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TRANSACÇÃO
ADVOGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
RECURSO DE REVISÃO
Sumário
I – A transacção é a formulação contratual de uma solução de compromisso para um determinado diferendo, visando colocar fim ao diferendo por acordo das partes, obstando e impedindo que caiba ao tribunal apurar os factos do litígio e fazer-lhes a aplicação da legalidade estrita, sendo certo que a sua homologação judicial, por sentença, depende apenas da auscultação da possibilidade legal e licitude do seu objecto e da legitimidade das pessoas que nela intervieram, não cabendo ao tribunal qualquer poder de verificação da razoabilidade ou adequação das cláusulas respectivas e/ou do seu fundamento jurídico. II - Nas relações com o cliente, deve o advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade. III - Qualquer negócio jurídico só releva por corresponder a uma vontade, mas esta vontade pode, no seu processo de formação, ser maculada por vícios na formação da vontade negocial, desde logo, a ausência de vontade, que, pode, designadamente, resultar de falta de consciência da declaração. IV - Litiga de má-fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão e faltou de forma grave a tais deveres
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório
AA, NIF ..., veio interpor contra S..., UNIPESSOAL, LD.ª, NIF ..., recurso de revisão da sentença homologatória da transacção celebrada nos autos principais, e nos termos do art. 696.º, al. d), do CPC, tendo, em suma, alegado que o despacho que antecedeu a sentença e determinou a celebração do acordo padece de nulidade por falta de fundamentação, para além do facto de não existir a autoridade de caso julgado anunciada e o recorrente não ter entendido, compreendido e querido transacionar nos autos, só tendo tomado conhecimento que tinha feito uma declaração negocial após a audiência de julgamento, tendo a vontade do recorrente sido viciada por erro sobre as qualidades do objecto da transacção, por desconhecer o que era e em que consistia a figura de autoridade de caso julgado material e os seus efeitos, bem como por não ter sido esclarecido na audiência de discussão e julgamento.
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Admitido o recurso de revisão foi a recorrida notificada, vindo apresentar resposta onde pugnou pela intempestividade do recurso e pela sua improcedência.
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Tendo-se determinado que os autos prosseguissem os termos do processo comum declarativo, sem que as partes tivessem arrolado qualquer meio de prova, facultou-se às partes a discussão de facto e de direito por escrito, com vista à finalidade a que alude o art. 591.º, n.º 1, al. b), do CPC, ex vi do art. 597.º, al. b), mantendo as partes a posição já anteriormente manifestada.
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Após, foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente o recurso de revisão e posteriormente condenou o recorrente como litigante de má fé
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II. O Recurso
Não se conformando com a decisão proferida veio o recorrente apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:
I.O Tribunal Recorrido por sentença proferida em 21/04/2023 julgou totalmente improcedente o Recurso de Revisão e por despacho proferido em 15/05/2023 condenou o Recorrente como litigante de má fé em multa de 5 UC’s.
II.O Tribunal aquo fundamentou a sua decisão nos termos da ata da Audiência dos Autos Principais, na forma como decorreu a referida audiência e no registo áudio da referida diligência.
III.O Recorrente jamais se poderá conformar com a decisão que julgou totalmente improcedente o Recurso de Revisão, bem como com a decisão que o condenou como litigante de má fé e em multa de 5 UC’s.
IV.Decidindo como decidiu, a Meritíssima Juiz do Tribunal aquo não fez uma correta apreciação e julgamento da matéria de facto.
V.Decidindo como decidiu, a Meritíssima Juiz do Tribunal aquo também não fez uma correta interpretação e aplicação da lei, designadamente artigo 246.º, 247.º, 251.º, 286.º, 289.º, 1248.º, do CC e, 195.º, 414.º, 542º, 580.º, 581.º, 607.º, n.º 4, 613.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, al. b), e d), do CPC.
VI.Se a matéria de facto e de direito for devidamente apreciada e julgada, o Recurso de Revisão será julgado totalmente procedente e o Recorrente não será condenado como litigante de má fé.
VII.As decisões recorridas ao julgarem totalmente improcedente o Recurso de Revisão e ao condenarem o Recorrente como litigante e na multa de 5 UC’s enferma de nulidade e de erro na apreciação e julgamento da matéria de facto e de erro na aplicação e na interpretação do direito, pelo que terão inevitavelmente de ser revogadas.
VIII. E, consequentemente, ser substituída por outra decisão que julgue procedente o Recurso de Revisão e absolva o Recorrente da condenação como litigante de má fé na multa de 5 UC’s.
IX. O Tribunal Recorrido deu como Factos Não Provados na decisão datada de 21/04/2023 que: “1.Orecorrentedesconhecia,àdatade20/10/2021,oqueeraeemqueconsistiaafiguradaautoridadedecasojulgadomaterial,bemcomoosseusefeitos. 2.Enãocompreendeu,nãoentendeuenãoteveconsciênciaquehaviacelebradoumacordodepagamentoemprestações. 3.NuncafoivontadedorecorrentecelebraratransaçãoreferidaemB.enãopretendiavincular-seaostermosecondiçõesdaquelenegócio,quefoicontrárioàsuavontade.4.Sóapósaaudiênciadejulgamento,orecorrentetomouconhecimentoquetinhafeitoumadeclaraçãonegocial. 5.Nãoforamdadosaconheceraorecorrenteostermosecondiçõesdonegóciojurídicoqueestavaasercelebrado. 6.NãofoicomunicadoaorecorrentequalquerIBANparaarealizaçãodopagamentodasprestaçõesacordadas. 7.Nãofoiexplicadoaorecorrentenemoqueeraaautoridadedecasojulgadomaterial,nemosmotivossubjacentesàverificaçãodetalfiguranapresentedemanda,nemosseusefeitosjurídicos. 8.Setivessesidoexplicadoaorecorrenteemqueconsisteaautoridadedecasojulgadomaterialerespetivosefeitos,estejamaisteriaaceitadoatransação. 9.Avontadedorecorrenteemcelebraratransação,nostermosemqueofez,foideterminadapordesconheceroqueeraeemqueconsistiaafiguradeautoridadedecasojulgadomaterialeosseusefeitos,bemcomonãotersidoesclarecidonaaudiênciadediscussãoejulgamento. 10.Paraorecorrente,eraessencialquelhefossedadoaconhecerafiguradaautoridadedecasojulgadomaterialeosseusefeitos.”.
X. O Tribunal aquo fundamentou a sua decisão nos termos da ata da Audiência dos Autos Principais, da forma como decorreu a referida audiência e do registo áudio da diligência.
XI.No entanto, se atendermos aos termos da ata da Audiência dos Autos Principais, à forma como decorreu a referida audiência e ao registo áudio da diligência jamais poderiam ter sido dados como não provados os factos elencados no retro artigo IX pelo Tribunal Recorrido.
XII.Conforme reconhece o Tribunal Recorrido, o despacho proferido em 20/10/2021 que antecedeu a transação, foi determinante para a celebração da transação.
XIII.Não foram explicados ao Recorrente os motivos subjacentes à verificação de tal figura na presente demanda, nem os seus efeitos jurídicos, conforme, aliás, resulta do registo áudio da diligência.
XIV.Se tivesse sido explicado ao Recorrente em que consistia a autoridade de caso julgado material e respetivos fundamentos e efeitos, o Recorrente jamais teria aceite celebrar a transação.
XV.A vontade do Recorrente em celebrar a transação, nos termos em que o fez, foi determinada por desconhecer o que era e em que consistia a figura de autoridade de caso julgado material, os seus fundamentos e os seus efeitos.
XVI.Todavia, e conforme decorre dos termos da ata e do registo áudio da diligência, não foi nem, explicado ao Recorrente em que consistia a figura da autoridade de caso material, os seus fundamentos e os seus efeitos, nem o despacho proferido foi fundamentado.
XVII. Por tal facto, não foi dado a conhecer ao Recorrente todos os termos e condições da transação celebrada.
XVIII. Ademais, e conforme resulta dos termos da ata, da forma como decorreu a diligência e do registo áudio, não foi comunicado ao Recorrente qualquer IBAN para a realização do pagamento das prestações acordadas.
XIX.Assim, tem de ser dado como Factos Provados que: “1.Orecorrentedesconhecia,àdatade20/10/2021,oqueeraeemqueconsistiaafiguradaautoridadedecasojulgadomaterial,bemcomoosseusefeitos. 2.Enãocompreendeu,nãoentendeuenãoteveconsciênciaquehaviacelebradoumacordodepagamentoemprestações. 3.NuncafoivontadedorecorrentecelebraratransaçãoreferidaemB.enãopretendiavincular-seaostermosecondiçõesdaquelenegócio,quefoicontrárioàsuavontade.4.Sóapósaaudiênciadejulgamento,orecorrentetomouconhecimentoquetinhafeitoumadeclaraçãonegocial. 5.Nãoforamdadosaconheceraorecorrenteostermosecondiçõesdonegóciojurídicoqueestavaasercelebrado. 6.NãofoicomunicadoaorecorrentequalquerIBANparaarealizaçãodopagamentodasprestaçõesacordadas. 7.Nãofoiexplicadoaorecorrentenemoqueeraaautoridadedecasojulgadomaterial,nemosmotivossubjacentesàverificaçãodetalfiguranapresentedemanda,nemosseusefeitosjurídicos. 8.Setivessesidoexplicadoaorecorrenteemqueconsisteaautoridadedecasojulgadomaterialerespetivosefeitos,estejamaisteriaaceitadoatransação. 9.Avontadedorecorrenteemcelebraratransação,nostermosemqueofez,foideterminadapordesconheceroqueeraeemqueconsistiaafiguradeautoridadedecasojulgadomaterialeosseusefeitos,bemcomonãotersidoesclarecidonaaudiênciadediscussãoejulgamento. 10.Paraorecorrente,eraessencialquelhefossedadoaconhecerafiguradaautoridadedecasojulgadomaterialeosseusefeitos.”.
XX.De igual forma, no despacho proferido em 15/05/2023 a matéria de facto não foi devidamente apreciada, julgada e decidida.
XXI. O Tribunal aquo julgou como provados e relevantes para a decisão da causa os seguintes e concretos pontos da matéria de facto: “A.Naaudiênciadejulgamentorealizadanosautosprincipais,em20/10/2021,foicelebradaentreoaquirecorrenteAAearéumatransaçãocomoseguinteteor,quefoihomologadaporsentençatransitadaemjulgado: 1ºAautorareduzopedidoàquantiade3000,00€(trêsmileuros),queoréuaceitaeseconfessadevedor. 2ºOréucompromete-seapagarareferidaquantiaemdozeprestações,iguais,mensaisesucessivas,novalorde€250,00/cada,vencendo-seaprimeiraem01-11-2021easrestantesnodia01dosmesessubsequentes. 3ºOpagamentodasprestaçõesreferidasnacláusulaanteriorseráefetuadoatravésdetransferênciabancáriaparaacontacujoIBANaautorasecomprometeaindicarnospresentesautosnoprazodedoisdias 4ºCasooréunãopaguealgumadasprestaçõesacimadescritas,adívidavenceráimediatamentenatotalidade. 5ºAscustasemdívidaajuízoserãosuportadasporautoraeré,empartesiguais,prescindindoreciprocamentedascustasdeparte”. B.OrecorrenteAAinterpôsrecursoderevisãodasentençareferidaemA.tendo,ademais,alegado,noart.88.ºdaalegaçãoderecurso,que:“NaAudiênciadeDiscussãoeJulgamentodatadade20/10/2021nãoforamdadosaconheceraoRecorrente,AA,ostermosecondiçõesdonegóciojurídicoqueestavaasercelebrado(…)”. C.AtransaçãoreferidaemA.foiditadaparaatanapresençadorecorrenteAA,queouviuostermosdatransação,participouativamentenadefiniçãododiadepagamentofixadoe,quandodiretamenteperguntadopelotribunalseconcordavacomamesma,respondeu“simsim”. D.EmfacedoreferidoemC.,orecorrenteAAsabiaserfalsaaalegaçãoreferidaemB.”.
XXII. O Tribunal Recorrido não pode dar como Facto Provado que “D.EmfacedoreferidoemC.,orecorrenteAAsabiaserfalsaaalegaçãoreferidaemB.”.
XXIII. O alegado no artigo 88º da alegação de Recurso não é falso.
XXIV. No artigo 88º da alegação de Recurso, o Recorrente refere-se à autoridade do caso julgado material, conforme, aliás, resulta do Recurso de Revisão.
XXV. Conforme bem reconhece o Tribunal aquo, o despacho proferido quanto à verificação da autoridade de caso julgado material foi determinante para a celebração da transação.
XXVI. No entanto, o Recorrente, AA, possuía total desconhecimento acerca da figura jurídica da autoridade de caso julgado material, seus fundamentos e seus efeitos no caso em apreço.
XXVII. Não foi explicado ao Recorrente, AA, nem o que era autoridade de caso julgado material, nem os motivos subjacentes à verificação de tal figura na presente demanda, nem os seus efeitos jurídicos, conforme, aliás, resulta do registo áudio da diligência.
XXVIII.De igual forma o despacho proferido pelo Douto Tribunal Recorrido que antecedeu a celebração da transação também não está fundamentado quanto à verificação da autoridade de caso julgado material.
XXIX. Ora, se o despacho referente à verificação de autoridade de caso julgado material foi determinante para a celebração da transação e não foi explicado ao Recorrente, AA, nem o que era autoridade caso julgado material, nem os motivos subjacentes à verificação de tal figura na presente demanda, nem os seus efeitos jurídicos, não foram dados a conhecer ao Recorrente todos os termos e condições do negócio, designadamente a autoridade de caso julgado material.
XXX. Por tal facto, o Tribunal aquo não poderia ter dado como Facto Provado o ponto D. dos Factos Provados.
XXXI. Assim, e pelos motivos expostos, tem de ser dado como Facto Não Provado que “D.EmfacedoreferidoemC.,orecorrenteAAsabiaserfalsaaalegaçãoreferidaemB.”.
XXXII. Do exposto resulta que a matéria de facto não foi devidamente apreciada, julgada e decidida.
XXXIII.O Tribunal aquo julgou incorretamente a matéria de facto, impondo-se a reapreciação da prova gravada por parte deste insigne Tribunal adquem e consequentemente a alteração da decisão proferida.
XXXIV.Por isso, deve a matéria de facto ser devidamente apreciada, julgada e decidida pelo Tribunal. E,
XXXV. Em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente o Recurso de Revisão e que condenou o Recorrente como litigante de má fé e na multa de 5 UC’s.
XXXVI.E, ser substituída por outra que julgue o Recurso de Revisão totalmente procedente e absolva o Recorrente da condenação como litigante de má fé na multa de 5 UC’s com todas as legais consequências.
XXXVII.O Tribunal aquo não apreciou a nulidade arguida pelo Recorrente e derivada da falta de fundamentação do despacho referente à verificação da autoridade de caso julgado material que antecedeu a celebração da transação, quer a respetiva bondade daquele, alegando ser o meio impróprio para o efeito.
XXXVIII.O Tribunal Recorrido fundamenta a sua decisão na leitura da fundamentação de facto, uma vez que da mesma não resulta qualquer facto suscetível de demonstrar qualquer vício ou falta de vontade do Recorrente aquando da celebração da transação.
XXXIX.Decidindo como decidiu, a Meritíssima Juiz do Tribunal Recorrido não fez uma correta interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 246.º, 247.º, 251.º, 286.º, 289.º, 1248.º, do CC e, 195.º, 414.º, 580.º, 581.º, 607.º, n.º 4, 542º.º, 613.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, al. b), e d), do CPC.
XL. O despacho que antecedeu a celebração da transação e referente à autoridade de caso julgado carece de fundamentação.
XLI. Não foi explicado ao Recorrente em que consistia a figura de autoridade de caso julgado material, os seus fundamentos e os seus efeitos no caso em apreço.
XLII. Por isso, a referida transação enferma de vícios que a invalidam, designadamente de nulidade e anulabilidade.
XLIII. A transação celebrada em 20/10/2021 é inválida e consequentemente ineficaz.
XLIV. O Despacho proferido pelo Tribunal aquo e que antecedeu a transação foi determinante para a celebração da transação carece de fundamentação.
XLV. Os despachos judiciais têm de ser fundamentados.
XLVI. A omissão do dever de fundamentação é causa de nulidade da decisão nos termos da al. b), do artigo 615º, do Código de Processo Civil, que se reporta às sentenças, mas que é extensivo aos despachos nos termos do artigo 613º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
XLVII. Este dever de fundamentação das decisões judiciais tem em vista um conjunto de objetivos que são fundamentais no nosso estado de direito: contribui para a eficácia das decisões, conseguindo-se o seu respeito, não pela força da autoridade, mas pela razão com que convencem; sendo, pois, um fator de legitimação do poder judicial; permite o controlo da decisão, possibilitando a sindicância do processo lógico e racional que lhe esteve na base, impedindo, desta forma, decisões arbitrárias e garantindo a transparência do processo decisório e o respeito da independência e da imparcialidade das decisões.
XLVIII.A fundamentação visa garantir a inexistência de decisões arbitrárias, além de garantir implicitamente o direito a um processo justo e equitativo.
XLIX. É por isso que o dever de fundamentação das decisões incorpora uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático.
L. Este princípio tem tutela no artigo 6º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem das Liberdades Fundamentais, no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e é especificada no artigo 154º, do Código de Processo Civil.
LI. O Despacho proferido pelo Tribunal Recorrido e que antecedeu a celebração da transação carece totalmente de fundamentos de direito e de facto.
LII.Logo, o referido Despacho padece de nulidade, vício que o invalida.
LIII.Assim, deverá ser declarada a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal aquo e que antecedeu a celebração da transação.
LIV.No caso subjudice não se verifica a autoridade de caso julgado material.
LV.No caso em apreço não se verifica a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
LVI.No caso subjudice não se verifica nem, a identidade de causa de pedir, nem a identidade de pedidos entre os presentes Autos e o processo n.º 2706/20.9T8BRG, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Trabalho ..., Juiz ....
LVII. As questões colocadas na presente ação não foram, nem discutidas, nem tão pouco resolvidas na ação primitiva, designadamente no processo n.º 2706/20.9T8BRG, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Trabalho ..., Juiz ..., uma vez que não constituíam o seu objeto.
LVIII. Se no caso em apreço não se verifica a tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causa de pedir, só se verificará a autoridade de caso julgado se o processo n.º 2706/20.9T8BRG, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Trabalho ..., Juiz ..., for pressuposto indiscutível dos presentes Autos.
LIX. Condição essencial para a verificação da autoridade de caso julgado é que o objeto de uma anterior ação se inscreva como pressuposto indiscutível, no objeto da uma posterior ação, cfr. Ac. do STJ, de 06/06/2019, in www.dgsi.pt, o que não sucede no caso em apreço.
LX. Face ao decidido no processo n.º 2706/20.9T8BRG, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Trabalho ..., Juiz ..., e à presente demanda, aos seus sujeitos, pedidos e causa de pedir, fácil se torna concluir que a autoridade de caso julgado formado pela sentença proferida no processo n.º2706/20.9T8BRG, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Trabalho ..., Juiz ..., não se estende aos pedidos formulados na presente ação.
LXI. A decisão proferida pelo Tribunal aquo não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
LXII. As decisões têm de ser fundamentadas.
LXIII. O dever de fundamentação das decisões, na sua vertente endoprocessual e extra- processual, decorre do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, sendo da maior relevância não só, para que possa ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto, como também na decisão de direito.
LXIV. A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objetividade e discriminadamente, de modo que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.
LXV. A exigência de fundamentação das respostas negativas aos quesitos constituiu inovação na revisão do Código de Processo Civil de 1995/96: não era requisito no Código de Processo Civil de 1939 e só passou a sê-lo, quanto aos factos provados no Código de Processo Civil de 1961, mantendo-se até ao DL. 329-A/95, de 12.12, o dever, quanto aos factos julgados provados, de”especificarosfundamentosdecisivosparaaformaçãodasuaconvicção.”.
LXVI. Crucial é a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.
LXVII. Sucede, porém, que o Tribunal aquo não indicou os fundamentos em que formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.
LXVIII.Para além do mais, o Tribunal aquo não apreciou a prova separadamente por cada facto.
LXIX. Com o devido respeito pela mui douta Sentença, que é muito, o certo é que, entende a Recorrente, que pese embora a Meritíssima Juiz aquo tenha discriminado os factos que considerou provados e não provados, não fundamentou de modo claro e indubitável a sua decisão quanto à matéria de facto.
LXX.O Tribunal aquo tão pouco expôs o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos à sua apreciação e julgamento.
LXXI.O Tribunal aquo não especificou os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.
LXXII.O Tribunal aquo não procedeu à análise crítica das provas e à especificação das razões e dos concretos meios de prova que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto e desvalorizou e desconsiderou toda a prova da Recorrente.
LXXIII.O Tribunal aquo não indicou os fundamentos por que formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.
LXXIV.O Tribunal Recorrido na fundamentação da decisão da matéria de facto não especificou os meios de prova que foram decisivos para a formação da sua convicção, não satisfazendo, igualmente, a exigência legal estabelecida no artigo 607.°, n.°4, do Código de Processo Civil.
LXXV. Tal forma genérica de fundamentação não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão.
LXXVI.Na verdade, a fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara e inequívoca, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no artigo 607.°, n.°4, do CPC.
LXXVII.Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento.
LXXVIII.Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.°, n.º 4, do CPC, o Tribunal aquo cometeu uma nulidade processual prevista no artigo 195.°, n.°1, do CPC.
LXXIX.Assim, por efeito da nulidade processual, justifica-se a anulação da sentença e de todos os atos subsequentes, nos termos do artigo 195.°, n.°2, do Código de Processo Civil.
LXXX. Além do mais “Aleiimpõe,pois,comocritérioebaseessencialdafundamentaçãodadecisãoemmatériadefacto,o“examecríticodasprovas”.
LXXXI.É que a obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
LXXXII.Exige-se assim que – o tribunal explicite as razões que o levaram a tomar a decisão proferida e em que se suporta para formar a sua convicção, o que não sucedeu na sentença.
LXXXIII.A decisão proferida pelo Tribunal aquo não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
LXXXIV.O Tribunal Recorrido sufraga que no caso subjudice não existe nenhuma causa de nulidade ou anulabilidade da transação, mas não fundamenta de direito a sua decisão.
LXXXV.A decisão proferida pelo Tribunal aquo é nula por violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
LXXXVI.A decisão proferida pelo Tribunal aquo é nula por omissão de formalidades previstas na lei de acordo com o disposto no art. 195º, n.º 1, do CPC. Pelo que,
LXXXVII.A sentença proferida pelo Tribunal aquo é nula por omissão de pronúncia nos termos do art. 615º, n.º1, al. d), do CPC.
LXXXVIII.Nos termos do artigo 615º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
LXXXIX.Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em errorinprocedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
XC. O Tribunal aquo não conheceu todas as questões suscitadas pelo Recorrente, designadamente a nulidade do despacho que antecedeu a celebração da transação por falta de fundamentação, bem como a nulidade e a anulabilidade da transação por existência de vício de vontade.
XCI. A sentença proferida pelo Tribunal aquo é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, pelo que deve ser revogada com todas as legais consequências.
XCII. Caso o Douto Tribunal adquem não julgue a sentença recorrida por violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, a sentença proferida sempre padecerá de erro de julgamento de direito.
XCIII. Conforme referido anteriormente, o despacho proferido pelo Tribunal aquo e que antecedeu a celebração da transação foi essencial e determinante para que o Recorrente celebrasse a transação.
XCIV. O Recorrente, AA, não entendeu, não compreendeu, nem quis o que ocorreu na Audiência de Julgamento.
XCV. O Recorrente, AA, desconhecia à data de 20/10/2021 o que era e em que consistia a figura da autoridade de caso julgado material, bem como os seus efeitos.
XCVI. O Recorrente, AA, não compreendeu, não entendeu que havia celebrado um acordo de pagamento em prestações nos presentes Autos.
XCVII. Não foi comunicado ao Recorrente, AA, qualquer IBAN para a realização do pagamento das prestações acordadas.
XCVIII.É evidente e inequívoco que o aqui Recorrente, AA, não compreendeu, não entendeu o que ocorreu na Audiência de Julgamento.
XCIX. Nunca foi vontade do Recorrente, AA, transacionar nos presentes Autos, o que levou o Recorrente a celebrar a transação foi o despacho proferido pelo Tribunal aquo e referente à autoridade de caso julgado material.
C.O Recorrente, AA, nunca teve vontade de fazer qualquer declaração negocial.
CI.O Recorrente, AA, nem sequer teve consciência de ter feito uma declaração negocial.
CII.O Recorrente, AA, possuía total desconhecimento acerca da figura jurídica da autoridade de caso julgado material e seus efeitos.
CIII. Não foi explicado ao Recorrente, AA, nem o que era autoridade caso julgado material, nem os motivos subjacentes à verificação de tal figura na presente demanda, nem os seus efeitos jurídicos, conforme, aliás, resulta da ata, do despacho proferido e do registo de áudio da presente diligência.
CIV. O Recorrente, AA, só após a Audiência de Julgamento, veio a ter conhecimento da figura de autoridade de caso julgado material, respetivo conceito e seus efeitos.
CV. O acordado na Audiência de Julgamento não traduziu, bem como não traduz, a vontade do Recorrente, BB.
CVI. A presente declaração negocial, isto é, a transação celebrada em 20/10/2021, enferma de falta de consciência da declaração por parte do Recorrente, AA.
CVII. A vontade negocial deve ser livre, esclarecida, ponderada e formada de um modo julgado normal e são. No entanto,
CVIII. Esta vontade negocial pode, no seu processo de formação, ser maculada por vícios que compreendem, naturalmente, dificuldades na formação da vontade, podendo verificar-se situações de ausência de vontade ou de vontade incorretamente formada.
CIX. De harmonia com a nossa lei civil fundamental, a ausência de vontade pode, designadamente, resultar da falta de consciência da declaração.
CX. Por isso, é admissível que se apure se, na transação celebrada nos presentes Autos, estamos perante falta de consciência da declaração que a materializou, nos termos e pelo modo como está doutrinado e condensado no artigo 246.º, do Código Civil.
CXI. A falta de consciência da declaração negocial é aquela que supõe um declarante discernido, capaz de entender o sentido dela, mas que, todavia, não se apercebe (não tem a consciência) de que a está a emitir.
CXII. Conforme se referiu anteriormente, o Recorrente, AA, não teve consciência que estava a fazer uma declaração negocial, o que significa, materialmente, que não estava efetivamente a emitir uma declaração.
CXIII. Sem consciência da declaração não há uma declaração negocial, pelo que, neste contexto, nada mais parece existir que uma simples aparência.
CXIV. No momento da celebração da transação, o Recorrente, AA, não teve a consciência de estar a fazer uma declaração negocial.
CXV. Estando em causa a falta de consciência da declaração, inexiste vontade de declaração, ou seja, o sujeito não se apercebe que o seu comportamento – que é voluntário – tem o valor de declaração negocial.
CXVI. Falta de consciência que resulta, em essência, de ao Recorrente, AA, não ter sido devidamente explicado e devidamente elucidado sobre o que estava a ocorrer na Audiência de Julgamento. Isto é,
CXVII. O Recorrente, AA, na Audiência de Discussão e Julgamento não compreendeu, nem entendeu o ato que praticou, designadamente em que consistia a autoridade de caso julgado material, os seus fundamentos e efeitos no caso em apreço.
CXVIII.O Recorrente, AA, não teve qualquer consciência de estar a fazer uma declaração negocial.
CXIX. Na Audiência de Discussão e Julgamento datada de 20/10/2021 não foram dados a conhecer ao Recorrente, AA, todos os termos e condições do negócio jurídico que estava a ser celebrado, e se algum consentimento houve, este não pode produzir qualquer efeito.
CXX. Porquanto, o Recorrente, AA, não pretendia vincular-se aos termos e condições daquele negócio.
CXXI. Se o Recorrente, AA, tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias representadas, não teria realizado o negócio.
CXXII. Se tivesse sido explicado ao Recorrente, AA, nomeadamente em que consiste a autoridade de caso julgado material e respetivos fundamentos e efeitos, este jamais teria aceite a transação.
CXXIII.Nos presentes Autos, não restam dúvidas de que no momento da prática do ato, o Recorrente, AA, não entendeu o ato que praticou, assim como não celebrou a transação no livre exercício da sua vontade.
CXXIV.A falta de consciência da declaração negocial traduz-se num vício em que o declarante não tem a intenção de emitir a declaração que ao seu comportamento é atribuída. Isto é,
CXXV. O declarante não quer essa declaração, por não ter qualquer vontade que o seu comportamento produza o resultado a que objetivamente conduz.
CXXVI.Assim, não há, por dela não haver consciência, uma vontade de declaração.
CXXVII.Se o Recorrente, AA soubesse em que consistia a figura da autoridade do caso julgado material, os seus fundamentos e os seus efeitos, não pretendia manifestar qualquer declaração de vontade com vista à celebração da transação nos termos que constam da respetiva ata, nem pôr termo ao litígio por essa via.
CXXVIII.Não se pode ignorar que se o Recorrente, AA, compreendesse e entendesse em que consistia a figura da autoridade de caso julgado material, os seus fundamentos e os seus efeitos, efetivamente não teria aceite a celebração de qualquer acordo.
CXXIX.A transação celebrada não corresponde à vontade do Recorrente, AA.
CXXX. A transação celebrada é contrária à vontade do Recorrente, AA.
CXXXI.Uma vez realizada a transação, seja judicial, seja extrajudicialmente, esta pode ser declarada nula ou anulada sempre que se verifique alguma situação que acarrete essa consequência, nos termos do artigo 291.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
CXXXII.A falta de consciência da declaração trata-se de um dos casos mais graves de divergência (não intencional) entre a vontade e a declaração, em que, podendo existir vontade de ação, "faltaavontadedeaçãocomodeclaração,aconsciênciadeseassumirumcomportamentodeclarativoouaaparênciadeumadeclaração”.
CXXXIII.A consequência, nos termos previstos na lei, é a não produção de qualquer efeito da declaração, o que, para uns, significa a inexistência jurídica e, para outros, e no mínimo, acarreta a nulidade do ato.
CXXXIV.Assim, e em última instância a falta de consciência da declaração acarreta a nulidade do ato.
CXXXV. Logo, a transação celebrada nos Doutos Autos é nula.
CXXXVI. A presente transação é nula por falta de consciência da declaração por parte do Recorrente conforme dispõem os artigos 246.º, 286.º, e 289.º, do Código Civil.
CXXXVII.Caso se entenda que a transação celebrada nos presentes Autos não padece de nulidade, hipótese que só se coloca por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio, a transação datada de 20/10/2021 sempre enfermará de anulabilidade.
CXXXVIII.Nos termos das disposições conjugadas dos arts 291º, nºs 1 e 2 e 696º, al. d), do CPC, a decisão transitada em julgado pode ser revista com fundamento na nulidade ou anulabilidade da transação em que se fundou.
CXXXIX.De acordo com os arts 251º e 247º, do CC é anulável a declaração negocial que enferme de erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando referido ao objeto do negócio ou às qualidades desse objeto.
CXL. No erro vício, o declarante declara o que quer, mas não teria aceite o que quis e declarou se não fosse o erro que sofreu, no caso concreto desconhecer o significado, fundamento e efeitos da figura de autoridade de caso julgado material e consequentemente que estava a celebrar um acordo de pagamento em prestações com a Recorrida no montante de € 3.000,00 (três mil euros).
CXLI. Os pressupostos legais do erro na declaração estão preenchidos no caso subjudice.
CXLII. Deste modo, a vontade declarada do Recorrente e deste foi viciada por erro sobre as qualidades do objeto da transação (foi divergente da vontade que teriam tido sem aquele erro).
CXLIII.Para o Recorrente, AA, era essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, designadamente o que é a figura da autoridade de caso julgado material, seus fundamentos e os seus efeitos.
CXLIV. O Recorrente, AA, não teria celebrado a transação se se tivesse apercebido do erro.
CXLV. A Recorrida conhecia a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro.
CXLVI. Por isso, nos termos dos arts. 251º e 247º, do CC, a transação é anulável por erro relevante, essencial e conhecido ou cognoscível.
CXLVII. No caso em apreço o Recorrente, AA, alega que a sua vontade em celebrar a transação, nos termos em que o fez, foi determinada por desconhecer o que era e em que consistia a figura de autoridade de caso julgado material, os seus fundamentos e os seus efeitos, bem como não ter sido esclarecido na Audiência de Discussão e Julgamento.
CXLVIII. Neste caso verifica-se um erro na formação da própria vontade – o erro-vício, que incide só sobre a própria vontade (elemento interno) e não gera qualquer divergência entre esta e a declaração, que se apresenta em perfeita conformidade ou consonância com aquela.
CXLIX. Em ultimaratio, a vontade do Recorrente, AA, foi viciada por erro – inexata representação da realidade que esse erro foi essencial e determinante da vontade de transigir, uma vez que e conforme consta dos Autos a comunicação da pretensão do Tribunal aquo e “porefeitodaautoridadedocasojulgadomaterial,(…)considerarsemmaiscomoassentesosfundamentosdefactoemqueassentouadecisãoproferidanoprocesson.º2706/20.9T8BRG,J1,doTribunal do Trabalho ...,játransitadaemjulgado,umavezquetalprocessodecorreuentreaspartesaquiemconfrontoeoacidenteemcausanosautosfoidebatidonaquelesautosefundamentodadecisãoquealiveioaserproferida.”.
CL. Verifica-se, assim, erro relevante, essencial e conhecido ou cognoscível na declaração.
CLI. Logo, a transação celebrada e datada de 20/10/2021 será sempre anulável.
CLII. Na referida sentença datada de 21/04/2023 foi, ainda, notificado o Recorrente que era intenção do Douto Tribunal condená-lo como litigante de má fé nos termos do art. 542º, n.º 2, al. b), do CPC, por alegação de factos falsos, designadamente “nãoforamdadosaconheceraorecorrente(…)ostermosecondiçõesdonegóciojurídicoqueestavaasercelebrado”.
CLIII. Sucede, porém, que a condenação do Recorrente como litigante de má fé jamais poderá proceder.
CLIV. Pois, os pressupostos legais da litigância de má fé não estão preenchidos no caso subjudice.
CLV. Conforme referido anteriormente, por despacho datado de 15/05/2023, o Tribunal Recorrido condenou o Recorrente com litigante de má fé em multa de 5UC’s.
CLVI. Entendeu o Tribunal aquo que o Recorrente alegou factos falsos, atuou com dolo, pois sabia ser falsa a alegação de desconhecimento dos termos e condições e do negócio celebrado.
CLVII. No referido Recurso de Revisão, o Recorrente alegou que o despacho que antecedeu a celebração da transação e referente à autoridade de caso julgado material proferido pelo Tribunal Recorrido foi determinante para a celebração da transação, conforme Facto Provado (ponto D. dos Factos Provados).
CLVIII.De igual forma o Recorrente alegou que à data de 20/10/2021 desconhecia em que consistia a figura de autoridade de caso julgado material.
CLIX. Assim como, alegou que não foi explicado em Audiência de Julgamento em que consistia a figura da autoridade de caso julgado, nem os motivos subjacentes à sua verificação no caso subjudice, nem os seus efeitos.
CLX. Mais alegou que caso lhe tivesse sido explicado em que consistia a figura da autoridade de caso julgado, os motivos subjacentes à sua verificação no casosubjudice, e os seus efeitos jamais teria celebrado a transação.
CLXI. Acresce que, se a autoridade de caso julgado material foi determinante para a celebração da transação, e não foi explicado ao aqui Recorrente pelo Tribunal aquo em que consistia a figura da autoridade de caso julgado, nem os motivos subjacentes à sua verificação no caso subjudice, nem os seus efeitos, não foram dados a conhecer ao Recorrente todos os termos e condições do negócio celebrado.
CLXII. Na verdade, a defesa convicta de uma perspetiva jurídica, ainda que diversa daquela que é acolhida pelo Tribunal Recorrido, não implica, por si só, litigância censurável que justifique a condenação como litigantes de má fé; tal só deverá ocorrer se na postura adotada não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé que devem nortear a conduta das partes.
CLXIII.No caso concreto a atitude do Recorrente não encerra um uso manifestamente reprovável dos meios processuais e um comportamento desvalioso e entorpecedor da realização da justiça, de forma que mereçam ser sancionados como litigantes de má-fé.
CLXIV. Nenhuma prova foi feita que o Recorrente violou qualquer dever processual ou agiu de má fé.
CLXV. O Recorrente não falseou, nem falseia os factos.
CLXVI. O Recorrente não faz um uso manifestamente reprovável dos meios processuais, nem visa um objetivo ilegal.
CLXVII. O Recorrente não alterou conscientemente a verdade dos factos, nem omitiu outros factos relevantes para a boa decisão da causa. Ademais,
CLXVIII. O comportamento do Recorrente nos Doutos Autos não está eivado de dolo ou negligência grave conforme impõe o artigo 542º, do CPC.
CLXIX. Destarte, não se verificaram os pressupostos da litigância da má fé.
CLXX. No artigo 88º do articulado Recurso, o Recorrente não falseia qualquer facto.
CLXXI. O Recorrente refere-se à autoridade do caso julgado material, conforme, aliás, resulta do Recurso de Revisão.
CLXXII. O despacho proferido quanto à verificação da autoridade de caso julgado material foi determinante para a celebração da transação.
CLXXIII. No entanto, o Recorrente, AA, possuía total desconhecimento acerca da figura jurídica da autoridade de caso julgado material, seus fundamentos e seus efeitos.
CLXXIV. Não foi explicado ao Recorrente, AA, nem o que era autoridade caso julgado material, nem os motivos subjacentes à verificação de tal figura na presente demanda, nem os seus efeitos jurídicos, conforme, aliás, resulta da ata, da diligência e do registo áudio da diligência.
CLXXV. De igual forma o despacho proferido pelo Douto Tribunal que antecedeu a transação também não está fundamentado quanto à verificação da autoridade de caso julgado material.
CLXXVI. Ora, se o despacho referente à verificação de autoridade de caso julgado material foi determinante para a celebração da transação e não foi explicado ao Recorrente, AA, nem o que era autoridade caso julgado material, nem os motivos subjacentes à verificação de tal figura na presente demanda, nem os seus efeitos jurídicos, não foram dados a conhecer ao Recorrente todos os termos e condições do negócio, designadamente a autoridade de caso julgado material.CLXXVII.Destarte, no caso subjudice o Recorrente não alegou factos falsos.
CLXXVIII. Pelo que, os pressupostos da litigância de má fé não estão preenchidos.
CLXXIX. Logo, o Recorrente não poderá ser condenado como litigante de má fé.
CLXXX. Desta feita, deverá ser revogado o despacho que condenou o Recorrente como litigante de má fé em multa de 5 UC’s.
CLXXXI. A sentença proferida pelo Tribunal aquo em 21/04/2023 e o despacho proferido em 15/05/2023 enfermam de inúmeros vícios que os invalidam.
CLXXXII. A decisão e o despacho recorridos enfermam de nulidade e de erro na apreciação e julgamento da matéria de facto e de erro na aplicação e na interpretação do direito.
CLXXXIII.Por isso, é da mais elementar justiça que se revogue a decisão datada de 21/04/2023 e o despacho datado de 15/05/2023 proferidos pelo Tribunal aquo.
CLXXXIV. E, substituídos por outra decisão que julgue o Recurso de Revisão totalmente procedente com todas as legais consequências.
Nestes termos e nos mais de direito que não deixarão de ser supridos por Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao Recurso interposto e, consequentemente, revogar-se a douta sentença datada de 21/04/2023 e o despachado datado de 15/05/2023, substituindo-se por outra que julgue o Recurso de Revisão totalmente procedente, fazendo Vossas Excelências a habitual e costumada JUSTIÇA!
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O Recorrido apresentou as suas contra-alegações pedindo que se julgue improcedente o Recurso de Apelação apresentado pelo Recorrente, por forma a confirmar-se a sentença proferida
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Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III- O Direito
Como resulta do disposto nos arts.608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir se é de decretar a revista e absolver o recorrente da condenação como litigante de má fé.
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Fundamentação de facto
Factos provados
A. Na audiência de julgamento realizada nos autos principais em 20/10/2021, foi proferido o seguinte despacho: “Comunica-seàspartesque,porefeitodaautoridadedocasojulgadomaterial,épretensãodotribunalconsiderarsemmaiscomoassentesosfundamentosdefactoemqueassentouadecisãoproferidanoprocesson.º2706/20.9T8BRG,J1,doTribunal do Trabalho ...,játransitadaemjulgado,umavezquetalprocessodecorreuentreaspartesaquiemconfrontoeoacidenteemcausanosautosfoidebatidonaquelesautosefundamentodadecisãoquealiveioaserproferida”.
B. Mais consta da ata da referida diligência os seguintes dizeres: “Apósanotificaçãododespachoqueantecedeaospresentes,aMm.aJuizconcedeupalavraaosI.Mandatáriosdaspartesque,nousodamesma,disseramqueconcordamcomojuízoexposto.
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ConcedidanovamenteapalavrapelaMm.ªJuizaosI.Mandatáriosdasparteseao réu,nousodamesmadisserampretenderpôrtermoaolitígiomedianteaseguintetransação: 1ºAautorareduzopedidoàquantiade3000,00€(trêsmileuros),queoréuaceitaeseconfessadevedor. 2ºOréucompromete-seapagarareferidaquantiaemdozeprestações,iguais,mensais esucessivas,novalorde€250,00/cada,vencendo-seaprimeiraem01-11-2021easrestantesnodia01dosmesessubsequentes. 3ºOpagamentodasprestaçõesreferidasnacláusulaanteriorseráefetuadoatravésde transferênciabancáriaparaacontacujoIBANaautorasecomprometeaindicarnospresentesautosnoprazodedoisdias 4ºCasooréunãopaguealgumadasprestaçõesacimadescritas,adívidavencerá imediatamentenatotalidade. 5ºAscustasemdívidaajuízoserãosuportadasporautoraeré,empartesiguais, prescindindoreciprocamentedascustasdeparte”.
C. Na audiência de julgamento havida em 20/10/2021, foi proferida a seguinte sentença na sequência do referido em A. e B: “NapresenteAçãodeProcessoComumemqueéautoraS...,Unipessoal,Ld.ªNIF ...,eréuAA,NIF ...,julgoválida,querpeloobjeto,querpelaqualidadedosintervenientes,atransaçãoexaradae,consequentemente,homologo-aporsentença,condenandoaspartesacumpri-lanosseusprecisostermos(art.s283º,nº2,284º,289º,nº1e290º,nºs1e3,todosdoC.P.C.). Custasnostermosacordados(cfr.art.537.º,n.º2,doC.P.C.).Ovalordaaçãojáfoifixadonodespachosaneador. Registeenotifique,sendoaautoranostermosdoart.291º,nº3,doC.P.C.”.
D. O despacho referido em A. foi determinante para a celebração da transação referida em B.
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Factosnãoprovados
1. O recorrente desconhecia, à data de 20/10/2021, o que era e em que consistia a figura da autoridade de caso julgado material, bem como os seus efeitos.
2. E não compreendeu, não entendeu e não teve consciência que havia celebrado um acordo de pagamento em prestações.
3. Nunca foi vontade do recorrente celebrar a transação referida em B. e não pretendia vincular-se aos termos e condições daquele negócio, que foi contrário à sua vontade.
4. Só após a audiência de julgamento, o recorrente tomou conhecimento que tinha feito uma declaração negocial.
5. Não foram dados a conhecer ao recorrente os termos e condições do negócio jurídico que estava a ser celebrado.
6. Não foi comunicado ao recorrente qualquer IBAN para a realização do pagamento das prestações acordadas.
7. Não foi explicado ao recorrente nem o que era a autoridade de caso julgado material, nem os motivos subjacentes à verificação de tal figura na presente demanda, nem os seus efeitos jurídicos.
8. Se tivesse sido explicado ao recorrente em que consiste a autoridade de caso julgado material e respetivos efeitos, este jamais teria aceitado a transação.
9. A vontade do recorrente em celebrar a transação, nos termos em que o fez, foi determinada por desconhecer o que era e em que consistia a figura de autoridade de caso julgado material e os seus efeitos, bem como não ter sido esclarecido na audiência de discussão e julgamento.
10. Para o recorrente, era essencial que lhe fosse dado a conhecer a figura da autoridade de caso julgado material e os seus efeitos.
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Fundamentação de direito
Importa começar por decidir as nulidades arguidas pelo recorrente que no seu entender integram a previsão do artigo 615.º, n.º 1, al. b) e d), do Código de Processo Civil, alegando, para o efeito e respectivamente, que a decisão do tribunal a quo não especifica os fundamentos de facto e de direito, e é omissa sobre as questões que deveria ter apreciado e decidido, designadamente, sobre a nulidade do despacho que antecedeu a celebração da transacção e sobre a sua nulidade ou anulabilidade por existência de vício de vontade.
Ora, consagra-se no artº 205.º, nº 1, da C. R. P., que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
A fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral (vidé, o prof. Eduardo Correia in “Bol. Fac. Direito da Univ. Coimbra, Vol. XXVII, pág. 184”).
Por outro lado, a fundamentação permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer pelos tribunais de recurso, fazer, como escreve Marques Ferreira, «intraprocessualmente o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (“Meios de Prova” in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1992, pág. 230).
Todavia, mais importante ainda é a circunstância de a obrigação de fundamentar as decisões judiciais constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder juridiscional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juíz e da imparcialidade das suas decisões (vidé, Michele Taruffo, in “Note Sulla garanzia costituzionale della motivazione” in Bol. Fac. Direito da Univ. de Coimbra, Vol. LV, págs. 31/32).
É, pois, assim, indiscutível, como escreve (o prof. Pessoa Vaz, in “Direito Processual Civil – Do Antigo ao Novo Código, Coimbra, 1998, pág. 211”) que «o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito contra o arbítrio do poder judiciário».
E foi assim, em obediência a tal exigência constitucional e para responder a tais objectivos, que o legislador ordinário no artº 615.º, nº 1, al. b), do CPC, cominou de nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
As decisões judiciais, como actos jurisdicionais que são, podem padecer de vícios decorrentes da violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º, do CPC.
Tais nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.
Assim, as nulidades da sentença são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Relativamente ao vício consagrado na al. b), do n.º 1, do art. 615.º, como refere Teixeira de Sousa “apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão” [In “Estudos sobre o Processo Civil”, pg. 221], tal como Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” [In CPC, pg. 297].
Já quanto ao vício consagrado no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC, tal ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A previsão deste art. 615.º, n.º 1, al. d) está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
No presente caso, o tribunal a quo considerou que, perante as alegações de recurso e teor do despacho de 3/1/2023, que admitiu o recurso, os seus fundamentos se circunscreveriam à verificação da nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou (cfr. art. 696.º, alin. d), do CPC), não podendo assim o tribunal apreciar, por ser meio impróprio para tal, quer a arguida nulidade derivada da falta de fundamentação do despacho que antecedeu a celebração da transação, quer a bondade daquele despacho, no que tange à anunciada verificação da autoridade de caso julgado.
Como tal, considerou que a revisão se cingia a verificar se ocorria alguma causa de nulidade ou anulabilidade da transacção celebrada entre as partes em que se fundou a sentença.
E, nessa sequência, concluiu-se, face à fundamentação de facto, que não se logrou provar quaisquer factos susceptíveis de demonstrar qualquer vício ou falta de vontade do recorrente aquando da celebração da transação, pelo que, sem necessidade de mais considerações, se julgou improcedente o recurso.
Daqui decorre à evidência que o tribunal a quo apreciou oficiosamente e fundamentadamente a questão, ainda que de forma sucinta, por considerar despiciendas outras considerações sobre o caso, tendo-se também pronunciado de forma fundamentada sobre a condenação do recorrente como litigante de má fé, pelo que se tem de concluir não se verificar qualquer nulidade.
Pugna, ainda, o recorrente pela alteração da matéria factual, por forma a serem dados como provados os factos considerados não provados, apontando nesse sentido não ter sido dado a conhecer todos os termos e condições da transacção celebrada, tal como decorre dos termos da acta e do registo áudio da diligência, ao não ter sido explicado ao recorrente em que consistia a figura da autoridade de caso julgado material, os seus fundamentos e efeitos, nem mesmo tendo sido comunicado qualquer IBAN para a realização do pagamento das prestações acordadas.
Ora, como decorre da acta da audiência de julgamento do dia 20 de Outubro de 2021, em que se encontravam presentes o Dr. CC, em representação da A., e a Dr.ª DD, em representação do R., bem como este e todas as testemunhas arroladas pelas partes, após tentativa de conciliação, foi proferido despacho a comunicar-lhes que, ’por efeito da autoridade do caso julgado material, é pretensão do tribunal considerar sem mais como assentes os fundamentos de facto em que assentou a decisão proferida no processo n.º 2706/20.9T8BRG, J1, do Tribunal do Trabalho ..., já transitada em julgado, uma vez que tal processo decorreu entre as partes aqui em confronto e o acidente em causa
nos autos foi debatido naqueles autos e fundamento da decisão que ali veio a ser proferida’.
Após essa notificação, tendo os representantes das partes dito concordarem ‘com o juízo exposto’, foi subsequentemente por eles dito que pretendiam pôr termo ao litígio mediante os termos da transacção transcrita, a que se seguiu a sentença de homologação.
Ora, o artigo 1248.º do Código Civil define a transacção como o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, acrescentando que as concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.
A transacção judicial, prevista nos artigos 277.º e seguintes do Código de Processo Civil, constitui uma espécie de contrato, traduzindo-se num negócio bilateral de auto-composição do litígio que subtrai ao tribunal o poder de decidir a causa mediante a aplicação do direito substantivo aos factos provados.
No dizer que Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., pág. 856, o fim do contrato é prevenir ou terminar um litígio.
A transacção é, assim, a formulação contratual de uma solução de compromisso para um determinado diferendo – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.04.2001, Sousa Inês, in www.dgsi.pt,
O objectivo é o de colocar fim ao diferendo por acordo das partes, obstando e impedindo que caiba ao tribunal apurar os factos do litígio e fazer-lhes a aplicação da legalidade estrita, sendo certo que a sua homologação judicial, por sentença, depende apenas da auscultação da possibilidade legal e licitude do seu objecto e da legitimidade das pessoas que nela intervieram, não cabendo ao tribunal qualquer poder de verificação da razoabilidade ou adequação das cláusulas respectivas e/ou do seu fundamento jurídico.
Sucede, assim, que uma vez celebrada de forma válida, a transacção opera como que uma substituição da obrigação primitiva por outra – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.2000, Garcia Marques, in www.dgsi.pt.
Acontece que o recorrente vem invocar que, caso lhe fosse dado a conhecer em que consistia o caso julgado material e os seus efeitos não teria celebrado a transacção, que não compreendeu, nem entendeu, fazendo-o sem vontade e sem consciência de se vincular nos termos em que o fez.
Ora, o caso julgado pode ser formal ou material. Verifica-se o caso julgado formal quando a sentença (acórdão) ou o despacho, incidir, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo - art. 620.º do CPC - e, verifica-se o caso julgado material quando a decisão respeita ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida, passando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, conforme preceitua o n.º 1 do art. 619.º do CPC.
A excepção de caso julgado tem por objectivo impedir, em nome da segurança e confiança, ou seja, em nome da paz jurídica e ainda por imperativos de economia processual, que uma causa se repita quando já existe uma sentença tornada firme sobre uma primeira causa, por já não ser admissível a interposição de recurso ordinário.
E no sentido do que vimos sustentando, também o Ac. do STJ de 28-02-12, no Proc. nº 42/08.8TBMTL.E2.S1 que refere que “a admissibilidade do recurso fundada na violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado, violando-o, ela mesma diretamente, bem como a posição assumida no mesmo acórdão de sindicar a decisão de mérito impugnada na perspectiva do respeito pela autoridade do caso julgado, em conformidade com as normas contidas nos aludidos arts. 673.º (o caso julgado constitui-se “nos precisos limites e termos em que se julga”) e 675.º, fazendo respeitar “a vinculatividade à decisão judicial que primeiramente tivesse apreciado a matéria subjacente ao litígio e que tivesse transitado em julgado” - (ac. de 09-08-2011, proc. 407/04.TBCDR.P2.S1)”.
Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado” – Proc. nº 241/07.0TTLSB.L1.S1, Ac. do STJ de 20 de Junho de 2012.
Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior no quadro da relação material controvertida invocada.
Ora, os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram, tal como se entendeu no Ac. deste STJ de 08-11-2018, no Proc. nº 478/08.4TBASL.E1.S1.
Por sua vez, o Ac. deste STJ de 05-05-2005, no Proc. nº 05B691 decidiu que não se pode confundir o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.
Aí se concluiu que transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui – neste mesmo sentido veja-se o recente Acórdão do STJ proferido no proc. 979/21.9T8VFR.P1.S1, de 12-04-2023.
Isto em termos teóricos.
Em termos práticos, in casu, o que aconteceu foi que o tribunal, nos autos principais, entendeu e, assim, comunicou aos presentes, que iria dar como assentes os fundamentos de facto em que assentou a decisão proferida no processo n.º 2706/20.9T8BRG, J1, do Tribunal do Trabalho ..., já transitada em julgado, por ter decorrido entre as mesmas partes, se reportar ao mesmo acidente, com base no qual se fundamentou a decisão proferida, por efeito da autoridade do caso julgado material.
Ora, encontrando-se as partes representadas, o conhecimento dos efeitos da invocada autoridade do caso julgado material e a prévia avaliação quanto a verificarem-se, ou não, os seus pressupostos incumbia aos advogados e não às partes, que não têm, por norma, conhecimentos jurídicos e, por isso, é que se fazem representar em juízo por um profissional do foro.
Como tal, no caso de existir alguma dúvida e necessidade de esclarecimento quanto ao sentido de um determinado despacho e/ou decisão, incumbe ao advogado, que se encontra a representar a respectiva parte, esclarecer e elucidar o seu representado, enquanto parte no processo.
Contudo, como facilmente se intui, qualquer leigo facilmente perceberia, que a decisão proferida no outro processo iria ser tida em conta no pendente, de forma favorável ou desfavorável consoante o que tivesse naqueloutro sido decidido, o que parece ter sido esse o caso ao aceitar-se um acordo, em princípio menos prejudicial, considerando a redução do pedido.
Por outro lado, estando o R., aqui recorrente, presente na audiência de julgamento, ao ouvir ler os termos desse acordo ditado para a acta, pôde perceber, face aos seus dizeres simples e facilmente perceptíveis, as obrigações por si assumidas.
Já quanto ao IBAN, como resulta também dos seus termos, o mesmo não foi indicado, antes se tendo estipulado que a A. o indicaria nos autos, no prazo de 2 dias, o que seria levado ao conhecimento da patrona oficiosa do R., a quem incumbia, por sua vez, transmitir esses dados ao seu representado.
Sob esta perspectiva, o patrono oficioso, ao ser nomeado e não existindo motivo de escusa, encontra-se vinculado ao cumprimento da sua prestação no âmbito da Lei n.º 34/2004, de 29.07, e de igual forma vinculado ao cumprimento dos seus deveres deontológicos.
E, de acordo com tais deveres, entre eles impera o de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente (cfr. art. 97.º, n.º 2, do EOA, acrescentando-se no seu art. 100.º, al. b), que, nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Como tal, ao advogado nomeado incumbia esclarecer e ilucidar o seu cliente, defendendo os seus interesses, inclisivé recorrendo da decisão proferida, ou a proferir, desfavorável ou não conforme ao direito julgado aplicável.
Sem prejuízo do exposto, o facto é que como o apontou o tribunal a quo ‘não foi já produzida qualquer prova em demonstração da factualidade constante de 1 a 10, anotando-se, contudo, que o recorrente estava patrocinado por advogado aquando da celebração da transação e que a mesma foi sujeita a registo áudio, sendo que, ouvido o mesmo, resulta clarividente que ao recorrente foram transmitidos os termos da transação (esteve presente e ouviu os termos da transação que foi ditada pausadamente pelo I. Mandatário da autora para acta) e que o mesmo anuiu à sua celebração, tendo curiosamente colaborado activamente na fixação do prazo de pagamento das prestações e tendo sido diretamente questionado a propósito da identificação da conta para pagamento, que declarou não conhecer, e, no final, quando diretamente perguntado pelo tribunal se concordava com o referido acordo, respondeu prontamente “sim, sim”.
Acresce que também o recorrente não indica ou refere, de diferente, o que resulta da gravação dessa diligência que leve a dar como provados os enunciados os factos considerados não provados.
Por outro lado, fazendo aqui um parêntesis, o facto é que nem o próprio recorrente alega e especifica qual o conhecimento que veio a ter sobre a excepção de autoridade de caso julgado que se lhe fosse dado no acto da diligência o levaria a decidir de forma diferente.
Assim, face ao exposto, tudo conjugado, julga-se ser de manter a decisão sobre a matéria de facto.
Invoca, ainda, o recorrente, padecer a decisão alvo do pedido de revisão, de nulidade processual, prevista no n.º 1, do art. 195 º, do Cóc. Proc. Civil, onde se consagra que “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, o que diz ter acontecido.
Contudo, tal nulidade tem de ser arguida, de acordo com a regra geral prevista no art. 199.º, do mesmo diploma, sob pena de se ter por sanada se não for invocada pelo interessado.
Ora, in casu, estando a parte representada por advogado, no momento em que a alegada nulidade foi cometida, podia ter sido arguida até ao término do acto.
Pois, não consubstanciando uma nulidade de conhecimento oficioso (conforme art. 196.º, do CPC), só poderá ser conhecida sob reclamação do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (art. 197.º, n.º 2, do CPC).
À excepção das nulidades a que se referem o artigo 186.º e o n.º 1 do artigo 193.º, bem como as dos artigos 187.º e 194.º, as demais, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar – cfr. art. 199.º, 1.ª parte, do Cód. Proc. Civil.
A este respeito, como ensina Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 176, "As nulidades de processo (...) são quaisquer
desvios do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais ( ... )".
Assim, mesmo que se considerasse ocorrer uma tal nulidade, não poderia ser conhecida nesta sede, já que, como tem sido apontado na doutrina e jurisprudência, na esteira do entendimento condensado na máxima tradicional "dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se". É que, em via de recurso, só podem ser conhecidas nulidades processuais cobertas por despacho que sobre elas se tenha pronunciado, a não ser que sejam do conhecimento oficioso.
Assim, exceptuada essa situação e a prevista no n.º 3, do artigo 199.º, do Cód. Proc. Civil (a de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo referido no n.º 1, caso em que a arguição pode ser feita perante o tribunal superior), as nulidades devem ser arguidas e julgadas no tribunal perante o qual ocorreram.
Como tal, mesmo a existir, a nulidade invocada estaria sanada.
Invoca também o recorrente a sua falta de consciência da declaração aquando da transacção, por não ter o discernimento capaz de entender o sentido do declarado, fundamentando a sua pretensão no art.º 246.º CC.
Dispõe o citado normativo que «a declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial ou for coagido pela força física a emiti-la; mas, se a falta de consciência da declaração foi devida a culpa, fica o declarante obrigado a indemnizar o declaratário.».
Ora, qualquer negócio jurídico só releva por corresponder a uma vontade. Mas esta vontade pode, no seu processo de formação, ser maculada por vícios. Os vícios na formação da vontade negocial compreendem naturalmente, desde logo, a ausência de vontade, que, de harmonia com a nossa lei civil fundamental, pode, designadamente, resultar de falta de consciência da declaração.
Assim, a falta de consciência da declaração que releva é aquela que é percetível no próprio contexto do negócio – cfr. A. Menezes Leitão, Tratado de Direito Civil, II, 795, e Paulo Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico, 248.
Na síntese de Menezes Cordeiro, na obra citada, pg. 805., “na falta de consciência da declaração, o agente mantém o discernimento e a liberdade; simplesmente, julga mover-se fora do palco do juridicamente relevante.
A consciência na declaração é definida por exemplo, como a vontade ou consciência de acção, a vontade de acção como declaração, a consciência de se assumir um comportamento declarativo ou a aparência de uma declaração, a consciência e vontade de que o seu comportamento produza efeitos negociais no campo do direito e a vontade de, com esses gestos e sons, traduziu um certo conteúdo de pensamento, de se emitir uma declaração, seja em que termos for - Cfr., por todos, Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente, Coimbra, 1995, pág. 228.
A falta de consciência da declaração significa a ausência de vontade de vinculação jurídica através do comportamento conscientemente realizado e que, objectivamente, valeria como declaração negocial (cf., entre outros, Carvalho Fernandes, 2010:192, e P. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 225 e ss.).
Nestes termos, a consciência da declaração é, para a maioria da doutrina nacional, entendida como um requisito subjectivo legal da declaração negocial (cf. Ferrer Correia, 2001: 306, Carvalho Fernandes, 2010: 192, C. Mota Pinto, 2012: 490, Pais de Vasconcelos, 2012: 562, e, com críticas à solução legal, P. Mota Pinto, 1995: 233 e ss., maxime 249).
Em sentido contrário, entre nós, Menezes Cordeiro (2005: 788) sustenta uma "interpretação restritiva do artigo 246.º/1, na parte relativa à falta de consciência da declaração"; na sua opinião, é apenas determinante para a existência de uma declaração negocial a possibilidade de imputação ao declarante de um comportamento que, segundo as regras da interpretação, tenha valor negocial. Assim, a declaração será imputada ao declarante com o sentido que lhe seria atribuído por um declaratário normal, ainda que aquele dela não tenha consciência, restando-lhe a possibilidade de impugnação da sua declaração negocial através de erro (na mesma linha, cf. JOSÉ VIEIRA, 2006: 581). A declaração apenas não será imputada nos casos em que, perante um declaratário normal, a falta de consciência seja patente, reservando-se para esses casos a nulidade do acto e, em caso de culpa do declarante, a indemnização.
A lei, sem tomar partido na querela quanto à qualificação do vício que atinge as declarações emitidas sem consciência, comina a sua não produção de efeitos jurídicos (cf. Rui de Alarcão, 1964: 88). A doutrina tem oscilado entre qualificar as declarações como inexistentes (cf. Carvalho Fernandes, 2010:194, Oliveira Ascensão, 2003: 126, e Pais de Vasconcelos, 2012: 562), nulas (cf. Menezes Cordeiro, 2005: 788) ou, numa posição intermédia, inexistentes quando se trate de uma situação de falta de vontade de acção e nulas quando exista falta de vontade de declaração (cf. C. Mota Pinto, 2012: 491).
Isto significa que, mediante uma declaração, teremos de lançar mão das regras da interpretação jurídica para saber se, à luz daquilo que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, ela pode ser imputada ao declarante. Caso não possa, então o negócio deve ser considerado nulo, nos termos do artigo 246.º CC.
Estando em causa a falta de consciência da declaração, inexiste vontade de declaração, ou seja, o sujeito não se apercebe que o seu comportamento – que é voluntário – tem o valor de declaração negocial.
Conforme referido no Ac. do S.T.J. de 11.12.2018, Proc. nº 342/15.0T8PVA.G1-s1 (Pinto de Almeida), C.J., Ano XXVI, Tomo III/2018, p. 142, a falta de consciência da declaração negocial engloba quer a falta de vontade de acção, ou seja, a consciência e vontade de um comportamento declarativo, quer a falta de vontade da declaração, isto é, a vontade de emitir a declaração como declaração negocial - Cfr. no mesmo sentido, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1987, pp. 125-128.
Face à estatuição da lei de que a declaração não produz qualquer efeito, entendem uns que a declaração é nula e, outros, que é mesmo inexistente – no sentido da nulidade, v.g., Mota Pinto, Teoria, cit., págs. 445 e 493, Castro Mendes, Teoria, II, cit., págs. 134 e 293 e Menezes Cordeiro, Tratado, I, cit., pág. 578; sustentando a inexistência, cfr., v.g., Carvalho Fernandes, cit., pág. 480 e Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, vol. II, Acções e Factos jurídicos, 2ª edição, Coimbra, 2003, págs. 121 e 122 e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 656.
Seja qual for o valor negativo que se deva associar à ausência de consciência da declaração, esta verificar-se-á sempre que o autor de um qualquer comportamento não tenha a noção de que está produzir uma declaração negocial, o que parece significar, materialmente, que não está efectivamente a emitir uma tal declaração: sem consciência da declaração não há uma declaração negocial e, neste contexto, nada mais parece existir que uma simples aparência.
Como quer que seja, tem-se entendido que a etiologia da falta de consciência da declaração pode ser múltipla e o momento relevante para a aferição da ausência dessa consciência é, naturalmente, o momento da emissão da declaração. Da mesma maneira, a ausência da consciência da declaração parece constituir uma questão de direito, pois traduz-se na subsunção de um conjunto de factos materiais a um conceito jurídico, embora assente num juízo de facto: se ao emitir a declaração, o declarante não sabia o que estava a fazer.
Portanto, ao autor cabe a prova dos factos constitutivos do seu direito – dos momentos constitutivos do facto jurídico, simples ou complexo, que represente o título ou causa desse direito. Assim – como é o caso – numa acção fundada na falta de consciência da declaração negocial, é aos autores que compete fazer a prova dessa falta de consciência (art.º 342 n.º 1 do Código Civil).
Ora, o que acontece in casu é que o recorrente não logrou demonstrar qualquer factualidade susceptível de integrar os pressupostos que integram o normativo do art. 246.º, do Cód. Civil, concretamente a falta de consciência da declaração.
Concretamente, a propósito da alínea d), do art. 696.º, do Cód. Proc. Civil, em que se prevê que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se verifique a nulidade ou a anulabilidade da confissão, desistência ou transacção em que a decisão se funde, refere Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 580-581, que esse fundamento deve ligar-se directamente ao disposto no art.º 291.º que abre ao interessado duas possibilidades de uso alternativo: instauração de acção para declaração da invalidade ou interposição de recurso de revisão, no qual sejam invocados os factos reveladores da nulidade ou da anulabilidade.”
Considerando, no entanto, que o recorrente não logrou alegar e demonstrar factos susceptíveis de integrar a nulidade ou anulabilidade da transacção que celebrou, tem de se julgar o recurso improcedente
Relativamente à condenação do recorrente como litigante de má fé é sabido que as partes têm o dever de agir com observância da boa-fé e que a violação dolosa ou com negligência grave dessas regras é sancionada pelo nosso Código de Processo Civil nos termos dos artigos 8º, 542º e 545º.
Em relação ao disposto no nº 2 do artigo 542º do CPC, dizem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457, que “constituem actuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da excepção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objectivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da acção da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”
No entanto, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 01/11/2018, no processo 2528/15.9T8PRD.P1, a “condenação como litigante de má-fé exigem que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).”
Este instituto destina-se a assegurar a ética e eficácia processual para defender a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões, o prestígio do sistema de justiça e a segurança e justiça material que lhe estão associadas a par dos interesses particulares das partes envolvidas.
No âmbito deste instituto não é de tolerar que a parte recorra ao processo, sabendo não ter razão ou quando apenas não tem essa consciência, porque se furtou a evidentes deveres de cuidado e zelo exigidos pelo respeito pela Justiça, pelos Tribunais e pela parte contrária, assim como é inadmissível que faça do mesmo uso que de forma grave ponha em causa as suas finalidades.
Na avaliação e graduação da culpa atender-se-á à diligência do bom pai de família, em função das circunstâncias do caso, mas tendo em conta a concreta pessoa do litigante, as suas capacidades concretas para perceber ou agir diferentemente.
Como bem refere Alberto dos Reis no Código de Processo Civil Anotado, (vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262), quanto à classificação efectuada sobre os vários tipos de conduta processual das partes na lide, que se mantém actual, se a parte esgotou todos os meios para se assegurar de que tem razão litigou de forma cautelosa, se, ao invés, nessa averiguação foi negligente, mas sem violar senão de forma leve os deveres de cuidado que lhe impunham, litigou de forma imprudente. Se, embora ainda convencida que tinha razão, só assim podia entender se com culpa grave ou erro grosseiro não tomou os cuidados devidos, sem averiguar do fundamento (de facto ou de direito) desse convencimento, incorreu na chamada “lide temerária”.
Já em relação à lide dolosa, ocorre quando a parte litiga sabendo não ter razão.
Hoje, ao invés do vigente no tempo deste Autor (e até à reforma de 95), litiga de má-fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão e faltou de forma grave a tais deveres.
A condenação como litigante de má fé pode ser, assim, imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição "cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização.”, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/20/2014, no processo nº 1063/11.9TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt.
No entanto, é claro que conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística.
Entendeu o tribunal a quo que ‘o recorrente, com vista a tentar obter ganho do recurso extraordinário que interpôs, alterou conscientemente a verdade dos factos, tendo temerariamente invocado como fundamento do recurso que não lhe foram dados a conhecer os termos e condições do negócio jurídico celebrado no decurso da audiência de julgamento havida em 20/10/2021, quando, como resulta de prova objetiva existente nos aludidos autos (registo áudio da audiência), a transação foi ditada para ata na sua presença, tendo o mesmo ouvido os termos da transação, participando ativamente na definição do dia de pagamento ali fixado e anuído aos seus termos pois que, quando diretamente perguntado pelo tribunal se concordava com a mesma, respondeu “sim sim”.
Ora, inexistem dúvidas, em face do que até aqui se expôs, que o autor alegou factos que sabia serem falsos, por falsa a alegação de desconhecimento que fez constar dos fundamentos do recurso, perante a existência da prova objectiva que constitui a gravação da transação constante dos autos principais tida em conta pelo tribunal a quo, para se concluir pela existência de dolo na alegação desses factos, o que nos leva a julgar verificados os pressupostos a que alude o art. 542.º, n.º 2, alin. b), do CPC.’.
Ora, como se constata dos autos, o recorrente não logrou demonstrar a versão dos factos por si alegados em toda a sua extensão, resultando apenas que, em consequência do declarado pelo tribunal a quo quanto à sua pretensão de dar como assentes os fundamentos de facto em que assentou a decisão proferida no proc. n.º 2706/20.9T8BRG, e após concordância dos mandatários das partes, dada a palavra inclusive ao R., aqui recorrente, o mesmo disse pretender pôr termo ao litígio nos termos ditados para a acta, sendo para tal determinante o declarado previamente pelo tribunal a quo.
O facto é que, no âmbito do presente recurso, o recorrente nem sequer veio especificar qual o conhecimento que não tinha à data, e que agora tem, sobre a figura da autoridade de caso julgado, que consubstancie a arguida falta de consciência da declaração por si emitida, ou seja, qual o conhecimento que lhe foi dado posteriormente que se lhe tivesse sido transmitido àquela outra data da transacção importariam uma outra declaração negocial.
Por outro lado, o meio que prova que veio aduzir reporta-se à gravação dos actos praticados nessa diligência que, em conformidade com o enunciado pelo tribunal a quo, revela que, na sua presença, foram ditados os termos do acordo, tendo inclusive o aqui recorrente participado activamente na definição do dia de pagamento ali fixado e anuído expressamente ao clausulado.
Perante o exposto, considera-se ocorrer um desrespeito do interesse público de pelo processo, pelo tribunal e pela justiça.
Assim, perante a demonstrada conduta, dado que não podia desconhecer um facto ocorrido na sua presença, ao qual anuiu, seja de manter também o decidido quanto à condenação do recorrente como litigante de má fé.
*
III- Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, confirmando-se, consequentemente, a decisão proferida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe possa ter sido concedido.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 21.9.2023
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser nas transcrições que a ele atenderam, e é por todos assinado electronicamente)