VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AMEAÇA
Sumário

Só excepcionalmente, uma única conduta será suficiente para consumar um crime de violência doméstica, em atenção à sua especial gravidade, censurabilidade e potencialidade lesiva (desvalor da acção e do resultado), se e quando revelar como uma forma de tratamento desumano, cruel ou degradante da vítima, isto é, que seja a tal ponto grave, que da sua prática resulte a violação do bem jurídico tutelado com a incriminação, nos mesmos moldes em que tal resultado ocorreria por via da reiteração dos maus tratos.
Esta é a única interpretação que se coaduna com a natureza fragmentária e de ultima ratio do Direito Penal, bem como com os propósitos de reforço da tutela da vítima e de intensificação da protecção do bem jurídico visado com a incriminação contida no art.º 152º do CP, por comparação com os bens jurídicos já tutelados pelos outros crimes da parte especial do CP cujos modos de execução e consumação também correspondem a maus tratos físicos, a maus tratos psíquicos e a ofensas sexuais e, por fim, a que melhor se ajusta à descrição sociológica do chamado ciclo da violência doméstica, o qual se desdobra em três fases – a do aumento da tensão, a do ataque violento e a da lua de mel – as quais, segundo a literatura disponível, se repetem sucessivamente, ao longo de meses ou anos, imprimindo à interacção entre o agressor e a vítima padrões de comportamento de abuso e de submissão, seguindo uma tendência gradual de cada vez menor duração das fases que antecedem e das fases que sucedem às do apogeu do mau trato físico e/ou psicológico e/ou ofensa sexual e de cada vez maior intensidade destas últimas.
O crime de violência doméstica não tutela bagatelas penais e a sua incriminação não deve ser banalizada, sob pena de violação do princípio constitucional da proporcionalidade e de total desconsideração pelo sofrimento e necessidades de protecção das vítimas de reais situações de violência doméstica.
(sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 30 de Junho de 2020, no processo comum singular nº 749/19.4PBSNT do Juízo Local Criminal de Sintra, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o arguido LF________, foi absolvido da prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punível, pelos artigos 153º nº 1 e 155º nº 1 alínea a), ambos do Código Penal e foi condenado como autor material de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º nº 1 alíneas b) e c) e nº 2 alínea a) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na respectiva execução, pelo mesmo período de duração da pena, sujeita a regime de prova, direccionada para a prevenção da violência doméstica, tudo nos termos do disposto nos artigos 50º, 53º e 54º, todos do Código Penal.
O arguido interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado as suas razões de discordância, nas seguintes conclusões:

Decorre do disposto do artº 374º/2 do C.P.P. que da sentença deve constar uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal;

Ou seja, não poderá bastar-se com a mera enunciação dos factos e meios de prova, devendo o tribunal, mediante análise dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, discriminar os factores que levaram a que se acolhesse essa prova atendida e assim considerasse provada determinada factualidade;

A sentença é nula por ausência de fundamentação quanto à matéria de facto dada como provada, nos termos do disposto nos arts. 374º/2 e 379º/1-a) ambos do C.P.P.;

A sentença não explicita o seu raciocínio logico-dedutivo, nem levou a efeito o exame critico da prova que achou crível, razão por que tal decisão se acha eivada de incompreensibilidade;

A sentença recorrida julgou incorrectamente os Pontos de Facto 6, 7,8, 14, 15, 16 e 17;

Os pontos 6 a 8 e 14 a 17 da matéria dada como provada estão em manifesta contradição com o depoimento da ofendida, gravado às 10:19, sob o registo 20200609095200_4307371_2871310.wma, do minuto 6:00 ao minuto 27:00;

Impõe-se decisão diversa, dando-se como parcialmente não provados os factos constantes dos pontos 6, 7, 8 e, não provados os factos nos pontos 14, 15, 16 e 17 da sentença:
QUANTO AO PONTO 6:
Não só o arguido insultou a ofendida, a ofendida também ofendeu o arguido.
Assim, deve tal facto ser alterado, consignando-se o seguinte:
6. Entretanto, HM_______ logrou ali comparecer e, de súbito e sem que nada o fizesse prever, o arguido em tom de voz elevado e sério, dirigindo-se à mesma disse-lhe: "cabra, vadia" (sic), acrescentando que " não eram horas de ir buscar o filho", tendo a ofendida também elevado o tom de voz e insultado o arguido, tudo na presença do filho de ambos;
QUANTO AO PONTO 7:
Não era unicamente o arguido que estava a discutir com a ofendida, a ofendida também elevou o tom de voz, discutiu e insultou o arguido em tom agressivo, fazendo-lhe frente.
Assim, deve tal facto ser alterado, consignando-se o seguinte:
7. Alertado pelo barulho proveniente do exterior, os pais da HM_______ e o seu irmão R______, constatando que o arguido e a HM_______ se encontravam a discutir, solicitaram ao arguido que parasse com tal comportamento;
QUANTO AO PONTO 8:
Com efeito, conforme as declarações da ofendida, o arguido não ergueu o taco de golfe em sua direcção.
O arguido retira o taco de golf do porta bagagens apenas quando é confrontado com a presença do irmão, pai e mãe da ofendida.
É a ofendida que refere que: "não me lembro a quem ele se aproximou, porque nisto já lá estava o meu pai, a minha mãe o meu irmão..."
Referindo igualmente que ... "chegou o meu irmão, agarrou o LF______, mais o meu pai e pediram para ele ir embora, tiraram-lhe o taco, o LF_______ pegou e foi, e disse que isto não ia ficar assim, que a gente estávamos a juntar-lhe" ou seja, é notório que arguido sentiu-se claramente ameaçado com a presença dos familiares da ofendida.
Dizendo a própria ofendida que "estávamos todos exaltados"
Deve assim o Ponto 8 passar a ter a seguinte redacção:
8. Já na presença dos pais e irmão da ofendida, o arguido retirou do porta bagagens um objecto vulgo "taco de golf", erguendo-o no ar, tendo sido agarrado pelo irmão e pai da ofendida, que lhe retiraram o taco das mãos;
QUANTO AO PONTO 14
Não corresponde à verdade que o arguido tenha maltratado a ofendida, sobretudo a sua saúde psíquica, fazendo-a temer pela sua integridade física, por força das expressões de cariz intimidatório e injurioso, medo e inquietação;
QUANTO AO PONTO 15
Não corresponde à verdade que o arguido tenha erguido um taco de golf contra a ofendida, fazendo-a crer que a atingia com o mesmo, diminuindo-a no respeito que lhe era devido, mostrando-se indiferente ao estado em que a deixava;
QUANTO AO PONTO 16
Não corresponde à verdade que a ofendida se sentiu ofendida na honra e consideração;
QUANTO AO PONTO 17
Não corresponde à verdade que o arguido tenha agido com dolo.

Devem os Factos Provados sob o nºs 6 a 8 ser alterados na sua redacção e o Factos Provados sob o nºs 14 a 17 integrar os FACTOS NÃO PROVADOS;

Não estão verificados os requisitos (objectivos e subjectivos) do crime de violência doméstica p. e p. pelo 152º nº 1 alíneas b) e c) e nº 2 alíneas a) do C.P.;
10º
O tribunal fez errada interpretação e aplicação do artigo 152º do C.P.
11º
A subsunção dos factos ao direito, tal como consta da explanação em sede de matéria de facto, resulta por um lado de terem sido dados como provados factos que foram incorrectamente julgados, por outro lado da insuficiência para suportar a decisão da matéria de facto e por último do erro notório na apreciação da prova;
12º
Não foi intenção do legislador transformar qualquer disputa, desacordo ou desentendimento entre um casal ou ex-casal, numa situação de violência doméstica;
13º
Ocorrendo os factos provados num quadro de relacionamento ex-conjugal saudável, em que o arguido e a ofendida interagem em condições de paridade e igualdade, uma agressão isolada e pouco intensa, que nem tampouco atingiu a integridade física e psíquica da ofendida, embora pudessem ser merecedoras de censura penal, não encontram tutela à luz do artigo 152º do Código Penal;
14º
No crime de violência doméstica estão em causa atos que, pelo seu carácter violento, sejam idóneos a refletir-se negativamente sobre a saúde física ou psíquica da vítima, para se decidir pelo preenchimento, ou não, do tipo legal de crime em questão;
15º
Mesmo não sendo operada a alteração da factualidade constante dos factos provados sob os nºs 6, 7, 8, 14 a 17, a factualidade provada não é adequados a revelar uma conduta maltratante do arguido (relativamente à pessoa da ofendida), de tal modo que, materialmente, se possa considerar a atuação do arguido como integradora da prática de um crime de violência doméstica, ou seja, tais factos não preenchem os elementos objetivos e subjectivos desse mesmo tipo legal de crime;
16º
Esgotadas todas as possibilidades apresentadas no presente recurso, a pena aplicada, ainda que suspensa na sua execução, é demasiado gravosa, excessiva, devendo ser revogada, e em consequência reduzida ao mínimo legal de 2 anos de modo a permitir a dissuasão e reintegração do arguido e a harmonia familiar, que afinal foi alcançada sem a intervenção do Tribunal.
Termos em que,
1 - Deve o presente recurso ser apreciado, merecendo provimento, com a consequente revogação da decisão recorrida e absolvendo-se o arguido LF_______ do crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152º nº 1 als. b) e c) e nº 2 al. a) do C.P.
2 - Caso seja mantida a condenação, ainda assim, a medida da pena deve ser reduzida ao mínimo legal de 2 anos, mantendo-se a suspensão por igual período temporal. 
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta, na qual concluiu o seguinte:
 1. LF________ veio recorrer da decisão que nos presentes condenou o mesmo pela prática de um pela prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido, pelo artigo 152º nº 1, alíneas b) e c) e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução da pena de prisão aplicada, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, a contar do trânsito em julgado da decisão, sujeita a regime de prova, direccionada para a prevenção da violência doméstica, tudo nos termos do disposto nos artigos 50º, 53º e 54º, todos do Código Penal.
2. Devidamente analisado o caso sub judice somos de concluir que não se mostra violado qualquer direito nem princípio, processual e/ou penal, constitucional, supraconstitucional ou infraconstitucional.
3. Não se mostra igualmente violado o disposto no art.º 374º nº 2 do CPPenal, sendo que de mera uma mera leitura da sentença condenatória ora recorrida, conclui-se que a convicção do Tribunal a quo quanto à matéria dada como provada resultou da análise global da prova produzida em julgamento, cotejada com a prova documental constante dos autos, aliada à obediência ao princípio prescrito no art.º 127º do Cód. Proc. Penal.
4. Conclui-se assim que, de uma mera leitura da sentença recorrida não só é patente a descrição das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, como existe uma análise crítica das provas produzidas e examinadas em audiência que permitiram que a decisão de facto se formasse em certo sentido.
5. Não padece, pois, a sentença, de qualquer nulidade, como pretende o Recorrente fazer crer.
6. Vem ainda o Recorrente, em sede do recurso a que ora se responde, em sede de fundamentação, fazer uma apreciação da prova, contrariando a livre apreciação da prova efetuada pelo Tribunal a quo, procurando fazer crer que o depoimento da ofendida impunha ao Tribunal a quo decisão inversa à tomada. Percorrendo ainda o recurso que ora se responde, resulta ainda que o Recorrente procura fazer crer que as suas condutas foram cometidas no contexto de um relacionamento ex-conjugal saudável e que o depoimento prestado pela ofendida e demais testemunhas impunham, pois, chegar a esse entendimento e não ao sentido da decisão condenatória proferida e em sindicância. Resulta que o recorrente procura fazer a sua apreciação da prova, para, assim, concluir, que todas as testemunhas inquiridas não permitiam conduzir à sua condenação.
7. No caso sub judice, a apreciação das provas foi realizada de acordo com a credibilidade que apresentavam, fruto da imediação realizada na audiência, bem como na prova documental junta aos autos, necessariamente mediadas pelas regras da experiência — que não deixam de relevar para se darem como provados certos factos, encontrando-se a sentença devidamente fundamentada.
8. O Recorrente insurge-se ainda contra a sua condenação pela prática de um crime de violência doméstica agravado, alegando para tanto e em suma não se mostrarem verificados os requisitos (objetivos e subjectivos) do tipo legal de crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º nº 1, alíneas b) e c) e nº 2, al. a) do Código Penal, laborando também nesta parte em equivoco. Vejamos.
9. Dos factos provados — de acordo com a sentença em sindicância, a qual, conforme já por nós expendido, não merece qualquer censura - não temos quaisquer dúvidas pelo preenchimento do tipo legal de crime em causa. Veja-se que resulta provado à saciedade que, a ofendida assumiu perante o arguido, e passe-se a citar “(...) qualidade de companheira em dado momento da sua convivência e progenitora de descendentes comuns e na presença de um deles”. Acrescendo as condutas do arguido dadas como provadas não se pode colher o entendimento que as mesmas não assumem gravidade e que se situam num quadro de relacionamento saudável entre duas pessoas que, partilharam a vida como companheiros (em tudo idêntico a marido e mulher) e progenitores de descendentes comuns e muito menos pode ser entendido que não foi beliscada a integridade física e psíquica da ofendida.
10. O Tribunal a quo fez a correcta subsunção jurídica dos factos dados como provados.
11. Também nesta parte não merece qualquer censura a decisão condenatória em sindicância, a qual se mostra correcta, tendo o Tribunal a quo valorado corretamente a prova e, consequentemente, subsumido correctamente os factos face à lei aplicável.
12. A pena aplicada ao arguido, aqui recorrente, teve em consideração o conjunto dos factos e a sua personalidade e mostra-se adequada e proporcional face às exigências de prevenção que o caso requer, bem como à sua culpa.
13. De facto, tendo então presente o grau de culpa do recorrente, e ainda as demais circunstâncias que, pese embora não fazendo parte do tipo de crime, foram atendidas na sentença em recurso e depuseram a favor do agente ou contra ele (a ilicitude dos factos e a intensidade da culpa — cfr. artigo 71º nº 2 do Código Penal), consideramos adequada a pena aplicada ao recorrente, já que para a sua determinação se teve em consideração o conjunto dos factos e a personalidade daquele, nos termos do artigo 77º nº 1, do Código Penal, razão pela qual, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não merece igualmente a decisão recorrida qualquer censura ou reparo, devendo a mesma ser mantida.
14. Por tudo o que ficou exposto, óbvio se torna que o Tribunal a quo não violou qualquer norma ou princípio, constitucional ou infra-constitucional, bem como não padece a sentença ora recorrida de qualquer vício, nulidade ou irregularidade, tendo a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida assentado na obtenção e produção de prova válida, conseguida e interpretada em rigoroso cumprimento de todas as imposições legais, feita a correcta subsunção jurídica dos factos ao tipo legal de crime de violência doméstica agravado pelo qual foi o Recorrente condenado, e, consequentemente, tem de improceder in totum o recurso interposto.
Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso interposto por LF________ e, consequentemente, confirmar-se a Sentença recorrida.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso, secundando a argumentação aduzida pelo Mº. Pº. em primeira instância.
Cumprido o disposto no art.º 417º nº 2 do CPP, o arguido não respondeu.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos previstos nos art.ºs 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir. 
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objecto do recurso e identificação das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos art.ºs 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos art.ºs 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos art.ºs 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
Se a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º nº 1 al. a) do CP, por não conter a fundamentação dos motivos de facto que suportam a decisão quanto aos factos provados.
Erro de julgamento, concretamente, quanto a saber se os Factos Provados sob o nºs 6 a 8 devem ser alterados na sua redacção e se os Factos Provados sob o nºs 14 a 17 devem integrar os Factos Não Provados;
Caso assim não se entenda, saber se se verifica o vício decisório do erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.º 410º nº 2 al. c) do CPP;
Se a decisão recorrida contém um erro de interpretação e aplicação do art.º 152º nºs 1 e 2 do C.P.
Excessividade da pena aplicada.
2. 2. Fundamentação de Facto
A sentença condenatória sob recurso fixou os factos e fundamentou a sua convicção, quanto à prova produzida, nos seguintes termos (transcrição parcial):
Factos Provados
Da acusação:
1. O arguido, desde data não concretamente apurada, mas no período de cerca de 10 (dez) anos compreendido entre o ano de 2008 a Março de 2018, data em que se separaram, teve um relacionamento amoroso com HM_______ , vivendo em condições análogas à dos cônjuges, partilhando mesa, leito e habitação.
2. Fruto desse relacionamento nasceram os filhos comuns do casal: B_______, nascida a 08/08/2009, M_____, nascida a 20/07/2010 e T_____, nascido a 15/11/2014.
3. No dia 30/05/2019, cerca das 21 horas, o arguido deslocou-se à residência de HM______, sita na Rua   - Mem-, a fim de ali entregar os menores.
4. Uma vez que HM_______ ainda não se encontrava na residência, o arguido entregou as menores B_______ e M_____ aos pais daqueloutra, residentes no mesmo prédio.
5. De seguida, o arguido permaneceu na via pública com o filho T___, no interior da sua viatura, onde aguardou pela chegada da ofendida para lhe entregar o menor, que se encontrava a chorar.
6. Entretanto, HM_______ logrou ali comparecer e, de súbito e sem que nada o fizesse prever, o arguido, em tom de voz elevado e sério, na presença do filho T_____, dirigindo-se à mesma disse-lhe: “cabra, vadia” (sic), acrescentando que “não eram horas de ir buscar o filho” (sic).
7. Alertados pelo barulho proveniente do exterior, os pais de HM_______ e o seu irmão R______, constatando que o arguido se encontrava a discutir com aquela, solicitaram-lhe que parasse com tal comportamento.
8. De seguida, o arguido dirigiu-se ao porta bagagens da sua viatura, abriu-o e retirou do seu interior um objeto, vulgo “taco de golf” e, em acto continuo, ergueu-o na direção de HM______, tendo sido, nesse instante, agarrado por R_____ que ali logrou aparecer e lhe retirou o taco das mãos.
9. Também os pais de HM_______, VS_____ e MMS___ ali se deslocaram, sendo que VS___ encaminhou o arguido para o interior da viatura dizendo-lhe que se retirasse do local.
10. Uma vez no interior da viatura o arguido dirigindo-se a HM_____ em tom de voz elevado e sério disse-lhe: “põe-te a pau, quando menos esperares, vou-te fazer a folha”.
11. Após, o arguido retirou-se do local, enquanto gritava as seguintes expressões: “já volto”.
12. No dia 31/05/2019, cerca das 8 horas e 30 minutos, o arguido efectuou um telefonema a MMS_____ solicitando-lhe que o desculpasse pelo sucedido, ao que aquela retorquiu “as desculpas não se pedem, evitam-se” (sic).
13. Descontente com a resposta de MMS____, o arguido, em tom de voz elevado e sério, disse-lhe: “estou com uma raiva, qualquer dia tanto ele como ela levam um tiro no meio da testa”, referindo-se a R______ e a HM_______.
14. Ao agir da forma descrita o arguido quis e conseguiu maltratar HM_______ , sua ex-companheira e mãe dos seus três filhos, sobretudo a sua saúde psíquica, fazendo-a temer pela sua integridade física, por força das expressões de cariz intimidatório e injurioso que proferiu contra a mesma, bem sabendo que a sua conduta era idónea a provocar medo e inquietação àquela como efetivamente provocou.
15. Com o seu comportamento, e não ignorando que proferindo expressões de cariz intimidatório e erguendo contra a mesma um taco de golf, fazendo-a crer que a atingia com o mesmo, conseguia diminuí-la no respeito que lhe era devido, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava, o que fez na presença do filho menor T___.
16. Com o comportamento descrito, dirigindo as expressões supramencionadas a HM______, consecutivamente, foi a mesma atingida na honra e consideração pelo arguido que lhe dirigiu nomes e expressões em desrespeito pelo sentido de consideração e pudor inato a qualquer ser humano.
17. O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, não se coibiu de a praticar.
Outros factos, com relevo para a decisão da causa:
18. O arguido aufere cerca de €660, mensais.
19. Vive com a mãe, a quem entrega cerca de €150, mensais para despesas.
20. Relativamente aos três filhos em comum com a ofendida, entrega cerca de €120, mensais, a título de pensão de alimentos.
21. Tem o 4º ano de escolaridade.
22. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
*
Factos não provados:
Da acusação:
Com relevo para a decisão da causa, não se logrou apurar que:
a) No circunstancialismo descrito em 13., dos factos provados, o arguido agiu com o propósito concretizado de causar medo e inquietação a R_____.
*
Motivação da decisão de facto:
Para responder à matéria de facto, o tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Sendo que a convicção do tribunal é formada, através dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimentos.
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras, mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.
Trata-se de um acervo de informação não-verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis, mas imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada, segundo as regras de experiência comum.
Foi assim, à luz de tais princípios, que se formou a convicção deste Tribunal e consequentemente se procedeu à selecção da matéria de facto positiva e negativa relevante.
Foram tidos em conta os documentos juntos aos autos: auto de denúncia de fls. 55 a 58 v., certidões de assentos de nascimento de fls. 116 a 121 e CRC actualizado do arguido.
O arguido remeteu-se ao silêncio.
Assim, quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação e às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, foram considerados, em concreto o depoimento da ofendida HM_______, quando a mesma descreveu e concretizou a conduta do arguido, dirigindo-lhe expressões, a que se seguiram respostas da própria, mais descrevendo a actuação aquando de ter pegado no taco de golfe, bem como o facto de terem acorrido ao local familiares da mesma, pais e irmão, sendo que, em relação ao ocorrido no dia seguinte, a mãe descreveu- lhe o teor do telefonema recebido e expresso pelo arguido, dirigido à mesma e ao seu irmão.
Foram igualmente inquiridas as testemunhas MMS_____, R______ e VS____, respectivamente, mãe, irmão e pai da ofendida, os quais descreveram o percepcionado e ocorrido seguidamente ao arguido ter levado os filhos comuns e aquando da chegada da ofendida, estando o mesmo, acompanhado do filho comum, a aguardar por aquela, sendo que, em relação aos pontos essenciais da actuação e expressões proferidas, se mostraram consonantes. Pese embora as naturais e salutares divergências sobre o concreto momento em que intervieram cada um dos mesmos e o que sucedia nesse mesmo momento e onde se encontravam todos e cada um dos intervenientes, não pode deixar de se considerar o momento de tensão que ocorria, entre um ex-casal, que se encontravam em divergência, com uma criança a chorar, estando por perto o actual namorado da ofendida e os demais familiares daquela, que naturalmente defenderiam aquela em detrimento do arguido e se centrariam no que ocorria quando o respectivo filho/neto e sobrinho, ainda ali se encontrava a assistir aos factos, somando a toda esta descrição o demais referido quanto ao “desmaio”/perda de sentidos por parte da testemunha  .
Assim, relevaram primordialmente os depoimentos das testemunhas/ofendida HM_______ e respectivos familiares, conjugados com os demais elementos documentais e porque, de contrário, não foi apresentada qualquer versão que colocasse em causa tais depoimentos.
Esta prova foi assim suficiente para que o Tribunal considerasse os factos como provados.
Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, com as regras da experiência comum e ainda com o depoimento da ofendida.
Na verdade, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão de uma situação em que o agente admite a intenção directa) ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador - socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objectivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade - retirar desse contexto a intenção por ele revelada.
No que se reporta à situação pessoal, familiar e social actual tomaram-se em consideração as declarações do próprio.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais registados, teve o Tribunal em consideração o conteúdo do C.R.C. actualizado junto aos autos.
Quanto aos factos considerados como não provados, conforme supra referido, resultaram da conjugação dos depoimentos das testemunhas HM_______ e R______  e mãe dos mesmos MMS_____ , suscitando-se dúvidas sobre a intenção/vontade do arguido e efectivação de tal vontade na pessoa do ofendido, ao qual nem sequer terá sido transmitido o veiculado/expresso pelo arguido aquando do telefonema efectuado à mãe do mesmo, o que se admite, até para não causar quaisquer outros constrangimentos e discussões.
Sendo que, em processo penal, no que se reporta a factos desfavoráveis ao arguido, sempre se imporia consignar que, na dúvida, temos de ter sempre presente o princípio do in dubio pro reu. Trata-se de um princípio que pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como o dolo e negligência do seu autor. Isto é, à insuficiência da prova - que equivale à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência de determinado facto - deve dar-se como não provado o facto desfavorável ao arguido. Ou seja, é indicado ao juiz que valore a favor do acusado a prova dúbia (neste sentido, Líbano Monteiro, em Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, Stvdia Iuridica 24, pág. 11).
Este princípio traduz, assim, a convicção de que o Estado, através dos Tribunais, não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente, conforme esclarecedoramente defende Líbano Monteiro, ob. cit., pág. 166, e isto porque, são mais gravosas as consequências que podem decorrer de uma incorrecta fixação de factos em processo penal.
2.3. Apreciação do mérito do recurso
Quanto à nulidade da sentença.
O recorrente invocou que a mesma se verifica, por ter sido omitida a valoração e apreciação crítica dos meios de prova por referência a cada um dos factos considerados provados, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 374º nº 2 e 379º nº 1 al. a) do CPP acusando a sentença recorrida de não explicitar o seu raciocínio logico-dedutivo, nem ter levado a efeito o exame crítico da prova que achou crível, razão por que tal decisão se acha eivada de incompreensibilidade.
A exigência de que o texto da sentença contenha o exame crítico das provas é uma decorrência das exigências constitucionais da fundamentação das decisões judiciais como mecanismos de concretização das garantias de independência e imparcialidade dos Tribunais e de sindicância do acerto da decisão, através do recurso.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, seja qual for a jurisdição em que sejam proferidas, é um dos alicerces do Estado de Direito Democrático, na medida em que assegura que o processo seja justo e equitativo, de harmonia com o disposto no art.º 20º nºs 4 e 5 da Constituição, em face da aptidão do princípio da motivação para impedir a arbitrariedade e a descriminação, bem assim, para conferir imparcialidade às decisões, assegurando, por esta via, o respeito pelos direitos liberdades e garantias fundamentais dos seus destinatários, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos art.ºs 2º; 13º e 18º da Constituição, respectivamente.
Em suma, o princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder.
A independência e a imparcialidade do Juiz devem, pois, transparecer do apuramento objectivo dos factos da causa e da interpretação válida das normas de direito, em obediência ao espírito e à letra da lei (cfr. Michele Taruffo, “Note sulla garanzia costituzionale della motivazione”, in BFDUC, ano 1979, Vol. LV, págs. 31-32).
Assim é que o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art.º 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão
Mais especificamente, no que se refere à sentença, o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a mesma contenha a «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Esta exigência está, ainda, conexionada com o princípio da livre apreciação da prova, contido no art.º 127º do CPP, na medida em que é a contrapartida da inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas (com excepção da confissão integral e sem reservas do arguido; da prova pericial e dos documentos autênticos, cujo valor probatório se encontra legalmente pré-estabelecido), na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral (de que decorre a equiparação da prova directa à prova indirecta ou por presunções judiciais), desde que não incluídos nas proibições contidas no art.º 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art.º 32º nº 8 da Constituição.
Como a apreciação da prova é livre, mas não pode ser arbitrária, tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objectivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer.
Nesta medida, a exigência legal do exame crítico das provas, além das garantias de imparcialidade e sindicabilidade da decisão em instância de recurso, previne que estados puramente subjectivos, assentes em meras intuições, crenças ou emoções determinem a fixação da matéria de facto e obsta à violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.
A omissão do exame crítico das provas importa a nulidade da sentença, nos termos do art.º 379º nº 1 al. a) do CPP.
A questão é, por conseguinte, saber se da circunstância de o texto do acórdão não ter individualizado, a propósito de cada um dos factos que considerou provados e não provados, os motivos pelos quais tomou essa posição, resulta a omissão do exame crítico das provas integradora da nulidade.
Como a própria expressão «exame crítico» refere, se, por um lado, a exigência de fundamentação da convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados não se basta com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, (sendo inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância – cfr. Acs. do Tribunal Constitucional n.º 172/94, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994 e n.º 573/98, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Novembro de 1998), por outro lado, também não deve redundar numa «espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 258/2001, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), sob pena de violação do princípio da oralidade e de também não materializar qualquer análise objectiva da prova produzida, da qual seja possível retirar qual o processo de raciocínio do tribunal na formação da sua convicção quanto aos factos, qual o escrutínio efectuado acerca do conteúdo e do valor de todos e cada um dos meios de prova disponíveis.
O que importa para satisfazer a exigência legal do exame crítico das provas é que a fundamentação da decisão de facto expresse quais as provas cujo valor probatório se encontra pré-estabelecido na lei (v.g., a confissão do arguido, a prova pericial e a prova documental autêntica e autenticada) que foram produzidas e quais os factos que demonstram, bem como, que dessa fundamentação resulte, com clareza, quais as regras de experiência comum, os critérios de razoabilidade e de lógica, ou os conhecimentos técnicos e científicos utilizados para conferir credibilidade a determinados meios de prova e não a outros e em que medida os meios de prova produzidos oferecem informação esclarecedora e convincente que permite considerar provados os factos ou, pelo contrário, não oferecem segurança para alicerçar uma conclusão positiva acerca da verificação de determinados factos e, por isso, se justifica a sua inclusão, nos factos não provados.
«Motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter” seguido no tratamento valorativo da prova» (Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167. No mesmo sentido, Rosa Vieira Neves, in Livre Apreciação da Prova e Obrigação de Fundamentação, Coimbra Ed., 2011, 151 e segs).
«O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cfr., v. g., acórdão do Supremo Tribunal de 30.01.2002, proc. 3063/01, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido Acs. do STJ de 3.10.2007, proc.º 07P1779; de 19.05.2010, proc.º 459/05.0GAFLG.G1.S1, de 17.09.2014, proc.º 1015/07.3PULSB.L4.S1; de 14.12.2016, proc.º 303/14.7JELSB.E1.S1; de 13.12.2018, proc.º 308/10.7JELSB-L3.S1 e de 11.07.2019, proc. 22/13.1PFVIS.C1.S1, in http://www.dgsi.pt).
O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental, mas bastante, que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte e desde que torne perceptível e sindicável, em instância de recurso, as razões da convicção do Tribunal do julgamento, quanto aos factos, não se verificará a nulidade emergente da falta de exame crítico das provas  (acórdãos do Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004, proc. 4026/03 e Ac. do STJ de 3.10.2007, processo 07P1779, Ac. da Relação de Lisboa de 10.07.2018, processo nº 106/15.1PFLRS.L1-5 in http://www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Évora de 07.03.2017, Processo 246/10 JusNet 1781/2017 Marques Ferreira (in "Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Livraria Almedina, 1988, pág. 228) Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º 3, p. 21 e segs.).
Há que admitir que, se para cada facto for diferente o motivo da convicção do Tribunal, por também ser distinto o meio de prova que é apto a demonstrá-lo, então, a fundamentação poderá reflectir essa especificidade e, por conseguinte, conter uma motivação própria para cada um dos factos, exclusiva, autónoma e diferenciada das demais.
Tal, porém, só em casos muito excepcionais acontecerá e de qualquer modo, a lei não prevê, nem impõe esse grau de exigência na fundamentação, nem ela é necessária à prossecução das finalidades visadas, com as normas contidas nos art.ºs 205º da Constituição da República Portuguesa, nem nos art.ºs 97º nº 5 e 374º nº 2 do CPP, porque a enunciação individualizada de cada meio de prova, a propósito de cada facto, isoladamente e de forma segmentada, nem sequer dá adequada prossecução ao sentido da exigência de que o exame das provas seja crítico.
O exame crítico exigido pela lei não se basta com a apreciação das provas uma a uma, antes requer uma apreciação concatenada, a partir da qual sejam estabelecidas correlações internas entre elas, comparações entre as que sejam de sinais opostos, inferências, deduções, sempre contextualizadas no material probatório analisado globalmente e não em análises fragmentárias, desgarradas umas das outras e sem uma linha de raciocínio lógico-dedutivo que espelhe as opções do julgador, na matéria, bem como os motivos dessas opções.
O raciocínio lógico, motivado e objectivado na análise das provas não tem, pois, forçosamente, de implicar uma fundamentação específica e autonomizada, facto a facto, diversamente do que pretende o recorrente, sob pena de se converter numa tarefa impossível, ou, pelo menos, repetitiva e inútil, com eventual grave prejuízo para a sua inteligibilidade e clareza e, portanto, os valores de transparência e rigor, controlo da legalidade e legitimação democrática das decisões judiciais, que a exigência de fundamentação visa assegurar, acabarem por resultar postos em crise por essa mesma fundamentação, se exacerbada ao nível de pormenorização pretendido pelo recorrente.
É certo que o exame crítico das provas tem geometria variável, tanto quanto o dever geral de fundamentação de todas as demais decisões judiciais, consoante a sua complexidade intrínseca ou a controvérsia gerada entre os sujeitos processuais, ou mesmo, a natureza e o conteúdo dos meios de prova disponíveis, designadamente, quanto à existência ou não de prova directa dos factos que integram a prática dos crimes pelos quais os arguidos vêm acusados, ou à necessidade de recurso a presunções naturais que podem envolver e, por regra, envolvem mesmo, um maior esforço argumentativo, pela necessidade de cruzamento de informações provenientes de diferentes fontes e da sua análise lógica e dedutiva, à luz de máximas de experiência comum, de critérios de razoabilidade humana, de determinados usos, ou de regras técnicas e científicas, pertinentes ao juízo de inferência necessário para extrair um facto desconhecido de outro facto conhecido.
Ainda assim, o que é igualmente certo e resulta expresso do próprio texto do art.º 379º nº 1 al. a) do CPP que só a total falta de análise valorativa dos meios de prova disponíveis integra a nulidade ali prevista e que, aparte esta causa de invalidade da sentença, a exigência legal de motivação da convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados e não provados, basta-se com uma apreciação sintética, desde que abrangente e esclarecedora sobre o processo lógico-dedutivo de apreciação da prova e de fixação da matéria de facto, que permita compreender as opções do julgador e aferir da sua correcção ou conformidade com o conteúdo da prova e a valoração que dela se deve fazer, por referência aos critérios de decisão contidos nos art.ºs 125º a 127º do CPP.
Outra não pode ser a interpretação a retirar das expressões «tanto quanto possível completa, ainda que concisa», contida no art.º 374º nº 2 do CPP e «é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 (…) do art.º 374º» inserta no art.º 379º nº 1 al. a) do mesmo diploma, referidas à fundamentação da decisão de facto.
Ora, no caso vertente, o texto da decisão é totalmente explícito e esclarecedor acerca dos motivos da convicção, tanto da consideração dos factos provados, como dos não provados.
Contrariamente, ao que o recorrente pretende, o Tribunal não se limitou a apresentar uma resenha dos documentos e/ou dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
É particularmente elucidativo o excerto no qual se concretizou a razão de ciência da ofendida, HM_______ e das testemunhas MMS____, R______  e VS_____, respectivamente, mãe, irmão e pai da ofendida, ficando a perceber-se sem qualquer dúvida, que a primeira foi a visada pelos impropérios proferidos pelo arguido e com este protagonista dos factos e que as restantes testemunhas estiveram presentes e ouviram a discussão entre o arguido e a ofendida, tendo, inclusivamente, a Mmª. Juiz tido o cuidado de referir as razões pelas quais, lhes deu credibilidade, explicando a origem das discrepâncias de pormenor, nos relatos para concluir que, no essencial, todas as versões são consonantes, nos aspectos essenciais, e foram valoradas, até porque nem havia razões para duvidar da veracidade dos testemunhos, nem foi produzida qualquer outra prova em sentido contrário.
Não se vislumbra que mais argumentos poderia e deveria o tribunal ter aduzido para explicar a sua convicção.
Ela é clara e perfeitamente compreensível, está alicerçada numa análise valorativa dos depoimentos de testemunhas que protagonizaram ou viram o arguido e a ofendida em altercação e ouviram o que disseram, da prova documental e em regras de experiência, portanto, em cabal, suficiente e adequado cumprimento da exigência contida nos art.ºs 205º da CRP, 97º nº 5 e 374º nº 2 do CPP.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade e o recurso improcede, nesta parte.
Quanto ao erro de julgamento.
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado é o da impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, a qual envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante, mas com limites, porque subordinada ao cumprimento de um dever muito específico de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc. 1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc.º 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc.º 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc.º 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt). 
Assim, nos termos do nº 3 do art.º 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas».
O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6.
Ou seja, o recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
Assim, quanto à especificação dos concretos pontos de facto, a mesma «só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e se considera incorrectamente julgado» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art.º 412º., pág. 1144).
Portanto, só os factos controvertidos por efeito das provas cujo conteúdo seja adequado à conclusão de que se impõe uma decisão diferente da recorrida, segundo a motivação do recorrente, é que são objecto de sindicância pelo Tribunal da Relação.
Já a especificação das concretas provas, «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art.º 412º., pág. 1144).
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art.º 412º nº4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente» (Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série,  nº 77 de 18 de abril de 2012).
«É em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância» (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
Caso se limite a indicar a totalidade de um documento ou de uma perícia, ou de uma escuta telefónica, por reporte a um determinado período, ou as declarações prestadas por um certo número de testemunhas, na sua globalidade, não pode considerar-se cumprido o ónus, nem viabilizada a possibilidade de reapreciação da matéria de facto, pelo Tribunal de recurso.
Tal forma genérica de impugnação, além de permitir converter em regra uma excepção, desvirtuando completamente o regime do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, que se traduz num reexame pontual e parcial da prova, porque restrito aos precisos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, prejudica e pode mesmo inviabilizar o exercício legítimo do princípio do contraditório pelos demais sujeitos processuais com interesse juridicamente relevante no desfecho do recurso.
Além disso, transferiria para o tribunal de recurso a incumbência de encontrar e selecionar, segundo o seu próprio critério, as específicas passagens das gravações que melhor se adequassem aos interesses do recorrente, ou seja, de fazer conjecturas sobre quais seriam os fundamentos do recurso, o que não é aceitável, porque o tribunal não pode, nem deve substituir-se ao recorrente, no exercício de direitos processuais que só a este incumbem, nos termos da lei, nem deve tentar perscrutar ou interpretar a sua vontade, interferindo, por essa via, com a própria inteligibilidade e concludência das motivações do recurso, logo, com a definição do seu objecto.
É, igualmente, inadmissível, à luz dos princípios da imediação e oralidade da audiência de discussão e julgamento, da livre apreciação da prova e da segurança jurídica, partindo da constatação de que o contacto que o Tribunal de recurso tem com as provas é, por regra e quase exclusivamente, feito através da gravação, sem a força da imediação e do exercício sistemático do contraditório que são característicos da prova produzida no julgamento.
«(…) Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório». (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012).
A forma minuciosa e exigente como está previsto e regulado este tríplice ónus de especificação ilustra como o duplo grau de jurisdição da matéria de facto não implica a formulação de uma nova convicção por parte do tribunal de recurso, em substituição integral da formada pelo tribunal da primeira instância, nem equivale a um sistema de duplo julgamento, antes se cingindo a pontos concretos e determinados da matéria de facto já fixada e que, de acordo com a prova já produzida ou a renovar, devem necessariamente ser julgados noutro sentido, justamente, de harmonia com os referidos princípios que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância e a concepção do recurso como um remédio.
Trata-se, em suma, de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados com a prova efetivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos. Se dessa comparação resultar que o Tribunal não podia ter concluído, como concluiu na consideração daqueles factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento.
«(…) Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância (…)» (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005).
«É em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância» (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
«O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida» (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
A reapreciação da matéria de facto em sede de recurso só pode determinar a sua alteração, se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa, ou seja, quando, perante o conteúdo dos meios probatórios pertinentes, se constatar que o Tribunal não podia ter concluído, como concluiu, quanto ao modo como decidiu a matéria de facto.
Se o Tribunal de recurso verificar que dos meios probatórios indicados pelo recorrente, apenas seria possível uma decisão diferente, já não haverá, nem erro de julgamento, nem possibilidade de alteração factual.
Assim, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efectivamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados).
Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso.
«A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção (…)”.
«A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório» (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc.º 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, por todos, Acs. do STJ de 12.09.2013, proc.º 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc.º 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc.º 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc.º 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc.º 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc.º 291/17.8JAAVR.P1,  de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc.º 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc.º 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc.º 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, proc.º 729/17.4GBVVD.G1 in http://www.dgsi.pt).
Pese embora o recorrente tenha indicado todo o depoimento da testemunha HM______, como expressamente refere, na conclusão 6 («Os pontos 6 a 8 e 14 a 17 da matéria dada como provada estão em manifesta contradição com o depoimento da ofendida, gravado às 10:19, sob o registo 20200609095200_4307371_2871310.wma, do minuto 6:00 ao minuto 27:00;), quer nas motivações, quer nas conclusões, acabou por transcrever os precisos excertos de tal depoimento em que se arrima para configurar o desacerto da fixação da matéria de facto, sendo os mesmos perfeitamente claros e inteligíveis quer por este Tribunal de recurso, quer pelo sujeito processual com direito ao exercício do contraditório.
Por isso apesar desta insuficiência, na medida em que a impugnação é ainda suficientemente precisa e cognoscível, consigna-se que se ouviu este depoimento e toda a restante prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
Dessa audição resulta que efectivamente o depoimento da testemunha HM_______ tem o conteúdo que o recorrente lhe assinala.
Todavia, por não terem sido inseridas na matéria de facto provada as circunstâncias de que a ofendida também ofendeu o arguido ou de que a ofendida também elevou o tom de voz e insultou o arguido, tudo na presença do filho de ambos, que o recorrente pretende ver aditado ao ponto 6 dos factos provados na sentença recorrida, assim como a de que  «não era unicamente o arguido que estava a discutir com a ofendida, a ofendida também elevou o tom de voz, discutiu e insultou o arguido em tom agressivo, fazendo-lhe frente» que quer que seja aditada ao facto 7 da mesma decisão nem sequer constavam da acusação, logo, não tinham de constar do elenco dos factos provados, de harmonia com o princípio do acusatório.
A estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente consagrada no art.º 32º nº 5 da CRP, envolve a proibição da realização de julgamento pela prática de crime sem precedência de acusação por esse crime, a exigência de que a acusação seja deduzida por órgão distinto do julgador e a atribuição à acusação das funções de condição e limite do julgamento, concretamente, a fixação do objecto do processo e a definição vinculativa do âmbito dos poderes de cognição do tribunal (Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, p. 522 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora Lda., 1984 – reimpressão -, pp. 136, 137 e 144). 
Em complemento, o princípio constitucional da plenitude das garantias de defesa, a que se refere o art.º 32º n.º 1 da Constituição, postula a necessidade de o arguido conhecer, na sua real dimensão, os factos cuja autoria lhe é atribuída, para que os possa rebater, apresentado provas, prestando declarações, em suma, organizando a sua defesa.
Assim, nos termos do disposto no art.º 283º nº 3 als. a), b) e c) do CPP, a acusação deve conter a identificação do arguido, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» e a indicação das disposições legais aplicáveis.
É o princípio da vinculação temática (do qual resulta que os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória, definem e fixam o objecto do processo, o qual, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal, define o thema probandum, circunscrevendo a actividade probatória a realizar na fase da audiência de discussão e julgamento a esses factos e também determina os limites da decisão - Figueiredo Dias, em «Direito Processual Penal», Coimbra Editora, pág. 145).
E é o princípio da vinculação temática resultante da narração precisa dos factos imputados ao arguido, na acusação, que garante a concretização dos princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objeto do processo penal, ou seja, os de que o objeto do processo deve manter-se o mesmo, desde a dedução da acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se irrepetivelmente decidido, por efeito do caso julgado, impeditivo da repetição de outros processos penais, pelos mesmos factos, ainda que nem todos tenham sido conhecidos, mas devendo tê-lo sido, por força da imposição daquele conhecimento esgotante, assumindo relevância, neste conspecto, o princípio ne bis in idem, consagrado no art.º 29º nº 5 da CRP (Eduardo Correia, Caso Julgado E Poderes De Cognição Do Juiz, Livraria Almedina, Coimbra, 2.ª Reimpressão, 1996, pp. 318 e 319, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora Lda., p. 145 e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, p. 214 e ss.).
As excepções a esta regra reportam-se a factos que importam a alteração substancial ou não substancial dos descritos na acusação, nos termos dos art.ºs 358º e 359º do CPP, mas é preciso que se trate de factos importantes ou essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Não é o caso dos insultos ou da elevação do tom de voz ou da agressividade com que a ofendida possa ter-se dirigido ao arguido, porquanto insultos e agressividade são termos conclusivos que nunca foram objectivados em circunstâncias concretas, no decurso de todo o julgamento. E, na medida em que, segundo o depoimento da própria testemunha HM_______, esta só falou alto e insultou o arguido em reacção ao comportamento do arguido a que se referem os factos provados na sentença recorrida, estas circunstâncias poderão ter relevo, para outros fins, designadamente, para contextualizar os factos praticados pelo arguido e o impacto que os mesmos tiveram na esfera pessoal da ofendida, para se aferir se o bem jurídico tutelado com a incriminação da violência doméstica foi efectivamente violado, mas não podem ser aditados aos factos sob pena de violação do princípio do acusatório, nos termos já expostos.
Já no que se refere ao arremesso do taco de golfe pelo arguido na direcção da testemunha HM_______, o depoimento desta consente realmente a conclusão que o recorrente pretende dele retirar, no sentido de que não resultou provado que o arguido tenha empunhado o referido taco de golfe para ofendida.
Mas o que é certo é que era com esta que o arguido estava a discutir, sendo também certo que os depoimentos das testemunhas   são absolutamente credíveis, no sentido de que foi necessário, o primeiro tirar o taco de golfe das mãos do arguido por este estar em postura corporal reveladora de que pretendia agredir a ofendida com o referido taco e foi por isso que lho tirou, tendo o segundo agarrado o arguido e dito a este que se fosse embora «porque já chegava de espetáculo», o que fez para prevenir que o arguido batesse na sua filha.
A ofendida HM_______  foi a única pessoa, de entre todas as testemunhas inquiridas, que ouviu os nomes que o arguido lhe chamou, naquele dia 30 de Maio de 2019, mas fez questão de realçar que o arguido proferiu aqueles impropérios «no calor do momento» e que ela própria também o ofendeu embora não tenha especificado que concretos insultos lhe dirigiu.
Reconheceu que acabaram por se envolver numa discussão em cujo decurso se ofenderam reciprocamente.
Quanto ao taco de golfe, esta testemunha esclareceu que, a determinada altura dessa discussão, o arguido se dirigiu ao porta-bagagens do veículo que conduzia e retirou um taco de golfe que empunhou para o ar, embora viesse na direcção dela própria, do irmão e dos pais que, entretanto, já se encontravam, no local, quando o arguido pegou no taco de golfe e por isso, não sabe contra quem é que ele pretendia empunhar o taco de golfe ou sequer se iria bater a algum deles, porquanto, viveram juntos dez anos e mesmo depois da separação de ambos, nunca o arguido havia sido agressivo, nem nunca a tinha insultado, nem agredido fisicamente.      
Daí que acredite que o arguido pegou no taco de golfe apenas para a intimidar e aos seus pais e irmão.
Relativamente às ameaças do arguido de que daria um tiro, na conversa mantida entre o arguido e a mãe da ofendida ao telefone, apenas sabe o que a sua mãe lhe relatou.
Esclareceu que o arguido lhe veio pedir desculpa pelo sucedido, que estava arrependido por a ter ofendido e que ela própria também lhe pediu desculpa.
No decurso do seu depoimento, realçou, mais de uma vez que este comportamento do arguido foi uma coisa isolada e que, nem antes destes factos, nem depois, o arguido teve qualquer reacção semelhante, continuando a ver e estar com os três filhos de ambos e a contactar com a testemunha, quer par ir buscar e entregar as crianças, quer para tomarem decisões sobre as vidas dos meninos.
 Como, por seu turno, as testemunhas  , mãe da ofendida, acabou por não ver nem ouvir boa parte dos factos, apesar de ter estado no local, em virtude de ter desmaiado, no momento em que viu o arguido com o taco de golfe no ar a abaná-lo e viu o seu filho R______ a tirar-lhe o taco e só acordou quando já estava na ambulância, não se recordando de mais nada. Apenas que no dia seguinte, o arguido lhe telefonou para lhe pedir desculpa, mas a conversa acabou com o arguido a dizer que dava um tiro ao R______ e outro à HM_______.
Na altura ficou com medo, mas ao mesmo tempo, não acreditou que ele fosse fazer mal aos seus filhos porque ele nunca teve comportamentos deste género e conhece-o há mais de dez anos.
 A testemunha R______ confirmou que o arguido exibia o taco de golfe mas levantado para o ar e não empunhado na direcção de quem quer que fosse e que o que o fez sair de casa e dirigir-se ao local onde estavam a ofendida e o arguido foi ouvir os gritos e quando, foi à janela, viu o arguido com um taco de golfe «para bater na minha irmã». Quando chegou junto do arguido, tirou-lhe o taco de golfe das mãos, sem que o arguido tenha oferecido qualquer resistência.
VS_____ relatou que saiu de casa atrás do seu filho R______ por ter visto este último também sair de casa à pressa e pressentiu que algo estava a correr mal. Quando chegou ao local, estava lá muita gente e viu o arguido com um objecto da mão, que não se apercebeu o que era, tendo a ideia de que o taco estava no ar. Só mais tarde lhe contaram que se tratava de um taco de golfe.
A sua preocupação, porque o arguido e a sua filha, estavam aos berros, um com o outro, foi fazer com que ele se fosse embora, porque receou que o arguido batesse na sua filha.
Ora, o depoimento da ofendida tem de ser concatenado com os demais meios de prova testemunhal e de duas uma: ou prepondera sobre os demais, por especiais razões de credibilidade acrescida, na comparação com os outros depoimentos, ou não e, portanto, nesta hipótese, o que o julgador tem de fazer é conjugar todos os relatos e compatibilizá-los, sob o crivo das regras de experiência e de critérios de lógica e razoabilidade.
Do que foi possível ouvir na gravação, da análise conjugada dos quatro depoimentos – das testemunhas HM_______ , MMS____, R______  e VS____  - resulta inequívoco que todas as testemunhas assumiram uma postura de algum constrangimento em relatarem tudo quanto aconteceu, muito possivelmente, porque o arguido é o pai de três crianças de quem as testemunhas são respectivamente, mãe, avó, tio e avô maternos, sendo evidente o esforço que fizeram para afirmarem apenas os detalhes sobre que tinham certezas absolutas minorarem a gravidade dos comportamentos por ele adoptados em relação à ofendida HM_______.
Porém, tal como assinala a decisão recorrida no texto da motivação da decisão, não há qualquer outra versão dos factos alternativa àquela que estas testemunhas trouxeram à audiência de discussão e julgamento, sendo que o arguido usou do seu direito ao silêncio e não foram indicadas outras testemunhas dos factos.
Assim, não havendo razões para atribuir mais fiabilidade ao depoimento da testemunha HM_______ do que aquela que deve ser dada aos depoimentos das restantes testemunhas ouvidas, o recurso, nesta parte, queda-se no patamar da solução alternativa possível, sem que a tese do arguido consiga impor-se à decisão recorrida como a única solução racionalmente aceitável por só ela ter respaldo na prova produzida.
A percepção do julgador é, pois, conforme com o que resultou da discussão da causa quanto ao facto de o taco de golfe ter sido usado pelo arguido na direcção da ofendida.
Por fim, a redacção preconizada pelo recorrente para o facto provado 8 - «já na presença dos pais e irmão da ofendida, o arguido retirou do porta bagagens um objecto vulgo "taco de golf", erguendo-o no ar, tendo sido agarrado pelo irmão e pai da ofendida, que lhe retiraram o taco das mãos», sempre teria o mesmo obstáculo decorrente do princípio do acusatório já assinalado acerca da alteração dos pontos 6 e 7, mesmo que houvesse erro de julgamento.
No que tange à consideração dos factos provados em 14 a 17 como não provados, o recorrente também não tem razão.
Diz-se naqueles pontos 14 a 17, que:
14. Ao agir da forma descrita o arguido quis e conseguiu maltratar HM_______, sua ex-companheira e mãe dos seus três filhos, sobretudo a sua saúde psíquica, fazendo-a temer pela sua integridade física, por força das expressões de cariz intimidatório e injurioso que proferiu contra a mesma, bem sabendo que a sua conduta era idónea a provocar medo e inquietação àquela como efetivamente provocou.
15. Com o seu comportamento, e não ignorando que proferindo expressões de cariz intimidatório e erguendo contra a mesma um taco de golf, fazendo-a crer que a atingia com o mesmo, conseguia diminuí-la no respeito que lhe era devido, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava, o que fez na presença do filho menor T_____.
16. Com o comportamento descrito, dirigindo as expressões supramencionadas a HM_______, consecutivamente, foi a mesma atingida na honra e consideração pelo arguido que lhe dirigiu nomes e expressões em desrespeito pelo sentido de consideração e pudor inato a qualquer ser humano.
17. O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, não se coibiu de a praticar.
O Tribunal do julgamento, partiu da demonstração dos factos enumerados e descritos em 1. a 13., para dar como provados os factos provados nos pontos 14. a 17., através de presunção judicial, como sempre acontece, nos casos em que o arguido não confessa ou se remete ao silêncio, mas se provam os factos objectivos integradores dos tipos legais de crime objecto do processo.
 As presunções judiciais são meios de prova e um mecanismo de resolução de estados de incerteza, na convicção do julgador, quanto à verificação dos factos integradores de um crime, consentidas pelo art.º 127º do CP e compatíveis com o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º nº 2 da Constituição, e ainda com o dever de fundamentar as decisões judiciais, imposto pelo artigo 205º nº 1 da Constituição (Ac. Tribunal Constitucional nº 391/2015, em DR nº 224, II Série, de 16/11/2015, e Ac. do TC nº 521/2018 de 17 Out. 2018, Processo 321/2018 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20180521.html).
Trata-se de extrair de um facto conhecido outro facto desconhecido, através de juízos de inferência lógica alicerçados em critérios de razoabilidade humana, verosimilhança, probabilidade e experiência comum, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 125º do CPP e 349º a 351º do CC, desde que exista entre o facto que serve de base à presunção e o facto que dela pode ser extraído, uma relação directa sem interferência de premissas indemonstradas ou indemonstráveis, ou de meras 
Os actos interiores ou factos internos, que respeitam à vida psíquica, raramente se provam directamente, pelo que é frequente a inferência da existência do dolo, partindo dos factos conhecidos que são os modos de execução dos tipos de crime, associados à capacidade de discernimento e à liberdade de vontade do autor desses factos, assim se provando a existência de dolo, com base em prova indirecta, tão válida quanto seria, caso o arguido tivesse confessado integralmente e sem reservas os factos.
«A prova do dolo faz-se, normalmente, de forma indirecta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência, pelo que, na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam um tipo objectivo de crime e ter consciência do seu carácter ilícito, a prova terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.» (Ac. da Relação de Lisboa de 15.12.2015, processo 200/15.9PBOER.L1-5. No mesmo sentido Ac. da Relação do Porto de 18.03.2015, processo 400/13.6PDPRT.P1; Ac. da Relação de Lisboa de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, in http://www.dgsi.pt).
Em face dos relatos dos factos apresentados pelas testemunhas inquiridas a que já se fez alusão, muito embora se perceba que apelidar a ofendida de «cabra, vadia», assim como dizer-lhe, «põe-te a pau, quando menos esperares, faço-te a folha», ou brandir um taco de golfe na sua direcção, como se a fosse agredir fisicamente, não são  comportamentos que o arguido alguma vez, antes ou depois daquele dia 30 de Maio de 2019 tenha adoptado, o que é certo é que esses foram os factos que praticou e dirigiu à mesma HM_______.
Mesmo tendo tais expressões sido ditas e tal reacção assumida, num contexto de discussão com a própria e em cujo decurso esta também lhe chamou nomes e levantou a voz, em caso algum se pode dizer que o arguido não teve consciência do significado e alcance daquelas expressões, ou daquele acto de utilização do taco de golfe, nem pode dizer-se que não tivesse querido levar a cabo estas condutas ou que desconhecesse que as mesmas são atentatórias da reputação e bom nome e adequadas a fazê-la sentir-se receosa pela sua integridade física, como se diz naqueles pontos 14 a 17, porque a conclusão inversa é que seria um erro de julgamento, considerando que para qualquer cidadão medianamente informado e responsável, insultar outra pessoa, ou anunciar que lhe faz «a folha», que é uma expressão coloquial com um significado de todos conhecido, ou usar um taco de golfe na sua direcção, são atitudes notória e evidentemente ofensivas e intimidatórias, sendo do conhecimento geral que integram a prática de crimes e são proibidas por lei.
Ora, como resulta, quer dos depoimentos das testemunhas, quer das declarações que o arguido prestou a final, na audiência de discussão e julgamento, embora apenas acerca das suas condições pessoais, o mesmo arguido é um homem inteligente, dotado de discernimento e vontade livre, pelo que outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que agiu de forma deliberada, livre e consciente, querendo e conseguindo ofender e intimidar a ofendida, nos termos descritos nos pontos 14 a 17 da matéria de facto provada.
Compreende-se que o arguido pretenda eximir-se da incriminação pela violência doméstica, de resto, como o próprio assume expressamente no recurso e, por isso, pretenda também não ter causado na ofendida o impacto que aqueles pontos de facto pretendem significar de atentado contra a saúde psíquica da ofendida, segundo os padrões de gravidade que são característicos dos fenómenos de violência doméstica.
Mas não havendo erro de julgamento, a discordância do arguido quanto ao modo como o Tribunal valorou a prova e fixou os factos, queda-se numa versão alternativa à que o Tribunal deu como provada, mas sem a virtualidade de neutralizar esta última e substituí-la pela sua, pois não há verdadeiramente um desacerto na decisão de facto. Ela tem arrimo na prova produzida e nos critérios da livre apreciação do julgador com base nas regras de experiência comum e nos critérios da prova indirecta, por presunções judiciais, tal como são admissíveis em Direito Penal. E estando respaldada, nos princípios da imediação e da oralidade, tem de prevalecer sobre as discordâncias do arguido. 
Como no texto da decisão também não se descortina qualquer vício decisório que, nos termos do art.º 410º nº 2 als. a) a c) do CPP, importe a respectiva alteração, a matéria de facto será mantida tal como se encontra enumerada e descrita na decisão recorrida.
A grande questão é, pois, saber se este episódio de 30 de Maio de 2019 configura um crime de violência doméstica.
E a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.
As relações familiares têm diferentes dinâmicas e, muitas vezes, momentos de grande tensão.
A proximidade relacional, o convívio diário ou frequente, as decisões a tomar em relação à organização da vida dos filhos e a outros problemas quotidianos atinentes ao exercício da profissão, sobre como fazer face às despesas do agregado, etc., geram tensões, discórdia, preocupações várias que nem sempre são geridas de harmonia com as exigências básicas de respeito, espírito de entreajuda e solidariedade que devem pautar as relações familiares e afins.   
O modo como as pessoas da mesma família, ou que vivem juntas por efeito de casamento ou união de facto, ou que se separaram mas têm filhos em comum, se comportam, umas com as outras, pode ser e é, muitas vezes, inadequado, agressivo e até muito reprovável, não só do ponto de vista ético e, por isso, passível de censura social, como podem muito bem integrar o crime de violência doméstica, mesmo não configurando a prática de nenhuma conduta tipificada noutras normas incriminadoras do Código Penal.
Em contrapartida, há comportamentos que membros da mesma família adoptam, uns em relação aos outros, que podem integrar a prática de um crime de injúria, ou de ameaça, coacção, sequestro, ofensa à integridade física, ou outro, cuja ilicitude e grau de culpa se contêm, de forma esgotante, nos tipos legais correspondentes, portanto, sem que cheguem a colocar em crise o bem jurídico visado pelo tipo legal da violência doméstica.
É que não basta a simples conjugação de uma espécie de binómio: existência de uma relação familiar, conjugal ou semelhante entre o arguido e a vítima e a prática de um ou vários dos crimes, para se dar por consumado o crime de violência doméstica.
Com efeito, o bem jurídico protegido com a incriminação contida no art.º 152º do CP é, em geral, a dignidade humana, enquanto bem jurídico plural e complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, no âmbito de específicas relações pessoais, ou seja, a dignidade da pessoa humana, em contexto de relação conjugal ou análoga e mesmo após cessar essa relação, ou de relação filial ou outra, de diferente natureza, mas que implique coabitação.
«A ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana» (Américo Taipa de Carvalho, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", vol. I, pág. 332), embora em contextos muito particulares de subordinação existencial, no âmbito duma relação de coabitação conjugal ou análoga, ou outra forma estreita de relação de vida, incluindo de namoro, protegendo «a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral» (Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica, Novo Quadro Penal e Processual Penal”, in Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1.º semestre de 2008, n.º 8, pág. 305. No mesmo sentido, Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais, Revista de Direito Penal, vol. I, n.º 2, ano 2002, ed. da UAL, págs. 32-33 e 42; Augusto Silva Dias, Materiais Para o Estudo da Parte Especial do Direito Penal, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, pág. 110).
De harmonia com a definição constante do art.º 3º al. b) da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica foi adoptada em Istambul, a 11 de maio de 2011, aprovada pelo Governo português a 16 de Novembro de 2012, ratificada pela Assembleia da República a 21 de Janeiro de 2013 e entrou em vigor em Portugal a 1 de Agosto de 2014 (Convenção de Istambul), a violência doméstica refere-se a actos «de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os actuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infractor partilhe ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que a vítima».
O art.º 152º do CP, na sua actual redacção, materializa-se objectivamente na prática de maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.
Os maus-tratos físicos consistem em actos que se traduzem em qualquer forma de violência física, designadamente e, por regra, em ofensas corporais, enquanto que os maus tratos psíquicos correspondem a condutas que ofendem a integridade moral ou o sentimento de dignidade, incluindo humilhações, provocações, quer estas se reconduzam a actos, gestos, palavras, expressões, escritos, etc., puníveis, em si mesmas, como crimes de injúria e difamação, ou ameaça, sequestro ou coacção, quer não.
Por isso mesmo, no tipo está incluída uma vasta gama de condutas, desde comportamentos que isolada e objectivamente analisados são apenas ética e socialmente censuráveis, mas acabam por assumir relevância jurídico-penal, como modos de execução do crime de violência doméstica, até comportamentos que, em si mesmo considerados, correspondem a outros tipos de ilícito penal, como sejam, os crimes de ofensa à integridade física, nas suas diferentes modalidades (arts.143º e 145º nº1), de ameaça simples ou agravada (art.º 153º), difamação e injúrias, simples ou qualificadas (art.ºs 180º 181º e 183º), coacção (art.ºs 154º e 155º), sequestro simples (art.º 158º nº1), coacção sexual (art.º 163º), violação (art.º 164º) e importunação sexual (art.º 170º), mas que, por efeito da sua subsunção a uma única norma incriminadora, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma e ganham uma nova dimensão normativa, justamente, a do crime de violência doméstica (Teresa Féria, in Ousar Vencer a Violência sobre as Mulheres na Família - Guia de Boas Práticas Judiciais Capítulo I Sobre O Crime De Maus-Tratos Conjugal, editado em NOVOS, pela Associação Portuguesa de Mulher Juristas, e publicado in www.AMJP.pt.; Projecto de Recomendação e de Exposição de Motivos, do Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, BMJ 335-5; Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 465-466; André Lamas Leite, in “A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o direito penal e a criminologia”, na Revista Julgar, n.º 12 (Especial), 2010, p. 45).
Para que tal suceda é imperativo que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da tal relação de proximidade e vinculação existencial entre o agente e a vítima, pela sua natureza e pelos efeitos que possam ter na possibilidade da vida em comum, ou de manutenção das relações de diferente natureza de entre as enumeradas no art.º 152º do CP, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento lesivo da sua saúde física e mental, incompatível com a sua dignidade e liberdade, nesse contexto de intimidade.
Assim, se na ponderação da «imagem global do facto», a conduta ou as condutas revelarem o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” que fundamentam a especificidade deste crime, ou seja, gravidade ou intensidade suficientes para colocar em crise o bem jurídico protegido com a incriminação da violência doméstica, será aplicável o citado art.º 152º do CP.
Se da imagem global dos factos não resultar este quadro de maus tratos, nos moldes e com os contornos acima referidos, que justifiquem aquela especial tutela e punição agravada, a situação integrará a prática de um ou dos vários crimes em causa, os quais reassumem a sua autonomia, à luz de cada um dos tipos legais que os prevêem, se e quando praticados sem esta tónica de tratamento cruel, desumano e degradante, ofensivo da personalidade da vítima, considerada na sua globalidade e de afronta intensa ou reiterada à sua dignidade, ao seu bem estar físico, psíquico e emocional e à sua liberdade individual de decisão e acção, animadas do propósito de predomínio e de manutenção de uma relação de abuso de poder e de controlo sobre a mesma.
Com efeito, o traço distintivo que permite conferir esta forma específica e reforçada de tutela, mediante a incriminação do art.º 152º do CP a condutas que sem essa especial incriminação só seriam social ou moralmente censuráveis ou só seriam enquadráveis como crimes autónomos de ofensas à integridade física simples ou qualificadas, de ameaças simples ou agravadas, de coacção simples, de sequestro simples, de coacção sexual, de violação, de injúria ou de difamação, etc., é a existência de um «estado de agressão permanente que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou de poder, proporcionada pelo âmbito familiar ou quase-familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante.» (Plácido Conde Fernandes In “Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal” – Revista do CEJ, n.º 8, 1.º semestre, página 307).
«Para este efeito (da incriminação pelo tipo legal de violência doméstica), deve entrar em cena a desconsideração pela dignidade pessoal da vítima imanente ao comportamento violento próprio dos maus tratos. Esse desprezo do agressor pela sua dignidade revela um pesado desvalor de ação que agrava a ilicitude material do facto» (Nuno Brandão, in Tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Revista Julgar, n.º 12 (Especial), 2010, p. 9 a 24. No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto de 10.09.2014 proc.º 648/12.0PIVNG.P1; de 15.12.2016 proc.º 192/15.4GBVFR.P1 e de 13.11.2019, proc.º 109/19.7GAARC.P1; Ac. da Relação de Évora de 08.01.2013, proc.º 113/10.0TAVVC.E1; de 30.06.2015 proc.º 1340/14.7TAPTM.E1, de 22.11.2018, proc.º 526/16.4 GFSTB.E1 e de 11.07.2019, proc.º 627/17.1GDSTB.E1, Acs. da Relação de Lisboa de 07.10.2015, proc.º 735/14.0PLSNT-3; 4.10.2016, proc.º 311/15.0JAPDL.L1-5; de 7.02.2017, proc.º  1816/14.6PFLRS.L1-5; de 01.06.2017, proc.º 3/16.0PAPST.L1, de 13.02.2019, proc.º 428/17.7PCSNT.L1-3, de 18.09.2019, proc.º 1745/17.1PBFUN.L1 e de 08.01.2020, proc.º 56/17.7T9OER.L1-3; Acs. da Relação de Coimbra de 17.01.2018, proc.º 204/10.8GASRE.C1 e de 07.02.2018, proc.º 663/16.5PBCTB.C1, de 20.02.2019, proc.  335/17.3PBCTB.C1, de 18.12.2019, proc. 169/18.8PBCLD.C1 de 05.02.2020, proc.º 71/16.8GGCBR.C1, in http://www.dgsi.pt).
Embora até 2007 sempre tenha sido configurado como um crime de estrutura objectiva reiterada, classificado ora como crime habitual, ora como crime permanente, com a alteração introduzida no art.º 152º do CP, pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, passou a estar expressamente prevista a possibilidade de consumação do crime, através de um só acto de execução.
Segundo a exposição de motivos exarada na proposta de Lei 98/X que esteve na origem da citada Lei 59/2007 de 4 de Setembro, a introdução da ideia de que o tipo violência doméstica não exige a reiteração teve como contrapartida ou condição essencial da admissibilidade de uma única conduta dar lugar à consumação do crime de violência doméstica a sua gravidade.
Outra não pode ser a interpretação a fazer do excerto em que o legislador afirmou que «na descrição típica da violência doméstica e dos maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa».
Esta alteração foi introduzida para dar concretização às grandes linhas orientadoras da revisão assumidas, nessa exposição de motivos: «a revisão procura fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado. Assim, de entre as suas principais orientações, destacam-se: (…) o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, como as crianças, os menores e as vítimas de violência doméstica, maus tratos ou discriminação» (https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf).
A violência doméstica é um fenómeno social muito grave que afronta o desenvolvimento democrático de uma sociedade, com evidente violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no art.º 13º da CRP e dos direitos humanos das vítimas, a começar pela dignidade inerente à condição humana, e que deve merecer uma reposta veemente e eficaz do Direito Penal, na prevenção, combate e repressão deste tipo de criminalidade.
Nas suas formas mais violentas e/ou prolongadas, estão-lhe associadas consequências trágicas que se traduzem, no pior dos cenários, no homicídio da vítima, no seu suicídio, ou mesmo no homicídio do agressor e, em geral, na incapacitação irreversível ou quase irreversível da generalidade das vítimas, por efeito dos gravíssimos danos físicos e emocionais que muitas vezes degeneram em hipertensão arterial, doenças cardíacas, transtornos da ansiedade, distúrbios do sono e alimentação, acidente vascular cerebral, paralisia facial, depressões crónicas, síndrome de stress pós traumático e outros efeitos semelhantes que lhes degradam ou retiram a saúde e as competências pessoais, profissionais e de relacionamento social o que, reflexamente, envolve, portanto,  elevados custos sociais.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2019 (https://www.portugal.gov.pt), o número de ocorrências de violência doméstica registado em 2019 foi de 29.498, mais 3.015 casos do que em 2018 e o maior número registado desde 2010, com uma variação de 11,4%, sendo que em 84% dos casos, as vítimas são cônjuges ou parceiros íntimos, 76% das vítimas são mulheres e 82% dos agressores são do sexo masculino.
Embora com pequenas divergências numéricas, as mesmas tendências quanto à tipologia da violência, de género de vítimas e de agressores, são assinaladas em sentido convergente, no Relatório Anual de Monitorização da Violência Doméstica referente ao ano de 2018 do Ministério da Administração Interna, páginas 8, 24, 25 e 31 a 35, publicado em Maio de 2019, in  https://www.sg.mai.gov.pt/Noticias/Documents/RelVD_2018.pdf).
Foram deduzidas 5234 acusações, no decurso do ano de 2018 e a taxa de condenação foi de 57,5%, sendo que com diferentes durações, em 1004 casos de condenação, foram aplicadas penas de prisão.
E as estatísticas realizadas pelo Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), apontavam para a morte de 31 mulheres e 30 tentativas de homicídio em 2019 em contextos de violência doméstica, no decurso do ano de 2019.
De acordo com a mesma organização, nos últimos quinze anos, a violência doméstica vitimizou mortalmente 531 mulheres e outras 618 foram vítimas de tentativas de homicídio, também em contexto de violência doméstica (http://www.umarfeminismos.org/images/OMA_Relatorio_Final_2019_FINAL.pdf).
É, por conseguinte, neste contexto de disseminação deste grave fenómeno social e das suas trágicas consequências para as vítimas que o «modo reiterado ou não» das condutas típicas utilizado no texto do art.º 152º nº 1 do CP deve ser interpretado, o que vale por dizer, que um acto isolado só preencherá o tipo incriminador da violência doméstica se e quando, pela sua especial gravidade e potencialidade lesiva (desvalor da acção e do resultado), se revelar como uma forma de tratamento desumano, cruel ou degradante da vítima, isto é, que seja a tal ponto grave, que da sua prática resulte a violação do bem jurídico tutelado com a incriminação, nos mesmos moldes em que tal resultado ocorreria por via da reiteração dos maus tratos.
«Nem toda a ofensa que ocorre na unidade familiar é um crime de violência doméstica, pela simples razão de os maus tratos pressuporem um atentado à integridade física ou psíquica da vítima que seja especialmente gravoso e censurável. O crime de violência doméstica não tutela bagatelas penais. Não nos devemos esquecer que há outros tipos legais de crime que podem tutelar outras situações, caso não se esteja efetivamente na presença de maus tratos físicos ou psíquicos que lesam o bem jurídico tutelado, pois nem toda a agressão pode ser qualificada como maus tratos. Impõe-se ponderar cada situação isoladamente e à luz do princípio da proporcionalidade nos termos do art.18.º, n.º 2 da CRP. Deste modo, para que um ato isolado possa, eventualmente, preencher o tipo incriminador do art.152.º, tem necessariamente de ser gravoso» (Carlos Casimiro Nunes e Maria Raquel Mota, «O crime de violência doméstica: a alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal», Revista do Ministério Público, n.º 122, 2010. pp. 133-175, pág. 164. No mesmo sentido, Ricardo Jorge Bragança de Matos, «Dos Maus-tratos a Cônjuge à Violência Doméstica: Um Passo à Frente na Tutela da Vítima?», Revista do Ministério Público, n.º 107, 2006. pp. 89-120, p. 101; Verena Schneeberger, Violência Doméstica e Concurso Homogéneo, Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Abril de 2016, págs. 33 a 38, https://run.unl.pt/bitstream/10362/19151/1/Schneeberger_2016.pdf ).
Esta é a única interpretação que se coaduna com a natureza fragmentária e de ultima ratio do Direito Penal, bem como com os propósitos de reforço da tutela da vítima e de intensificação da protecção do bem jurídico visado com a incriminação contida no art.º 152º do CP, por comparação com os bens jurídicos já tutelados pelos outros crimes da parte especial do CP cujos modos de execução e consumação também correspondem a maus tratos físicos, a maus tratos psíquicos e a ofensas sexuais e, por fim, a que melhor se ajusta à descrição sociológica do chamado ciclo da violência doméstica, o qual se desdobra em três fases – a do aumento da tensão, a do ataque violento e a da lua de mel – as quais, segundo a literatura disponível, se repetem sucessivamente, ao longo de meses ou anos, imprimindo à interacção entre o agressor e a vítima padrões de comportamento de abuso e de submissão, seguindo uma tendência gradual de cada vez menor duração das fases que antecedem e das fases que sucedem às do apogeu do mau trato físico e/ou psicológico e de cada vez maior intensidade destas últimas.
Por isso, que a regra continua a ser a de que o crime de violência doméstica é um crime de estrutura objectiva plúrima, reiterada e pluriofensiva e só excepcionalmente, uma única conduta será suficiente, em atenção à especial severidade na ofensa à dignidade da vítima que seja apta a causar, para consumar um crime de violência doméstica.
Ora, no caso vertente, a prova produzida não consente a subsunção dos factos apurados ao crime de violência doméstica, pela simples razão de que faltou a apurar a tal imagem global do facto especialmente violadora do bem jurídico acautelado no art.º 152º do CP, ou seja, a dignidade pessoal e a saúde física e psíquica de HM_______, na qualidade de ex-companheira do arguido e de mãe dos seus três filhos, no contexto da relação de união de facto ou da separação que se lhe seguiu e por causa dela.
É que uma discussão pontual em que ambos os interlocutores se envolvem, um com o outro, altercando-se, trocando impropérios e insultos vários, como aquela que vem descrita na matéria de facto exarada na sentença recorrida e foi explicada de forma totalmente credível pela própria ofendida, nem corresponde ao chamado ciclo da violência doméstica, nem tem especial ilicitude ou censurabilidade para a tornar subsumível ao art.º 152º do CP, fora do âmbito da incriminação por outros tipos legais de crime.
É óbvio que o uso de nomes como cabra e vadia por parte do arguido para se dirigir à ofendida não é aceitável e, mais do que isso, tem tutela penal, como crime de injúria.
O mesmo poderia dizer-se daqueles que a própria ofendida reconhece ter dirigido ao arguido, embora ela não tenha especificado e também não lhe tenha sido perguntado que nomes possam ter sido, apenas se depreendendo da audição do seu depoimento que eram igualmente insultuosos para aquele.  
Do mesmo modo, brandir um taco de golfe para o ar, mas andando com ele na direcção da ofendida e proferindo afirmações como “põe-te a pau, quando menos esperares, vou-te fazer a folha”, que tem um significado evidente, por todos em geral conhecido e conotado como o de um atentado contra a própria vida da ofendida e não apenas contra a sua integridade física (diversamente do que refere a acusação e a matéria de facto provada na sentença), são atitudes aptas a preencher a descrição típica do crime de ameaça.
 Mas o que nenhuma destas condutas tem, à luz das mais elementares regras de senso comum, é a carga de amesquinhamento ou coisificação da personalidade da pessoa visada, ou de predomínio ou abuso de poder por parte do arguido sobre a ofendida, como é próprio da violência doméstica.
Este é mais um dos muitos processos que materializa uma certa tendência, perigosa e muito preocupante, de banalização da incriminação da violência doméstica, o que desvirtua completamente os fins de protecção dos bens jurídicos do Direito Penal, com maior ou menor severidade, por referência à sua maior ou menor danosidade social, com evidente violação do princípio constitucional da proporcionalidade, que se repercute até num certo desrespeito pelo sofrimento e necessidades de protecção das vítimas de reais situações de violência doméstica.
Esta tendência deve ser refreada, sob pena, ainda, de desviar a atenção das instâncias de investigação criminal, de decisão judicial e de apoio e protecção às vítimas das reais necessidades de combate, repressão e prevenção da violência doméstica, por comportamentos que merecendo embora censura penal, não têm, no entanto, gravidade suficiente para serem nela enquadrados e que correspondem a outros tipos de crime menos graves.
Dito isto, os comportamentos adoptados pelo arguido em relação à ofendida, chamando-lhe cabra e vadia e anunciando-lhe que quando menos esperasse, lhe fazia a folha terão, terão, portanto, de ser analisados à luz dos tipos legais contidos na parte especial do CP que os prevêem, isolada e autonomamente, como crimes de injúria e de ameaça.
No que concerne ao crime de injúria, dada a sua natureza de crime particular que envolve, como condições cumulativas de procedibilidade a apresentação de queixa, a constituição como assistente e a dedução de acusação particular, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 181º; 188º nº 1 e 113º do CP e 50º do CPP, com base no mesmo, não pode ser feita qualquer censura jurídico-penal ao arguido, uma vez que a pessoa que tinha legitimidade para se constituir assistente e que é a ofendida HM_______  não o fez, nem deduziu acusação particular.
O crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153º do Código Penal, tutela, por um lado, o sossego e tranquilidade individuais e, por outro lado, a liberdade de decisão e acção, segundo as motivações próprias de cada pessoa, como resulta da configuração que o mencionado preceito dá a este tipo de ilícito.
Com efeito, como modalidades de acção típica, o art.º 153º exige a ameaça da prática de crime por forma a causar medo ou inquietação na vítima ou que tal ameaça lhe perturbe a sua liberdade de determinação.
«Há na verdade, uma conexão íntima entre a paz individual e a liberdade de decisão e de acção. Por isto, as expressões “provocar-lhe medo ou inquietação” e “prejudicar a sua liberdade de determinação” não se referem a bens jurídicos autónomos entre si (paz individual e liberdade de determinação), mas ao bem jurídico liberdade pessoal, que vê na paz individual uma condição da sua realização» (Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 342).
Trata-se, pois, de bem jurídico de natureza eminentemente pessoal.
São elementos constitutivos do tipo, a promessa feita pelo autor do facto ao ofendido de que irá causar-lhe danos graves e injustos na sua pessoa ou bens; que tal promessa corresponda à prática de um dos tipos de crime enunciados no nº 1 do art.º 153º, ou seja, contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, ou contra bens patrimoniais de valor considerável, a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos; a natureza séria de tal prenúncio de verificação futura de um mal, que pode ser transmitido tanto de forma explícita, como implícita ou, até mesmo, condicional, desde que futuro e não em iminente execução, no sentido em que esta expressão é tomada no art.º 22º nº 2, al. c) do Código Penal e cuja ocorrência esteja dependente da vontade do agente, que o mal anunciado à vítima constitua a prática de um crime de entre aqueles que o tipo legal enumera, ou seja, um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, que a pessoa ameaçada, quando não seja a mesma que viria, eventualmente, a ser o objecto dessa ameaça, tenha uma relação de proximidade com a visada, sob pena de inadequação da ameaça para provocar na vítima medo ou inquietação que prejudique a sua liberdade de determinação; que demonstre inequivocamente a intenção de amedrontar a vítima ou de lhe coarctar ou retirar a sua liberdade individual, mesmo que tal resultado não venha a verificar-se (ou seja, o dolo) e seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da vítima (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 413; Miguez Garcia / J M Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 4 ao art.º 153º, pág. 633).
Quanto à imputação subjectiva, a mesma faz-se com base no dolo, consubstanciado no carácter ilícito e censurável da conduta, concretamente, da adequação da ameaça a provocar os tais sentimentos de receio e intranquilidade, no espírito do destinatário e na vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento deste, sendo, para o efeito, irrelevante que o agente tenha, ainda, a vontade de intimidar ou amedrontar o sujeito passivo ou, sequer, de concretizar a ameaça.
Ao agir, como descrito nos pontos 8 e 10., brandindo um taco de golfe para o ar enquanto se dirigia na direcção de HM______, com quem se havia envolvido na discussão ocorrida no dia 30 de Maio de 2019 e dizendo-lhe “põe-te a pau, quando menos esperares, vou-te fazer a folha” e tendo resultado provado que o arguido quis proferir esta afirmação e dirigi-la à ofendida ciente de que a faria temer pela sua integridade física, por força das expressões de cariz intimidatório e injurioso que proferiu contra a mesma, bem sabendo que a sua conduta era idónea a provocar medo e inquietação àquela como efetivamente provocou e que bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, não se coibiu de a praticar, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente e conhecendo o carácter proibido e punível da sua conduta, o arguido constituiu-se autor material de um crime de ameaça, não qualificada, na medida em que não consta da matéria de facto provada a intenção do arguido de fazer a ofendida recear pela sua própria vida, mas apenas pela sua integridade física, pelo que se constituiu autor material de um crime de ameaça simples (e não agravada, porquanto a matéria de facto não consente tal agravação).
O crime de ameaça simples tem natureza semi-pública (art.º 153º nº 2 do CP).
Na medida em que, como expresso no seu auto de inquirição de fls. 72 e 73 dos autos, a ofendida expressou o seu desejo de procedimento criminal por estes factos, verificadas que estão todas as condições de procedibilidade, cumpre, então, a este Tribunal de recurso, realizar as tarefas de escolha e determinação concreta da pena a aplicar para o crime de ameaça, p. e. p. pelo art.º 153º nº 1 do CP, de harmonia com o disposto nos art.ºs 424º nº 2 e 425º nº 4 do Código de Processo Penal.
O crime de ameaça é punível como pena de prisão até um ano, ou, em alternativa, com pena de multa até 120 dias.
Na determinação concreta da pena, o Tribunal atenderá a todas as circunstâncias que contribuem para agravar ou atenuar a responsabilidade, enumeradas no art.º 71º daquele diploma, que não sejam as que integram os elementos constitutivos do tipo, sob pena de violação do princípio do «ne bis in idem», embora tais circunstâncias, na parte em que a sua intensidade concreta ultrapasse os limites necessários que a lei considera no tipo incriminador para a determinação da moldura penal abstracta, devam ser consideradas na fixação concreta dessa moldura.
Estas circunstâncias serão, ainda, valoradas de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas (Claus Roxin, Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, p. 113; Eduardo Correia, BMJ nº 149, p. 72 e Taipa de Carvalho, Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal, p. 96 e ss.).
E a culpa terá de ser apreciada, na dupla perspectiva de culpa pelo facto e pela personalidade do agente, como se infere de várias disposições do CP, como por exemplo o art.º 72º nº 2 al. f) antigo e o actual art.º 71º nº 2 al. f) ( no mesmo sentido, Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, CEJ, I, p. 270.
No que concerne ao grau de culpa do arguido, refira-se que a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo terá sentido agravante, na medida em que se trata do tipo de dolo mais intenso dos previstos no art.º 14º do CP.
O mesmo se diga das necessidades de prevenção geral, em atenção à indesejável proliferação de ilícitos de natureza idêntica, a que soma o grau de violação dos deveres impostos, considerando a futilidade dos motivos, por um lado, sendo certo que a ofendida pela simples circunstância de ser a mãe dos três filhos do arguido e com quem este manteve uma união de facto durante mais de dez anos, deveria merecer ao arguido muito mais respeito e protecção do que a que lhe manifestou naquele dia 30 de Maio de 2019.
O arguido não tem antecedentes criminais, tem hábitos de trabalho apresentando-se como uma pessoa socialmente inserida, o que tem valor atenuante.
Em face do que fica exposto, atendendo a que o crime é punível com penas de prisão ou multa, por força do princípio consignado no art.º 70º do CP, opta-se pela aplicação desta última, uma vez que se afigura suficiente para que o arguido interiorize o carácter ilícito e censurável da sua conduta e passe no futuro, como até aqui, a não cometer quaisquer outras infracções.
Sopesados todos estes factores, afigura-se adequada a pena de 120 dias de multa.                                                  
No que concerne à taxa diária desta pena, considerando o montante dos rendimentos e despesas fixos mensais do arguido, fixa-se o mesmo em 5 euros.
III – DECISÃO
Termos em que concedem parcial provimento ao recurso e, em consequência:
Revogam a sentença recorrida;
Absolvem o arguido LF________ da prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punível, pelos artigos 153º nº 1 e 155º nº 1 alínea a) e de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º nº 1 alíneas b) e c) e nº 2 alínea a) do Código Penal;
Condenam o mesmo arguido LF________ como autor material de um crime de ameaça simples, p. e p. pelo art.º 153º nº 1 do CP, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 o que perfaz um total de €600,00.
Boletim à D.S.I.C., sem transcrição no certificado de registo criminal, excepto para fins judiciais.
Sem custas – art.º 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mmª. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 14 de Outubro de 2020
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Santos A. L. S. Silva