CONCURSO DE INFRACÇÕES
CRIME
CONTRAORDENAÇÃO
PROCESSO PENAL
PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
SUSPENSÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

I - São aplicáveis às contraordenações rodoviárias, as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com as alterações subsequentes, a última das quais introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.
II - Estando as causas de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do RGCO, aditadas pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, direcionadas para o processo contraordenacional, caso se considerasse que sendo a contraordenação apreciada, no âmbito do processo criminal, não existiriam causas de suspensão da prescrição do procedimento, tal conduziria a uma solução incongruente e contrária à unidade do sistema jurídico.
III - Consideramos, por isso, que na situação em que existindo concurso de infrações, crime e contraordenação, esta última seja objeto de apreciação no âmbito de processo criminal, mantém validade a jurisprudência fixada pelo STJ, no Assento – atualmente com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência – n.º 2/2002 – no sentido de que «O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contraordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro.» – com referência à redação dada ao artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.
IV - Assim, no caso dos autos, do confronto entre as causas de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional estabelecidas no artigo 27.º-A do RGCO, na redação introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro e as causas de suspensão do procedimento criminal previstas no artigo 120.º, n.º 1 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, efetuando as devidas adaptações, entendemos que a prescrição do procedimento contraordenacional – tal como a do procedimento criminal, entretanto julgado extinto, por desistência de queixa –, se suspendeu com a notificação ao arguido da acusação (cf. al. b) do n.º 1 do artigo 120.º do CP).
V - Contudo, considerando a norma do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, tratando-se de lei especial, a suspensão do procedimento contraordenacional, não pode ultrapassar seis meses.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum, n.º 206/20.6T9STC, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém – Juiz 1, foi o arguido AA, nascido a 11/03/1982, melhor identificado nos autos, acusado, pelo Ministério Público, da prática, em 30/08/2019, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal e de duas contraordenações, p. e p., respetivamente, pelo artigo 28º, n.ºs 1, al. a) e 6 e pelo artigo 35º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código da Estrada.
1.2. Tendo sido recebida a acusação e designada data para julgamento, antes da realização deste último, o ofendido veio a desistir da queixa apresentada contra o arguido, a qual foi homologada, por despacho proferido em 05/04/2022, sendo, consequentemente, declarado extinto o procedimento criminal.
1.3. Em face da extinção do procedimento criminal – e bem assim como da causa cível enxertada, em virtude da existência de transação entre o demandante e a demandada, que foi homologada por sentença –, prosseguiram os autos para julgamento da responsabilidade contraordenacional imputada ao arguido na acusação pública.
1.4. Teve lugar a audiência de julgamento, sendo, pelo tribunal, comunicada ao arguido a alteração não substancial dos factos descritos na acusação e da respetiva qualificação jurídica, em termos de integrarem uma contraordenação rodoviária grave, p. e p. pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 4 do Código da Estrada.
1.5. Foi proferida sentença, em 17/11/2022 – depositada nessa mesma data –, na qual se decidiu condenar o arguido pela prática da referenciada contraordenação rodoviária grave, p. e p. pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 4 do Código da Estrada, na coima de €270,00 (duzentos e setenta euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor de qualquer categoria, pelo período de 10 (dez) meses.
1.6. Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões:
«I. O recorrente foi condenado por prática da contraordenação p.p. 18/2.4 CE na coima de €270 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 10 meses, cuja execução não lhe foi suspensa.
II. Está comprovado nos autos, pelos dados constantes na participação do acidente elaborada pela GNR, que o recorrente tem carta desde 14-08-2001, resultando, da consulta feita nos autos ao seu CADASTRO DE CONDUTOR, (ANSR) não ter registada qualquer infração.
III. Resulta da consulta feita nos autos, ao seu certificado de registo criminal, que nele nada consta.
IV. Assim verificado está o circunstancialismo legal que permite que ao recorrente seja aplicada uma coima perto do limite mínimo, de 120,00 euros, tendo em atenção a sua situação económica.
V. E que, nos termos do Artigo 141.ºdo C.E., lhe seja suspensa a execução da sanção acessória da inibição de conduzir, desde que paga a coima que lhe vier a ser aplicada, porque, até hoje, nunca foi condenado pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, já decorreram mais de três anos sobre a data da prática dos factos.
VI. O Tribunal graduou a coima e a inibição de conduzir aplicada ao recorrente tendo em atenção as consequências do acidente de viação para o condutor do veículo embatido pelo veículo do recorrente, mas, tendo este desistido do procedimento criminal, donde, da queixa por ofensas corporais praticadas contra a sua pessoa, não podia o Tribunal ter determinado a medida da coima e da sanção acessória tendo como referência essas lesões.
VII. Porque a relevância das consequências do acidente tem consequências no âmbito penal, no que à prática do crime de ofensas corporais diz respeito, mas, por ser completamente distinto em si, não pode contaminar os juízos de mera ordenação social no que respeita à prática das contraordenações.
VIII. No caso concreto do acidente que deu origem aos presentes autos, resulta dos autos, como é do conhecimento dos profissionais do foro, o ofendido só apresentou queixa-crime, no limite do prazo de seis meses previstos na lei, com vista, tão só e apenas, ao ressarcimento dos danos pela seguradora, de um modo mais célere e económico do que se tivesse optado pela ação civil, porque no processo-crime são-lhe fixados os dias doença, e não paga taxa de justiça quando da dedução do pedido cível. Logo que ressarcido pelos danos desistiu do procedimento criminal contra o recorrente.
IX. Caso a Seguradora o tivesse, desde logo indemnizado, não teria apresentado a queixa-crime contra o recorrente.
X. Por isso mesmo não pode, de modo algum, o juízo de graduação da coima e da inibição de conduzir ter sido aplicado tendo em conta a prática do crime de ofensas corporais, na pessoa do queixoso, porque o procedimento criminal estava extinto.
XI. Há ainda que ter em conta que, quando do acidente, não foram instaurados, contra o recorrente, quaisquer procedimentos contraordenacionais.
XII. A coima e sanção acessória foram agravadas pelo Tribunal, não só, em consequência das ofensas corporais sofridas pelo queixoso, mas também porque, segundo ele, o recorrente, nas suas declarações, visou esquivar-se à sua responsabilidade, sugerindo que era o ofendido que circulava na sua via de trânsito, não reconhecendo falta da sua parte.
XIII. Ora, o que o recorrente declarou foi que: “não tenho a certeza de quem bateu em quem; o embate foi lateral e não frontal; eu ia na minha faixa de rodagem; não ia a fazer nenhuma ultrapassagem; eu ia na minha faixa de rodagem; eu ia entre os 40 e os 50 km/h; confirma que o ofendido foi para o Hospital; na altura do embate estava a olhar para a estrada/para a frente; o acidente ocorreu numa curva sim que tinha pouca visibilidade; não tenho a noção de ter travado; se travei foi na altura do embate; não sei precisar se o ofendido vinha na mão dele ou não; não havia marcas no chão; eu ia na minha faixa; não fiz nenhuma ultrapassagem; as faixas não estavam delimitadas; acho que a velocidade máxima no local é entre os 50 e os 40 km/h; não sei se havia sinais de proibição de ultrapassar; não sofri encadeamento; a primeira sensação que tive é que veio contra mim”;
XIV. O recorrente assumiu a responsabilidade na produção do acidente perante a Seguradora, daí que o queixoso tenha sido indemnizado, e no depoimento que prestou a tribunal não se estava a esquivar à responsabilidade, porque o procedimento criminal estava extinto e o queixoso indemnizado, estava a declarar a sensação que tinha tido, quando da produção do acidente, não se justificando um agravamento da coima e sanção acessória com base nas suas declarações.
XV. O recorrente caso quisesse negar a sua responsabilidade teria declarado que tinha sofrido encadeamento, e não o fez.
XVI. Há, assim, apenas que ter em conta, na apreciação deste caso, a prática pelo recorrente do ilícito da mera ordenação social, separado do crime de ofensas corporais, dado que o procedimento criminal foi arquivado.
XVII. Sem prejuízo de poder ser tida em conta a produção de um acidente de viação, mas nunca as sequelas corporais que do mesmo resultaram para a vítima, porque esta ligação apenas poderia ter lugar caso o recorrente estivesse a ser julgado, e fosse condenado pelo crime de ofensas corporais.
XVIII. Pelo exposto a sentença recorrida infringiu, o disposto nos art.ºs 18º/2.4 CE e 141º/1/2, do CE, devendo ser reformada no sentido que ficou apontado.
XIX. Contudo o recorrente insiste na prescrição da contraordenação, porquanto no que à prescrição contraordenacional diz respeito, é sabido que o prazo máximo de prescrição, nestes casos, é de 3 anos e, face aos autos, estes 3 anos decorreram já, desde a data do acidente até à data da sentença.
XX. Mas o Tribunal “a quo” considerou que haveria de ser tido em conta os prazos de suspensão previsto nas leis Covid, tendo em conta que: As alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio entraram em vigor no dia 3 de junho de 2020, pelo que, o período da suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, originariamente estatuída na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, vigorou entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, ou seja, durante 86 dias. ‎Por força do artigo 6º-B, nº3, da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, ocorreu nova suspensão relativa no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021 [4], de 73 dias, do que resulta um total de 159 dias, que o Tribunal entendeu ser de aplicar nos presentes autos.
XXI. O recorrente recusa esta interpretação/aplicação da lei, porque os factos ocorreram em 30-08-2019, antes da sua entrada em vigor, pelo que, a aplicação da suspensão prevista nesta legislação, representa uma aplicação retroativa de lei, logo, uma interpretação/aplicação inconstitucional da lei, proibida pelo art.º 204º CRP., porque as normas de prescrição reportam-se ao regime substantivo do facto criminoso ou contraordenacional, não podendo, por força do princípio da legalidade, ser aplicadas de forma retroativa à contraordenação aqui julgada (salvo se tal regime se mostrasse concretamente mais favorável ao arguido) – art.º. 2.º, n.º 1 e 4 do Código Penal e art.2º do RGCO e art.29º, nº1 e 4, da C.R.P.
XXII. Os novos prazos de prescrição e causas de interrupção e suspensão da prescrição do procedimento criminal, e das penas e medidas de segurança, bem assim do procedimento contraordenacional e das coimas, sendo prejudiciais ao arguido, pois alargará necessariamente os prazos de prescrição, apenas poderá ser aplicada para os factos praticados na sua vigência, o que não é o caso dos autos, sob pena de conferir-lhe um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP.
XXIII. Na doutrina prevalece largamente o entendimento de que às regras referentes ao regime da prescrição do procedimento criminal são aplicáveis as garantias previstas no artigo 29.º da CRP, no tocante à retroatividade da lei penal. Ou seja, às normas relativas a prazos de prescrição, causas de interrupção ou de suspensão, e efeitos da prescrição são aplicáveis as regras vigentes à data da prática da conduta proibindo-se a aplicação retroativa das que sejam menos favoráveis ao agente e impondo-se a aplicação retroativa dos regimes mais favoráveis.
XXIV. O artigo 19.º, nº6, da CRP, expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar […] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos […]»,» Esta proibição inclui todas as dimensões de retroatividade, abrangendo também, naturalmente, a aplicação a processos já pendentes de uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição cujo termo não se mostre ainda atingido. Daqui resulta que o estado de emergência não pode ser usado para afastar a proibição da aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional, através do alargamento de prazos de prescrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência.
XXV. Pelo que há que concluir que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ainda que estabeleçam medidas excecionais na situação de estado de emergência, não podem forçar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objeto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas.
Pelo exposto, e no mais que V.Exa. doutamente suprirão:
I - Deve ser declarado prescrito o procedimento contraordenacional;
II - Mas, se assim não se entender, deve a coima aplicada ser reduzida para próximo dos mínimos legais, e suspensa;
III - Bem como reduzida a sanção acessória de inibição de conduzir;
IV - Devendo, nos termos do artigo 141.º do Cód. da Estrada, ser-lhe suspensa a execução da sanção acessória da inibição de conduzir, logo que paga a coima que lhe vier a ser aplicada, caso V.Exas entendam não a suspender.
ASSIM FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, A COSTUMADA JUSTIÇA!»
1.7. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso e, consequente manutenção da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Afigura-se-nos justa a condenação do arguido Recorrente.
2 - Sobre a prescrição concorda-se com o “Tribunal a quo” no sentido de que ocorreu um alargamento dos prazos de prescrição a factos que ocorreram antes do estando de emergência pelo tempo global de 159 dias, ou 5 meses e 7 dias, pelo que o prazo de 3 anos mais o mencionado período temporal estava em curso nomeadamente quando foi proferida a d. sentença, cfr. fls. 247, verso a 248, verso, da d. sentença.
2 - Dispõe o Código da Estrada no artigo 18, n.ºs 2 e 4, “Artigo 18.º
Distância entre veículos
1 - O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.
2 - O condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto.
3 - O condutor de um veículo motorizado deve manter entre o seu veículo e um velocípede que transite na mesma faixa de rodagem uma distância lateral de pelo menos 1,5 m, para evitar acidentes.
4 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.”
3 - O objetivo das penas/coimas é a proteção, o mais eficazmente possível dos bens jurídicos fundamentais, implicando a utilização da pena/coima como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas do Estado, e na tutela de bens jurídicos e do ordenamento jurídico-penal.
4 - A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, sendo a pena um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele reincida.
5 - Perante os elementos objetivos relevantes para a culpa entendemos que é elevada a culpa do arguido.
6 - Nestas circunstâncias entendemos que a pena/coima aplicada ao arguido não se afigura desproporcional, nem desadequada às exigências de prevenção e da culpa que, no caso, se fazem sentir.
7 - O Mm. º Juiz julgou valorando as provas corretamente, conjugando-as e analisando-as à luz das regras da experiência e das normas legais, pelo que observadas estas premissas, outro resultado não pode ser obtido que não seja a justeza da condenação do arguido.
8 - Na determinação da medida da pena/coima foram tidos em conta os princípios da adequação e da proporcionalidade.
9 - Perante os factos praticados e as exigências de prevenção geral e especial é de considerar a coima aplicada como criteriosa e equilibrada, bem como a sanção acessória, art.ºs 147 e 141, do Código da Estrada, e deste modo, conformes com os referidos princípios.
Nestes termos e nos demais de direito, que os Venerandos Desembargadores se dignarão suprir, negando provimento ao recurso e, em consequência mantendo a d. sentença recorrida, V. Excelências, agora, como sempre, farão JUSTIÇA»
1.8. Não tendo sido, inicialmente, admitido o recurso, pelo tribunal recorrido – com fundamento na sua extemporaneidade –, após reclamação do arguido/recorrente para o Exm.º Presidente deste Tribunal da Relação de Évora, a qual obteve deferimento (Apenso A), veio a ser proferido despacho de admissão do recurso.
1.9. Na sequência da decisão proferida no âmbito da reclamação mencionada em 1.8., o Exm.º Juiz a quo proferiu despacho, em 15/03/2023, declarando não ocorrer, nessa data, «prescrição do presente procedimento criminal».
1.10. Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões:
«1ª - Por sentença proferida pelo MMO Juiz a “quo”, em 17.11.2022 (Refª Citius 96080813) fixou pelo MMO Juiz a “quo”, como data de prescrição da contraordenação praticada pelo Recorrente, a data de 7 de fevereiro de 2023, em resposta ao requerimento do recorrente que invocou que a prescrição contraordenacional teria ocorrido em 30 de Agosto de 2022, fundamentando, pormenorizadamente, esta decisão com as suspensão dos prazos prescricionais previstos nas chamadas “LEIS COVID”.
2ª - Na sequência da procedência da Reclamação Do Recorrente, contra a não admissão do recurso, a que o MMO Juiz , decidiu ser de aplicar prazo contraordenacional de 10 dias, o MMO Juiz, louvando-se na decisão que admitiu a reclamação, e que decidiu que este é um processo penal e é à luz do direito penal que se resolvem as questões que nele se suscitam, entendeu que a prescrição não é exceção e que, se o arguido recorre da decisão que o condena pela prática de uma contraordenação não deixa, por isso, de se aplicar o prazo geral de recurso das decisões penais, do mesmo modo, se se conhece da prescrição, não deixa, em caso algum, de se atender ao objeto criminal do processo - tal como na admissão do recurso - e, consequentemente, aos prazos previstos na lei penal, pelo que, vindo o arguido acusado de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pelo art.º 148, n.ºs 1 e 3, do Código Penal , aplica-se o prazo geral de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, que ainda não decorreu, porque os factos ocorreram em 30 de Agosto de 2020
3ª - Mas o entendimento versado na decisão que atendeu a Reclamação do Despacho de admissão do recurso não pode ser interpretado, e aplicado analogicamente para a fixação do prazo prescricional da prática das contraordenações, porque o despacho recorrido indexa o instituto da prescrição à ordem processual, quando é doutrina assente e uniforme que a prescrição é um instituto de direito material, e o prazo prescricional tem natureza substantiva , tanto assim que vem regulada quer no Código Penal, quanto às infracções criminais, quer nas leis da contraordenações, quanto às infracções contra-ordenacionais, e nunca com referência às Leis e Regulamentação Processual.
4ª - Assim, não assiste qualquer razão ao MMO Juiz “ a quo” quando, na justificação da decisão recorrida, defende que a prescrição tem mera natureza processual, e tem de ser contado o prazo segundo o processo em que está a ser julgada, como no caso, não pela prática da contraordenação, mas pela prática do crime.
5ª - Houve desistência do procedimento criminal, mas mesmo que não tivesse ocorrido, certo é que a prescrição contraordenacional impediria a co-condenação do recorrente pela prática do crime e da contraordenação que teria sempre de ser considerada prescrita na data em que ocorresse a prescrição, impendentemente da data em que ocorresse a prescrição do procedimento criminal, relativamente à prática do crime.
6ª - À semelhança do que ocorreria se o recorrente estivesse a ser julgado num processo contraordenacional que, por via de recurso, corresse nos Tribunais, até porque é sempre de aplicar a lei que mais beneficia o arguido.
7ª - A prescrição a considerar em juízo, quanto à prática contraordenacional, ou seja, o prazo da prescrição que se aplica, não é o do procedimento criminal, que, aliás, neste caso, se encontra extinto, (mas mesmo que o não estivesse), mas o que a lei tipifica para as contraordenações e esses já decorreu.
8ª - O despacho recorrido violou o preceituado nos artigos 28º/3 do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, e artigo 188º do Código da Estrada, pelo que deve ser revogado e substituído por outro, declarando prescrita a infracção contraordenacional.
ASSIM, COM DOUTO SUPRIMENTO, DECIDIRÃO V. EXAS FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA».
1.11. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta recurso, pugnando pela sua improcedência e, consequente manutenção do despacho recorrido, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Sobre a prescrição concorda-se com o “Tribunal a quo” no sentido de que ocorreu um alargamento dos prazos de prescrição a factos que ocorreram antes do estando de emergência pelo tempo global de 159 dias, ou 5 meses e 7 dias, pelo que o prazo de 3 anos mais o mencionado período temporal estava em curso nomeadamente quando foi proferida a d. sentença, cfr. fls. 247, verso a 248, verso, da d. sentença.
2 - Concorda-se com o Mm. º Juiz de Direito quando refere “vemos que é incorreto, no caso dos autos, falar em “procedimento contraordenacional”. Com efeito, este é um processo penal e é à luz do direito penal que se resolvem as questões que nele se suscitam; a prescrição não é exceção.”, e
3 - Quando acrescenta “Com efeito, se por um lado o arguido beneficia de maiores garantias de defesa no quadro do processo penal, ao mesmo tempo, também o Estado beneficia de um período de tempo mais alargado para prosseguir os interesses da pretensão punitiva; donde se alcança, sem dúvida, unidade e coerência do sistema”.
4 - O Mm. º Juiz julgou valorando as provas corretamente, conjugando-as e analisando-as à luz das regras da experiência e das normas legais, pelo que observadas estas premissas, outro resultado não pode ser obtido que não seja a justeza da condenação do arguido pela contraordenação em apreço.
Nestes termos e nos demais de direito, que os Venerandos Desembargadores se dignarão suprir, negando provimento ao recurso e, em consequência mantendo a d. decisão judicial recorrida, V. Excelências, agora, como sempre, farão JUSTIÇA.»
1.12. Não tendo sido, inicialmente, admitido o recurso, pelo tribunal recorrido – com fundamento em que a questão da prescrição é de conhecimento oficioso e não é uma “questão fixa/imutável”, podendo ser sujeita a reexame, além de que, tendo o recurso da sentença condenatória sido admitido com efeito suspensivo, não estaria em causa novo prazo para a interposição do recurso, pelo que este último sempre seria extemporâneo –, após reclamação do arguido/recorrente para o Exm.º Presidente deste Tribunal da Relação de Évora, a qual obteve deferimento (Apenso B), veio a ser proferido despacho de admissão do recurso.
1.13. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer do seguinte teor:
«Aderimos à argumentação, no essencial, do Ministério Público junto da 1ª instância, com os aditamentos que seguem.
a) Quanto à prescrição do procedimento.
Na sentença prolatada, o Juiz a quo analisou a questão da prescrição do procedimento contraordenacional, estimando que a mesma não ocorreria antes do dia 7 de fevereiro de 2023.
Ora, por um lado, não se retira do decidido, como se apresenta, mostrar-se fixada na sentença a data precisa da extinção do procedimento contraordenacional por efeito da prescrição, apenas se ficando a saber inequivocamente que, no entendimento do Juiz a quo, a mesma não se verifica “antes do dia 7 de fevereiro de 2023”.
Por outro lado, mostra-se plausível o entendimento do Juiz a quo segundo o qual, face à decisão proferida sobre a reclamação contra a não admissão do recurso (Apenso A), se o arguido recorre da decisão que o condena pela prática de uma contraordenação, não deixa, por isso, de se aplicar o prazo geral de recurso das decisões penais. Do mesmo modo, se se conhece da prescrição, não deixa, em caso algum, de se atender ao objeto criminal do processo - tal como ali se faz, na admissão do recurso - e, consequentemente, aos prazos previstos na lei penal.
Nesta lógica de raciocínio, como bem ponderado no despacho recorrido, não poderá, sob pena de manifesta incoerência, aplicar-se, por um lado, um prazo de recurso mais alargado, e, por outro, um prazo de prescrição mais curto; atender-se quanto a uma questão ao objeto criminal do processo e quanto a outra ao objeto contraordenacional do processo.
E a ser assim, a prescrição do procedimento criminal afere-se em função do facto qualificado como crime (ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pelo art.º 148, n.ºs 1 e 3, do Código Penal), tendo presente que os factos remontam a 30 de agosto de 2019.
Pelo que, a ser assim, não se mostra extinto, por efeito da prescrição, o procedimento instaurado (cfr. prazo geral de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal).
Por último, e uma vez que a questão foi discutida e objeto de apreciação nos autos, importa deixar expresso o seguinte quanto à aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que previa a suspensão dos prazos de prescrição de crimes e contraordenações como medida de resposta à pandemia da doença Covid-19:
- No Acórdão do TC de 9/07/2021, nº500/2021, Processo n.º 353/2021, 3ª Secção, Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa, foi decidido não verificada a prescrição do procedimento contraordenacional instaurado contra o aí recorrente.
Tendo em conta que a norma em questão não foi decretada no uso de um poder de emergência constitucional, o Tribunal entendeu que a respetiva validade não podia ser aferida à luz do n.º 6 do artigo 19.º da Constituição, que se dirige exclusivamente ao poder de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência atribuído ao Presidente da República.
A questão fundamental do recurso era a de saber se o artigo 29.º da Constituição se opõe à aplicação imediata aos procedimentos pendentes da causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2000, atentos os princípios da proibição de aplicação retroativa da lei de conteúdo desfavorável e da legalidade penal.
E o Tribunal Constitucional entendeu que a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, pela sua singularidade, escapa totalmente às razões com base nas quais se justifica a aplicação da proibição da retroatividade às normas sobre prescrição.
E assim é porque se trata de uma medida transitória, destinada a vigorar apenas e só durante o período em que se mantivesse o condicionamento à atividade dos tribunais determinado pela situação excecional de emergência sanitária, condicionamento este indispensável para que o Estado pudesse cumprir o seu dever de proteção da vida e da integridade física de todos os cidadãos intervenientes no sistema de administração da justiça, incluindo dos próprios arguidos.
E, concluiu o Tribunal Constitucional, estas considerações valem, por maioria de razão, para os procedimentos pendentes de natureza contraordenacional, domínio em que, como decorre de jurisprudência firme, as exigências decorrentes do princípio da legalidade penal não se impõem com o mesmo grau de intensidade.
b) Quanto à coima e à sanção acessória aplicadas.
Atenta a factualidade provada, não nos parece excessiva a punição quer quanto à coima quer quanto à sanção acessória aplicadas, ao contrário do que defende o recorrente.
Para o efeito, há que ponderar o grau elevado da ilicitude, traduzido no modo de execução plasmado na dinâmica do acidente e nas graves consequências da conduta, a culpa do arguido, elevada, dada a condução manifestamente imprudente com invasão desnecessária da via de trânsito onde, na sua mão, seguia o ofendido, a não interiorização do desvalor da conduta e, ainda, as respetivas condições pessoais.
Posto isto, o tempo de aplicação da norma continua a ser um tempo de elevados níveis de sinistralidade rodoviária e um tempo que demanda sanções eficazes contra os que põem em causa a vida, a integridade física e o património de terceiros.
São elevadíssimas no caso as exigências de prevenção geral de integração e, a tal não se considerar, seria atentatório da necessidade estratégica de combate a condutas como as dos autos, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.
Tal facto coloca uma responsabilidade acrescida quer na prevenção, quer na repressão de tal tipo de condutas, não podendo as instâncias jurisdicionais deixar de dar uma resposta claramente dissuasora de forma a evitar a respetiva prática, muitas vezes com graves consequências para a integridade física e a vida dos cidadãos.
Os critérios de prevenção geral resultariam esvaziados a perfilhar o entendimento do recorrente, deixando a sociedade de crer na efetiva punição deste tipo de condutas, esvaziando quer o efeito socializador quer o efeito dissuasor da punição, uma vez que as necessidades de prevenção geral positiva fazem-se sentir de forma intensa, cumprindo reforçar a validade das normas, condutas que, suscitando acentuado alarme social, são praticadas com frequência, intensidade e consequências gravosas, pois que, de outra forma, gera-se um sentimento social de insegurança e permissividade perante tais condutas.
Fazem-se ainda sentir elevadas exigências de prevenção especial positiva, sendo que os critérios de prevenção especial emitiriam um perigoso sinal ao arguido, permitindo-lhe, ao invés de inverter o caminho percorrido, optar pela prática de condutas como as dos autos.
Quanto ao regime de execução da sanção acessória, alega o recorrente como suporte da pretendida suspensão da execução da mesma que da possibilidade de conduzir resulta o seu ganha-pão, porque trabalha na construção civil, tendo necessidade de se deslocar para os locais onde a entidade patronal que o contrate tenha obras, competindo-lhe conduzir outros operários e encontrando-se, atualmente. a trabalhar na Figueira da Foz.
Ora, as apontadas razões de prevenção prevalecem, em muito, sobre fatores de conveniência pessoal como a alegada necessidade de uso de viatura própria nas deslocações para o trabalho, como bem se pondera na sentença recorrida.
A propósito, ainda se dirá que o Tribunal Constitucional no Ac. nº 440/02 considerou que o conteúdo essencial do direito ao trabalho com a aplicação da sanção acessória da inibição de condução não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito do trabalho com a proteção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessórias infligidas - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
Pelas mesmas razões o art.23º da DUDH, que consagra um direito ao trabalho, pode ser restringido para a salvaguarda de outros direitos humanos, como o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa, estabelecidos no art.3º, desta mesma Declaração Universal.
O que importa é que se estabeleça uma concordância prática entre tais direitos humanos, que observe o princípio da proporcionalidade, mediante as exigências de adequação ou idoneidade (a); necessidade ou indispensabilidade (b) e de ponderação (c) [neste sentido Guillermo Escobar, “Introducción a la Teoria Jurídica de Los Derechos Humanos” (2005), pág. 115 e ss.].
Os custos de ordem profissional que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afetar o seu emprego, são próprios das penas/sanções, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pelas condutas em causa e que a aplicação da pena/sanção pretende prevenir.
Em suma, a punição tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça e proporcionalidade, observados no caso.
Pelo exposto, somos de parecer que deverão os recursos ser julgados improcedentes, mantendo-se na íntegra o despacho e a sentença recorridos.»
1.14. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente apresentou resposta ao Parecer do Exm.º PGA, reiterando que deve ser declarada a prescrição da contraordenação pela qual foi condenado ou, se assim, não se entender e sem conceder, que deve ser reduzido o período da sanção acessória de inibição de conduzir. Na hipótese de se considerar que o procedimento contraordenacional não se encontra prescrito, manifesta o recorrente dever ser perdoada a sanção acessória de inibição de conduzir, por aplicação do disposto no artigo 5º Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.
1.15. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir:

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
É consabido que as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o objeto do recurso (cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir, em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, bem como das causas de nulidade da sentença, a que se refere o artigo 379º, n.º 1 do CPP e de outras nulidades insanáveis, como tal tipificadas por lei.
No caso em análise, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente, das motivações de recurso apresentadas, são as seguintes as questões suscitadas:
No recurso interposto da sentença:
- Prescrição do procedimento contraordenacional;
- Medida da coima e da sanção acessória de inibição de conduzir;
- Suspensão da execução da sanção acessória da inibição de conduzir.
No recurso interposto do despacho proferido em 15/03/2023, com a Ref.ª Citius 96834923:
- Prescrição do procedimento contraordenacional.

2.2. A sentença recorrida – nos segmentos relevantes para a apreciação das questões suscitadas no recurso dela interposto –, é do seguinte teor:
«(…)
2. SANEAMENTO
Da prescrição do procedimento contraordenacional:
O arguido invoca a prescrição do procedimento contraordenacional no requerimento que apresentou em resposta à comunicação da alteração dos factos e da qualificação jurídica efetuada pelo tribunal - requerimento refª 43845082 -, todavia, não se afigura que o procedimento contraordenacional esteja nesta data prescrito, senão vejamos.
Os factos remontam a 30 de agosto de 2019, sendo certo que, - conforme o arguido também nos parece assinalar no ponto 5.ºdo requerimento -, a prescrição não ocorre antes de decorridos 3 anos desde aquela data (o prazo normal de prescrição (2 anos, cf., artigo 188.º do Código da Estrada) acrescido de metade (artigo 28.º, n.º 3, do RGCO).
Com efeito, nos autos registaram-se várias causas de interrupção do procedimento à luz do artigo 28.º do RGCO, pelo que haverá que se atentar na baliza temporal máxima estabelecida pelo n.º 3 deste normativo.
Indo por aqui procedimento contraordenacional estaria já, de facto, prescrito - desde o passado dia 30 de agosto de 2022.
Sucede, porém, que há que tomar em consideração que ocorre uma causa de suspensão excecional ou extraordinária dos prazos de prescrição entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 (1º período de suspensão, de 2 meses e 24 dias) e 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril e 2021 (2ª período de suspensão, de 2 meses e 13 dias), que totaliza no seu conjunto 5 meses e 7 dias, com referência à produção de efeitos da Lei 1-A/2020 de 19 de março e das suas sucessivas alterações (situação excecional decorrente da pandemia Covid 19), pois que no artigo 7.º desse diploma se veio a prever um causa extraordinária de “suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”, incluindo os de natureza contraordenacional como se alcança do n.º 6 do mesmo normativo.
Pode argumentar-se que este regime é apenas aplicável a processos entrados ou iniciados já na vigência da Lei 1-A/2020 de 19 de março; todavia, e com o devido respeito, não acompanha-mos esse entendimento pois que nos parece ter sido clara e inequívoca a intenção do legislador em fazer estender esta causa extraordinária de suspensão a todos os processos e procedimentos pendentes, na exata medida em que a atividade dos tribunais sofreu interregnos e interrupções por força da situação pandémica que, em circunstâncias normais, não ocorreriam; tais processos e procedimentos pendentes foram exatamente a causa de ser deste normativo.
Com efeito, limitando esta causa de suspensão apenas aos processos posteriores à Lei 1-A/2020 de 19 de março é, em termo práticos, atribuir reduzido alcance ou conteúdo prático ao normativo em referência; é limitar a sua aplicação a universo de processos recentes em que, na generalidade dos casos, não há sequer perigo de prescrição;
De resto, a questão não será pacífica/sólida na jurisprudência, veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-3-2022, processo 806/21.7T9PBL.C1 disponível para consulta in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler que ”Mostra-se conforme com o art.º 29.º, n.ºs 1, 3 e 4 da Constituição da República, a aplicação da causa de suspensão da prescrição prevista nos art.ºs 7.º, n.ºs 3 e 6, b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aos processos de natureza contraordenacional pendentes por factos anteriores à sua vigência e, nessa exacta medida, não violado o disposto no art.º 3.º, n.º 2, do RGCOC.”
Assim a prescrição não ocorre antes de decorridos 3 anos, 5 meses e 7 dias desde a data dos factos, ou seja, não ocorre antes de 7 de fevereiro de 2023.
Queremos salientar, também, que não nos parece que a questão deva merecer resposta diversa quanto à contraordenação resultante da comunicação - a contraordenação p. e p. pelo artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, do Código da Estrada;
Que o arguido ocupava a hemifaixa de rodagem de sentido contrário já resulta do texto da acusação pública; a alteração a que se procedeu é um minus face ao sentido e alcance do acusado; isto é, podendo não ficar demonstrado que o arguido efetuava uma ultrapassagem e por esse motivo invadiu a hemifaixa de rodagem de sentido contrário ainda assim subsiste - independentemente desse motivo - que invadiu a hemifaixa de rodagem de sentido contrário.
Não há, em bom rigor, factos novos; sucede apenas que pode resultar demonstrado menos daquilo que vinha acusado, não mais nem sequer nada de diferente/inovador - mantemos, por isso, nos termos já exarados no despacho refª 95967802, que a comunicação que efetuámos é uma comunicação de alteração não substancial dos factos e qualificação jurídica.
De notar que a contagem do prazo de prescrição, independente da alteração da qualificação jurídica resultante do julgamento e discussão da causa, se fará sempre com reporte à data dos factos praticados, não do momento em que ocorreu a comunicação - trata-se de uma vicissitude processual que não influi nessa contagem.
A instância mostra-se válida e regular nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. FACTOS PROVADOS
Acusação
1 - No dia 30-08-2019, cerca das 19H45, o ofendido BB conduzia o automóvel ligeiro de passageiros de marca Ford, modelo 3598-Fiesta, de matrícula ..-..-JL, na Estrada de acesso à Portaria sul da Petrogal, Sines, no sentido Rotunda dos Almarjões/Portaria sul da Petrogal - veículo doravante designado apenas por V2.
2 - O arguido AA, por sua vez, circulava no sentido contrário da mesma faixa de rodagem (Portaria sul da Petrogal/Rotunda dos Almarjões), conduzindo o automóvel ligeiro de passageiros de marca Mercedes Benz, modelo C 220 CDI com a matrícula ..-..-76, - veículo doravante designado apenas por V1.
3 - O V2 seguia dentro dos limites da sua via de trânsito quando o V1 invadiu a via de trânsito do V2 e colidiu com este.
4 - A colisão ocorreu, aproximadamente, ao nível da dianteira esquerda de ambos os veículos e no local em que a faixa de rodagem descreve uma curva.
5 - Imediatamente antes do acidente o V1 e o V2 não efetuaram qualquer travagem.
6 - O V1 e o V2 ficaram imobilizados na faixa de rodagem (ambos os veículos, aproximadamente, ficaram imobilizados dentro dos limites da via de trânsito em que circulava o V2).
7 - O V1 e o V2 não tinham qualquer tipo de anomalia mecânica relevante/que tenha contribuído para a produção do acidente.
8 - O condutor do V1 não sofreu qualquer encadeamento.
9 - O condutor do V2 estava atento e era conhecedor do local, efetuando-o regularmente para o seu local de trabalho.
10 - O condutor do V2 usava cinto de segurança. 11-O V2 circulava a cerca de 40 Km por hora.
12 - Do acidente resultaram ferimentos graves no ofendido BB e danos materiais em ambos os veículos.
13 - O ofendido BB sofreu lesões que lhe determinaram 512 dias para a consolidação médico-legal - com afetação da capacidade de trabalho geral de 90 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional de 512 dias - com consequências permanentes que lhe afetam, de maneira grave, a capacidade de trabalho - sequelas na visão e audição, nos ombros e no pé esquerdo.
14 - No local do acidente a estrada é em asfalto e a largura da faixa de rodagem é de 5,30 metros, sendo a configuração da faixa de rodagem de duas vias de trânsito uma em cada sentido de trânsito, separadas por uma linha descontinua marca M2, e a faixa de rodagem encontra-se delimitada por linhas guias, marca M19.
15 - A faixa de rodagem onde ocorreu o acidente encontrava-se em regular estado de conservação e a superfície estava limpa (sem obstáculos físicos à circulação).
16 - Apresentava obstruções visuais devido ao tipo de configuração da via (descreve uma curva) e arbustos que a ladeiam.
17 - Na via de trânsito em que seguia o V1 a velocidade máxima imposta pela sinalização vertical existente no local (sinal de trânsito C13) era de 50 km/h.
18 - [no seguimento da comunicação da alteração não substancial dos factos] O arguido agiu sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, ao conduzir o seu veículo naquela estrada sem acautelar distância lateral suficiente entre o seu veículo e o veículo conduzido pelo ofendido em sentido oposto ao seu, circulando, inclusivamente, dentro dos limites da via de trânsito ocupada pelo veículo do ofendido, vindo, desse modo, a embater nele.
Outra factualidade
19 - Em audiência de julgamento o arguido referenciou ao tribunal, quanto às suas condições pessoais, em síntese, que - é soldador, trabalha pontualmente por conta de outrem; aufere cerca de 780 euros/mês; paga uma pensão de alimentos a favor da sua filha de 9 anos, de 150 euros/mês; paga 200 euros da renda da casa da sua ex-companheira e da sua filha; vive em casa pertença da sua mãe; está a pagar o empréstimo do carro, 330 euros/mês; vai contando com a ajuda da sua mãe.
20 - Nada consta do registo individual do condutor do arguido.
21 - O arguido não possui antecedentes criminais registados.
(...).

3.4. MOTIVOS DE FACTO E DE DIREITO
Responsabilidade contraordenacional
Segundo a acusação, praticou o arguido as contraordenações estradais previstas e sancionadas nos seguintes artigos do Código da Estrada: 1 - Art.º 28, n.ºs 1, al. a) e 6, do Código da Estrada; 2 – Art.º 35, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada.
Artigo 28.º do Código da Estrada:
1 - Sempre que a intensidade do trânsito ou as características das vias o aconselhem podem ser fixados, para vigorar em certas vias, troços de via ou períodos:
a) Limites mínimos de velocidade instantânea;
b) Limites máximos de velocidade instantânea inferiores ou superiores aos estabelecidos no n.º 1 do artigo anterior.
2 - Os limites referidos no número anterior devem ser sinalizados ou, se temporários e não sendo possível a sinalização, divulgados pelos meios de comunicação social, afixação de painéis de informação ou outro meio adequado.
3 - A circulação de veículos a motor na via pública pode ser condicionada à incorporação de dispositivos limitadores de velocidade, nos termos fixados em regulamento.
4 - (Revogado.)
5 - É aplicável às infrações aos limites máximos estabelecidos nos termos deste artigo o disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo anterior.
6 - Quem infringir os limites mínimos de velocidade instantânea estabelecidos nos termos deste artigo é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.
7 - (Revogado.)”
Artigo 35.º do Código da Estrada:
1 - O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.
2 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.”
Do cotejo destes normativos e da factualidade provada prontamente se chega à conclusão que a conduta descrita não é subsumível a nenhuma destas contraordenações.
Pese embora não se possa afirmar circulasse o arguido em excesso de velocidade ou realizasse uma ultrapassagem sem as necessárias condições de segurança, subsiste, porém, que o acidente ocorreu porque circulava dentro dos limites da via de trânsito do veículo conduzido pelo ofendido, não mantendo, consequentemente, o necessário distanciamento lateral deste.
Importa, por isso, atentar na contraordenação p. e p. pelo artigo 18.º, n.ºs 2 e 4, do Código da Estrada:
1 - O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.
2 - O condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto.
3 - O condutor de um veículo motorizado deve manter entre o seu veículo e um velocípede que transite na mesma faixa de rodagem uma distância lateral de pelo menos 1,5 m, para evitar acidentes.
4 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.”
Parece-nos, sem dúvida, verificada infração ao n.º 2 do citado normativo, pois que pelo menos se pode afirmar que o acidente ocorreu na medida em que o arguido não mantinha distância lateral suficiente do veículo conduzido pelo ofendido;
É o arguido que infringe esse dever de manter a distância lateral suficiente pois que é ele que invade/circula dentro dos limites da via de trânsito do veículo do ofendido, onde ocorre o embate - facto(s) provado(s) 3 - e 4-.
A conduta do arguido é negligente (artigo 15.º do Código Penal), pois que podia e devia manter-se dentro dos limites da sua via trânsito/hemifaixa de rodagem e, se o tivesse feito, certo e seguro é que o acidente não teria ocorrido - facto(s) provado(s) 18-.
Esta contraordenação praticada pelo arguido é uma contraordenação grave (e, por isso, punível com coima e sanção acessória), nos termos do artigo 145.º, alínea f), do Código da Estrada:
“f) O desrespeito das regras e sinais relativos a distância entre veículos, cedência de passagem, ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha, início de marcha, posição de marcha, marcha atrás e atravessamento de passagem de nível;”
Na determinação da medida da sanção importa atentar aos critérios previstos no artigo 139.º do Código Penal.
1 - A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contraordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos.
2 - Na fixação do montante da coima, deve atender-se à gravidade da contraordenação e da culpa, tendo em conta os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos, e a situação económica do infrator, quando for conhecida.
3 - Quando a contraordenação for praticada no exercício da condução, além dos critérios referidos no número anterior, deve atender-se, como circunstância agravante, aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças, táxis, de TVDE, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de transporte de mercadorias perigosas.
No caso em apreço a contraordenação assume gravidade muito expressiva atendendo às consequências do acidente, com danos materiais e pessoais, tendo o ofendido BB sofrido lesões permanentes com afetação da sua capacidade de trabalho; a gravidade da infração é, com efeito, máxima.
A culpa do arguido é elevada pois que se releva uma condução manifestamente imprudente, invadindo de modo desnecessário a via de trânsito do ofendido sendo o único e exclusivo responsável pela produção do acidente.
Em benefício do arguido regista-se que nada consta do seu registo individual do condutor, nem possui antecedentes criminais registados.
Todavia assinalamos, em sentido negativo, muito negativo na verdade, que o mesmo, nas suas declarações, visou esquivar-se à sua responsabilidade, sugerindo que era o ofendido que circulava na sua via de trânsito, não reconhecendo falta da sua parte; e isso é preocupante considerando a gravidade do caso e aquilo que se apurou quanto à dinâmica do acidente, da exclusiva responsabilidade do arguido.
Avaliamos que o caso demanda uma coima exemplar, mesmo não se ignorando o apurado/declarado quanto às condições pessoais do arguido, necessariamente próxima do limite máximo (a coima, in casu, gradua-se entre 60 euros a 300 euros), assim em 270 (duzentos e setenta euros).
No que refere à sanção acessória dispõe o artigo 147.º do Código da Estrada:
1- A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contraordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.
2 - A sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contraordenações graves ou muito graves, respetivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.
3 - Se a responsabilidade for imputada a pessoa singular não habilitada com título de condução ou a pessoa coletiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia.
Renovamos, nesta sede, o que acima deixámos exposto em matéria de determinação da coima:
“No caso em apreço a contraordenação assume gravidade muito expressiva atendendo às consequências do acidente, com danos materiais e pessoais, tendo o ofendido BB sofrido lesões permanentes com afetação da sua capacidade de trabalho; a gravidade da infração é, com efeito, máxima.
A culpa do arguido é elevada pois que se releva uma condução manifestamente imprudente, invadindo de modo desnecessário a via de trânsito do ofendido sendo o único e exclusivo responsável pela produção do acidente.
Em benefício do arguido regista-se que nada consta do seu registo individual do condutor, nem possui antecedentes criminais registados.
Todavia assinalamos, em sentido negativo, muito negativo na verdade, que o mesmo, nas suas declarações, visou esquivar-se à sua responsabilidade, sugerindo que era o ofendido que circulava na sua via de trânsito, não reconhecendo falta da sua parte; e isso é preocupante considerando a gravidade do caso e aquilo que se apurou quanto à dinâmica do acidente, da exclusiva responsabilidade do arguido.”
Avaliamos que, tal como a coima, a sanção acessória deve, bem assim, cifrar-se próxima do seu limite máximo (sendo contraordenação grave, a sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano), e, assim, em não menos de 10 (dez) meses.
Não ocorrem, manifestamente, causas de atenuação especial da sanção acessória à luz do artigo 140.º do Código da Estrada (prevista para as contraordenações muito graves), ainda que, independentemente desse fator objetivo, não seria no caso adequada atenuação especial).
Em particular quanto ao regime de execução da sanção acessória prevê o artigo 141.º do Código da Estrada que
1 - Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contraordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
2 - Se o infrator não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.
3 - A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infrator, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contraordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:
a) (Revogada.)
b) Ao cumprimento do dever de frequência de ações de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;
c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.
4 - A caução de boa conduta é fixada entre (euro) 500 e (euro) 5000, tendo em conta a duração da sanção acessória aplicada e a situação económica do infrator.
5 - Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação são suportados pelo infrator.
6 - (Revogado.)
O arguido em resposta à comunicação da alteração dos factos/qualificação jurídica apresentou requerimento pugnando pela suspensão da sanção acessória que fosse eventualmente aplicada porque ”o arguido, até hoje, nunca foi condenado pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, já decorreram mais de três anos sobre a data da prática dos factos, e da possibilidade de conduzir resulta o seu ganha pão, porque trabalha na construção civil, tendo a necessidade de se deslocar para os locais onda entidade patronal que o contrate tenha obras, competindo-lhe conduzir outros operários e encontrando-se, actualmente, a trabalhar na Figueira da Foz.”
Não se pondo em causa as sobreditas circunstâncias, ao mesmo tempo é inegável que o arguido, com a sua conduta, deu origem a um acidente grave, com consequências permanentes para a pessoa do ofendido BB e isto não pode ser contornado, esquecido ou desvalorizado.
Muito pelo contrário, as necessidades de prevenção geral, mas também especial, prevalecem, em muito, sobre fatores de conveniência pessoal como sendo o uso de viatura própria nas deslocações para o trabalho;
É evidente que o cumprimento de uma inibição de conduzir em regime efetivo acarreta sacrifício, mas é justamente esse sacrifício que o caso demanda e que é necessário impor ao arguido.
Muito embora não haja notícia de o arguido ter praticado qualquer outra infração rodoviária, antes ou depois dos factos, tal não é razão bastante para suspender a execução da inibição, em nosso ver subsistindo, até hoje, mau grado os factos remontarem ao ano de 2019, a necessidade de significar ao arguido o desvalor deste comportamento rodoviário e a gravidade das suas consequências.
(...).»

2.3. O despacho recorrido – proferido em 15/03/2023, com a Ref.ª Citius 96834923 –, é do seguinte teor:
«Da prescrição do procedimento criminal:
Aquando da prolação da sentença analisámos a questão da prescrição do procedimento contraordenacional (veja-se o ponto “2. SANEAMENTO”), estimando-se que ela não ocorreria antes do dia 7 de fevereiro de 2023.
Essa data mostra-se, entretanto, ultrapassada, pelo que caberia agora ao tribunal, não houvesse nenhuma alteração, declarar a prescrição.
Todavia, ao tomarmos hoje conhecimento da douta decisão proferida sobre a reclamação contra a não admissão do recurso (Apenso A), vemos que é incorreto, no caso dos autos, falar em “procedimento contraordenacional”.
Com efeito, este é um processo penal e é à luz do direito penal que se resolvem as questões que nele se suscitam; a prescrição não é exceção.
Assim, e como já está claro nos autos, se o arguido recorre da decisão que o condena pela prática de uma contraordenação, não deixa, por isso, de se aplicar o prazo geral de recurso das decisões penais.
Do mesmo modo, se se conhece da prescrição, não deixa, em caso algum, de se atender ao objeto criminal do processo - tal como ali se faz, na admissão do recurso - e, consequentemente, aos prazos previstos na lei penal.
Não poderia, - sob pena de manifesta incoerência, pensamos -, aplicar-se, por um lado, um prazo de recurso mais alargado, e, por outro, um prazo de prescrição mais curto; atender-se quanto a uma questão ao objeto criminal do processo e quanto a outra ao objeto contraordenacional do processo; sempre temos de atender ao objeto criminal, enquanto processo penal que é.
Ora, a prescrição do procedimento criminal afere-se em função do facto qualificado como crime.
O arguido vinha nos presentes autos acusado de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pelo art.º 148, n.ºs 1 e 3, do Código Penal e os factos remontam a 30 de agosto de 2019, sendo assim manifesto que não há, neste momento, perigo de prescrição (não decorreu ainda, sequer, o prazo geral de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal).
E bem vemos, agora, com a decisão da douta Relação, que assim tem que ser. Com efeito, se por um lado o arguido beneficia de maiores garantias de defesa no quadro do processo penal, ao mesmo tempo, também o Estado beneficia de um período de tempo mais alargado para prosseguir os interesses da pretensão punitiva; donde se alcança, sem dúvida, unidade e coerência do sistema.
Caso contrário, poderia suceder, como aparentemente se revelava nos autos - mas vemos, agora, que erradamente -, que face à desistência de queixa em matéria criminal, o processo ficasse, de modo imprevisto, sujeito a um prazo de prescrição substancialmente mais curto; faz todo o sentido, com efeito, que a prescrição se afira sempre com reporte ao objeto criminal do processo.
Pelo que não ocorre, nesta data, prescrição do presente procedimento criminal, o que se declara.»

2.4. Apreciação do mérito dos recursos
Em ambos os recursos interpostos pelo arguido é suscitada a questão da prescrição do procedimento referente à contraordenação, p. e p. pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 4 do Código da Estrada, por cuja prática foi condenado na sentença recorrida, na coima de €270,00 (duzentos e setenta euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 10 (dez) meses.
Quer na sentença, quer no despacho recorridos, decidiu o Tribunal a quo não estar prescrito tal procedimento, estribando-se em distintos fundamentos, numa e noutra das decisões, para que assim decidisse.
No despacho recorrido, proferido em momento posterior à prolação da sentença – na sequência da decisão do Exm.º Presidente deste Tribunal da Relação, no Apenso A, que deferindo a reclamação apresentada pelo arguido/recorrente do despacho de não admissão do recurso que interpôs da sentença, considerou ser aplicável à tramitação dos autos, as regras do processo penal, designadamente quanto ao prazo de 30 dias para a interposição do recurso, previsto no artigo 411º, n.º 1, al. a) do CPP – entendeu o Exm.º Juiz a quo ser aplicável, ao caso concreto, o prazo de prescrição previsto para o procedimento criminal, com referência ao crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, n.ºs 1 e 3 do CPP, por cuja prática foi acusado, prazo esse de cinco anos, nos termos do disposto no artigo 118º, n.º 1, al. c) do Código Penal. Nessa conformidade, tendo em conta a data dos factos (30/08/2019), por não se mostrar decorrido o referido prazo geral de cinco anos, o Sr. Juiz a quo declarou não ocorrer a prescrição do procedimento criminal.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, sufraga o entendimento do tribunal recorrido.
Por sua vez, o arguido/recorrente sustenta ter-se já completado o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, computado em três anos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 188º, n.º 1 do Código da Estrada e 28º, n.º 3 do Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – regime geral do ilícito de mera ordenação social, doravante designado RGCO – , na redação introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.
Apreciando:
Com relevância para a apreciação da questão que nos ocupa, colhem-se nos autos os seguintes elementos:
- Na acusação deduzida pelo Ministério Público, foi imputada ao arguido, ora recorrente, a prática, em 30/08/2019, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal e de duas contraordenações, p. e p., respetivamente, pelo artigo 28º, n.ºs 1, al. a) e 6 e pelo artigo 35º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código da Estrada.
- Recebida a acusação e designada data para julgamento, antes da realização deste último, o ofendido veio a desistir da queixa apresentada contra o arguido, a qual foi homologada, sendo, consequentemente, declarado extinto o procedimento criminal.
- Em face da extinção do procedimento criminal – e bem assim como da causa cível enxertada, em virtude da existência de transação entre o demandante e a demandada, que foi homologada por sentença –, prosseguiram os autos para julgamento da responsabilidade contraordenacional imputada ao arguido na acusação pública, nos termos do disposto no artigo 38º, n.º 1 do RGCO e 31º, n.º 1, al. a) do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º, n.º 1 do RGCO.
- Realizado o julgamento, procedeu o tribunal a quo, à alteração não substancial dos factos descritos na acusação e da respetiva qualificação jurídica, em termos de integrarem a prática de uma contraordenação rodoviária grave, p. e p. pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 4 do Código da Estrada, tendo, na sentença, proferida em 17/11/2022, o arguido sido condenado nessa conformidade, na coima de €270,00 (duzentos e setenta euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor de qualquer categoria, pelo período de 10 (dez) meses.
Neste quadro, em face da questão suscitada nos recursos e que agora é objeto de apreciação, cabe perguntar:
Qual o prazo geral da prescrição a ter em consideração, o de cinco anos previsto no artigo 118º, n.º 1, al. c) do Código Penal, para a prescrição do procedimento criminal, com referência ao crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, por cuja prática o arguido foi acusado - procedimento esse declarado extinto, por desistência de queixa, antes do julgamento – ou o de dois anos estabelecido no 188º, n.º 1 do Código da Estrada, para a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária?
Salvo o devido respeito pela posição contrária, sufragada no despacho recorrido e acolhida pelo Ministério Público, não temos dúvidas em afirmar ser o prazo da prescrição do procedimento contraordenacional aquele que terá de ser considerado.
Na verdade, em nosso entender, estando em causa a prática de uma contraordenação, não podendo confundir-se o regime aplicável à tramitação dos autos, o qual segue as regras do processo penal e o regime da prescrição do procedimento, sendo o criminal regulado no Código Penal e o contraordenacional na lei que prevê a específica contraordenação e no RGCO.
Conforme vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência maioritárias, ainda que o instituto da prescrição do procedimento criminal tenha natureza mista, substantiva e processual, as normas que estabelecem os prazos da prescrição e as que preveem as causas de suspensão e de interrupção, revestem natureza substantiva[1], sendo classificadas, por alguns, como normas «processuais penais materiais[2]».
Donde, em caso algum, poderão aplicar-se às contraordenações os prazos de prescrição do procedimento criminal, previstos no Código Penal.
Concluímos, assim, que o prazo de prescrição do procedimento a considerar, in casu, é o respeitante à contraordenação rodoviária imputada ao arguido/recorrente e por cuja prática foi condenado na sentença recorrida, p. e p. pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 4 do Código da Estrada.
De harmonia com o preceituado no artigo 188º, n.º 1 do Código da Estrada, na redação da Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro, o prazo geral de prescrição do procedimento referente às contraordenações rodoviárias é de dois anos.
Relativamente às causas de suspensão e de interrupção da prescrição, dispõe o n.º 2 do referenciado artigo 188º do CE, que: «Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória
São, pois, aplicáveis às contraordenações rodoviárias, as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com as alterações subsequentes, a última das quais introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.
No respeitante à interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional estatui o artigo 28º do RGCO que:
«1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição.
2. Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação;
3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade
No que tange às causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal, previstas no n.º 1 do artigo 121º do Código Penal, são as seguintes: a) a constituição de arguido; b) a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) a declaração de contumácia e d) a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
No tocante à suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, dispõe o artigo 27º-A do RGCO:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses
Reportando-se à anterior redação do artigo 27º-A do RGCO, dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro[3], o STJ, no Assento – atualmente com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência – n.º 2/2002, de 17/01/2002[4] fixou a seguinte jurisprudência «O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro
Coloca-se a questão de saber se após a alteração da redação do artigo 27º-A, introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, tendo sido aditadas outras causas de suspensão do procedimento contraordenacional, a jurisprudência fixada no referenciado Acórdão mantém atualidade.
Em nosso entender tal questão merece resposta positiva, na situação em que verificando-se concurso de infrações, a contraordenação é objeto de apreciação no âmbito de processo criminal.
Estando as causas de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 27º-A do RGCO, aditadas pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, direcionadas para o processo contraordenacional, caso se considerasse que sendo a contraordenação apreciada, no âmbito do processo criminal, não existiriam causas de suspensão da prescrição do procedimento, tal conduziria, em nossa opinião e salvo o devido respeito pela posição em sentido divergente, a uma solução incongruente e contrária à unidade do sistema jurídico.
Consideramos, pois, manter validade a jurisprudência fixada pelo STJ, no Assento n.º 2/2002, com referência à redação dada ao artigo 27º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, pelo Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, na situação em que, existindo concurso de infrações, crime e contraordenação, esta última seja objeto de apreciação no âmbito de processo criminal.
Assim, no que ao presente caso importa, do confronto entre as causas de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional estabelecidas no artigo 27º-A do RGCO, na redação introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro e as causas de suspensão do procedimento criminal previstas no artigo 120º, n.º 1 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, efetuando as devidas adaptações, entendemos que a prescrição do procedimento contraordenacional – tal como a do procedimento criminal, entretanto julgado extinto, por desistência de queixa –, se suspendeu com a notificação ao arguido da acusação (cf. al. b) do n.º 1 do artigo 120º do CP).
Contudo, considerando a norma do n.º 2 do artigo 27º-A do RGCO, tratando-se de lei especial, entendemos que a suspensão do procedimento contraordenacional, não pode ultrapassar seis meses[5].
Por último, importa atentar nas causas de suspensão da prescrição, previstas nos diplomas que estabeleceram medidas excecionais, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
Assim:
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – que estabelece Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 –, no seu artigo 7º, n.ºs 3 e 4, estatui que «A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos» (n.º 3) e que «O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.» (n.º 4).
A referida Lei n.º 1-A/2020, quer veio a ser alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de abril, produziu efeitos a 09/03/2020 (cf. n.º 2 do artigo 6º da Lei n.º 4-A/2020) e até 03/06/2020 (cf. artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 19 de maio).
Por sua vez a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro – que estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março –, no seu artigo 6º-B, n.ºs 3 e 4 estatui que «São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1[6]» (n.º 3) e que «O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.» (n.º 4).
A enunciada Lei n.º 4-B/2021, produziu efeitos a 22/01/2021 (cf. artigo 4º) e até 06/04/2021 (cf. artigo 6º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril – diploma que cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março).
Tem gerado controvérsia, a questão de saber se as causas de suspensão da prescrição, previstas nos citados artigos 7º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e 6-B. n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, quando está em causa procedimento por contraordenação, apenas são aplicáveis a processos por factos cometidos após o inicio da vigência de tais diplomas legais, ou se se aplicam também a processos por factos cometidos antes do inicio da vigência dessas leis e, por consequência, a prazos de prescrição que se encontram em curso, à data da sua entrada em vigor e que não se tivessem ainda completado.
Perfilhamos deste último entendimento.
O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível do artigo 7º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, decidiu, entre outros, nos Acórdãos n.º 500/2021, de 20 de setembro[7], n.º 660/2021, de 29 de julho de 2021[8] e na Decisão Sumária n.º 177/2023, de 14/03/2023[9], não julgar inconstitucional o sobredito artigo, “interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”, ou seja, que “se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, se encontram já em curso”.
Certo sector da jurisprudência vem defendendo uma solução que pretende conciliar a salvaguarda do princípio da legalidade e não retroatividade da lei contraordenacional, com a aplicação da suspensão dos atos e prazos nos processos contraordenacionais, imposta pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e posteriormente, pela Lei nº 4-B/2021, qual seja a de que esta suspensão configura uma causa suspensiva da prescrição, por falta de autorização legal para o processo continuar, nos termos do artigo 27º- A, al. a), do RGCO[10]
Definido que fica o quadro jurídico a considerar, regressemos ao caso dos autos:
A contraordenação rodoviária cuja prática é imputada ao arguido/recorrente, reporta-se a factos ocorridos em 30/08/2019 e, portanto, nesta data, começou a correr o prazo de dois anos de prescrição do procedimento contraordenacional.
É sabido que a interrupção da prescrição inutiliza o tempo já decorrido desde o início da contagem do respetivo prazo, começando a correr, depois de cada interrupção, novo prazo de prescrição (artigo 121º, nº 2 do CP).
Diversamente, na suspensão da prescrição, o prazo que está em curso não fica inutilizado, apenas deixa de correr, durante o período legalmente fixado ou até ao desaparecimento do obstáculo ou facto suspensivo, voltando a correr a partir daí (cf. n.º 6 do artigo 120º do CP).
No caso dos autos, ocorreram causas de interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional que integram o n.º 2 do artigo 188º do Código da Estrada e as alíneas a), b) e d) do Código Penal, aplicáveis ex vi do n.º 2 do artigo 28º do RGCO.
E verificaram-se também, em nosso entender, causas de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, quais sejam, a pendência deste, a partir da notificação ao arguido do despacho de acusação [que teve lugar em 18/01/2022 – cf. fls. 168 e 175], nos termos previstos na al. b) do n.º 1 do artigo 120º do CP, aqui aplicável pelos fundamentos sobreditos e as causas estabelecidas no artigo 7º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e no artigo 6º-B, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.
Com referência à al. b) do n.º 1 do artigo 129º do CP e por força do disposto no n.º 2 do artigo 27º-A do RGCO, a suspensão do procedimento contraordenacional não pode ultrapassar seis meses.
Refira-se que, no presente caso, desde a notificação ao arguido da acusação, que teve lugar em 8/01/2022 até à prolação da sentença condenatória, em 17/11/2022, decorreram 10 meses e 9 dias.
No atinente à suspensão da prescrição do procedimento prevista no artigo 7º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e no artigo 6º-B, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ocorrendo, nos termos estabelecidos nestes normativos, nos períodos de 09/03/2020 até 03/06/2020 e de 22/01/2021 até 06/04/2021, acrescendo esses períodos de tempo, que se computam[11], respetivamente, em 2 meses e 24 dias e em 2 meses e 14 dias, perfazendo um total de 5 (cinco) meses e 8 (oito) dias, ao prazo máximo de prescrição previsto no regime geral (cf. n.º 4 do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020 e do artigo 6º-B, da Lei n.º 4-B/2021).
Nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 28º do RGCO, a prescrição tem sempre lugar quando desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
No caso vertente, considerando que a contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, que é de dois anos, se iniciou em 30/08/2019, ocorrendo as causas de suspensão da prescrição supra enunciadas, pelos períodos, respetivamente, de 6 (seis) meses e 5 (cinco) meses e 8 (oito) dias, conclui-se ter já decorrido o prazo de prescrição (2 anos), acrescido de metade (1 ano) e dos enunciados períodos de suspensão (6 meses + 5 meses e 8 dias), prazo esse que se completou em 04/08/2023.
Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 28º, n.º 3, do RGCOC, impõe-se concluir, que a prescrição do procedimento contraordenacional, ocorreu no dia 04/08/2023.
Termos em que, com tal fundamento, se impõe declarar extinto, o procedimento por contraordenação rodoviária grave, por cuja prática o arguido foi condenado na sentença recorrida, p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 4 do Código da Estrada.
Consequentemente, conquanto a prescrição ocorresse em momento posterior ao da interposição dos recursos, devem estes de ser julgados procedentes.

3. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento aos recursos interpostos pelo arguido AA e, em, consequência:
- Declarar extinto, por prescrição, o procedimento por contraordenação rodoviária grave, por cuja prática o arguido foi condenado na sentença recorrida, p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 4 do Código da Estrada.
Sem tributação.
Notifique.
[Consigna-se que à data em que os autos foram conclusos para exame preliminar, 04/09/2023, já havia ocorrido a prescrição do procedimento contraordenacional agora declarada]

Évora, 10 de outubro de 2023

Fátima Bernardes – Relatora
João Carrola – 1º Adjunto
Carlos de Campos Lobo – 2º Adjunto (com declaração de voto que se segue)

Voto favoravelmente a presente decisão, notando, contudo, que na parte respeitante à eventual aplicação do regime trazido por via das Lei nº 1-A/2020, de 19 de março – artigos 6º-B e 7º, nº 3 – Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril – artigo 2º - e Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro – artigo 6º-B, criando causas especiais de suspensão, não se subscreve a linha de entendimento vertida no presente Acórdão.
Não desconhecendo pronunciamento já tido pelo Tribunal Constitucional considerando a bondade do uso de tais mecanismos suspensivos, pensa-se que os mesmos não podem por força do princípio da legalidade, ser aplicados de forma retroativa aos crimes e / ou contraordenações, a não ser que tal se mostre, em concreto, mais favorável ao agente.

____________________________________
[1] Cf., por todos, na doutrina, Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal, Anotado, Vol. II, 4ª edição, 2016, Rei dos Livros, páginas 592 e 593 e, na jurisprudência Ac. da RP de 01/02/2023, proc. 2544/22.4T9AVR.P1 e Ac. da RC de 20/05/2015, proc. 52/98.1GTLRA.C1, in www.dgsi.pt.
[2] Cf. Américo A. Taipa de carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2ª edição, 1997, Coimbra Editora, páginas 291 a 295.
[3] O qual dispunha que : «A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal».
[4] Publicado in DR n.º 54, Série I-A, de 05/03/2002.
[5] Neste sentido, embora com fundamentos não coincidentes com aqueles que foram por nós considerados, cf. Ac. desta RE de 22/11/2018, proc. 14/13.0GTPTG.E1, in www.dgsi.pt.
[6] Neste número é prevista a suspensão de «todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.»
[7] Com extrato publicado no Diário da República n.º 183/2021, Série II, de 20/09/2021.
[8] Acessível in www.cmvm.pt › Acórdão TC 367 21.
[9] Proferida no processo n.º 258/2023 e que tendo sido objeto de reclamação a mesma foi indeferida conforme Acórdão nº 226/202, de 21/04/2023, ambos acessíveis in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc
[10] Neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RP de 08/03/2023, proc. n.º 3482/22.6T9AVR.P1, in www.dgsi.pt.
[11] Sendo aplicáveis à contagem do prazo de prescrição as regras estabelecidas no artigo 279º do C. Civil.