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TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
PENA
SUSPENSÃO
Sumário
I- O tipo de crime de tráfico de menor gravidade pressupõe a formulação de um juízo de substancial ou acentuada diminuição do desvalor da acção e menor dimensão e expressão do ilícito, assente numa análise global e interdependente das circunstâncias específicas da acção concreta (nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações). II- Na caracterização da imagem global do facto devem ser consideradas circunstâncias tão distintas quanto a forma concreta de execução (isolada, ou com recurso a intermediários), o número de consumidores contactados, o período de duração temporal da actividade, a perigosidade e quantidade das substâncias detidas e disseminadas, a sofisticação ou complexidade dos meios utilizados, os valores dos proventos obtidos ou expectáveis, a afectação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas (que poderá funcionar como circunstância atenuante) e a extensão da área geográfica em que se exerce a actividade III- A jurisprudência, de forma quase unânime, tem enfatizado a particular gravidade do tráfico de estupefacientes, nomeadamente quando se trata de detenção de heroína ou de cocaína, pela dependência que estas substâncias induzem, pelas nefastas consequências que normalmente provocam na saúde e na vida dos consumidores e pelas incidências de ordem social que o consumo fomenta. IV- Contudo, não podem existir crimes que pela sua natureza logo sejam insusceptíveis da aplicação da pena de suspensão de execução de prisão e tudo deve depender da análise que o caso concreto permita quanto ao preenchimento dos pressupostos legais.
(sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. Após a realização da audiência de julgamento e por acórdão proferido a 03-07-2020, o tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa deliberou condenar o arguido OJ___, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma, na pena de quatro anos e dois meses de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O recorrente foi condenado na pena de prisão efectiva de 4 anos e 2 meses pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p.p.p. artigo 21º do dec-lei 15/93.
2. A matéria de facto dada como provada permite concluir por diferente qualificação jurídica, designadamente pela prática do crime de tráfico de droga de menor gravidade, p.p.p. artigo 25º do Dec-Lei 15/93.
3. Neste sentido, o recorrente procedia á venda de estupefaciente, contactando os consumidores directamente, para lhes vender doses próprias para o consumo, num período inferior a um ano, sendo o recorrente também ele consumidor do produto estupefaciente transacionado, com lucros para a sua própria subsistência, sem que se recorresse de meios sofisticados de corte e /ou embalamento, sem meios de transporte, e numa área geográfica restrita.
4. Discordamos que se possa qualificar a conduta do recorrente como do tipo do crime do artigo 21º do dec-lei 15/93, apenas e tão somente atendendo às doses medias individuais transaccionadas ou na sua posse
5. Tal conclusão não encontra suporte fáctico porquanto as referidas 200 doses que o arguido vendia numa base mensal (alusão aos 2000€ que pagava ao seu fornecedor por 40 gr. de cocaína e 20 gr. de heroína, por mês), são inferiores a 10 doses de venda diária (10 doses x30 dias = 300 doses por mês).
6. O acordão recorrido não sopesou (apesar de dar como provado o consumo de cocaína de cerca de 1/3 do produto adquirido (40gr./3= 13.3gr.) que os 2000 euros entregues ao fornecedor contemplavam já o seu consumo, pelo que as doses diárias comercializadas eram ainda muito inferiores a 10, por dia.
7. Desconhecemos de igual forma, porque não provado, se as vendas eram diárias e se diárias eram sempre em número de 11 (totalidade dos seus clientes) e se cada cliente apenas comprava uma dose.
8. Basta um ou mais consumidores comprarem doses superiores a 1 (um), que as vendas já não ocorreriam diariamente, uma vez que o arguido apenas voltava a abastecer-se de estupefaciente quando tivesse terminado o seu consumo (em regra num espaço de um mês)
9. Se se o recorrente tinha uma actividade de tráfico já de alguma dimensão, desconhece-se como é que numa investigação que durou mais de 6 meses não tenham sido carreadas para os autos provas que indicassem esse tal volume de transacções.
10. “As duas primeiras afirmações não são infirmadas por quaisquer elementos de prova constantes dos autos, sendo certo que os próprios agentes da PSP afirmaram não ter presenciado nem apurado na investigação a ocorrência de quaisquer outras entregas de estupefaciente, para além das circunstâncias em 28/03/2019 e 17/102019” (fim de citação acórdão recorrido)
11. Os autos são espelho da actividade do recorrente, de pouca monta, com poucos recursos, de tráfico a poucos consumidores.
12. Pelo exposto, a quantidade de estupefaciente transaccionada num espaço de um mês, subtraída da quantidade de estupefaciente destinada ao seu consumo próprio, e dos restantes condicionalismos provados, permite à Defesa concluir pela ilicitude consideravelmente diminuída do tráfico, devendo-se assim condenar o recorrente pela pratico do crime de tráfico de menor gravidade, p.p.p. artigo 25º do dec-lei 15/93.
13. O artigo 50º do C.P., que o “tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
14. Se se entender, como pugnamos, por um juízo de prognóse favorável dever-se-á suspender a execução da pena.
15. O juízo de prognóse favorável que permite a suspensão da execução da pena, é efectuado da análise dos factos, circunstâncias pessoais e personalidade do arguido, conduta anterior e posterior ao crime.
16. Não podemos deixar de realçar que a actividade ilícita se prende com o aditivismo do recorrente.
17. Até porque as taxas de recidivismo no consumo de estupefacientes são muito altas e na sua maior parte, resultam em crime relacionado com tráfico de droga ou mesmo em crime de tráfico-consumo, ao invés da mera contra-ordenação por simples consumo de estupefacientes.
18. Ora, resulta claramente que o regime de prova efectuado no âmbito da primeira condenação não resultou por não tomar em conta a adição do recorrente, não o tratando como o doente que é.
19. Não se compreende que à luz da nossa lei, apenas se defenda o consumidor dos traficantes e não se adopte a mesma defesa legislativa quando o consumidor necessita de traficar para fazer face aos seus consumos.
20. É que resulta invariavelmente dos acórdãos proferidos pelos nossos tribunais quanto ao tráfico de droga que o mesmo ilícito não só é lesivo da saúde publica como também acarreta uma criminalidade associada, designadamente os crimes de roubo, aludindo à necessidade de os consumidores praticarem outros crimes para fazerem face aos seu vicio.
21. Ora, nem mesmo assim, com a alusão da criminalidade associada o consumidor deixa e bem de ser visto pela nossa lei como alguém que necessita de ser submetido a tratamento, de forma a curar a doença de que padece.
22. Ao invés, o consumidor que trafica para seu consumo deixa quase de uma forma automática de ser considerado um doente, face à luz da mesma lei.
23. Não se compreende esta dicotomia face ao consumidor e ao consumidor- traficante.
24. O acórdão recorrido entendeu assim, condenar o recorrente numa pena de prisão efectiva na esperança de que o cumprimento da pena de 4 anos e 2 meses seja suficiente para o afastar das praticas delituosas, olvidando que no caso em apreço, não é o decurso do tempo que vai ser suficiente para o fazer reflectir sobre as condutas ilícitas.
25. Se se não tratar o recorrente da sua dependência, de forma a proporcionar-lhe “ferramentas” de forma capacitá-lo para lutar contra uma eventual recaída, este cidadão estará condenado para a sociedade para toda a sua vida.
26. Só com o tratamento da dependência das drogas a sociedade conseguirá ressocializar este cidadão, protegendo-o e protegendo-se a si, também.
27. Os factos praticados dos autos e os factos praticados do processo constante do seu CRC são distantes, existindo um hiato temporal de 5 (cinco) anos entre si.
28. O que espelha o facto do arguido ter subsistido através do seu trabalho.
29. O recorrente tem apoio da sua família.
30. Pelo que o douto acórdão recorrido, caso decidisse por uma condenação não privativa da liberdade, estaria na posse de todas as informações que permitiriam a aplicação do regime da suspensão da execução das penas.
31. Pois será neste contexto supra-referido que a sociedade deverá efectuar todos os esforços na ressocialização e reintegração do recorrente, permitindo e incentivando as condutas lícitas por que se rege, dando uma oportunidade, suspendendo-lhe a execução da pena de prisão e curando-o da sua toxicodependência.
32. Pelo exposto, deve o recorrente ser condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova do tratamento da sua toxicodependência pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p.p.p. art.º 25º do dec.-lei 15/93
Violaram-se as disposições legais:
Artigo 25º do dec-lei 15/93, porquanto a factualidade dada como provada permite obter uma imagem global de ilicitude consideravelmente diminuída.
Artigo 50º do CPP, porquanto era possível efectuar um juízo de prognose favorável, suspendendo a execução da pena com a obrigatoriedade do regime de prova para tratamento da sua toxicodependência.”
O Ministério Público, por intermédio da Exma. Magistrada junto do tribunal de primeira instância, formulou resposta concluindo que deve ser negado provimento ao recurso.
No momento processual a que se reporta o artigo 416º n.º 1 do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto exarou parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não houve resposta do arguido ao parecer do Ministério Público.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir
2. Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir de forma precisa e clara as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
Na motivação, o recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto em algum dos planos genericamente consentidos nos artigos 410º nº 2 e/ou 412º nºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Penal, nem se vislumbra a verificação de qualquer um dos vícios decisórios de insuficiência da matéria de facto para a decisão, de contradição na fundamentação ou de erro notório na apreciação da prova.
As questões suscitadas pelo arguido restringem-se ao enquadramento jurídico penal dos factos provados no crime de tráfico de menor gravidade e à escolha e determinação da medida concreta da pena e, por isso, os poderes de cognição deste tribunal encontram-se limitados a essa parte da decisão
3. No acórdão recorrido, o tribunal colectivo julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição):
1. O arguido OJ___ dedicava-se desde Janeiro de 2019, à comercialização de estupefacientes, designadamente cocaína e heroína, a diversos consumidores, na Baixa da Banheira, recebendo mensalmente (contra o pagamento ulterior de quantia não inferior a € 2.000,00), pelo menos 40 gr. de cocaína e 20 gr. de heroína, consumindo ele próprio uma pequena parte da cocaína e procedendo à venda da restante (após cozê-la), tal como da heroína em doses individuais pelo valor de € 10,00.
2. Para o efeito, eram estabelecidos prévios contactos telefónicos entre o arguido e os consumidores, por forma a combinar a quantidade e o preço do produto estupefaciente a
3. No dia 28 de Março de 2019, pelas 15:50 horas, o arguido circulava na Rua de Damão, na Baixa da Banheira, área da Moita, detendo os seguintes artigos:
- 11 pequenas embalagens, contendo o total de 1,771 gr. de cocaína (Ester Met.), com o grau de pureza de 37,9%, correspondendo a 22 doses médias individuais diárias;
- 7 pequenas embalagens, contendo o total de 2,541 gramas de heroína, com o grau de pureza de 7,1%, correspondendo a 1 dose média individual diária.
4. Nesse circunstancialismo, ao aperceber-se de que havia sido detectado pela PSP e prevendo que pudesse ser sujeito a revista sumária, o arguido tentou desfazer-se dos artigos acima indicados, ocultando-os num canteiro existente em tal artéria.
5. No dia 17 de Outubro de 2019, pelas 21:45 horas, na sequência de prévio contacto telefónico, o arguido encontrou-se com PR____ na Rua Almeida Garret, junto ao Aldi, no Barreiro, e entregou àquele dois pequenos pacotes contendo cocaína, tendo recebido em troca a quantia de €20,00 (vinte euros).
6. Nesse mesmo dia, pelas 22:00 horas, tendo sido sujeito a revista por elementos da PSP, verificou-se que o arguido tinha na sua posse, os seguintes artigos e valores:
- 12 pequenas embalagens, contendo o total de 3,722 gramas de heroína, com o grau de pureza de 11,0, correspondendo a 4 doses médias individuais diárias;
- 22 pequenas embalagens, contendo o total de 4,077 gramas de cocaína (Ester Met.), com o grau de pureza de 35,3, correspondendo a 47 doses médias individuais diárias;
- €310,00 (trezentos e dez euros) em numerário, faseado em notas de €20.00, €10,00 e €5,00, dinheiro este que o mesmo angariara através da sua actividade de venda de estupefacientes;
- dois telemóveis, sendo um da marca Nokia, com o IMEI 357… e outro da marca Alcatel com o IMEI 358…, os quais eram por si utilizados para contactar os seus clientes.
7. Ainda no mesmo dia, pelas 22:05 horas, o arguido detinha no interior da sua residência situada na Praceta Barreiro, os seguintes artigos e valores:
- 19,989 gramas de heroína, com o grau de pureza de 22,1, correspondendo a 44 doses individuais;
- 8,692 gramas de cocaína (Ester Met.), com o grau de pureza de 33,5, correspondendo a 97 doses individuais;
- 30,250 gramas de cocaína (Cloridrato.), com o grau de pureza de 79,8 correspondendo a 120 doses individuais;
- €3.829,90 (três mil, oitocentos e vinte e nove euros e noventa cêntimos) em numerário, faseado em notas de €20.00, €10,00 e €5,00, dinheiro este que o mesmo angariara através da sua actividade de venda de estupefacientes;
- dois telemóveis, sendo um da marca Alcatel, com o IMEI 355… e outro da marca K2. com o IMEI 354…; e
- um frasco de amoníaco, produto utilizado para cozer a cocaína.
8. Durante o período situado entre Janeiro e 17 de Outubro de 2019, o arguido não exerceu qualquer actividade remunerada, dedicando-se apenas à comercialização de estupefacientes, fazendo face às suas despesas diárias com os lucros assim obtidos.
9. O arguido conhecia as características dos produtos estupefacientes que detinha e comercializava.
10. O arguido detinha os referidos estupefacientes, no caso cocaína e heroína, com o propósito de os vender a um número indeterminado de terceiros consumidores, mediante uma contrapartida económica.
11.Agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei, não se inibindo ainda assim de a realizar.
Mais se provou que:
12. O arguido OJ___ foi condenado nos autos com o n.º 41/14.0PEBRR do Juízo Local Criminal do Barreiro - Juiz 2, por sentença de 04/10/2016 transitada em julgado em 24/04/2017, pela prática em 06/05/2014 do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de um ano de prisão suspensa por um ano, com regime de prova;
13. O arguido é natural de Cabo Verde, onde viveu até 2012, integrado no agregado familiar dos avós paternos com a sua irmã A_____. A situação económica do agregado, ao longo do desenvolvimento do arguido, foi descrita como insuficiente para as necessidades, uma vez que apenas a mãe tinha emprego regular, como empregada de limpeza num hotel e, o pai fazia trabalhos pontuais, na área da construção civil.
14. O arguido completou apenas o 6º ano de escolaridade, ainda em Cabo Verde, por não ter tido hipótese de prosseguir os seus estudos na localidade onde residia, tendo começado, adolescente, a realizar trabalhos agrícolas com os avós. Chegou a Portugal, com 17 anos tendo começado por trabalhar na construção civil.
15. A afiliação a grupos de pares com comportamentos transgressivos, terá promovido a exposição do arguido a contextos de risco e facilitado a emergência de consumos de estupefacientes, haxixe e cocaína. Os consumos e a necessidade de obtenção de dinheiro para suportar os mesmos terão sido um factor significativo na adopção, pelo arguido, de condutas desviantes, sobretudo quando associado à pressão grupal, às frágeis competências pessoais e sociais do arguido, nomeadamente resolução de problemas/pensamento alternativo e consequencial e à adquirida tolerância face ao desvio.
16. Durante o acompanhamento realizado no âmbito da pena de prisão suspensa com regime de prova a que foi condenado, não ocorreram as mudanças necessárias ao reajustamento comportamental do arguido, salientando-se a sua desocupação e a manutenção de consumos nocivos de substâncias psicotrópicas. Neste contexto, o arguido apresentou uma baixa responsividade face à intervenção judicial.
17. No que concerne às vivências relacionais, o arguido afirma manter, presentemente, uma relação emocionalmente gratificante, que espera vir a consolidar, quando for colocado em liberdade.
18. À data dos factos, o arguido residia com a mãe e dois irmãos.
19. O arguido reconheceu, em sede de entrevista, o desvalor da sua conduta, tendo verbalizado que a sua detenção terá tido um efeito dissuasor.
4. A descrição fundamental da factualidade típica do tráfico de estupefacientes - de que a “menor gravidade” depende necessariamente - reside no seu artigo 21º, abrangendo na previsão uma actividade ampla e diversificada, desde a fase inicial do cultivo, passando pelas de produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias, até à do lançamento no mercado consumidor, percorrendo outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum: a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.
O tipo de crime de tráfico de menor gravidade pressupõe a formulação de um juízo de substancial ou acentuada diminuição do desvalor da acção e menor dimensão e expressão do ilícito, assente numa análise global e interdependente das circunstâncias específicas da acção concreta (nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações).
Num esforço de concretização dos exemplos padrão constantes no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem realçado que na caracterização da imagem global do facto se devem considerar circunstâncias tão distintas quanto a forma concreta de execução (isolada, ou com recurso a intermediários), o número de consumidores contactados, o período de duração temporal da actividade, a perigosidade e quantidade das substâncias detidas e disseminadas, a sofisticação ou complexidade dos meios utilizados, os valores dos proventos obtidos ou expectáveis, a afectação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas (que poderá funcionar como circunstância atenuante) e a extensão da área geográfica em que se exerce a actividade[1].
Neste sentido, o STJ concluiu no Acórdão de 23-11-2011[2] que a integração dos factos no crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá respeitar os seguintes critérios (transcrição):
a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);
b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;
c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;
d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.
e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;
f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;
g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;
h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.
Em todo o caso, a imagem global da ilicitude do comportamento do recorrente terá de resultar da interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude, “não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias”[3].
A jurisprudência publicada neste âmbito pode encontrar-se coligida por Pedro Vaz Patto no Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Universidade Católica, 2011, pp 512-513.
Nesta obra, o Autor indica decisões do Supremo Tribunal de Justiça que incidiram em comportamentos com algumas circunstâncias semelhantes ao provado nestes autos, quer no que respeita à qualidade e quantidade de estupefacientes, quer à actividade desenvolvida, quer ao posicionamento do próprio agente numa cadeia de tráfico de estupefacientes.
Assim, a jurisprudência considerou preenchida a previsão do citado artigo 25.º, nas seguintes situações: a venda, por um dealer de rua, sem meios sofisticados, durante seis meses, de heroína e cocaína, com apreensão de 43 doses de heroína, com o peso de 15,798 g, e de 31 doses de cocaína, com o peso de 9,803g (Ac. do STJ de 5.3.2009, proc. n.º 09P312, onde se afirma tratar-se de uma situação "de fronteira", mas ainda dentro do campo de aplicação do artigo 25.º); a detenção de 33 embalagens de heroína com o peso de 7,578 g (Ac. do STJ de 1.6.2003, proc. n.º 03P3188); a detenção de 47 g de heroína (Ac. do STJ de 8.11.2007, proc. n.º 07P3164); a detenção de 27 g de heroína e cocaína (Ac. do STJ de 18.5.2006, proc. n.º 06P1388); a venda de 195 g de heroína e cocaína e detenção para venda de 12,62 g de heroína e cocaína (Ac. do STJ de 13.02.2003, proc. n.º 03P167); a venda de 173 g de heroína em cinco meses, sendo metade do produto da venda para consumo (Ac. do STJ de 20.10.99, proc. n.º 918/99, 3.ª secção, citado no acórdão anterior); a detenção isolada de 63 doses de heroína e 25 doses de cocaína (Ac. do TRP de 10.10.2007, proc. n.º 0714610); a detenção de 35,875 gr, de heroína, 11,865 gr de cocaína e 65,825 gr de haxixe, destinados à venda, mas também ao consumo do arguido, no âmbito de uma actividade sem qualquer estrutura organizativa, desenrolada durante um período de três meses (Ac. TRC de 23.05.2012, proc. n.º31/11.5PEVIS.C1, todos acessíveis in www.dgsi.pt ).
Por outro lado, como exemplos de casos em que a jurisprudência afastou a possibilidade de integração na menor gravidade, optando pela condenação do agente pelo crime matricial do artigo 21º do Decreto-Lei 15/93, o Autor indica os seguintes casos: a detenção de 128 g de cocaína (Ac. do STJ de 4.7.2007, proc. Nº 07P2313), a detenção de 16 g de cocaína e 20 g de heroína (Ac. do STJ de 9.4.08, proc. nº 08P113), a venda regular durante mais de seis meses contínuos de 4 g e 150 g de haxixe em cada transacção (Ac. do STJ de 2.10.8, proc. nº 08P2497), a detenção para venda de 78 g de cocaína (Ac. do STJ de 12.07.06, proc. nº 06P1410), a detenção de 61 embalagens de heroína e 201 embalagens de cocaína, com apreensão de objectos em ouro e 1.240 € provenientes da venda de droga (Ac. do STJ de 19-10.06, proc. nº 06P1043), a detenção para venda de 40 g de heroína e 19 g de cocaína, com apreensão de bens provenientes da venda de droga no valor de 3.445€ (Ac. do STJ de 10.05.06, proc. nº 06P1190), a detenção de 50 g de heroína, sendo que pelo menos metade se destinava a venda a terceiros e sendo que o agente custeava, com os proventos do tráfico, todas as suas despesas pessoais, incluindo uma renda de casa no valor de 700 € (Ac. do STJ de 8.3.06, proc. nº 06P185, a detenção de 55 g de heroína com venda regular a dois consumidores (Ac. do STJ de 14.11.02, proc. nº 03P3240, todos in www.dgsi.pt, a detenção de 169 doses individuais de heroína com o peso de 7,210 g (Ac. do STJ de 1.3.01 CJ.STJ, IX,1, p. 234), a detenção de 24 embalagens de heroína, com o peso de 28,814 g e de 25 embalagens de cocaína, com o peso de 7,210 g (Ac. do STJ de 2.4.08, CJ-STJ, XVI, 2, p.183), a detenção de 36 embalagens de heroína com o peso de 79,902 g e de 57 embalagens de cocaína com o peso de 32,512 g (Ac. do STJ de 4.6.08, CJ-STJ, XVI, 2, p.247.
Aplicando os critérios enunciados ao circunstancialismo destes autos:
Nos termos da matéria de facto provada, o arguido comercializou heroína e cocaína durante um período de dez meses, recebendo mensalmente (contra o pagamento ulterior de quantia não inferior a €2.000,00), pelo menos 40 gr. de cocaína e 20 gr. de heroína, consumindo ele próprio uma pequena parte da cocaína e procedendo à venda da restante (após cozê-la), tal como da heroína em doses individuais pelo valor de €10,00
Durante esse período de tempo, o arguido não exerceu qualquer actividade remunerada, dedicando-se apenas à aquisição e venda de estupefacientes e fazendo face a todas as suas despesas diárias com os lucros assim obtidos.
Sabe-se ainda que o arguido deteve cocaína, em quantidade total suficiente para 286 doses médias individuais diárias e heroína em quantidade total correspondente a 49 doses médias individuais diárias.
Ao arguido foi ainda apreendido um total de 4.139€, angariado com a venda de cocaína e heroína.
Como elementos susceptíveis de revelar uma menor ilicitude temos o âmbito restrito da organização de venda directa aos consumidores e a circunstância de uma pequena parte da cocaína detida se destinar ao consumo próprio do arguido.
Em contrapartida, e negativamente, dever-se-á considerar a elevada quantidade e maior toxicidade das substanciais envolvidas (heroína e cocaína), a persistência na actividade de tráfico e os lucros já significativos com afectação da saúde de um elevado número de consumidores.
Ao que se indicia, o arguido dedicou-se ao tráfico como único modo de vida, numa actividade diária, como “abastecedor” de consumidores durante um período considerável de tempo.
Sopesando as circunstâncias enunciadas, concluímos que a “imagem global” que emerge desta factualidade não permite a caracterização do tráfico de estupefacientes como sendo de “menor gravidade” e a conduta do arguido integra-se nas modalidades de acção contidas na previsão abstracta do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
5. Ao crime cometido pelo arguido corresponde uma pena de prisão a fixar entre um mínimo de quatro anos e um máximo de doze anos de prisão.
Como se encontra adquirido pela doutrina e jurisprudência, na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve atender, em primeira linha, à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar, sob pena de, ultrapassando-o, se afrontar a dignidade humana do delinquente. Por seu turno, o limite mínimo da moldura concreta há-de ser dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e pretende corresponder a exigências de prevenção positiva ou de integração.
Assim, esse limite inferior decorrerá de considerações ligadas às exigências de prevenção geral, não como prevenção negativa ou de intimidação, mas antes como prevenção positiva ou de integração, já que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos com um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas. Estão em causa a integração e reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face às ocorridas violações das normas.
Finalmente, o tribunal deve fixar a pena concreta de acordo com as exigências de prevenção especial, quer na vertente da socialização, quer na advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente[4].
6. Analisando o circunstancialismo de facto à luz dos enunciados critérios, serão de considerar os seguintes elementos com interesse para a escolha e dosimetria da pena:
Os factores concretos de medida da pena, enunciados de forma exemplificativa no artigo 71º nº 2 do Código Penal, compreendem circunstâncias estranhas à previsão típica e que se relacionam com a execução do facto, a personalidade do agente e, por último, com os elementos relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto.
Entre as circunstâncias referentes à execução do facto, interessa ter presente a quantidade e qualidade das substâncias estupefacientes que o arguido detinha e disseminava. A actividade do arguido inseria-se na venda directa a consumidores de cocaína e de heroína para consumo individual, numa rudimentar organização de meios. No conjunto, a quantidade detida pelo arguido envolveu o equivalente a 286 doses médias individuais diárias de cocaína e heroína em quantidade correspondente a 49 doses médias individuais diárias
No mais, será de notar que o comportamento do arguido revela o único intuito de obtenção de proventos económicos, necessariamente à custa de danos na saúde de outras pessoas.
No que respeita às condições de vida do agente, interessa relevar que o arguido recorrente, sem preparação escolar adequada, tem mantido o consumo de estupefacientes ao longo dos anos, carece de qualquer actividade profissional remunerada, vivia com a mãe e dois irmãos.
Com efeito atenuativo, releva a posição assumida pelo arguido, confessando os factos cometidos e denotando algum juízo autocrítico.
No que se refere ao comportamento anterior aos factos, ter-se-á presente que o arguido sofreu condenação em Outubro de 2016, transitada em julgado em Abril de 2017, pelo cometimento em Maio de 2014 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de um ano de prisão de execução suspensa pelo período de um ano, com regime de prova.
As necessidades de prevenção geral positiva, decorrentes da importância da tutela dos bens jurídicos e de protecção das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma jurídica violada, são muito intensas no crime de tráfico de estupefacientes, pelos danos que os factos subjacentes provocam na saúde dos consumidores e de corrosão na sociedade.
São ainda as exigências de prevenção especial que fundamentalmente aqui impressionam, quer no vector da função de socialização, quer no cumprimento de exigências mínimas de advertência ou intimidação individual.
Sopesando em conjunto as enunciadas circunstâncias, designadamente a concreta forma de execução do facto na quantidade e qualidade das substâncias estupefaciente, a motivação do arguido e o contexto da sua actuação, bem como o comportamento anterior aos factos, concluímos que não merece qualquer censura a fixação da pena de prisão aplicada ao arguido em quatro anos e dois meses (note-se que em medida quase coincidente com o limite mínimo abstractamente aplicável).
7. Quanto à pretensão de suspensão da execução:
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena de prisão, ainda que sob a obrigação de cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou sob regime de prova (artigos 50º a 54º do Código Penal, na redacção hoje vigente, da Lei 59/2007, de 4 de Setembro).
Para este efeito, verificado o pressuposto formal de que a pena de prisão previamente determinada não seja superior a cinco anos, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime e sopesando em conjunto as circunstâncias do facto e da personalidade, atendendo às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, possa fazer uma apreciação favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de antecipar ou prever que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, o mesmo é dizer, para garantir a tutela dos bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade, entendida aqui como perspectiva que o condenado não volte a delinquir no futuro.
Uma vez que a função da culpa se esgotou no momento da determinação da medida da pena de prisão, o juízo de prognose necessário para eventual aplicação de pena de substituição, designadamente da suspensão de execução, depende em exclusivo de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva. Por isso se conclui sempre que, desde que aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias [5].
A jurisprudência, de forma quase unânime, tem enfatizado a particular gravidade do tráfico de estupefacientes, designadamente quando se trata de detenção e transporte de heroína ou de cocaína, pela dependência que estas substâncias induzem, pelas nefastas consequências que normalmente provocam na saúde e na vida dos consumidores e pelas incidências de ordem social que o consumo fomenta[6].
Daí que persistentemente se afaste a possibilidade de aplicação da penas de suspensão de execução de prisão pelo cometimento de crimes de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, com fundamento em particulares exigências de prevenção geral de intimidação, que se colocam com particular acuidade pela gravidade do crime, considerado de autentico “flagelo” ou “praga social”[7].
Naturalmente que não podem existir crimes que pela sua natureza logo sejam insusceptíveis de suspensão de execução de pena de prisão não superior a cinco anos e tudo deve depender da análise que o caso concreto permita quanto ao preenchimento dos pressupostos legais.
Haverá que sopesar os elementos da personalidade e as circunstâncias de vida do arguido, o seu comportamento anterior e posterior ao cometimento do crime.
Como adequadamente se escreveu no acórdão recorrido
(…) pese embora a confissão do arguido, não pode deixar de ponderar-se a circunstância de o arguido se ter revelado totalmente insensível à anterior condenação, sendo que nem o regime de prova a que esteve sujeito o sensibilizou para a necessidade de conformar os seus comportamentos com o direito e as regras da vida em sociedade, e de estruturar no projecto de vida futuro; nem o facto de saber detectada a sua actividade em Março de 2019, o impediu de prosseguir na mesma, assim revelando nula responsividade à perspectiva da intervenção judicial ou da privação de liberdade. Por seu turno as suas frágeis competências pessoas e sociais, a permeabilidade à pressão dos grupos de pares e a incapacidade de contenção do contexto familiar (que não obstou ao desenvolvimento da actividade no interior da habitação), não permitem formular um juízo de prognose positivo quanto à aptidão de uma pena não privativa da liberdade para inverter o percurso delituoso do arguido.
Neste caso concreto, perante uma personalidade para quem uma anterior pena de suspensão de execução não alcançou efeito dissuasor útil, nem impediu o sucessivo cometimento de factos de idêntica natureza, forçoso é concluir que uma nova pena de suspensão de execução, ainda que acompanhada de regime de prova, sempre seria insuficiente para realizar as finalidades da punição, o mesmo é dizer, para garantir a tutela dos bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade, entendida aqui como perspectiva que o condenado não volte a delinquir no futuro.
O sentimento social de reprovação pelo crime e as intensas exigências de prevenção geral do caso concreto levam-nos a concluir que a simples censura do facto e a ameaça de execução da pena, ainda que acompanhadas por regime de prova, não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impondo-se a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, para corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas.
Termos em que improcede na íntegra o recurso do arguido.
8. O arguido decaiu integralmente no recurso que interpôs e deve ser responsabilizado pelo pagamento de taxa de justiça (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal), sem prejuízo da dispensa de que venha a beneficiar.
De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC.
Tendo em conta a menor complexidade do processo, julga-se equitativo fixar essa taxa em três UC.
9. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso do arguido OJ___ e em manter na íntegra o acórdão recorrido.
Condena-se o arguido em três UC de taxa de justiça pelo decaimento no recurso.
Lisboa, 14 de Outubro de 2020.
Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.
João Lee Ferreira
Nuno Coelho
_______________________________________________________ [1]Entre muitos outros, os Acórdãos de 18-02-2016, proc. 26/14.7PEBRG.S1, Souto de Moura e de 07-06-2017, proc. 15/16.7GTABF.E1.S1, Maia Costa, acessíveis in www.dgsi.pt e de 05-12-2019, proc. 2/18.0PEFAR.S1, Helena Moniz, www.colectâneajurisprudência.com,ref. 9643/2019). [2] Proc. 127/09.3PEFUN.S1, relator Conselheiro Santos Carvalho, www.dgsi.pt . [3] Acórdão do STJ de 27-05-2009, analisado por Lourenço Martins em “Medida da Pena, Finalidades Escolha, Abordagem Crítica de Doutrina e Jurisprudência Coimbra Editora, 2011, pp 274-275. [4]Jorge de Figueiredo Dias As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1995, págs. 228 e segs, Anabela Miranda Rodrigues,, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora pag. 570 a 576 Jescheck, HH Tratado, Parte General , II, pag. 1189 a 1199. [5] Dias, Figueiredo, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, 1993, pág.s 332 e 333, Robalo Cordeiro, A Determinação da Pena in Jornadas, CEJ, II, Lisboa 1998, pág. 48, Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida concreta da pena privativa da liberdade e a escolha da Pena RPCC I 1991, nº 2, 243. Na jurisprudência, por todos, o Acórdão do S.T.J. de 13-12-2007, rel. Cons. Santos Cabral, in www.dgsi.pt com o seguinte sumário : “Na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão –, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (art.º 71.º do CP) a partir da ideia de que uma orientação de prevenção – e essa é a da prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal; sendo igualmente uma orientação de prevenção – agora geral, no seu grau mínimo – a única que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial. Neste contexto, a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. E prevalência a dois níveis diferentes: - o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração; [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 14-02-1990 Proc. 20606 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 23-03-2000, citados por Martins, A. Lourenço, em Medida Pena, Coimbra, 2011, pp. 259 e 260. Atente-se ainda, a título meramente exemplificativo nas decisões proferidas em julgamento por crimes de tráfico de estupefacientes da responsabilidade de correios internacionais em que “apenas” se demonstra a detenção e transporte de estupefacientes: Acórdão do STJ de 18-10-2007, relator Costa Mortágua, Acórdão do STJ de 15-11-2007 relator Simas Santos, Acórdão do STJ de 04-09-2008 relator Santos Carvalho, Acórdão do STJ de 18-06-2009 relator Oliveira Mendes, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-02-2010, relator Henriques Gaspar, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2010, relator Armindo Monteiro, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-06-2010, relator Santos Cabral, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-06-2010, relator Henriques Gaspar, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-01-2011, relator Henriques Gaspar, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2011 relator Santos Carvalho, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2012, proc. 77/11.3JELSB.L1.S1 relator Maia Costa, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-09-2013, proc. 62/12.8PJOER.S1, relator Pires da Graça, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-04-2015 proc. 147/14.6JELSB.L1.S1, relator João Silva Miguel, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [7] Conforme entre outros, Acórdão do STJ de 27/09/2007, relator Santos Carvalho “A suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões ponderosas para uma atenuação extraordinária da pena, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral., de 3/10/2007, relator Pires da Graça, in www.dgsi.pt, Valorando a matéria fáctica provada, de harmonia com o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, revela-se adequada a pena de cinco anos de prisão, pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º nº 1 do Decreto-Lei 15//93, de 22/1, com referência à tabela I-B Anexa., em que a quantidade total de droga transportada era de 992,182 gramas de cocaína, pena essa insusceptível de suspensão na sua execução, nos termos do art.º 50º nº 1 do Código Penal, na redacção da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, por a tal se oporem exigências de prevenção e reprovação do crime”, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-07-2009, “O STJ vem-se posicionando – considerando o grave crime de tráfico de estupefacientes socialmente intolerável, de uma indescritível danosidade pessoal, familiar, social e colectiva em que a maioria esmagadora das suas vitimas são as camadas sociais mais jovens e os autores dessa destruição ao nível da saúde física, psíquica e até da liberdade individual alguém que despreza em grau elevado a condição humana, movido pela ganância do lucro fácil –, num patamar de rejeição de suspensão, a menos que concorram condições de excepcional valia, reduzindo o juízo de reprovação individual sendo previsível um quadro de não sucumbência, vista a personalidade delineada do agente sustentando um juízo de prognose favorável, conquanto não sejam afectados os fins das penas, de protecção dos bens jurídicos e de ressocialização do agente – art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal” Armindo Monteiro, www.pgdlisboa.pt, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-10-2010, Isabel Pais Martins “nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam. A comunidade conhece as gravíssimas consequências do consumo de estupefacientes, particularmente das chamadas “drogas duras” e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-04-2008 relator Nuno Gomes da Silva in www.dgsi.pt, de 03-04-2008 relator João Carrola, de 08-04-2008 relator Ricardo Cardoso in www.pgdlisboa.pt, de 20-05-2008 relator Santos Rita, de 26-06-2008 relator Fernando Estrela in www.dgsi.pt, de 02-07-2008 relator Carlos Almeida, de 03-07-2008 relator Almeida Cabral, de 8-07-2009 relatora Margarida Ramos Almeida in www.pgdlisboa.pt, de 04-02-2015, proc. 31/14.3JELSB.L1 – 3, relator Jorge Langweg, de 03-05-2016, proc. 68/15.5ZFLSB.L1-5, relator Vieira Lamim.