PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
COMUNICAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
Sumário

Tendo sido remetidos os escritos à executada, por correio simples para a morada por si indicada, aquando da celebração do contrato de crédito ao consumo, há um princípio de prova do envio das comunicações, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pelo não envio ou não receção das mesmas, competindo à executada alegar o não recebimento, e só então recair sobre o exequente o ónus de provar o efetivo envio e recebimento da correspondência.

Texto Integral

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

O Banco (…), S.A., pessoa colectiva com o NIPC (…) e com sede social na Av.ª (…), (…), 11.º, 1070-101 Lisboa, instaurou contra AA, contribuinte fiscal n.º ... e com domicílio na Rua ..., ... ..., a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumário, dando à execução uma livrança por si subscrita, emitida em 26-09-2019 e com data de vencimento em 06-07-2021, mais alegando que a mesma lhe foi entregue no âmbito de um contrato de crédito celebrado entre as partes (a que foi atribuído o n.º ...60) e que a preencheu na sequência do incumprimento, pela executada, e resolução do referido contrato – cfr. RE junto sob Ref.ª Citius ...78.
A executada AA foi, pessoal e regularmente, citada (via postal) em 16-02-2022 – cf. Ref.as Citius ...41 e ...21.
Por despacho proferido em 17-11-2022, foi o exequente convidado a juntar aos autos o contrato mencionado no seu requerimento executivo, o que fez através de requerimento apresentado em juízo em 30-11-2022 – cf. Ref.as Citius ...69, ...25 e ...33.
Por despacho proferido em 15-12-2022 e com os fundamentos ali explicitados, foi o exequente convidado, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 734.º, n.º 1, e 726.º, n.º 4, ambos do C.P.C., a comprovar nos autos a prévia integração da executada em PERSI e respectiva extinção ou, em alternativa, pronunciar-se quanto à eventual verificação da excepção dilatória inominada e insuprível decorrente do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro – cfr. Ref.ª Citius ...66.
Através de requerimento apresentado em juízo em 09-01-2022, veio o exequente alegar as circunstâncias em que a executada entrou em incumprimento e juntar aos autos 2 (dois) escritos, datados, respectivamente, de 02-09-2020 (integração em PERSI) e de 17-09-2020 (extinção do PERSI) – cfr. Ref.ª Citius ...20.
Notificado para comprovar nos autos o envio e recebimento (pela executada) dos documentos juntos com o seu requerimento de 09-01-2023, sob pena de, não o fazendo, se considerar que não foi dado cumprimento à obrigação de integração do executado em PERSI, veio o exequente, através de requerimento apresentado em juízo em 01-02-2023, informar que as comunicações de integração e extinção do PERSI remetidas à executada foram remetidas por correio simples para a morada por si indicada aquando da celebração do contrato (concluindo que, por essa razão, as mesmas foram recebidas e a executada teve perfeito conhecimento do seu teor).
Mais alega que não está legalmente obrigado a remeter tais comunicações através de correio registado com aviso de recepção, as quais podem ser remetidas por correio simples para a morada contratualmente convencionada, citando jurisprudência vária nesse sentido.
Alega, por fim (citando um Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-10-2021 (1)), que «(…) Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar tal alegação, caso em que a exequente ofereceria prova inclusive testemunhal. (…)», concluindo que, com o envio das referidas cartas (em 02-09-2020 e 17-09-2020), foi dado cabal cumprimento ao disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – cfr. Ref.ª Citius ...22.
Foi proferida decisão que julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito da válida demonstração do cumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver a executada AA, da instância executiva, determinando a extinção da execução movida contra a mesma – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, 726.º, n.º 2, alínea b) e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Desta decisão recorreu o exequente que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Por sentença proferida a 13-02-2023, o Tribunal a quo pôs termo aos presentes autos, uma vez que:
- “(…) julga-se verificada a excepção dilatória inominada de preterição da obrigação de comunicação à aqui executada, AA, da sua integração em PERSI e respectiva extinção e, em consequência, rejeita-se o requerimento executivo apresentado pelo Banco (…), S.A., em 07-12-2021, declarando-se extinta a presente execução.”
2. Salvo melhor opinião, a meritíssima Juíza a quo não procedeu a uma apreciação correta da lei e, em particular, da prova documental junta aos autos.
Senão vejamos,
3. O DL n.º 227/2012, de 25/10, instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
4. Com interesse para a questão em apreço, prevê o n.º 4, do artigo 14.º que, “… a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro”.
5. A extinção do PERSI, por sua vez, está prevista no artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25/10.
6. A extinção deve, tal como outros atos no âmbito do PARI ou do PERSI, ser comunicada em suporte duradouro, com a descrição do fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais se considera inviável a manutenção deste procedimento (n.º 3, do artigo 17.º).
7. O significado da expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma:
- “Qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
9. Por conseguinte, exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro”, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, é a mesma reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do Código Civil.
10. Aqui se incluindo, por conseguinte, as cartas, ainda que remetidas por correio simples.
11. Não constando de tal norma qualquer indicação – expressa ou tácita – quanto à necessidade de tal comunicação ter que ser obrigatoriamente efetuada através de carta registada com A/R.
12. Igualmente não consta da Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (regulamenta o DL n.º 227/2012, de 25/10) qualquer menção à observância do envio de correio registado/aviso de receção.
13. Por conseguinte, não prevendo o diploma que rege o PERSI e Instrução do Banco de Portugal que o regulamenta tal observância, não poderá – salvo o devido respeito – o julgador exigir tal formalidade.
14. E, no que às mensagens de correio eletrónico (vulgo, e-mail) diz respeito, o ordenamento jurídico português conta já com algumas definições legais de suporte duradouro.
15. O n.º 1 do artigo 11.º do DL n.º 95/2006, de 29/05, que estatui a contratação à distância de serviços financeiros, define suporte duradouro como aquele que permita armazenar a informação dirigida pessoalmente ao consumidor,
16. Possibilitando no futuro, durante o período de tempo adequado aos fins a que a informação se destina, um acesso fácil à mesma e a sua reprodução inalterada.
17. O DL n.º 24/2014, de 14/02, que regula os contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, define suporte duradouro qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, E, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respetiva reprodução inalterada.
18. Já a alínea n) do n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 133/2009, de 02/06 define-o como “qualquer instrumento que permita ao consumidor armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, de modo que, no futuro, possa ter acesso fácil às mesmas durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que permita a reprodução inalterada das informações armazenadas”.
19. Da prática corrente, a tendência será para que, intuitivamente, se pense que a comunicação em suporte duradouro será a que está escrita, vertida em papel e que poderemos designar por documento escrito.
20. De acordo com o 362.º do CC, diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto. Pelo que se identifica a um suporte corpóreo e incorpóreo, desde que duradouro; e que este disponha de uma comunicação.
21. O DL n.º 7/2004, de 07/01 determina, no n.º 1 do artigo 26.º, que as declarações emitidas por via eletrónica satisfazem a exigência legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.
22. Neste pressuposto, dúvidas não restam, salvo melhor opinião, que as comunicações via e-mail, consubstanciam uma comunicação em suporte duradouro,
23. Uma vez que permitem armazenar a informação na própria mensagem de e-mail durante um período de tempo (não sendo facilmente manipulável como o conteúdo de um portal na internet), assim como é possível a reprodução integral e inalterada do email enviado.
24. A este propósito escreveu-se no Acórdão do TRE de 11.02.2021 (processo n.º 1983/20.0T8ENT.E1):
“A exigência do registo do Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, em suporte duradouro, faz recair sobre a instituição de crédito que pretenda intentar acção executiva contra o seu cliente, para cobrança da atinente obrigação incumprida, a prova, por via da documentação registada no citado suporte duradouro, normalmente a documentação digitalizada arquivada em sistema informático, de que que foi cumprido o procedimento, condição objectiva da admissibilidade da execução, em face do disposto na alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012.
Tal vínculo probatório, faz recair esse meio de prova na alçada do n.º 2 do artigo 364.º do Cód. Civil, ou seja, obriga a instituição de crédito a provar, por via desse meio probatório, qualquer facto respeitante ao procedimento PERSI, nomeadamente todas as interpelações do seu cliente no âmbito desse procedimento.
Sendo um meio de prova ad probationem, a instituição de crédito apenas pode provar o facto registável no aludido suporte duradouro, por via da junção aos autos da totalidade ou de partes desse suporte, que apenas pode ser substituído por confissão expressa por parte do cliente da instituição, ou por documento de igual ou superior valor probatório.
No entanto, afigura-se-nos, que tal exigência probatória se reporta apenas à prova da existência da atinente documentação procedimental, em suporte duradouro, entre a qual estão as missivas dirigidas e recebidas do cliente, mas já não a prova da entrega das missivas ao cliente, que pode ser efectuada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal.
Por outro lado, não exige a lei que as missivas dirigidas aos clientes pela instituição bancária tenham que obedecer a qualquer formalidade, por exemplo sejam enviadas por carta registada com aviso de recepção, bastando-se, a nosso ver, para o cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre a instituição de crédito e o cliente, nomeadamente, se assim for o caso, por carta simples para a morada do cliente contratualmente convencionada ou por email, documentação essa que deve constar do referido suporte duradouro.
Sendo condição da instauração de acção executiva, a extinção do procedimento PERSI há mais de 15 dias, tem-se por cumprida tal condição com a junção aos autos desse procedimento em suporte duradouro, que documente a sua instauração e a sua extinção, com as atinentes missivas ao cliente, que demonstrem tal realidade, o que deve ser materializado por via da junção aos autos da reprodução da totalidade ou de partes desse suporte, devidamente atestada pela instituição bancária exequente.
Sendo certo que, qualquer controvérsia sobre o cumprimento do PERSI, ou alguma irregularidade do mesmo, tem que ser invocada pelo demandado/interessado, nomeadamente por via da dedução de Oposição à Execução por Embargos”.
23. Este entendimento foi acolhido pela nossa Jurisprudência, donde se destacam os seguintes arestos:
- Acórdão do TRP de 05.11.2018 (processo n.º 3413/14.7TBVFR-A.P1 – in www.dgsi.pt), com o seguinte sumário:
“I - O artigo 14.º, n.º 4, do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, exige que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
II - O artigo 3.º, alínea h), do DL n.º 227/2012, define o suporte duradouro como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
III - Ao Exigir-se como forma da declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo.
IV - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente”.
- Acórdão do TRE de 21.05.2020 (proc. 715/16.1T8ENT-B.E1 - in www.dgsi.pt), do qual se transcreve a seguinte passagem:
“As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10.
(…) «se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de recepção, tê-la-ia consagrado expressamente» […].
Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice”.
- Acórdão do TRE de 10.09.2020 (proc. 1834/17.2T8MMN-A.E1 - in www.dgsi.pt), com o seguinte sumário:
“A lei não exige que as comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efectuadas através de carta registada com aviso de recepção. Não obstante, a instituição de crédito tem o ónus da prova de que efectuou tais comunicações em suporte duradouro, entendido este, nos termos do artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
- Acórdão do TRL de 05.01.20215 (proc. 105874/18.0YIPRT.L1-7 - in www.dgsi.pt), em cujo sumário se exarou:
“II- A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. artigos 3.º, alínea h), 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail;
III- Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, entendendo-se que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 224.º do C.C.;
IV- Tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas; provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção”.
No caso sub judice,
24. Resulta dos documentos juntos aos autos que o ora Recorrente remeteu a 7 de Setembro de 2020 carta a dar conta que estavam em atraso prestações e da sua integração no PERSI, solicitando o envio, no prazo de 10 dias, da documentação aí referida.
25. No entanto, a ora Executada, em momento algum se dignou responder, apresentar os documentos que lhe foram sendo sucessivamente solicitados ou, mesmo, apresentar qualquer tipo de proposta.
26. Quando é certo que, dada a oportunidade, não pode a contraparte (devedor) demitir-se da necessária cooperação/colaboração com a entidade de crédito, devendo, ao invés, empenhar-se nos contactos e prestação de informações necessários, sem o que o credor não poderia levar a bom termo o cumprimento dos deveres a seu cargo.
27. Sendo a falta dessa cooperação/colaboração causa de extinção do PERSI pela entidade de crédito (por iniciativa desta).
28. Deste modo, em face da falta de colaboração da Executada, veio o ora Recorrente dar conhecimento que o(s) PERSI relativo(s) ao contrato em apreço tinha(m) sido extinto(s), através de carta remetida a 17 de Setembro de 2020.
29. Tais cartas foram remetidas pelo ora Recorrente para a morada indicada pela Executada, aquando da celebração do contrato – sita na Rua ..., ..., ... – e, bem assim, para onde sempre foi remetida toda a correspondência respeitante ao contrato.
30. Não tendo as mencionadas cartas (integração e extinção do PERSI) em momento algum sido devolvidas, pelo que, forçoso é concluir que a Executada terá recebido as cartas e tem perfeito conhecimento do seu teor.
Ora,
31. Compreende-se, perfeitamente, os motivos pelos quais, o Legislador NÃO DETERMINOU que as comunicações a efetuar pelas Instituições de crédito aos seus clientes, no caso de mora ou incumprimento no pagamento das prestações dos mais variados empréstimos bancários fossem efetuadas através de cartas registadas com aviso de receção.
32. A REGRA é a das comunicações entre os bancos e os seus clientes, é as comunicações serem efetuadas através de CARTAS SIMPLES, sendo que, a tendência será para, cada vez mais, as comunicações serem efetuadas através dos meios eletrónicos e só muito excecionalmente, através de carta registada, como é o caso, ainda, na resolução/denúncia dos contratos.
33. Se o Legislador tivesse expressamente previsto que as instituições de crédito, tinham, no prazo máximo de CINCO DIAS, de informar, os seus clientes, através de carta registada com A/R, dos montantes em dívida, devido à mora, com vista a integrá-los no PERSI, atendendo às milhares de situações que ocorrem, nas épocas de crise, seria incomportável e inexequível em prazo tão curto, 5 dias, proceder ao registo de tanta carta com aviso de receção, com os inerentes custos a suportar, em última instância, pelos próprios clientes, e os recursos humanos que seriam necessários contratar para o efeito.
34. Assim, as cartas remetidas à Executada, a comunicar a integração no PERSI e a posterior extinção do PERSI, São remetidas, para o domicílio convencionado das partes EM AUTOMÁTICO pelo sistema central do Banco, através de correio simples.
35. Temos então que, ao invés do entendimento do Tribunal a quo, o ora Recorrente deu total cumprimento ao disposto no DL n.º 227/2012, de 25/10.
36. Mais, a atuação da instituição bancária/exequente foi muito mais longe do que preconiza o DL n.º 227/2012, de 25/10, ao manter o contrato em incumprimento durante mais de um ano, na tentativa de encontrar soluções para o problema.
37. Quando é certo que, tendo sido dada a oportunidade à Devedora de proceder à regularização da situação de incumprimento, a mesma nada fez. Não restando ao Exequente outra solução, senão o recurso à via judicial, de forma a obter a satisfação do seu crédito.
38. Por mera cautela de patrocínio, não pode o ora Recorrente deixar de invocar o mui douto Acórdão do TRE de 14.10.2021, processo n.º 2915/18.0T8ENT.E1 (in www.dgsi.pt), segundo o qual:
- “Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal”.
39. Não se verificando no caso em apreço, exceção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25/10, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos.
40. A consideração pelo supra exposto, implica necessariamente decisão diversa da proferida, o que se requer Nestes termos,
41. Atento todo o supra exposto, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-a por outra decisão que ordene o normal prosseguimento dos presentes autos.
Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente. Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
Não há contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos com relevância para a decisão do recurso são os que constam deste relatório.


2 – Objecto do recurso.
Questão (única) a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC): Saber se é suficiente para o exequente comprovar o cumprimento da obrigação prevista nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, com a junção dos escritos relativos ao PERSI e a alegação de que os enviou ao executado, através de carta simples, para a morada contratual.


3 - Análise do recurso.

Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito da demonstração das obrigações inerentes ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolveu a executada da instância executiva, com a consequente extinção da execução.
O exequente diz que remeteu 2 (dois) escritos, datados, respectivamente, de 02-09-2020 (integração em PERSI) e de 17-09-2020 (extinção do PERSI) à executada, por correio simples para a morada por si indicada aquando da celebração do contrato.
Na decisão foi entendido que, os escritos juntos pelo exequente não são suficientes para comprovar o cumprimento da obrigação prevista nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o que por ser matéria relativa aos factos constitutivos cabia ao exequente demonstrar, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CC.
O recorrente discorda desta decisão, argumentando que, a apresentação da cópia das cartas que enviou por correio simples aos executados é suficiente como princípio de prova do envio da comunicação.
Vejamos:
O PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – tem por objectivo, de acordo com o preâmbulo do DL 227/2012, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06-08: “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”
Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigo 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial. A lei estipula que a informação deve ser comunicada através de «suporte duradouro», cuja noção consta do artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, ao estipular: «h) «Suporte duradouro» qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.».
Em causa está o cumprimento da obrigação de comunicação resultante dos artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012 (quer a integração no PERSI, quer a extinção do referido procedimento têm de ser obrigatoriamente comunicadas aos clientes bancários).
O Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 estabelece que, a instituição de crédito deve informar o cliente/consumidor que integrou o cliente em PERSI através de suporte duradouro que contenha os seguintes elementos: identificação do contrato de crédito, a data de vencimento das obrigações em mora, o montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos ao capital, juros e encargos associados à mora, a data de integração no PERSI e elementos do contato da instituição de crédito para informação adicional e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas (artigos 7.º).
Impondo, igualmente, no artigo 8.º, aquando da comunicação da extinção do PERSI, a obrigação de informação, mormente a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal, bem como as consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos.
No caso dos autos, as comunicações de integração e extinção do PERSI foram comunicadas através de carta simples para a morada contratual (tais documentos foram juntos aos autos e não se encontram impugnados).
O modo de provar as ditas comunicações envolve alguma polémica jurisprudencial e a esse propósito o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 13-04-2021, Proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Relatora: Graça Amaral, disponível em www.dgsi.pt pronunciando-se nos seguintes termos:
«I – A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
II – Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC.
III – Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada.
IV – A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.»
Seguimos esta posição do STJ e da jurisprudência que cremos ser maioritária, no sentido de que, as cartas simples ou e-mails endereçados ao devedor para as moradas que constam do contrato celebrado, correspondem a um facto-indiciário, a um princípio de prova, podendo o mesmo ser complementado por outro meio de prova, mormente testemunhal, realçando que a lei não exige uma formalidade específica para prova do envio e receção das ditas comunicações, mormente uma carta com aviso de receção ou sequer registos postais, bastando para cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre as partes, devendo essa documentação constar do referido suporte duradouro a que se reporta a lei e que se tivesse sido intenção do legislador exigir que a prova do envio e receção das comunicações fosse feita através de um meio prova como seja o registo postal ou o aviso de receção, decerto tê-lo-ia consagrado expressamente (sendo que o intérprete se encontra sujeito às regras da interpretação do artigo 9.º do Código Civil, não podendo ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso).
A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada deve ser considerada como princípio de prova da remessa. Ou, por outras palavras, a exigência “ad probationem” apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal».
Assim, entendemos que a instituição bancária pode fazer a prova do envio e receção das comunicações mediante a junção de cartas simples, enviadas para a morada contratualmente convencionada, ou mesmo comunicação eletrónica se tal procedimento tiver sido estipulado.
No nosso caso, tendo sido remetidos os escritos à executada, por correio simples para a morada por si indicada, aquando da celebração do contrato de crédito ao consumo, há um princípio de prova do envio das comunicações, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pelo não envio ou não receção das mesmas, competindo à executada alegar o não recebimento, e só então recair sobre o exequente o ónus de provar o efetivo envio e recebimento da correspondência.
Ora a executada não o fez, pelo que, devemos concluir que os autos indiciam que o exequente deu cumprimento às formalidades impostas por lei quanto à integração e extinção da devedora em sede de PERSI, o que impede a conclusão a que chegou o tribunal recorrido ( não ter como verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI e extinguir a execução)
Em suma: O recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a decisão e ordenando o prosseguimento da execução.

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Évora, 28.09.2023
Elisabete Valente
Albertina Pedroso
José António Moita