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DIVISÃO DE COISA COMUM
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Sumário
Inexiste a nulidade de erro na forma do processo quando o que o Autor peticiona, independentemente de o fazer correcta ou erradamente, se ajusta à forma de processo por ele escolhida e usada. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Apelação n.º 1568/22.6T8EVR.E1 Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Cível ... – Juiz ... Apelante: AA Apelada: BB *** Sumário do Acórdão (...)
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC) * I – RELATÓRIO Em 23/08/2022 AA, divorciado, operador de posto de portagem, residente em ..., ..., instaurou contra BB, divorciada, professora, residente na Rua ..., Bairro ..., ..., a presente acção especial de divisão de coisa comum nos termos dos artigos 925.º a 929.º, do CPC, alegando para o efeito o seguinte:
“1.º A. e R. são proprietários, em comum e partes iguais, do prédio urbano, destinado a habitação, situado na Rua ... (...), n.º ..., Bairro ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...75, da freguesia ... (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...00 da União das freguesias ... e ..., composto por ... com uma divisão, cozinha, casa de banho, garagem e logradouro e ... andar com quatro divisões e casa de banho (Docs. n.º 1 e 2).
2.º O referido prédio foi adquirido por ambos, na descrita situação de compropriedade, por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança outorgada em 29 de Janeiro de 2002 no ... Cartório Notarial ... (Doc. n.º 3).
3.º Encontrando-se registado a favor dos mesmos na Conservatória do Registo Predial, pela apresentação 8 de 2001/12/20 e respectivo averbamento de conversão – apresentação 21 de 2002/03/19 (cfr. Doc. n.º 1 e chave de acesso à certidão permanente: ...00).
4.º Conforme resulta da escritura a que se alude em 2 da presente peça, não foi convencionada, nem registada, qualquer cláusula de indivisão referente ao supramencionado prédio.
5.º Nos termos do previsto no artigo 1412.º do Código Civil, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão.
6.º O requerente pretende pôr termo a esta indivisão, o que não foi possível alcançar por via extrajudicial.
7.º Sendo certo que o sobredito prédio pela sua natureza, pelas suas características e pela sua afectação, é insusceptível de ser dividido em substância – artigo 209.º do Código Civil.
8.º Na falta de acordo entre os comproprietários quanto à divisão amigável da coisa, a divisão terá de ser feita nos termos da lei de processo,
9.º Observando-se, assim, os termos previstos nos artigos 925.º a 929.º do CPC.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá deve, a presente acção, ser julgada provada e procedente, sendo proferida decisão que ponha termo à indivisão do prédio identificado nesta petição, quer através da venda do mesmo com a repartição do respectivo valor (produto da venda), ou da adjudicação a qualquer dos consortes devendo este proceder ao pagamento correspondente ao outro comproprietário.” Citada a Ré veio a mesma apresentar contestação nos seguintes moldes:
“1. Os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 7.º da matéria alegada pelo A./Requerente corresponde à verdade, com a precisão de que o prédio urbano em causa foi adquirido por ambos em 29-01-2002, quando os dois ainda eram solteiros, como aliás consta da referida escritura, já junta aos autos.
2. No que toca à matéria do art.º 6.º da petição, a Requerida pretende que o imóvel não seja objecto de divisão, opondo-se à pretensão ali manifestada pelo Requerente, pelos motivos que passará a expor.
3. Requerente e Requerida, algum tempo depois de terem adquirido o imóvel aqui em causa, foram casados entre si, tendo anos mais tarde o casamento sido dissolvido por divórcio por, sentença do Juízo de Família e Menores ... proferida em 26 de janeiro de 2021.
4. Deste casamento nasceram três filhos, CC atualmente com 18 anos, DD agora com 15 anos e EE este com 12 anos, conforme se vê dos respetivos assentos de nascimento que se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Docs. 1 a 3.
5. Desde que adquiriram o imóvel até à data da separação e divórcio, foi no prédio urbano aqui em causa que a família – Requerente, Requerida e os três filhos – estabeleceu a sua casa de morada.
6. A rotura do relacionamento entre os progenitores a que o divórcio pôs fim, levou a que o aqui Requerente tivesse saído de casa, onde a Requerida continuou a residir com os três filhos, ficando os menores a residir com a mãe como progenitor guardião e o pai com o direito de visitas.
7. Este facto – o Requerente ter saído de casa – não eliminou por completo os litígios entre os progenitores, sendo que o pai das crianças tem continuado com atitudes e comportamentos, no mínimo pouco recomendáveis, que têm vindo a pôr em causa o relacionamento dos filhos com o pai, e a causar na ora Requerida grande instabilidade emocional, muitas arrelias e mesmo enormes preocupações relativamente à saúde mental das crianças.
8. Neste momento as crianças não querem estar com o pai, tendo o Juízo de Família e Menores determinado que as visitas do pai com as crianças deverão ser feitas com a supervisão da Associação ....
9. A Requerida no imóvel aqui objecto da ação é uma casa com todas as condições, desafogada, com ... e ... andar, com quartos individuais para cada uma das crianças e onde sempre viveram desde a nascença.
10. Desde que o Requerente saiu de casa tem sido a Requerida quem tem pago a totalidade da mensalidade ao Banco para amortização do empréstimo contraído por ambos quando da aquisição.
11. É do conhecimento geral e público que em (...) se verifica uma grande carência de casas de habitação e, as que estão no mercado, com condições idênticas à que aqui está em causa, são muito caras.
12. A Requerida é professora do ensino secundário e aufere cerca de € 1.200,00 euros mensais e, neste momento está colocada no (...), para onde se desloca diariamente em viagem de ida e volta, com todos os custos daí resultantes.
13. Por outro lado, a situação económica que actualmente se vive em Portugal, com a subida da inflação e o aumento dos juros nos empréstimos bancários, sente não ter condições para que a casa lhe seja adjudicada a si, com o pagamento de metade do valor atribuído à casa ao Requerente.
14. A venda da casa a terceiro e a divisão do resultado, depois de pago ao Banco o que falta pagar do empréstimo, deixaria a Requerida sensivelmente na mesma situação de falta de condições para adquirir uma casa com as mesmas características da que atualmente dispõe.
15. Está aqui também em causa a proteção constitucional da casa de morada de família e uma habitação condigna a que os menores tem direito.
16. Pelos motivos expostos, entende a Requerida que a pretensão do Requerente não deve merecer acolhimento.
17. A solução que defende passará por esperar cerca de seis ou sete anos, até que os filhos sejam todos maiores, fazendo-se então a divisão da coisa comum.”
Em 10/01/2023 foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho:
“Na presente acção de divisão de coisa comum intentada por AA contra BB, o Requerente peticiona que seja proferida uma decisão que coloque termo à indivisão do prédio urbano, destinado a habitação, situado na Rua ... (...), n.º ..., Bairro ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...75, da freguesia ... (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...00 da União das freguesias ... e ... (do qual Requerente e Requerida são comproprietários), quer através da venda do mesmo com a repartição do respectivo valor (produto da venda), ou da adjudicação a qualquer dos consortes devendo este proceder ao pagamento correspondente ao outro comproprietário.
A Requerida contestou alegando que o prédio urbano em causa foi adquirido pelo Requerente e Requerida, em 29-01-2002, quando ambos ainda eram solteiros. Mais alegou que, posteriormente à aquisição do dito imóvel, as Partes foram casadas entre si, tendo anos mais tarde o casamento sido dissolvido por divórcio, por sentença proferida no Juízo de Família e Menores ..., em 26 de Janeiro de 2021. Desse casamento nasceram três filhos, dois deles ainda menores de idade.
Alegou ainda que o imóvel cuja divisão se pretende no âmbito da presente acção constituiu a casa morada de família dos ex-cônjuges e dos filhos, sendo que a Requerida ainda continua a residir no imóvel em causa, com os três filhos. Invocou que está em causa a protecção constitucional da casa de morada de família.
Vejamos.
Não ignoramos o entendimento de acordo com o qual “Estando em causa bem imóvel adquirido por autor e ré, em compropriedade, antes do respetivo casamento, entretanto dissolvido por divórcio, não se tratando de bem comum do casal, a cessação da compropriedade opera através de ação de divisão de coisa comum e não por via de inventário para partilha dos bens comuns”(veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-11-2020, no âmbito do processo n.º 2899/18.5T8PTM.E1, acessível em www.dgsi.pt).
Porém, no caso em apreço, resulta alegado, da conjugação dos articulados das Partes, que não obstante existir uma situação de compropriedade sobre o imóvel em causa, o mesmo imóvel constitui casa de morada de família dos ex-cônjuges (aqui Requerente e Requerida, continuando, alegadamente, a Requerida a residir no imóvel com os três filhos).
A este propósito, pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-06-2017, no âmbito do processo n.º 1747/14.0T8LRA.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt, que “I. A casa de morada de família é aquela onde de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges (ou unidos de facto), conforme resulta do disposto no artigo 1672.º do CC, e mantém a sua relevância mesmo após a dissolução do casamento ou união de facto.
II. A casa de morada de família goza de proteção especial, revelada e suportada em diversos instrumentos legais destinados a preservar os interesses dos ex-cônjuges e filhos consigo conviventes, através da ponderação do destino da casa de morada de família e dos termos da sua atribuição, que poderá inclusivamente passar pela constituição judicial de um arrendamento a favor de um dos ex-cônjuges (ou elemento de união de facto que cessou, por força do disposto no artigo 4.º do DL n.º 7/2001, de 11 de Maio, na redacção introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto), independentemente da natureza de bem comum ou próprio do outro.
III. Na falta de acordo, o meio próprio para ser decidida a questão da atribuição da casa de morada de família e eventual compensação em favor do outro cônjuge quando se trate de bem comum ou próprio deste, é o processo especial previsto no artigo 990.º do CPC, sendo para tanto inadequado o regime da compropriedade, designadamente pela aplicação do artigo 1406.º do CC.
Pelo que, antes de mais, determino a notificação das Partes, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 193.º, 547.º, 576.º, 590.º, todos do Código de Processo Civil, para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre o eventual erro na forma do processo ou no meio processual, o que atendendo à alegada existência de processo de divórcio, redundaria na eventual incompetência deste Juízo Local Cível (cfr. artigo 990.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).” Sobre o dito despacho pronunciou-se o Autor concluindo do seguinte modo:
“14.º Como tal, verificada a situação de compropriedade do prédio identificado nos autos, assiste ao requerente, atenta a sua qualidade de comproprietário do bem e a vontade, que manifestou na PI, de não permanecer na indivisão, o direito a pôr termo à indivisão da coisa comum.
15.º Encontrando-se preenchidos os pressupostos do direito a exigir a divisão previstos no n.º 1 do citado artigo 1412.º, a cessação da compropriedade opera com recurso à ação de divisão de coisa comum, a qual constitui o meio processual idóneo para o efeito.
16.º Não se verificando, portanto, erro na forma do processo ou no meio processual.” Pronunciou-se igualmente a Ré culminando a sua resposta da seguinte forma:
“Assim, face à matéria alegada pelas partes, ao facto da existência de divórcio e considerando tudo o acima exposto, entendemos que há efetivamente erro na forma do processo, devendo V. Exa. determinar o que for de lei, de maneira que se cumpra a tramitação legal aplicável.”
Em 02/03/2023 o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
Da excepção do erro na forma do processo:
Conforme resulta do teor do despacho anteriormente proferido, o Tribunal suscitou a existência de eventual erro na forma do processo ou no meio processual, determinando a notificação das Partes para, querendo, se pronunciarem a esse propósito.
Em resposta à solicitação do Tribunal, por requerimento de 26-01-2023, a Requerida veio pugnar pela verificação de erro quanto à forma do processo.
Por sua vez, por requerimento de 26-01-2023, o Requerente concluiu pela não verificação de erro na forma do processo ou no meio processual.
*
Acontece que, nos requerimentos apresentados pelo Requerente, em 26-01-2023 e 14-02-2023, o mesmo veio confirmar que a casa (prédio cuja divisão vem peticionada nos presentes autos) foi a casa de morada de família do ex-casal constituído pelo Requerente e pela Requerida.
Acrescentou ainda que, no âmbito do processo de divórcio com o n.º 1685/20...., que correu termos no Juízo de Família e Menores ..., as Partes acordaram, inclusive, que “A casa de morada de família fica atribuída à Autora (ora requerida) até à partilha/venda cabendo-lhe a responsabilidade na liquidação das despesas inerentes ao crédito hipotecário contraído para a sua aquisição e aos seguros de vida e multirriscos associados.”
Concretizando que, na relação de bens efectuada o imóvel em causa foi indicado como bem comum e a partilhar.
Foi junta certidão da acta integrante dos referidos autos de divórcio, onde constam os acordos celebrados pelas Partes, homologados por sentença, de onde se extraí que o imóvel, cuja divisão se pretende nesta acção, foi integrado na relação de bens comuns a partilhar pelo ex-casal, e que as Partes acordaram que o mesmo imóvel, enquanto casa de morada de família ficava atribuído à aqui Requerida até à partilha/venda.
Vejamos.
Dúvidas inexistem (do confronto dos articulados de ambas as Partes e dos elementos documentais juntos aos presentes autos) que o imóvel, cuja divisão vem peticionada na presente acção, corresponde à casa de morada de família do ex-casal que fora constituído pelo Requerente e Requerida, sendo que ainda continua a ser o imóvel onde reside a Requerida juntamente com os três filhos em comum das Partes.
De acordo com o que estabelece o artigo 990.º do Código de Processo Civil, “1 - Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo … do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
2 - O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.os 1, 7 e 8 do artigo 931.º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293.º.
3 - Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.
4 - Se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso.”
Como tal, e encontrando aplicação ao caso em apreço o normativo acabado de mencionar, verifica-se que existe erro na forma do processo relativamente à intentada (presente) acção de divisão de coisa comum.
De acordo com o que estabelece o artigo 193.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, “1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.”
No caso em apreço, atendendo aos pressupostos que fundamentam uma acção para atribuição da casa de morada de família, nos termos a que acima fizemos referência, nomeadamente, a indicação (por parte de quem pretende que lhe seja atribuída a casa morada de família) dos factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito. Por contraposição ao pedido e causa de pedir formulados na presente acção de divisão de coisa comum, estes distanciam-se dos pressupostos a observar na acção prevista no artigo 990.º do Código de Processo Civil, com acentuada diminuição das garantias não só da Ré como do Autor, pelo que, não se devem aproveitar os actos processuais já praticados.
Importando, assim, a anulação de todos os actos praticados (cfr. artigo 193.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Para além do mais, e ainda que fosse possível tal adaptação, sem prejuízo da garantia de ambas as Partes, este Juízo não seria materialmente competente para a apreciação da acção para atribuição da casa de morada de família, uma vez que, já correu termos processo de divórcio, onde tal pedido teria de ser deduzido por apenso (cfr. artigo 990.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
O erro na forma do processo configura uma excepção dilatória (cfr. artigo 577.º do Código de Processo Civil), que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e, no caso em apreço, dá lugar à absolvição da Requerida da instância (cfr. artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Em face do exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo verificada a excepção dilatória de erro na forma do processo e, nessa sequência, absolvo a Requerida da presente instância.
Custas processuais a suportar pelo Requerente (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Valor da causa: € 79.819,60 (setenta e nove mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta cêntimos) – cfr. artigo 302.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.”
* Inconformado com a decisão proferida o Autor apresentou requerimento de recurso dirigido a este Tribunal da Relação alinhando as seguintes conclusões:
EM CONCLUSÃO:
I- Vem o ora Recorrente apresentar a sua defesa, face à sentença dos presentes autos.
II- A douta sentença decidiu julgar verificada a excepção dilatória de erro na forma de processo relativamente à intentada acção de divisão de coisa comum por entender que no caso em apreço tinha aplicação o artigo 990.º do CPC (acção para atribuição de casa de morada de família) e, em consequência, absolveu a Requerida BB da Instância.
III- Não assiste razão ao Tribunal a quo, no que se reporta ao entendimento perfilhado.
IV- O Requerente, ora Recorrente, ao abrigo dos artigos 925.º a 929.º do CPC demandou a Requerida, ora Recorrida, pedindo que seja proferida decisão que ponha termo à indivisão do prédio urbano, identificado no artigo 1.º da PI, e acima melhor descrito.
V- O referido prédio foi adquirido por ambos, em compropriedade, em 29 de Janeiro de 2002 (conforme documentos 1, 2 e 3 juntos com a P.I.), não tendo sido convencionada, nem registada, qualquer cláusula de indivisão referente ao prédio, sendo o sobredito prédio pela sua natureza, pelas suas características e pela sua afectação, insusceptível de ser dividido em substância.
VI- O direito de exigir a divisão de coisa comum está inscrito no artigo 1412.º/1, do CC, segundo o qual “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão”.
VII- No caso vertente não há dúvida que se verifica uma situação de compropriedade do prédio urbano identificado nos presentes autos, tendo o prédio sido adquirido em compropriedade, por Autor e Ré, em data anterior ao respetivo casamento.
VIII- Como tal, verificada a situação de compropriedade do imóvel identificado nos autos, assiste ao Requerente, atenta a sua qualidade de comproprietário do bem e a vontade, que manifestou na petição inicial, de não permanecer na indivisão, o direito a pôr termo à indivisão da coisa comum.
IX- O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor.
X- De acordo com o requerimento inicial, com a presente acção o Autor, ora Recorrente visa obter o termo da indivisão do imóvel identificado nos presentes autos.
XI- Ora, não há dúvida alguma que a pretensão do Autor se reconduz à acção prevista no art. 925 do CPC, uma vez que o Autor pretende que a Ré seja condenada a dividir o imóvel identificado nos presentes autos.
XII- Face aos pedidos que o autor formula na acção resulta claro que a sua pretensão se ajusta ao objecto daquela forma de processo especial.
XIII- Não há erro, pois a forma está correta de acordo com o alegado e pretendido pelo A.
XIV- Deste modo, errou o Tribunal a quo ao julgar verificada a excepção dilatória de erro na forma do processo.
XV-A douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o vertido nos artigos 1412.º e 1413.º do CC e 925.º a 929.º do CPC, tendo ainda feito errada aplicação do disposto no artigo 990.º do CPC, incorrendo em erro na determinação da norma aplicável.
XVI- Não podendo ser mantida a decisão recorrida.
XVII- Para que sempre prevaleça a verdade formal e o Recorrente possa sair da indivisão, face ao que atrás foi exposto, cabe concluir pelo fundamento deste recurso que assim deve ser julgado procedente.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ªs Venerandos Desembargadores mui doutamente suprirão deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente por provado devendo a Sentença do Tribunal Recorrido ser revogada, prosseguindo os autos de divisão de coisa comum os seus trâmites legais, fazendo-se, desse modo, a costumada JUSTIÇA!” * A Apelada não respondeu ao recurso. * O recurso foi recebido na 1ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
* O recurso é o próprio e foi admitido adequadamente quanto ao modo de subida e efeito. * Colheram-se os legais Vistos. * II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que, in casu, importa apenas saber se procede, ou não, a excepção dilatória de erro na forma do processo julgada verificada na decisão recorrida.
* III – FUNDAMENTOS DE FACTO A matéria de facto a considerar consta descrita supra no segmento respeitante ao relatório. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Está em causa aferir se no caso vertente o Apelante incorreu, ou não, em erro na forma do processo e em caso afirmativo se tal vicio deve acarretar a nulidade de todo o processo, sendo que nessa eventualidade a patologia em causa terá como consequência a absolvição da Apelada da instância conforme decidido pelo Tribunal a quo. Sobre o erro na forma do processo estatui o artigo 193.º do CPC prevendo o seguinte: “1. O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. 2. Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. […]” Já o artigo 278.º do CPC, estatui que: “1. O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância: […] b) quando anule todo o processo.” Em comentário ao artigo 193.º do CPC dizem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2020, 2.ª edição atualizada, Almedina, pág. 245), o seguinte:
“A idoneidade da forma de processo, que deve ser indicada na petição inicial (artigo 552.º, n.º 1, alínea c)), afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida […] ocorrendo o erro e a correspondente nulidade quando o autor usa uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.
[…]
O que caracteriza o erro na forma do processo é que ao pedido formulado corresponda forma de processo diversa da empregue e não se mostre possível, através da adequação formal, fazer com que, pela forma de processo efetivamente adotada, se consiga o efeito jurídico pretendido pelo autor.” Na mesma esteira e também em anotação ao aludido artigo 193.º do CPC, ensinam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 4ª edição, 2018, Almedina, pág. 397), que:
“A causa de pedir é irrelevante para os efeitos do artigo em anotação, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado. […]
Indiferente é também a natureza objetiva da relação jurídica material ou da situação jurídica que serve de base à ação: se o pedido for deduzido com base num direito que o autor não tem, embora tendo outro direito em que podia ter fundado um pedido diverso que desse lugar a uma forma de processo distinta, o erro está no pedido e não na forma de processo, pelo que a consequência a tirar é a improcedência da ação.” A aludida interpretação, com a qual concordamos, tem sido seguida em vários arestos proferidos nos tribunais superiores dos quais poderemos, a título de exemplo, salientar os acórdãos do STJ de 10/04/1986 ( Processo 073673), 06/04/2017 (Proc.º 23567/15.4T8LSB-A.L1.S1), a par do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 08/03/2019 (Proc. 7829/17.9T8PRT.P1), todos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt. No primeiro dos arestos mencionados refere-se na respectiva nota sumativa que: “III- Não se verifica a nulidade de erro na forma de processo quando aquilo que se pede – não interessa se bem se mal – se ajusta à forma de processo usada”. Já no acórdão da Relação do Porto identificado encontramos expresso no respectivo sumário que se verifica erro na forma de processo “[…] quando o pedido formulado pela parte corresponde ao objecto específico de uma acção com processo especial e o autor deduz o seu pedido através de uma acção com processo comum.” Aqui chegados e antes de baixarmos ao plano dos dados concretos fornecidos pelo caso em apreço impõe-se recordar o conteúdo da norma do artigo 925.º do CPC, que se traduz no seguinte: “Todo aquele que pretenda por termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto com os demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.” No articulado da petição inicial o ora Apelante fez constar logo no respectivo intróito, expressamente, pretender instaurar uma “Acção Especial de Divisão de Coisa Comum”, contra a Apelada “nos termos dos artigos 925.º a 929.º do C.P.C.”. Na descrição factual que se seguiu invoca a existência de um prédio urbano em compropriedade, pertença de ambos em comum e em partes iguais, bem como a vontade de por termo à subsistente situação de indivisão referente ao dito imóvel, mais acrescentando ser o mesmo insusceptível de ser dividido em substância. E na parte terminal do dito articulado formula a sua pretensão contra a Apelada do seguinte modo:
“[…] deve, a presente acção, ser julgada provada e procedente, sendo proferida decisão que ponha termo à indivisão do prédio identificado nesta petição, quer através da venda do mesmo com a repartição do respectivo valor (produto da venda), ou da adjudicação a qualquer dos consortes devendo este proceder ao pagamento correspondente ao outro comproprietário.” Na fundamentação da decisão recorrida refere-se concretamente o seguinte:
“Dúvidas inexistem (do confronto dos articulados de ambas as Partes e dos elementos documentais juntos aos presentes autos) que o imóvel, cuja divisão vem peticionada na presente acção, corresponde à casa de morada de família do ex-casal que fora constituído pelo Requerente e Requerida, sendo que ainda continua a ser o imóvel onde reside a Requerida juntamente com os três filhos em comum das Partes.
[…]
No caso em apreço, atendendo aos pressupostos que fundamentam uma acção para atribuição da casa de morada de família, nos termos a que acima fizemos referência, nomeadamente, a indicação (por parte de quem pretende que lhe seja atribuída a casa morada de família) dos factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito. Por contraposição ao pedido e causa de pedir formulados na presente acção de divisão de coisa comum, estes distanciam-se dos pressupostos a observar na acção prevista no artigo 990.º do Código de Processo Civil, com acentuada diminuição das garantias não só da Ré como do Autor, pelo que, não se devem aproveitar os actos processuais já praticados.
Importando, assim, a anulação de todos os actos praticados (cfr. artigo 193.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).” Percebemos que a apreciação feita pelo Tribunal a quo sobre a nulidade do erro na forma do processo obnubila o entendimento dominante, que sufragamos com base na doutrina e jurisprudência assinaladas supra, de que na apreciação de tal nulidade releva essencialmente o pedido formulado pelo Autor, revelando-se irrelevante, por indiferente, nesse momento e fase, não só a causa de pedir, mas também a natureza objetiva da relação jurídica, ou a situação jurídica que serve de sustentáculo à ação. Certo é que o pedido formulado pelo Apelante no final da petição inicial ajusta-se à forma de processo especial escolhida pelo mesmo, como facilmente se alcança pela leitura da norma contida no artigo 925.º do CPC. Tanto basta para afastar a existência de erro na forma de processo, impondo-se a continuação dos termos processuais previstos para tal forma de processo independentemente de no final a causa poder, eventualmente, vir a ser julgada improcedente por se demonstrar não ter o Apelante o direito de que se arroga. Destarte, impõe-se concluir pela procedência da pretensão recursiva do Apelante.
* V – DECISÃO Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso de apelação interposto por AA, acordam os Juízes-Desembargadores desta Primeira Secção Cível no seguinte: a) Revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que julga improcedente, pelas razões acima enunciadas, a nulidade de erro na forma do processo, determinando-se o prosseguimento dos autos em conformidade com o processado previsto no processo especial de divisão de coisa comum; b) Condenar a Apelada em custas, pelo mínimo, atendendo a que não apresentou resposta ao recurso – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC. *
Évora, 28/09/2023
José António Moita (relator)
Ana Pessoa (1.ª Adjunta)
Albertina Pedroso (2.ª Adjunta)