PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CRIME AUTÓNOMO
CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES
Sumário

No artigo 234 do Código Penal de 1995 prevê-se um tipo de crime autónomo.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I – Nos autos de Querela nº ../86.4TBSJP, pendentes no Tribunal Judicial de SÃO JOÃO DA PESQUEIRA, em que são réus:
- B..........,
- C..........,
- D..........,
- E..........,
- F..........,
- G..........,
- H..........,
- I..........,
- J..........,
- K..........,
- L.........., e
M.........., todos devidamente identificados nos autos, foi proferido despacho a declarar extinto o procedimento criminal por prescrição contra todos os arguidos, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelos artºs 300º e 332º do Cód. Penal de 1982, e 205º e 234º do Cód. Penal de 1995.
Tal despacho, relativo a todos os arguidos, abarca duas decisões distintas: uma referente aos arguidos não funcionários e outra respeitando aos arguidos funcionários.
Desse despacho interpõem recurso o Mº Pº relativamente às duas decisões que abrangem todos os arguidos, e a assistente X.........., apenas em relação aos arguidos funcionários, havendo, assim, nesta parte justaposição de ambos os recursos.
O recorrente Mº Pº remata a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1ª) Os arguidos foram pronunciados, entre outros crimes que já foram declarados prescritos, como autores de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 300º, nºs 1, 2, als. a) e b), e 3, 299º, 30º, nº 2 e 78º, nº 5, do Cód. Penal de 82, e artºs 205º, nºs 1, 4, al. b) e 5, 234º, nº 1, 30º, nº 2 e 79º do Cód. Penal de 95.
2ª) A moldura penal deste ilícito é de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão, qualquer que seja o regime aplicável, face ao disposto no artº 2º, nº 4, do Cód. Penal.
3ª) O prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal é de 15 anos, seja pelo Cód. Penal de 82, seja pelo Cód. Penal revisto (95), como resulta do estatuído nos artºs 117º, nº 1 al. a) e 118º, nº 1, al. a), destes Códigos, respectivamente, o qual ainda não decorreu.
4ª) Porém, na sessão da audiência de julgamento, realizada em 11 de Dezembro de 2003, por decisão exarada em acta, os M.mos Juízes do Colectivo, oficiosamente, declararam extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra todos os arguidos, nos termos do artº 117º, nºs 1, al. b) e 2, do Cód. Penal, versão originária, e artº 118º, nºs 1, al. b) e 2, do mesmo Código, versão actual, pondo, assim, termo ao processo.
5ª) Na base desta douta decisão está o entendimento de que o prazo de prescrição do procedimento criminal pelo referido crime é de 10 anos, uma vez que o limite máximo da pena de prisão a atender para o efeito é de 8 anos, face ao disposto no artº 117º, nº 1, al. b), do Cód. Penal de 82 e no artº 118º, nº 1, al. b), do Cód. Penal de 95.
6ª) Com efeito, considerou-se que as circunstâncias agravantes, contidas no nº 3, do artº 300º, em conjugação com o artº 299º, ambos do Cód. Penal de 82, e no nº 1, do artº 234º, do Cód. Penal em vigor, não relevam para a determinação do máximo da pena aplicável, para efeitos prescricionais, passando a ser de 1 a 8 anos de prisão a moldura penal do crime de abuso de confiança.
7ª) Porém, tais circunstâncias são elementos que fazem parte do tipo legal de crime imputado aos arguidos e, por isso, devem ser tidas em conta na determinação da pena aplicável, para efeitos de prescrição do procedimento criminal.
8ª) A questão em apreço já antes, e por diversas vezes, foi expressamente decidida no sentido oposto ao da decisão recorrida, por despachos que transitaram em julgado (V. fls. 4494/4495, 4524/4527, 5225/5240).
9ª) Aliás, um desses despachos foi proferido, em 6/2/03, pelos mesmos Senhores Juízes que prolataram a decisão sob recurso, tendo então reconhecido que a questão estava abrangida pelo caso julgado e que, por isso, não podia ser apreciada de novo (cfr. fls. 5401/5408).
10ª) Ao fazê-lo agora, a douta decisão recorrida violou o princípio do caso julgado.
11ª) Violou também, por erro de interpretação, o disposto nos artºs 117º, nºs 1, als. a) e b), e 2, 299º e 300º, do Cód. Penal de 82 e o disposto nos artºs 118º, nºs 1, als. a) e b), e 2, 205º e 234º, nº 1, do Cód. Penal.
12ª) Deve, assim ser revogada tal decisão e ordenar-se que seja substituída por outra que reconheça e declare que o procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança, imputado a todos os arguidos, não se encontra prescrito e, consequentemente, determine o prosseguimento dos autos, com designação de data para o julgamento.

Por sua vez a recorrente X.......... extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1 – O despacho recorrido e na parte em que é objecto do presente recurso, viola o caso julgado antes já formado quanto à definição do prazo de prescrição do crime de abuso de confiança na forma continuada (artºs 234º, nº 1º e 205º, nº 4º, al. b) do Cód. Penal, na versão actual, e artºs 300º e 332º do Cód. Penal na sua versão inicial), pelo qual os arguidos, ora recorridos, estão pronunciados na sequência do douto Acórdão antes proferido por este Tribunal da Relação.
2 – O prazo de prescrição do referido crime é de quinze anos, pois que naqueles artºs se estabelece um novo tipo de crime, e não uma forma agravada do crime de abuso de confiança.
3 - Assim sendo, no caso em análise, considerando as interrupções do prazo prescricional e ainda a suspensão máxima prevista, tudo devidamente detalhado no despacho do Meritíssimo Senhor Juiz datado de 15/7/2002, o prazo prescricional não se completará antes que tenham decorrido vinte e dois anos e meio desde a prática, em fins de Maio de 1985, do último facto constante da pronúncia.
4 – A douta decisão recorrida violou, com o devido respeito, o disposto no artº 666º nºs 1 e 3 do Cód. Proc. Civil versão pré-reforma aplicável por força do parágrafo único do artº 1º do Cód. Proc. Penal de 1929, ambos aqui aplicáveis, e também as normas do Cód. Penal supra referidas e que foram deficientemente interpretadas.
Termina pedindo a revogação do despacho recorrido na parte que se refere aos três arguidos funcionários e se ordene o prosseguimento da audiência de julgamento.
Responderam aos recursos do Mº Pº e da assistente X.......... os arguidos B.......... e M.......... pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Nesta instância o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento de ambos os recursos.
Na esteira de reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional o referido parecer foi notificado aos arguidos não tendo sido deduzido qualquer resposta ao mesmo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – Havendo justaposição parcial dos recursos do Mº Pº e da assistente X.........., ir-se-á tratar unitariamente ambos os recursos relativamente à parte comum para depois se apreciar o recurso do Mº Pº na parte remanescente.
Por uma questão de precedência lógica, iremos apreciar em primeiro lugar a questão decidida em segundo lugar no despacho recorrido: a da prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos funcionários.
Na verdade, se o crime previsto no artº 332º do Cód. Penal de 1982 (ou artº 234º do Cód. Penal de 1995) não constituir um tipo de ilícito, é manifesto que a outra questão fica prejudicada.
Vejamos.
O despacho recorrido é do seguinte teor:
- Os arguidos encontram-se pronunciados pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelos artºs 300º e 332º do Cód. Penal, versão de 1982, e 205º e 234º do Cód. Penal, versão de 1995.
- Nos termos das citadas disposições comete o crime de abuso de confiança agravado “quem, por força do cargo que desempenha, detiver a administração, gerência, ou simples capacidade de dispor relativamente a bens do sector público ou cooperativo, e deles ilegitimamente se apropriar ou permitir, intencionalmente, que outrem ilegitimamente se aproprie, será punida com pena que ao respectivo crime corresponda agravada de metade nos seus limites mínimo e máximo”.
- Estamos, assim, perante um crime de delito específico impróprio. Com efeito, “o autor não pode ser qualquer pessoa mas apenas aquela na qual se verifica uma específica qualidade: a de, «por força do cargo que desempenha [deter] a administração, gerência ou simples capacidade de dispor de bens do sector público ou cooperativo»; a de se verificar essa específica qualidade e, consequentemente, o respectivo dever especial que pesa sobre o agente, derivado da posição jurídica particular que lhe cabe. E, deve acrescentar-se desde já, por ser um ponto da maior relevância, que o circulo de agentes idóneos do crime do artº 234º vale para qualquer uma das modalidades de acção previstas no tipo: tanto para a do agente se apropriar como para a do agente permitir que outrem se aproprie”, conforme escreve o Prof. Figueiredo Dias, em «Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 527.
- Pelos factos descritos na pronúncia constata-se que apenas aos arguidos B.........., M.......... e C.......... é imputada a qualidade de funcionários do Banco Z.........., conforme se retira de fls. 3.927 a 3.939.
- Quer isto significar que aos restantes arguidos não pode ser imputada a agravação prevista no artigo em análise, independentemente de se analisar o preenchimento do tipo do crime de abuso de confiança, o único que está aqui em causa, conforme se retira dos despachos de fls. 5.225 e seguintes e 5.405 a 5.407.
- Assim sendo, o crime porque os arguidos destes autos, com a excepção dos arguidos funcionários do banco, é aquele previstos nos artºs 300º, nº 2 do Cód. Penal, versão originária, actual artº 205º, nº 5 do Cód. Penal, que é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
- Nos termos dos artºs 117º, nº 1, al. b) do Cód. Penal, versão originária, e 118º, nº 1, al. b) do Cód. Penal, versão actual, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos sendo o prazo máximo de 15 anos, nos termos do artº 120º, n. 3 do Cód. Penal, versão originária, actual artº 121º, nº 3 do mesmo diploma, após a revisão de 1995.
- No que se refere às questões de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal remetemos para o despacho de fls. 5.705 e seguintes, onde tal questão foi devidamente analisada.
- Assim sendo, o procedimento criminal encontra-se prescrito, nesta altura, em relação a todos os arguidos, com a excepção daqueles supra referidos, pelo que deverá o mesmo ser declarado extinto quanto aos mesmos.
- Apesar de se estar ainda no decurso da audiência de julgamento, é claro para nós que a prescrição do procedimento criminal consubstancia uma questão prévia que tem relevância na apreciação do mérito da causa.
- Por outro lado o Tribunal esta impedido de praticar – ou permitir que se pratiquem – actos inúteis, conforme o artº 137º do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do disposto no artº 4º do Cód. Proc. Penal, o que aconteceria se apenas em sede de acórdão nos pronunciássemos sobre esta questão. Os actos relativos à audiência de julgamento que daqui para a frente se realizassem seriam inúteis, uma vez que não teriam qualquer interesse ou repercussão na questão da prescrição do procedimento criminal.
*
- Por estas mesmas razões entendemos dever fazer referência à situação dos restantes três arguidos, funcionários, ao tempo da prática dos factos, do Banco Z............
- Aos arguidos é imputada a prática do crime de abuso de confiança, agravado nos termos dos artºs 332º, nº 1 do Cód. Penal, versão originária, 234º, nº 1 do Cód. Penal versão actual.
- Sobre este preceito escreve o Prof. Figueiredo Dias, na obra já citada, pág. 525, que “constitui uma forma agravada ou qualificada de crimes comuns contra a propriedade ou contra o património. Não um tipo qualquer modo autónomo perante aqueles em nome de eventuais especificidades político – ideológicas (...) da propriedade colectiva perante a propriedade privada. O que valerá então por dizer que – não fora, repete-se, o clima político – ideológico em que nasceu o Cód. Penal de 1982 – do ponto de vista técnico – legislativo, o artº 234º bem poderia ter sido substituído por cláusulas agravantes inseridas em certos crimes contra a propriedade ou património.”
- Ora, nos termos dos artº 117º, nº 2 do Cód. Penal, versão de 1982, actual artº 118, nº 2 do mesmo diploma, “para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não com as circunstâncias agravantes ou atenuantes”.
- Na sequência do que acima deixámos exposto, a agravação em causa não tem relevância para a determinação do máximo da medida da pena, pelo que a moldura abstracta a levar em conta é aquela que tem como mínimo 1 ano de prisão e como máximo 8 anos de prisão.
- Assim sendo, valem aqui as mesmas considerações que expusemos quanto aos outros arguidos pelo que, em conclusão, temos de dizer que o procedimento criminal encontra-se também, prescrito quanto aos três primeiros arguidos.
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- Cumpre ainda esclarecer que o nosso despacho proferido em audiência de julgamento de 6 de Fevereiro de 2003, constante de fls. 5.401 e seguintes foi feita referência a esta mesma questão, tendo-se aí decidido que, por respeito ao princípio do caso julgado, não nos pronunciaríamos sobre o mérito da questão.
- Contudo, nessa altura, sempre o julgamento teria de prosseguir uma vez que os arguidos se encontravam também pronunciados por outros crimes que, na altura, ainda não estavam prescritos, não estando em causa a prática de actos inúteis.
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- Por todo o exposto, decidem os juízes que constituem este Tribunal Colectivo declarar prescrito o procedimento criminal quanto a todos os arguidos e, em consequência, determinam a extinção do procedimento criminal, nos termos do artº 117º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Penal, versão originária, e artº 118º, nº 1, al. b) e nº 2 do Cód. Penal, versão actual.
- Notifique.
- Sem custas.
- Oportunamente arquivem-se os autos.
- Notifique.
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Como se vê, o despacho recorrido, no que tange ao crime cometido por funcionários, parte do princípio de que a agravação do crime em causa não tem relevância para a determinação do máximo da pena aplicável e daí afirma que a moldura abstracta a ter em conta tem como mínimo 1 ano de prisão e como máximo 8 anos de prisão, que é a correspondente aos crime de abuso de confiança simples – artº 300º, nº 2 do Cód. Penal de 1982 (e 205º nº 5 do Cód. Penal de 1995).
Para tanto, baseia-se no disposto no artº 117º, nº 2 do Cód. Penal de 1982 e no actual artº 118º, nº 2 do Cód. Penal de 1995: “para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não com as circunstâncias agravantes ou atenuantes”.
Pelo contrário, os recorrentes Mº Pº e X.......... entendem que as circunstâncias agravantes contidas no nº 3 do artº 300º em conjugação com o artº 299º do Cód. Penal de 1982 e no nº 1 do artº 234º do Cód. Penal vigente, são elementos do tipo legal de crime imputado aos arguidos e por isso, defendem que devem ser tidas em conta na determinação da pena aplicável, para efeitos de prescrição do procedimento criminal.
Daí que entendem que os crimes imputados aos arguidos têm uma moldura penal de 1 ano e 4 meses de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão, seja qual for o regime aplicável, face ao disposto no artº 2º nº 4 do Cód. Penal.
E, por isso, concluem que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 15 anos – artº 117º nº 1, al. a) do Cód. Penal de 1982 e 118º, nº 1, al. a) do Cód. Penal de 1995 – e que ainda não decorreu.
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Como diz Germano Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, vol. I, pág. 308, tipos fundamentais são aqueles que estão na base da parte especial de todos os sistemas penais. Na verdade, há um certo número fundamental de delitos que constituem por assim dizer a espinal-medula de determinado sistema: o homicídio..., as ofensas corporais..., a injúria..., o furto.
Depois, partindo desses tipos e acrescentando-lhes certos elementos como "circunstâncias modificativas" (atenuantes ou agravantes), que alteram a moldura penal abstracta..., o legislador constrói outras figuras de delitos. E aparecem assim os crimes qualificados ou privilegiados, bem como, em certos casos, os delitos "sui generis".
Em nota de rodapé este ilustre Professor chama a atenção para a diferença entre as circunstâncias modificativas (que alteram as molduras penais) e as circunstâncias agravantes ou atenuantes propriamente ditas, que fornecem ao juiz os elementos com o auxílio dos quais ele deve fixar a pena no caso concreto dentro da moldura penal de um certo tipo de crime e que portanto não criam novos tipos legais - cfr. ob. cit. pág. 309.
Ora, mesmo que a pertença dos bens ao sector público ou cooperativo pudesse constituir uma agravante propriamente dita, o que nos parece é que foi opção do legislador criar um tipo de ilícito qualificado e autónomo, com a consequente sistematização, consagrando todo um Capítulo - o IV, do Título IV, do Livro II -, sob a epígrafe "Dos crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente".
E no preâmbulo do Cód. Penal de 1982, no seu nº 35 justifica-se a criação desse capítulo especial relativo a tais crimes: visa-se, assim, proteger penalmente um vasto sector da economia nacional, e admite-se que não seja punível o acto decisório que, pelo jogo combinado de circunstâncias aleatórias, provoca prejuízos, mas só aquelas condutas intencionais que levam à produção de resultados desastrosos.
E se é certo que a opção do legislador teve subjacente o clima político-ideológico em que surgiu o Cód. Penal de 1982, a verdade é que tal opção manteve-se intocada na revisão operada no Cód. Penal em 1995 - passou a constituir o Capítulo V, do Título II, do Livro II - e isto apesar de a Parte Especial ter sofrido importantes modificações como se assinala no nº 7 do preâmbulo do Decreto-Lei nº 48/95 que a aprovou.
Daqui se conclui que estamos perante um tipo qualificado e autónomo.
O ilícito em causa - abuso de confiança na forma continuada, p. e p. pelos artºs 300º, nºs 1, 2, als. a) e b) e 3, 299º, 30º, nº 2 e 78º nº 5 do Cód. Penal de 1982, e artºs 205º, nºs 1, 4, al. b) e 5, 234º, nº 1, 30º nº 2 e 79º do Cód. Penal de 1995 - tem como moldura penal de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão, qualquer que seja o regime aplicável, nos termos do artº 2º, nº 4 do Cód. Penal.
Assim, o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal é de 15 anos, quer à luz do Cód. Penal de 1982 quer por via do Cód. Penal de 1995 - cfr. respectivamente artºs 117º, nº 1, al. a) e 118º, nº 1, al. a).
Como o último facto constante da pronúncia data de Maio de 1985 e sendo o prazo de prescrição do procedimento criminal de 15 anos, e ressalvado o tempo de suspensão, acrescido de metade (artºs 120º nº 3 do Cód. Penal de 1982 ou artº 121º, nº 3 do Cód. Penal de 1995) conclui-se que o prazo de prescrição ainda não se exauriu.
Vejamos, agora, a questão da prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos não funcionários.
Como se vê do despacho recorrido, atrás transcrito, retira-se da circunstância destes arguidos não serem funcionários a consequência inelutável de lhes não poder ser imputada a agravação do ilícito em causa.
Daí, o concluir-se que a estes arguidos não funcionários só poderia ser imputado o ilícito previsto no artº 300º nº 2 do Cód. Penal de 1982, ou artº 205º, nº 5 do Cód. Penal de 1995 o qual é punível com prisão de 1 a 8 anos.
Consequentemente ali se conclui que o prazo de prescrição é de 10 anos - artº 117º, nº 1, al. b) do Cód. Penal de 1982 e artº 118º, nº 1, al. b) do Cód. Penal de 1995 - sendo o prazo máximo de 15 anos nos termos dos artºs 120º nº 3 do Cód. Penal de 1982 e 121º nº 3 do Cód. Penal de 1995.
Por isso considerou prescrito o procedimento criminal.
Todavia, esta decisão não é correcta.
Em primeiro lugar, o segmento transcrito no despacho recorrido da autoria do Prof. Figueiredo Dias, extraído do Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 527, não tem a pertinência que se pretende conferir naquele despacho pois não contempla as situações de comparticipação criminosa, rectius de co-autoria.
O artº 28º nº 1 dos Cód. Penais de 1982 e de 1995 dispõe que:
"Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles..."
Analisando as situações de co-autoria, escreve Teresa Beleza - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (número especial), Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, III, págs. 608: ... se uma pessoa participar na execução do facto com outra - «toma(r) parte directa na execução, por acordo ou juntamente com outro» - mas lhe faltar uma determinada qualidade para poder ser «plenamente» autor de um crime específico, o artº 28º estende-lhe essa característica, que assim se «pega», «contagia», do seu comparticipante.
Portanto, aos arguidos não funcionários é também aplicável a pena correspondente ao ilícito qualificado.
Daí que, pelas razões atrás expostas, o prazo prescricional em relação aos arguidos não funcionários também não está esgotado.
DECISÃO

Em conformidade, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento aos recursos, revogando a decisão recorrida e determinando que outra seja proferida em que, por não estar prescrito o procedimento criminal, dê continuidade ao processo.
Sem tributação.
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Porto, 15 de Dezembro de 2004
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins