso de revista da decisão de 1ª instância que rejeitou a contestação - considerou confessados os factos articulados pelo autor e proferiu sentença - só é admissível com o que venha a ser interposto nos termos do art. 671 nº1 do CPC, razão pela qual, também por esta razão a revista interposta é inadmissível neste momento por falta de fundamento legal. … …
Decisão Pelo exposto decide-se não admitir o recurso de revista interposto por falta de fundamento legal. Custas pelo recorrente. (…)» 35 - Em 12 de Janeiro de 2022, AA veio reclamar para a Conferência, pedindo que sobre a decisão singular do Relator (relativa à não admissão do recurso de revista que interpusera) fosse proferido acórdão, lendo-se nomeadamente nas suas alegações de recurso: «(…) 2. Quanto à questão do caso julgado, na apelação o recorrente, não poderia interpor recurso subordinado, pois a decisão não lhe era desfavorável, nem mesmo ampliar tal recurso. Além disso, o caso julgado é de conhecimento oficioso. 3.Repete-se que, a decisão (Acórdão) da admissão do recurso, não transita em julgado, pois, do mesmo, não se pode recorrer ou reclamar. 4. Os Art.os 673º e 671º, n.º 4, do C.P.C. aplicam-se, apenas, aos Acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação. As decisões interlocutórias de que se coloca a questão de caso julgado, foram proferidas na primeira instância e na pendência do processo, nessa instância e, não, no Tribunal da Relação. 5. Por último, o despacho que rejeita a contestação, não é contemporâneo da sentença, aquele foi proferido, em 17/06/2021 e esta foi proferida, em 13/07/2021, quando, tal despacho, já tinha transitado em julgado. (…)»
36 - Em 10 de Janeiro de 2023, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, julgando inadmissível o recurso de revista interposto, nos mesmos exactos termos da decisão singular proferida antes (cuja fundamentação de direito fez sua, ao reproduzir o respectivo texto). 37 - Em 28 de Abril de 2023, foi proferido despacho, declarando extinta a execução instaurada por AA contra R..., Limitada, por inexistência de título executivo, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Atento o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05/05/2022, superiormente confirmado e transitado em julgado em 23/01/2023, nos termos do qual foi concedido provimento à apelação, decidindo-se pela revogação do despacho proferido em 17/06/2021 e, consequentemente, pela revogação do despacho e sentença que foram subsequentes, proferidos em 13/07/2021, inexistindo, por consequência, título executivo (sentença), determina-se a extinção da presente execução, ordenando-se o imediato levantamento de todas as penhoras efetuadas, quer no âmbito da presente execução quer daquela que com o n.º 2551/18.... se encontra igualmente apensa e em que exequente e executada são os mesmos. (…)»
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Caso julgado 4.1.1. Definição
Lê-se no art.º 619.º, n.º 1, do CPC, que, transitada «em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º».
Mais se lê, no art.º do 628.º, do CPC, que uma decisão judicial «considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».
Quando assim seja, segundo o critério da eficácia e nos termos dos art.ºs 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1, ambos do CPC, terá força obrigatória: dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa, impedindo que o mesmo ou qualquer outro tribunal possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada (caso julgado material ou substancial); ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual, impedindo que o mesmo tribunal, na mesma acção, possa altera a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa (caso julgado formal).
Melhor precisando o caso julgado formal, enfatiza-se que «as decisões de forma desfrutam de força vinculativa de caso julgado apenas dentro do processo», excepto no caso previsto no n.º 1 do art. 101.º do CPC (Remédio Marques, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 646).
Logo, a questão só se levanta se existir uma primeira decisão proferida (de forma) no mesmo processo em que venha ser proferida uma segunda com o mesmo objecto. Compreende-se, por isso, que se afirme que o caso julgado formal «só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra acção, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal» (Remédio Marques, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 644) [2].
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Mais se lê, no art.º 625.º, do CPC, que, havendo «duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar» (n.º 1); e é «aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual» (n.º 2).
Logo, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar, e ainda que estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta [3].
Reforça-se, assim, com este artigo, a ideia de que o caso julgado formal previsto no art.º 620.º, do CPC, se refere à vinculação do Tribunal ao julgamento que fez sobre uma questão concreta da relação processual. Compreende-se, por isso, que se afirme que existe «violação do caso julgado formal, previsto no art. 620º, do Código de Processo Civil, quando o Tribunal, no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, volta a decidir a mesma questão, nesse mesmo contexto processual, de forma diversa», outro tanto não sucedendo em hipótese inversa (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1).
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4.1.2. Fundamento
O caso julgado é um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional, intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático, por ser uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza; é hoje um valor máximo de justiça, aliado ao princípio da separação de poderes (Miguel Pimenta de Almeida, A intangibilidade do Caso Julgado na Constituição (Brevíssima Análise), pág. 18, disponível em http://miguelpimentadealmeida.pt/wp-content/uploads/2015/06/A-INTANGIBILIDADE-DO-CASO-JULGADO-NA-CONSTITUI%C3%87%C3%83O.pdf).
«O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual “seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurançajurídica [4], pois “sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação deinstabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu”.
“Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”» (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1, citando inicialmente Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 306, e depois Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 705).
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4.1.3. Efeitos
Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais (distintos, mas provenientes da mesma realidade jurídica): um negativo (excepção dilatória de caso julgado), de impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, isto é, impedindo que a causa seja novamente apreciada em juízo; e um positivo (força e autoridade de caso julgado), de vinculação do mesmo tribunal e, eventualmente de outros (estando em causa o caso julgado material), à decisão proferida [5].
Logo (e face aos art.ºs 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do CPC), a excepção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; e visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.
Já a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, e prende-se com a sua força vinculativa; e visa o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (podendo funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção) [6].
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.2.1. Despacho de 17 de Junho de 2021 (alegado trânsito em julgado)
Concretizando, vem o Recorrente (AA) pedir que se reconheça que o despacho proferido em 17 de Junho de 2021 nos autos principais - que ordenou o desentranhamento da contestação apresentada por R..., Limitada - transitou em julgado.
Contudo, esta concreta questão já foi apreciada e decidida, com trânsito em julgado; e, por isso, não pode mais o juízo então proferido ser alterado em sede de recurso ordinário, como o presente (conforme, aliás, lhe foi reiteradamente esclarecido, quer por este Tribunal da Relação de Guimarães, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça).
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Com efeito, e começando pelo alegado trânsito em julgado do dito despacho, radica-o o Recorrente (AA) na sua natureza imediatamente recursória já que, tendo ordenado o desentranhamento de uma contestação, subsumir-se-ia ao disposto no art.º 644.º, n.º 2, al. d), do CPC [7]; e tendo R..., Limitada o prazo de quinze dias para dele recorrer, conforme art.º 638.º, n.º 1, do CPC [8], não o teria feito, apenas o tendo impugnado no recurso de apelação que viria a apresentar, em 08 de Setembro de 2021, da sentença de mérito proferida em 13 de Julho de 2021.
Olvida, porém, o Recorrente (AA) que, logo no dia imediato à prolação do dito despacho, em 18 de Junho de 2021, R..., Limitada veio pedir a sua rectificação/reforma; e que o Tribunal, por despacho de 13 de Julho de 2021, proferiu despacho a desatender a sua pretensão, qualificando-a como uma arguição de nulidade e esclarecendo a propósito que «a decisão em crise nestes autos proferida admite recurso ordinário - ainda que a interpor juntamente com o recurso da decisão final, pelo que será no âmbito daquele que tal nulidade poderá e deverá ser arguida» (bold original).
Logo, e de forma absolutamente expressa e inequívoca, foi proferida uma primeira decisão judicial nos autos, pelo Tribunal a quo, afirmando que o despacho proferido a 17 de Junho de 2021 não era imediatamente recorrível, mas apenas com a decisão final (como, de facto, o viria a ser).
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Prosseguindo, tendo R..., Limitada interposto recurso de apelação da sentença de mérito proferida (assente, precisamente, na alegada falta de apresentação, por ela própria, de contestação válida e eficaz), radicou o mesmo na nulidade do dito despacho de 17 de Junho de 2021, bem como de todo o processado após a sua prolação; e veio-o então o ali Recorrido, aqui Recorrente (AA), pela primeira vez nos autos, defender nas suas contra-alegações que o pretendido recurso não poderia ser admitido, porque a decisão recorrida transitara já em julgado.
Verifica-se ainda que o Tribunal a quo proferiu despacho a não admitir o dito recurso.
Olvida, porém, o Recorrente (AA) que o dito despacho de não admissão de recurso em nada contrariou a anterior decisão do Tribunal a quo, já que este não fundamentou o seu juízo em qualquer intempestividade do recurso (repete-se, pelo então Recorrido expressamente invocada nas suas contra-alegações) mas sim por ter entendido que fora «interposto por quem não tem poderes, nem pode estar, por si, em juízo, pelo que vai o mesmo rejeitado para os devidos efeitos» (bold e sublinhado originais).
Logo, foi proferida uma segunda decisão judicial nos autos, pelo Tribunal a quo, mantendo implicitamente o seu anterior juízo, de que o despacho de 17 de Junho de 2021 não transitara em julgado, sendo outros e distintos os fundamentos usados para não admitir o recurso que o sindicava.
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Prosseguindo, tendo R..., Limitada reclamado do despacho de não admissão do recurso de apelação que interpusera, foi proferida decisão singular pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 14 de Dezembro de 2021, deferindo a mesma e admitindo o dito recurso, nomeadamente por ter considerado que o despacho de 17 de Junho de 2021 não tinha transitado em julgado, já que não admitia apelação autónoma.
Olvida o Recorrente (AA) que nesse seu juízo, o Tribunal da Relação de Guimarães procedeu expressamente à exegese do art.º 644.º, n.º 2, al. d), do CPC, de forma pormenorizada, com contributos da doutrina e da jurisprudência, concluindo que apenas haverá rejeição de um articulado quando a decisão seja tomada por mero controlo formal (v.g. prazo de apresentação, pagamento da taxa de justiça devida), isto é, sem analisar o seu conteúdo, ou a sua relação com a causa; e defendendo que não seria esse o caso dos autos, uma vez que a decisão de desentranhamento pressupôs prévios juízos sobre a capacidade judiciáriae a representação em juízo de R..., Limitada.
Lê-se, assim, expressiva e indubitavelmente, no final da dita decisão singular: «Tudo visto e conjugado, o Tribunal apreciou uma questão que, não sendo um pedido da ação, é uma questão que também não é meramente formal e relativo à peça processual, naquele sentido que lhe demos; incide antes sobre a relação processual, e nessa medida é mais do que um despacho de desentranhamento de articulado (independentemente desse ser ou não a consequência correta, o que já tem que ver com o mérito do recurso). Pelo exposto, não se tratando de um despacho que devia ser objeto de apelação autónoma, ele será recorrível com o recurso da sentença, como foi. Improcede por isso igualmente a visão do recorrido quanto á intempestividade do recurso interposto no que concerne ao despacho em causa, já que só se aplicava o prazo de 15 dias á apelação autónoma (que não é o caso)».
Logo, foi proferida uma terceira decisão judicial nos autos, desta feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães, apreciando de forma expressa a questão já então suscitada pelo Recorrente (AA) sobre o alegado trânsito em julgado do despacho de 17 de Junho de 2021, e decidindo que o mesmo não se verificava.
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Prosseguindo, verifica-se que tendo o Recorrente (AA) reclamado para a Conferência desta decisão singular, expressamente fundou a sua reclamação no entendimento de se estar perante «caso julgado, pela não interposição do recurso devido, estando vedado o pronunciamento, sobre tal questão, na decisão singular proferida»; e reiterou ser de considerar «que sobre o despacho da rejeição e desentranhamento da contestação, cabia apenas o recurso autónomo, da al. d), do n.º 2, do Art.º 644º, do C.P.C., o que não foi acionado, transitando, assim, tal despacho, em julgado, estamos perante caso julgado, do despacho da rejeição da contestação».
Olvida o Recorrente (AA) que, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 17 de Fevereiro de 2022, foi julgada procedente a reclamação de R..., Limitada e admitido o recurso interposto por ela, nos mesmos exactos termos da decisão singular proferida antes (nomeadamente afirmando-se que o despacho de 17 de Junho de 2021 não transitara em julgado, já que não admitia apelação autónoma, isto é, só podia ser impugnado - como o foi - pelo recurso a interpor da decisão final).
Logo, foi proferida uma quarta decisão judicial nos autos, esta pela Conferência do Tribunal da Relação de Guimarães, apreciando novamente de forma expressa a questão do alegado trânsito em julgado do despacho de 17 de Junho de 2021, e decidindo que o mesmo não se verificava.
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Prosseguindo, verifica-se que, sendo admitido o recurso de apelação de R..., Limitada, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 05 de Maio de 2022, julgando-o procedente (e, por isso, revogando o despacho proferido em 17 de Junho de 2021, bem como todas as decisões subsequentes, e determinando que a sua contestação fosse admitida); e que o mesmo esclarecera previamente o âmbito da sua apreciação, ao afirmar que «já se mostra decidido, face ao nosso anterior acórdão, que o que está em causa apreciar no despacho de 17/6 e por isso também neste recurso que sobre o mesmo incide, é saber se a R. se constituiu em situação de revelia por não lhe poder ser imputada a contestação apresentada nos autos, o que nos remete para a análise da procuração junta em 6/1/2020».
Mais se verifica que, inconformado com o dito acórdão de 05 de Maio de 2022, o Recorrente interpôs recurso de revista, arguindo no mesmo a sua alegada nulidade, já que, sendo «o ponto essencial da questão recorrenda» a «situação de caso julgado do despacho que rejeitou a contestação, bem como do despacho de rejeição do recurso de apelação interposto conforme disposições dos Art. os 580º, 621º e 628º, do Código de Processo Civil», «o douto Acórdão recorrido, não se pronuncia sobre» tais questões; e, «além de ferido de nulidade» (por omissão de pronúncia), seria «ofensivo do caso julgado», por reiterar o seu próprio entendimento de que o despacho de 17 de Junho de 2021 transitada em julgado.
Olvida o Recorrente (AA) que, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30 de Junho de 2022, foi julgada improcedente a arguição de nulidade feita, nomeadamente por o mesmo ter entendido que a questão cuja pronúncia alegadamente omitira já tinha sido previamente decidida por si, afirmando expressa e inequivocamente: «O recorrido reporta-se à falta de apreciação de uma questão que foi apreciada previamente, em sede de decisão sumária depois submetida á conferência e mantida por acórdão de 17/02/2022: a extemporaneidade do recurso relativo ao despacho que não admitiu a contestação. (…) Note-se que o recorrido já havia invocado esta alegada falta de apreciação da questão quando reclamou para a conferência. Fá-lo novamente nesta sede, sendo que efetivamente a questão não foi apreciada no acórdão de que se reclama porque já havia sido apreciada no que o antecedeu e transitou. Pelo que nem tinha nem podia ser reapreciada».
Logo, foi proferida uma quinta decisão judicial nos autos, esta igualmente pela Conferência do Tribunal da Relação de Guimarães, reiterando de forma expressa que o despacho de 17 de Junho de 2021 não transitara em julgado, o que já se mostrava decidido definitivamente nos autos (por a decisão colectiva que julgara procedente a reclamação de R..., Limitada não comportar recurso).
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Prosseguindo, verifica-se que em 05 de Dezembro de 2022, foi proferida decisão singular pelo Supremo Tribunal de Justiça, julgando inadmissível o recurso de revista; e afirmando, expressa e inequivocamente, que «o recurso de apelação [de R..., LImitada] foi definitivamente admitido», por decisão transitada em julgado, estando por isso vedada qualquer nova apreciação sobre o alegado trânsito em julgado do despacho proferido em 17 e Junho de 2022.
Olvida o Recorrente (AA) que na dita decisão singular se ajuizou: «Explicada a situação fica esclarecido que o recorrente com a arguição da nulidade por omissão de pronúncia - consistente em o Tribunal da Relação não ter apreciado se a apelação era extemporânea - pretende recorrer de uma questão que não fez parte do objeto da decisão recorrida e que este Supremo Tribunal de Justiça venha a declarar a inadmissibilidade e a rejeição do recurso de apelação interposto e no qual foi proferido o acórdão recorrido. Parece evidente a incoerência lógica e processual em que labora a presente revista ao suscitar em revista e como omissão de pronúncia, a admissibilidade da apelação em que foi proferida a decisão de que se recorre depois dessa admissibilidade ter sido decidida por acórdão da Conferência transitado em julgado. A recorrente pretende, como significado útil do que defende, que depois de uma apelação ter sido admitida e, posteriormente, de nela ter sido proferido acórdão, possa ser suscitada na revista desta decisão a questão da admissibilidade/inadmissibilidade da apelação onde foi proferida a decisão recorrida na revista. A impossibilidade de se conhecer dessa matéria decorre da evidência de a decisão sobre a admissibilidade do recurso de apelação, em qualquer dos seus pressupostos e requisitos, designadamente o da tempestividade, ter transitado em julgado para além de que, obviamente, do recurso de apelação não fez nem poderia fazer parte essa questão que o recorrente pretende suscitar na revista, motivo para que, se outras razões não existissem, nunca seria admissível nesta parte recurso de revista. Mesmo pretendendo argumentar-se que não é a inadmissibilidade da apelação o que sequer discutir na presente revista, mas sim que a decisão de que se recorreu através dessa apelação se encontrava transitada em julgado e que isso não foi apreciado, tal é apenas nomear o mesmo de forma diferente para obter o mesmo resultado, legalmente proibido, qual é o de ser julgado inadmissível um recurso interposto depois de ele ter sido admitido através de decisão transitada em julgado e decidido. (…) Em resumo, a presente revista interposta pelo autor, não questiona diretamente a decisão recorrida tomada no sentido de determinar a admissão da contestação, a anulação dos atos posteriores, entre eles a sentença proferida, e determinar o prosseguimento dos autos. O recorrente limita-se a esgrimir questões que em seu entender deveriam ter impedido que a apelação fosse admitida e decidida, quais sejam, a omissão de pronúncia por o Tribunal da Relação na decisão recorrida não se ter pronunciado sobre a intempestividade do recurso (de apelação) e por entender que se havia formado caso julgado sobre a decisão de 1ª instância que rejeitou a contestação (o que determinaria também a inadmissibilidade da apelação). Acontece que a ambas as questões está vedada a revista por estarem definitivamente decididas antes com a admissão da apelação, sendo que quanto à segunda questão, mesmo a admitir-se que não se admite, que fosse admitida revista dirigida à decisão que admitiu a contestação e determinou o prosseguimento dos autos, também neste caso não é admissível a revista porque com esse fundamento ela só pode ter lugar com ou na que venha ser interposta nos termos do art. 671 nº 1 do CPC».
Logo, foi proferida uma sexta decisão judicial nos autos, desta feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, reiterando de forma expressa que o despacho de 17 de Junho de 2021 não transitara em julgado, o que já se mostrava decidido definitivamente nos autos.
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Prosseguindo, verifica-se que tendo o Recorrente (AA) reclamado para a Conferência desta decisão singular, de novo fundou a sua reclamação na defesa do trânsito em julgado do despacho de 17 de Junho de 2021, afirmando ainda que «a decisão (Acórdão) da admissão do recurso, não transita em julgado, pois, do mesmo, não se pode recorrer ou reclamar» (parecendo, assim, aceitar finalmente que a questão por si posta já tinha sido objecto de apreciação, embora - no seu entender - ainda não de forma definitiva).
Olvida o Recorrente (AA) que, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Janeiro de 2023, foi julgado inadmissível o recurso de revista por si pretendido interpor, nos mesmos exactos termos da decisão singular proferida antes (reproduzindo quase integralmente o respectivo texto).
Logo, foi proferida uma sétima decisão judicial nos autos, esta pela Conferência do Supremo Tribunal de Justiça, reiterando de forma expressa que o despacho de 17 de Junho de 2021 não transitara em julgado, o que já se mostrava decidido definitivamente nos autos.
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Face ao exposto, é quase despiciendo acrescentar que, tendo a questão do alegado trânsito em julgado do despacho de 17 de Junho de 2021 sido invocada expressamente nos autos, tendo sido expressamente conhecida, tendo-se decidido que o dito trânsito não ocorrera quando foi impugnada por recurso de apelação interposto por R..., Limitada em 08 de Setembro de 2021 e tendo essa decisão transitado em julgado, formou-se sobre ela caso julgado formal; e, por ele, está este Tribunal da Relação de Guimarães impedido de a conhecer aqui.
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4.2.2. Acórdão de 05 de Maio de 2022 (do Tribunal da Relação de Guimarães)
Concretizando novamente, verifica-se, por acórdão de 05 de Maio de 2022, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu «conceder provimento à apelação, revogando o despacho proferido em 17/6/2021 - referência ...13 - e consequentemente revogar o despacho e sentença que foram subsequentes, proferidos em 13/7/2021 - referência ...11 - determinando que se admita a contestação apresentada pela R. e se sigam os ulteriores trâmites processuais».
Ora, não podia o Tribunal a quo deixar de cumprir uma decisão proferida por Tribunal superior (em sede de recurso interposto de prévia decisão sua), repercutindo-a nos autos (declarativos e de execução), sob pena de violação da lei.
Com efeito, lê-se no art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), que os «magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores»; e, de forma idêntica, no art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) que os «juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores».
Logo, a indiscutível consagração da independência dos magistrados judiciais, no exercício da sua função judicante, é feita com a expressa salvaguarda do seu dever de acatamento das decisões que, em via de recurso, sejamproferidas por Tribunais superiores.
O exposto é reafirmado, no particular campo do processo civil, no art.º 152.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que os «juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores».
Compreende-se, por isso, que se leia no art.º 42.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que os «tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões».
Pondera-se, a propósito, que «não sendo a jurisprudência uma ciência exata, de rigor matemático, sempre será possível discordar das soluções defendidas pelos colegas, independentemente da instância em que se encontrem, razão pela qual sem o disposto no artigo 4.°, n.°1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a possível coerência do sistema judiciário era impossível» (Ac. da RL, de 27.10.2020, João Moraes Rocha, Processo n.º 508/14.0GHVFX-A.L1 -3).
Ora, a violação de um tal dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida, nomeadamente por o objecto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento (art.ºs 613.º, nº 3 e 615.º, n.º 1, al. d), II parte, ambos do CPC) [9].
Constitui ainda uma infracção disciplinar, nos termos do art.º 82.º, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, onde se lê que se qualificam como tal «os atos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos princípios e deveres consagrados no presente Estatuto».
Por fim, tendo supervenientemente deixado de existir (nos autos principais) a sentença condenatória apresentada como título executivo na acção executiva (apensa aos mesmos), restava apenas ao Tribunal a quo declarar extinta a execução, com este preciso fundamento, lendo-se expressamente no art.º 704.º, n.º 2, do CPC, que a «execução iniciada na pendência de recurso [com base em sentença] extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão».
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência total do recurso de apelação interposto pelo Exequente (AA).
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Face à improcedência do recurso e à reiterada desconsideração do Recorrente (AA) de prévias decisões judiciais que lhe foram dirigidas, sobre esta mesma questão, admite-se que se pudesse discutir a aplicação ao mesmo da taxa sancionatória excepcional, prevista no art.º 531.º, do CPC, onde se lê que, por «decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida».
Com efeito, destina-se a mesma a «sancionar condutas da parte que, pese embora não justifiquem uma condenação em litigância de má-fé, correspondem a pretensões (infundadas e abusivas) ou à prática de actos (inúteis, dilatórios) que não teriam sido formuladas e/ou praticados caso aquela tivesse actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis, nessa medida se revelando excepcionalmente censuráveis (litigância anómala e imponderada que em nada se confunde com o exercício de uma defesa aguerrida dos interesses em causa)» (Ac. da RL, de 09.09.2022 , Renata Linhares de Castro, Processo n.º 1356/12.8TBPDL-O.L1-1).
Não se está, assim, com a aplicação da dita taxa sancionatória, a sancionar quaisquer erros técnicos, que sempre foram punidos através do pagamento de custas, mas sim a reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte [10].
Compreende-se, por isso, que sejam pressupostos da sua aplicação: a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, revelando uma natureza meramente dilatória (já que, com a sua aplicação, se visa evitar a prática de actos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insusceptíveis de conduzir ao resultado pretendido, salvaguardando-se o princípio da economia processual); e a actuação imprudente, desprovida da diligência no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta.
Enfatiza-se, porém, com o seu carácter excepcional, o «muito rigor e critério» exigível na sua aplicação, por forma «a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual»: só deve ser aplicada «em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão» (Ac. do STJ, de 18.12.2019, Manuel Augusto de Matos, Processo n.º 136/13.8JDLSB.L2-A.S1) [11].
Ora, já se tem decidido que se justifica a aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional «quando os inúmeros requerimentos, incidentes e pretensões apresentados pela parte, têm todos o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles, verificando-se uma lamentável situação de evidente abuso do direito de acção, exercido à revelia e contra as regras processuais a que era suposto obedecer, bem demonstrado pela uniformidade nas várias instâncias judiciais quanto ao invariável desatendimento do que é infundadamente pedido nos autos».
Dir-se-á, mesmo, que é «precisamente para tentar pôr cobro a este tipo de anómala e patológica litigância que se encontra legalmente prevista a taxa de justiça sancionatória excepcional, ou seja, para desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma actividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada» (Ac. do STJ, de 22.02.2022, Luís Espírito Santo, Processo n.º 103/06.8TBMNC-E.G1.S1).
Contudo, a aplicação de uma tal sanção «pressupõe a prévia observância do princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, ouvindo-se para tanto o sujeito visado, ao qual não era exigível que perspectivasse a sua condenação a esse título, sob pena de tal condenação traduzir uma decisão-surpresa» (Ac. do STJ, de 09.05.2019, Conceição Gomes, Processo n.º 565/12.4TATVR-C.E1-A.S1).
Ora, nem a prévia audição do Recorrente (AA) ocorreu nos autos, como se admite que apenas com esta decisão o mesmo ganhe plena consciência da censurabilidade da obstinada defesa de um caso julgado inexistente nos autos.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Exequente (AA), e, em consequência, em:
· Confirmar integralmente a decisão recorrida (que julgou extinta a execução, por inexistência de título executivo).
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Custas da apelação pelo Recorrente (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 28 de Setembro de 2023.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães; 2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.
[1]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem), onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [2] No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 704, onde se lê que «o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o Juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo Tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa». [3] Fica paralisada a eficácia decisão contraditória proferida em segundo lugar, conforme Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, pág. 196, não sendo, contudo, pacífica a qualificação do vício de que padece. [4] O art.º 2502.º do CC de Seabra, de 1867, afirmava cristalinamente que o caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O art.º 580º, n.º 2 do CPC dispõe hoje no mesmo sentido, quando afirma que tanto «a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior». [5] Neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, págs. 92-93. [6] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 713 e 714, onde nomeadamente se lê que, seja «qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (…). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sore a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)».
Ainda Miguel Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», BMJ, n.º 325, pág. 49, onde se lê - com bold apócrifo - que «a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior», enquanto que «quando vigora como autoridade e caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior». [7] Recorda-se que se lê no art.º 644.º, n.º 2, al. d), do CPC, que cabe «ainda recurso de apelação» do despacho «do tribunal de 1ª instância» «de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova». [8]Recorda-se que se lê no art.º 638.º, n.º 1, do CPC, que o «prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no nº 2 do artigo 644º e no artigo 677º». [9]Neste sentido: Ac. do STJ, de 28.10.1997, Fernando Fabião, Processo n.º 98A233; Ac. da RE, de 31.05.2012, José Lúcio, Processo n.º 855/11.3TBLLE-E1; Ac. da RP, de 11.07.2006, Mário Cruz, Processo n.º 0623350; ou Ac. da RL, de 08.10.2002, Manuel Rodrigues, Processo n.º 95274/18.9YIPRT.L2-6. [10]Neste sentido, Ac. do STJ, de 22.02.2022, Luís Espírito Santo, Processo n.º 103/06.8TBMNC-E.G1.S1, onde se lê que a «figura da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no art. 531.º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível». [11]Neste sentido: . Ac. da RP, de 07.10.2021, Carlos Portela, Processo n.º 27758/18.8T8PRT.P1 - onde se lê que, para se «concluir pela utilização abusiva de meios processuais deve o Tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais». . Ac. da RG, de 02.02.2023, Jorge Teixeira, Processo n.º 343/22.2T8VCT.G1 - onde se lê que não bastará, «a fim de se justificar a aplicação de taxa sancionatória especial, concluir-se pela falta de diligência ou de negligência na prática de um acto processual manifestamente improcedente, sendo ainda necessário, perante o quadro factual existente, concluir-se pela obstaculização da realização dos fins do processo, nomeadamente a obtenção, em prazo razoável, da justa composição do litígio».
Logo, «as questões processuais têm de ser manifestamente improcedentes ou dilatórias, ou seja, despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto»; e «as questões de mérito hão-de ser manifestamente improcedentes, não apenas por inexistir qualquer jurisprudência que as suporte, pois que, quantas vezes, novas posições se tomam nos tribunais com base na sua defesa pelas partes, apoiadas em outra sustentação que não apenas a jurisprudência, mas porque não há leitura possível para as mesmas, e quando ainda, resultarem exclusivamente da falta de prudência e diligência da parte».