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VALOR DA ACÇÃO
DETERMINAÇÃO DO VALOR DA AÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
Sumário
- Numa acção em que se pretende fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa o seu valor processual corresponde ao valor real da coisa, a determinar por referência ao respectivo rendimento ou, se o não produzir, ao que derivar de um juízo relativo à respectiva matéria, utilidade e estado de conservação ou de manutenção o que não se confunde com o respectivo valor matricial.
- Mas se estiver em causa apenas uma parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que define o valor processual da causa
- Se os elementos constantes do processo se revelarem insuficientes para proceder à fixação do valor da causa, o juiz deve determinar a realização das diligências indispensáveis, podendo, entre estas, ordenar a realização de arbitramento.
Texto Integral
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –
I. RELATÓRIO
A "Empresa A - Gestão e Investimentos, Sociedade Unipessoal, Ld.ª" intentou a presente acção contra "Empresa X - Sistemas Automatizados e Comunicações, S.A.", peticionando:
a) declarar que a Autora é, actualmente, dona e legitima possuidora do prédio rústico composto por pinhal, denominado Bouça T, com área de 26.160,50 m2 (vinte e seis mil cento e sessenta metros e cinquenta decímetros quadrados), situado no lugar …, freguesia de …, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o número …/…; b) declarar que o prédio da Autora tem a configuração e delimitação a tracejado cor vermelho evidenciada na planta que se junta sob o n° 7; c) condenar a Ré a reconhecer que a Autora é dona e legitima possuidora do prédio supra identificado; d) condenar a Ré a reconhecer que o prédio da Autora tem a configuração e delimitação a tracejado cor vermelho evidenciada na planta que se junta sob o n" 7; e) declarar que não existem sinais identificativos ou marcos que estabeleçam a linha divisória entre os prédios confinantes em causa; f) ordenar a demarcação e colocação de marcos que limitem as estremas dos prédios confinantes, com base nos títulos existentes e nos demais elementos de prova disponíveis.
A Autora atribuiu à presente causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil e um cêntimos).
A ré contesta pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada decidindo-se que a demarcação dos prédios entre A. e Ré está feita pela linha divisória resultante da colocação dos marcos no terreno, tudo conforme consta da planta junta pela ré que constitui o doc. nº 2.
Aceita que a autora seja proprietária do edifício identificado no nº1 da p.i desconhecendo, no entanto a área que lhe é atribuída.
Não é verdade que o prédio da autora tenha a delimitação e configuração assinalada a vermelho na planta junta aos autos como doc. nº7. O prédio da ré com a área global de 18.073,00 m2 tem a configuração e limites assinalados a vermelho na planta que ora se junta como doc. nº2.
E que ao contrário do que a autora alega nos artºs 25 a 27 da p.i existem hoje como já existiam aquando da aquisição do terreno pela ré sinais visíveis e permanentes por onde se define a linha divisória dos prédios sub judicie.
Repudia por isso a ré a afirmação da autora no nº 29 do seu articulado de que tenha ocupado uma parcela de terreno que não lhe pertence (…).
Os autos seguiram a respectiva tramitação.
Com data de 05.09.2017 foi proferida decisão que fixou o valor da causa em € 1.254.310,00 (um milhão duzentos e cinquenta e quatro mil trezentos e dez euros) determinado a remessa dos presentes autos para as secções cíveis da instância central da comarca de Braga, por ser a competente para a preparar a julgar.
Descontentes com esta decisão autora e ré apresentam recurso que foi recebido como de apelação, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo - artigos 629°, n° 1, 630°, n° 1, 638°, na 1, 644°, n? 2, alínea h), 645°, n° 2 e 647°, n° 1, todos do Código de Processo Civil.
Recurso que terminam com as seguintes conclusões:
I. Vêm as Apelantes interpor recurso do despacho proferido pelo Tribunal a quo a 05- 09-2017, refª 154430012, a fls…dos autos, sendo o mesmo apresentado na firme convicção de que o despacho em causa não deveria ter sido proferido naqueles exatos termos. II. A questão concreta que se pretende reapreciada em crivo jurisdicional superior, contende com o facto de cuidar de saber qual o regime aplicável na determinação do valor da causa na presente ação de demarcação de terreno. III. Ora, a A. atribuiu à presente acção o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), que a Ré aceitou. IV. Por via do despacho recorrido, o Tribunal a quo fixou o valor da ação em € 1.254.310,00 (um milhão duzentos e cinquenta e quatro mil trezentos e dez euros). V. O douto despacho recorrido sufragou o entendimento de que a Autora apresenta pedidos cumulativos, sendo um deles o de reconhecimento de propriedade sobre o prédio rústico composto por pinhal, denominado Bouça T, com área de 26.160,50 m² (vinte e seis mil cento e sessenta metros e cinquenta decímetros quadrados), situado no lugar de …, freguesia de …, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …/…. VI. Entendendo que a ação tem por fim fazer valer o direito de propriedade do citado imóvel, o Tribunal a quo fixou o valor da causa com base no critério previsto no artigo 302.º do CPC: € 1.254.310,00 (um milhão duzentos e cinquenta e quatro mil trezentos e dez euros). VII. Sucede, porém, que com a presente acção, a A. pretende exclusivamente a demarcação e colocação de marcos que limitem as estremas dos prédios confinantes de A. e Ré. VIII. Salvo o devido respeito, entendem os recorrentes que o despacho recorrido viola o preceituado nos artigos 296º, 302º, nº 1, 305º, 306º, nº 1 e 308º do CPC. IX. O art. 296.º n.º 1 CPC refere expressamente que o valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido. X. É demais evidente que o reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o referido prédio, em si, não constitui o quid sob disputa, razão pela qual o seu valor não representa a utilidade económica imediata do pedido. XI. Assim, estando em causa apenas a delimitação de terreno numa área que a A. identifica como tendo a área de 1476 m2 (cf. artº 29º da p.i.), do imóvel com a área total de 26.150,50 m2, o valor da acção deverá ser o equivalente ao valor da parcela em litígio e não o da totalidade do prédio. XII. Sendo que, o valor patrimonial do prédio em causa tem em conta todas as construções e edificações erigidas pela A., e a parte que se discute nos autos se trata apenas de uma parcela de terreno, sem quaisquer construções, e que, por essa razão, tem um valor diferente das restantes partes do prédio, contribuindo com um peso diferente para apuramento do seu valor global. XIII. É, aliás, jurisprudência assente que na ação de demarcação o valor da causa deve ser fixado em atenção ao valor da faixa de terreno em litígio e não em atenção ao valor dos prédios confinantes, vide Ac STJ, de 28-05-1991, com o nº convencional JSTJ00010514. XIV. Impunha-se, in casu, que o Tribunal “a quo”, se assim o entendesse e considerasse ser manifesta a insuficiência dos elementos do processo, ordenasse a execução das diligências necessárias à avaliação da faixa em litígio para determinação do valor concreto e real deste e, somente após tal avaliação, determinasse o valor da causa. XV. Ora, face ao supra exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo que deve ser substituído por outro que fixe o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), ou o valor da parcela de terreno em litígio, devendo o Tribunal, para tanto, proceder às diligências necessárias à avaliação da faixa em litígio para determinação do valor da causa (artº 308º do CPC).
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogado o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que fixe à presente acção o valor de € 30.000,01, ou o valor equivalente ao da parcela em litígio, devendo o Tribunal, para tanto, proceder às diligências necessárias à avaliação da faixa em litígio para determinação do valor da causa (artº 308º do CPC), designadamente por arbitramento, nos termos do disposto no artº 309º do CPC.
Em consequência, ser determinada a atribuição da competência das Secções Cíveis do Tribunal da Comarca de Braga, entre a Instância Central de Braga e a Instância Local de Barcelos, conforme o valor que venha a ser determinado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelo teor das conclusões, nos termos dos artºs 684º, nº 3, 690º, nº 3, e 713º, nº 2, todos do CPCiv., ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
E em causa no presente recurso está apenas o despacho supra enunciado que versou sobre a atribuição judicial de valor à acção e suas inerentes consequências processuais.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
De Facto:
A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório.
De Direito:
O art. 296º do Cód. do Proc. Civil, no seu nº 1, estatui que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido.
E depois, no seu nº 2, dispõe-se que se atende a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
Na petição, com que propõe a acção, o autor deve declarar o valor da causa e se o réu não o impugnar, tal significa que aceita o valor atribuído pelo autor [cf. artºs. 552º, nº 1, al. f) e 305º, nº 4 do Cód. do Proc. Civil].
Porém, é ao juiz que compete fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, sendo o momento processualmente adequado para tal efeito o despacho saneador [cf. art. 306º, nº 1 e 2 do Cód. do Proc. Civil].
A determinação do valor da causa, quando as partes não tenham chegado a acordo ou quando o juiz o não aceite, faz-se em face dos elementos que constam do processo ou, mostrando-se estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar [cf. art. 308º do Cód. do Proc. Civil].
Daqui decorre que, mesmo estando as partes de acordo quanto ao valor da causa, o juiz pode não aceitar esse acordo e se entender que o valor da ação é diverso do acordado, decide, em função dos elementos existentes no processo ou, sendo estes insuficientes, depois de efetuadas as diligências consideradas indispensáveis.
No caso “sub judice” a autora, na sua petição inicial, atribuiu à causa o valor de 30.000,01€, mas a Mmª Juíza “a quo”, da análise que fez dos autos, entendeu que esse valor não estava correto e, apoiando-se na regra prevista no art. 302º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil fixou o valor da causa, com base nos elementos matriciais, em € 1.254.310,00 (um milhão duzentos e cinquenta e quatro mil trezentos e dez euros).
Sufragou a decisão recorrida o entendimento de que a Autora apresenta pedidos cumulativos, sendo um deles o de reconhecimento de propriedade sobre o prédio rústico composto por pinhal, denominado Bouça T, com área de 26.160,50 m² (vinte e seis mil cento e sessenta metros e cinquenta decímetros quadrados), situado no lugar de …, freguesia de …, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o número …/….
Estabelece-se nesse art. 302º, nº 1 que «se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.»
Quando na acção se discuta ou vise exercer alguma das faculdades a que alude o art. 1305º do Cód. Civil (gozo, uso, fruição e disposição), o valor processual corresponde ao valor da coisa a determinar por referência ao respectivo rendimento ou, se o não produzir, ao que derivar de um juízo relativo à respectiva matéria, utilidade e estado de conservação ou de manutenção.
Por isso, o valor da acção de reivindicação corresponde ao da coisa reivindicada.
Mas se estiver em causa apenas uma parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que define o valor processual da causa - cf. Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 4ª ed., pág. 45.
Nos presentes autos, a autora peticionou, em primeiro lugar, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que identificou no ponto i do seu pedido atrás enunciado tal como pediu a declaração que aquele prédio tem a configuração e delimitação evidenciada a cor vermelha na planta que junta como doc. nº 7 devendo a ré ser condenada a reconhecer estes pedidos. Pede ainda a demarcação e colocação de marcos que limitem as estremas dos prédios confinantes com base nos títulos existentes e nos demais elementos de prova disponíveis.
Isto porque a autora alegou ser proprietária do imóvel que descreve na p.i sendo a ré proprietária de outro imóvel que confronta pelos lados poente e sul com o prédio da autora.
Mais alegou que estes prédios não se encontram devidamente delimitados por muros, marcos ou vedacção. Em meados de Março de 2016 a ré procedeu á demarcação do que julga ser seu terreno com recurso a uma vedação de arame. Em tal demarcação realizada pela ré esta considera uma parcela de terreno que não é sua propriedade, conforme área evidenciada a vermelho na planta que junta como doc. nº 11
Defendem por isso as recorrentes que em causa nesta acção não está a totalidade do prédio referenciado na petição inicial, mas sim apenas uma parcela dele, numa área que identifica como sendo a área de 1476 m2 (cf. artº 29º da p.i.), do imóvel com a área total de 26.150,50 m2 razão pelo qual o valor da ação se deverá determinar com referência ao valor da parcela em litigio.
E as recorrentes têm razão.
De efeito, pese embora o pedido supra identificado sob o ponto i, resulta claro dos articulados que o litígio, tal como objectivado pela autora através da causa de pedir invocada, se centra exclusivamente na estrita faixa de terreno que identifica e não na totalidade do prédio cujo reconhecimento de dominialidade pede. Pode assim dizer-se que o reconhecimento de tal dominialidade funciona como uma espécie de antecedente lógico dos demais pedidos formulados, mas não é em si mesmo o quid sob disputa.(1) (…) na acção em que se peça a demarcação das extremas de um prédio, o respectivo valor corresponde ao da parcela em litigio- Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 4ª ed., pág. 45. (2)
A Mmª Juíza “a quo”, como já se referiu, na determinação do valor da causa ateve-se aos elementos matriciais já constantes do processo e, por esse motivo, fixou-o em € 1.254.310,00 (um milhão duzentos e cinquenta e quatro mil trezentos e dez euros).
Todavia o valor patrimonial do prédio em causa tem em conta toda a área do prédio com todas as construções e edificações nele existente – nesse prédio a autora implantou um edifício de três pisos e logradouro correspondente ao Supermercado W de Barcelos (artº 10 da. P.i)
Não poderá ser atendido.
Acresce que o art. 302º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil manda atender ao valor da coisa, entendido este como o seu valor real, e não propriamente ao valor tributável da coisa.
Por sua vez o valor indicado na petição inicial - € 30.000,01 e mantido em sede de recurso- conclusão XV- face aos elementos constantes dos autos, não está sustentado em factualidade concreta que o justifique.
Deste modo, porque, perante uma tão grande disparidade de valores indicados, os elementos constantes do processo se revelam insuficientes mostra-se, a nosso ver, indispensável a realização de diligências com vista a uma adequada fixação do valor da causa, impondo-se, mais concretamente, a necessidade de proceder a arbitramento, nos termos do art. 309º do Cód. do Proc. Civil por forma a apurar qual o valor real da parcela em litigio nestes autos.
De qualquer modo, o resultado que vier a emergir do arbitramento, não põe de parte a possibilidade de na fixação do valor da causa vir a intervir um posterior juízo de equidade, se este se revelar absolutamente necessário (3).
Há, pois, que julgar procedente o recurso interposto nos termos supra expostos.
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Sumário (– art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- Numa acção em que se pretende fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa o seu valor processual corresponde ao valor real da coisa, a determinar por referência ao respectivo rendimento ou, se o não produzir, ao que derivar de um juízo relativo à respectiva matéria, utilidade e estado de conservação ou de manutenção o que não se confunde com o respectivo valor matricial.
- Mas se estiver em causa apenas uma parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que define o valor processual da causa
- Se os elementos constantes do processo se revelarem insuficientes para proceder à fixação do valor da causa, o juiz deve determinar a realização das diligências indispensáveis, podendo, entre estas, ordenar a realização de arbitramento.
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III. DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelas recorrentes e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que se substitui por outro que determina a realização de arbitramento nos termos do art. 309º do Cód. do Proc. Civil e a incidir sobre a parcela em litigio.
O valor da causa será fixado após a realização do arbitramento.
Sem custas.
Guimarães, 18 de Dezembro de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)
1. (…) na acção em que se peça a demarcação das extremas de um prédio, o respectivo valor corresponde ao da parcela em litigio- Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 4ª ed., pág. 45. 2. Relativamente à distinção entre acção de reivindicação e de demarcação ver acórdão desta Relação proferido no processo nº 148/14.4 T8VRL.Gi com data de 29.06.2017. 3. Ac. Rel. Guimarães de 6.1.2011, proc. 344/09.6 TCGMR-B.G1, disponível in www.dgsi.pt.