ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO
RISCO COBERTO
SÁBADO
Sumário


- O risco coberto para efeitos do contrato de seguro de acidentes de trabalho, é o que resulta dos termos do documento que o formaliza, a apólice, nela devendo referenciar-se as exclusões, designadamente por referência a condições especiais ou particulares.
- Constando das respostas ao questionário da proposta de seguro a não prestação de trabalho ao sábado, o que se demonstrou ser verdadeiro, nem por isso deixa de estar transferida a responsabilidade por ocorrência verificada num sábado, quando enquadrável nas previsões das als. b) e h) do nº 1 do artigo 9º da LAT, transpostas para o artigo 2º da apólice uniforme, designadamente em trabalho excecionalmente solicitado pela empregadora.
- São necessariamente abrangidos pela apólice, conforme nº ... da portaria 256/2011, as situações de sinistros ocorridos fora do tempo de trabalho enquadráveis nas als. b) e h) do nº 1 do artigo 9º da LAT.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de ....

Nestes autos emergentes de acidente de trabalho, com processo especial, em que figuram como sinistrado AA, e como entidades responsáveis “A..., SA.” e “T..., Lda.”, idfs nos autos, a tentativa de conciliação frustrou-se, porque a seguradora não aceitou qualquer responsabilidade na reparação do sinistrado, alegando a falta de cobertura do contrato de seguro e a entidade patronal não aceitou qualquer responsabilidade na reparação do sinistrado, alegando tê-la transferido para a seguradora.

A fase contenciosa iniciou-se com a propositura da ação pelo sinistrado contra aquelas entidades responsáveis, pedindo a condenação destas, a medida da respetiva responsabilidade, a:

A. A realizar a intervenção cirúrgica destinada à necessária colocação de nova prótese testicular direita e tratamento que se revele eficaz e adequado à lesão do tendão do calcanhar e tornozelo direitos;
B. Prestar-lhe toda a assistência e tratamento médico que a sua reabilitação funcional exija, nomeadamente acompanhamento em consulta de combate à dor e prescrição e realização de tratamento fisiátrico;
C. (…) pagar-lhe a Indemnização pelo período de ITA, no valor de €11.188,48, vencida até à data da alta em 16 fevereiro de 2019, acrescida de juros legais a contar do seu vencimento e até integral e efetivo pagamento;
D. (…) a pensão anual e vitalícia, eventualmente remível, que lhe for devida de acordo com a retribuição declarada e o grau de incapacidade parcial permanente para o trabalho que lhe vier a ser fixado em junta médica, acrescida de juros legais a contar da data do seu vencimento;
E. (…) despesas médico-medicamentosas no valor de €199,00, acrescidas de juros legais a contar da citação;
F. (…) despesas com transportes no valor de €264,00, acrescida de juros legais a contar da citação, e
G. No que vier a liquidar-se em execução de sentença, relativamente a despesas que venha a efetuar, com honorários médicos, medicamentos, meios de diagnóstico, despesas hospitalares e taxas moderadoras e quaisquer outras relacionadas com o acidente em causa.

Em síntese, o autor alega ter sofrido um acidente de trabalho, em resultado do qual esteve com ITA para o trabalho e, após a alta, ficou afetado de uma IPP, para além de ter suportado despesas em consultas médicas, tratamentos e transporte. No mais, alega que a sua entidade patronal havia celebrado com a seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho.
A ré seguradora contestou, pedindo a sua absolvição e alegando, que o acidente o trabalho aconteceu a um sábado e que não se encontra garantido pela apólice (não era enquadrável nas garantias da apólice de acidentes de trabalho existente).
A ré entidade patronal, citada, contestou pedindo a sua absolvição e reiterando a posição assumida na fase conciliatória.

*
Realizado o julgamento e respondida a matéria de facto foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Assim, e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:

I - Absolvo a ré seguradora, “A..., SA.” da totalidade do pedido formulado pelo autor, AA;
II - Condeno a ré empregadora, “T..., Lda.”, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), a pagar ao autor, AA:
- capital de remição correspondente à pensão anual, devida desde 13.12.2018, no valor
de €3.041,56;
- a indemnização no valor de € 7.933,60 pelo período de ITA;
- a quantia de €36,00 a título de despesas de transporte;
- e os juros de mora, à taxa legal, sobre todas essas quantias pecuniárias a contar da data do respetivo vencimento, à taxa legal e até efetivo pagamento.
III - do mais peticionado pelo autor se absolve a ré empregadora “T..., Lda.”.
(…)
*
Inconformada a ré empregadora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1) A Ré não pode conformar-se com a douta sentença recorrida, pois entende que, tendo em atenção a prova produzida e o direito aplicável, a sua responsabilidade decorrente do acidente de trabalho objeto dos presentes autos estava transferida para a Ré A....
2) Na sua contestação, a Ré alegou:
“23º
Isto, quando a Ré A... tem conhecimento porque também consta da proposta de seguro- que, a Ré T..., participa, ano após ano, em várias feiras têxteis internacionais, como por exemplo a ... na ..., as feiras da Indústria Têxtil em ... ou ...,
24º
Participações, essas, que obrigam, muitas vezes, os colaboradores da Ré a trabalhar, aos sábados, aos domingos ou nos feriados.”
3) Essa matéria assume relevância para a apreciação das declarações negociais das Rés que sustentaram a celebração do contrato de seguro invocado nos presentes autos e foi alegada pelas partes, pelo que entende a apelante que o tribunal a quo devia tê-la levado em consideração para a decisão da causa, nos termos do disposto no art. 5.º do CPC.
4) Incidiram sobre a referida factualidade os seguintes meios de prova:
depoimento de parte do legal representante da Ré T..., BB, e o depoimento da testemunha CC, mediadora de seguros que interveio nessa qualidade no contrato de seguro invocado nos autos.
5) Resulta dos referidos depoimentos que a ora apelante não só nunca escondeu da Ré A..., como comunicou à mediadora de seguros que interveio na celebração do contrato de seguro, que os seus trabalhadores, ocasionalmente, trabalhavam aos sábados, domingos e dias feriados, de acordo com as necessidades da empresa, nomeadamente, para se deslocarem a feiras internacionais.
6) Assim, deve alterar-se a decisão relativa aos Factos Provados, acrescentando-se a seguinte factualidade:
FF. A Ré A... tem conhecimento porque também consta da proposta de seguro- que, a Ré T..., participa, ano após ano, em várias feiras têxteis internacionais, como por exemplo a ... na ..., as feiras da Indústria Têxtil em ... ou ....
GG. Participações, essas, que obrigam, muitas vezes, os colaboradores da Ré a trabalhar, aos sábados, aos domingos ou nos feriados.
Considerando a procedência do pedido de alteração da decisão relativa à matéria de facto:
7) Atendendo à factualidade provada, é insustentável que se possa considerar que a Ré A... apenas aceitou celebrar o contrato de seguro invocado nos autos no pressuposto de que os trabalhadores da apelante não trabalhavam aos sábados.
8) O contrato de seguro foi celebrado tendo necessariamente como pressuposto que o Autor podia trabalhar aos sábados, sendo do conhecimento de ambas as partes contratantes essa possibilidade.
9) A vontade real das partes, tal como previsto no art. 238.º, nº 2, do C. Civil, foi conformada precisamente pela possibilidade de os trabalhadores da Ré apelante trabalharem aos sábados.
10) O facto de o acidente de trabalho objeto dos presentes autos ter ocorrido num sábado nunca poderá servir como motivo para afastar a responsabilidade da Ré A....
11) Estando transferida para a Ré A..., no dia do acidente de trabalho em causa, a responsabilidade da apelante pelos acidentes de trabalho sofridos pelo Autor, nos termos do disposto no art. 79.º, nº 1, da Lei nº 98/2009, tendo por base a proposta de seguro mencionada no ponto B dos Factos Provadas, subscrita nas circunstâncias referidas nos pontos FF e GG dos Factos Provados, dúvidas não existem de que impende exclusivamente sobre a Ré A... a obrigação de reparar os danos sofridos pelo Autor.
12) Deste modo, deve ser proferido acórdão que revogue a douta sentença recorrida, e julgue a ação totalmente improcedente relativamente à ora apelante, absolvendo-a do pedido.
Considerando-se a manutenção da decisão relativa à matéria de facto
13) Analisada a douta sentença recorrida, constata-se que a decisão de afastar a responsabilidade da Ré A... fundamenta-se na circunstância de o acidente objeto dos presentes autos ter ocorrido num sábado, considerando a Mma. Juiz que os acidentes ocorridos nesse dia da semana estavam excluídos do contrato.
14) Pese embora o contrato de seguro já não depender de observância de forma especial, continua a exigir-se instrumento escrito, designado por apólice, para fazer a sua prova (art. 32.º do Decreto-Lei nº 72/2008), passando-se de uma formalidade ad substantiam para uma formalidade ad probationem, sendo que o conteúdo do contrato se delimita precisamente através da apólice que contém as condições gerais, especiais e particulares, cfr. art. 37.º da referida lei.
15) Cotejada a apólice que conforma o contrato de seguro invocado nos presentes autos celebrado entre a apelante e a Ré A..., em momento algum se descortina algum tipo de exclusão de responsabilidade da seguradora caso o acidente ocorra ao sábado ou fora do período normal de trabalho, pelo que o trabalho prestado fora do período normal de trabalho, fosse ele prestado para além do horário normal de trabalho ou em dia de descanso complementar ou obrigatório, sábados e domingos, está sempre coberto pelo seguro.
16) Atendendo ao teor da apólice invocada e sendo um seguro obrigatório, o referido contrato de seguro deve cobrir e garantir necessariamente todos os acidentes de trabalho considerados como tal na LAT, designadamente, nos arts. 8.º, nº 1, e 9.º.
17) Acresce que, tratando-se de um seguro obrigatório, existe uma apólice uniforme que deve servir de base a todos os contratos de seguro celebrados, prevista no Anexo da Portaria nº 256/2011, não existindo nessa portaria e no seu Anexo a possibilidade de existir qualquer exclusão da responsabilidade da seguradora pelo facto de o acidente ter ocorrido em determinado dia da semana, nomeadamente, ao sábado, ou pelo facto de ocorrer fora do período normal de trabalho.
18) Assim, nunca poderá ser entendido que o acidente de trabalho objeto dos presentes autos está excluído do contrato de seguro celebrado com a Ré A... pelo facto de o mesmo ter ocorrido num sábado.
19) De igual forma, nunca se poderá considerar que a validade do contrato ficou afetada em resultado das declarações constantes da proposta de seguro que esteve na sua origem.
20) Atendendo às respostas constantes dessa proposta e que constam do ponto B) dos Factos Provados, e atento o disposto no art. 236.º, nº 1, do C. Civil, entende a apelante que é insustentável defender-se que um declaratário normal fosse levado a pensar que os trabalhadores da apelante nunca pudessem trabalhar aos sábados.
21) Por último, analisada a matéria de facto provada, não se constata qualquer facto do qual resulte que, se soubesse que os trabalhadores da apelante trabalhavam ao sábado, a Ré A... não teria celebrado o contrato ou teria imposto condições mais gravosas.
22) Assim, nunca se poderia considerar que a validade do contrato de seguro ficara afetada pelas declarações iniciais de riscos, nomeadamente, por força do disposto no art. 429.º do C. Comercial, aplicável à presente relação por efeito do disposto no art. 3.º, nº 1, do decreto preambular do Decreto-Lei nº 72/2008 que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
*
O apelado não apresentou contra-alegações.
No seu parecer a Emª PGA pugna pela improcedência.
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FACTOS PROVADOS

A. A sociedade “T..., Lda.” celebrou com a seguradora “A..., SA”, um contrato de seguro, da modalidade de seguro de acidentes de trabalho, trabalhadores por conta de outrem, titulado pela apólice nº ...59, sendo que relativamente ao A. estava transferida a responsabilidade infortunística pela retribuição anual de € 28 727,80.
B. Na “proposta do seguro” referida na alínea anterior (junta aos autos a fls. 8 e cujo teor se dá por integralmente reproduzida) a R. "T..., Lda.” declarou que: "natureza dos trabalhos a segurar / atividade predominante (?): design têxtil"; “risco in itinere; qual o meio de transporte utilizado com maior frequência na ida para o local e trabalho e no regresso deste (?): automóvel". "dá trabalho: aos sábados (?): não; fora das horas normais? sim (ocasionalmente); “Há deslocações ao estrangeiro: sim; com que frequência? 6 x por ano;” "Declaração: respondi de forma exata e completa a esta proposta, sabendo que, em caso contrário, fico sujeito às normas legais e contratuais aplicáveis";
C. O A. auferia uma remuneração mensal de €1.950,00 por 14 meses/ano, acrescido de subsídio de alimentação de €5,37 x 22dias x 11 meses (o que perfaz uma remuneração anual de €28.727,80).
D. O horário de trabalho normal da R. “T..., Lda.” e o do A. era de 2ª a 6ª feira, com entrada às 8 horas e saída às 17,00, com intervalo para o almoço ao longo desses cinco dias úteis.
E. O dia 21 de julho de 2018 coincidiu com um sábado.
F. A R. seguradora pagou ao A. todos os medicamentos, consultas, exames e tratamentos realizados até 22 de novembro de 2018.
G. O A. nasceu no dia .../.../... a .../.../... (cfr. documento de fls. 78).
H. Frustrou-se a tentativa de conciliação pelos fundamentos constantes do auto de conciliação de 08.07.2019:
 A entidade seguradora aceitou a existência de uma apólice de acidentes de trabalho em que se mostra transferido para a responsabilidade da sua representada a retribuição de anual ilíquida de € 28.727,80, mas não aceitou a responsabilidade do acidente porque o trabalho aos sábados não se encontra garantido pela apólice, pelo que o acidente em questão não é enquadrável nas garantias da apólice de acidentes de trabalho existentes.
I. A entidade empregadora aceitou, o acidente e a sua caracterização como de trabalho, bem como
as lesões e o nexo causal com o mesmo; o resultado da perícia médica; que o sinistrado auferia a retribuição suprarreferida que se mostrava devidamente transferida para a entidade seguradora, não aceita qualquer responsabilidade pela reparação do acidente dos autos uma vez que a mesma se mostra devidamente transferida para a entidade seguradora.
J. No dia 21 de julho de 2018, pelas 07H00 da manhã, o A. deslocava-se, conduzindo um motociclo, da sua habitação para a Rua ..., A, em ..., sede da ré T..., Lda. e seu local de trabalho;
K. (…) o autor sofreu um despiste quando circulava na Rua ..., de modo não concretamente apurado, vindo a ficar tombando sob o seu lado esquerdo na estrada.
L. O A. tinha a categoria profissional de designer.
M. O A. exerce também a sua atividade ocasionalmente e sempre que a R. empregadora necessita, fora do horário de trabalho normal.
N. O A. desloca-se em média seis vezes por ano ao estrangeiro para assistir a feiras internacionais e visitar clientes;
O. (…) para estar presente nessas feiras o trabalho do A. pode ser prestado durante os fins de semana.
P. O A. presta também, trabalho ocasional, na medida em que se afigura necessário a R. entidade empregadora, serviços fora do horário de trabalho.
Q. O A. em consequência dos factos descritos I) e J) sofreu trauma testicular direito com hematoma intraparenquimatoso, e lesão no tendão do calcanhar e tornozelo direito;
R. (…) deu entrada no SU do Hospital ..., tendo sido encaminhado para o Hospital ..., especialidade urologia;
S. (…) onde efetuou uma ecografia que denunciou forte hematoma testicular direito, que obrigou ao seu internamento para observações até ao dia 24 de julho.
T. Sofreu, ainda, agravamento da lesão por intercorrência infeciosa.
U. Recorreu ao SU de ..., onde foi submetido a cirurgia orquidectomia direita em 29 de julho de 2018.
V. Em 8 de novembro de 2018 foi submetido a nova cirurgia para colocação de prótese testicular direita;
W. (…) a qual ocorreu com autorização da R. seguradora.
X. A 22 de Novembro de 2018 o A. foi submetido a nova cirurgia para remoção da prótese por rejeição.
Y. Provado apenas que do acidente dos autos resultou para o autor:
a) entorse do tornozelo direito;
b) traumatismo da região genital, com perda do testículo direito.;
c) apresenta como sequelas dor residual do tornozelo direito, sem edema crónico ou instabilidade e com mobilidades conservadas, e
d) orquidetomia direita ( cfr.exame médico referª ...14- apenso A)
Z. O A. esteve afetado de incapacidade temporária absoluta no período compreendido entre 22.07.2018 a 12.12.2018.
AA. Após a remoção da prótese testicular, em 22 de novembro de 2018, a R. seguradora deixou de liquidar as despesas com exames, médicas e medicamentosas.
BB. O autor despendeu a quantia de €24,00 em deslocações obrigatórias ao Tribunal.
CC. O A. gastou €199,00 em exames, despesas médicas e medicamentosas;
DD. (…) em deslocações em veículo próprio o autor despendeu a quantia total de €160,00, correspondente às deslocações entre a sua residência e os hospitais de ... e ... (4 x 32kms + 4 x 10kms);
EE. (…) em transporte entre a sua residência e o Centro de Saúde ... na Rua ..., ..., e o Hospital ... em ..., o autor despendeu quantia total de €80,00 (4 x 10kms + 4 x 7kms)
Aditados:
FF. A Ré A... tem conhecimento porque também consta da proposta de seguro- que, a Ré T..., participa, ano após ano, em várias feiras têxteis internacionais.
GG. Participações, essas, que obrigam, por vezes, os colaboradores da Ré a trabalhar, aos sábados, aos domingos ou nos feriados.

(resulta de prova documental)
Consta da apólice emitida em 2002 (Doc. Junto a 12/4/2019):
“ Este contrato de seguro é constituído pelas condições gerais e cláusulas especiais anexas e pelas presentes condições particulares.
condições especiais aplicáveis - 01 (seguro de prémio variável -).
- Consta da ata adicional nº ...1 (de 8/21/2018):
” este contrato de seguro é constituído pelas condições gerais e especiais e pelas presentes condições particulares e demais informação complementar que lhe serviu de base.
condições especiais aplicáveis - 01”
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Factos considerados não provados na primeira instância:

2. o trabalho ocasional referido em O) seja realizado em regra ao sábado;
3. a realização das feiras referidas em M), impliquem “obrigatoriamente” trabalho do autor ao sábado;

17. As participações da ré empregadora nas feiras referidas em M), cerca de 6 por anos, obrigam os colaboradores da R. “T..., Ld.ª” a trabalhar aos sábados, domingos ou feriados;
18. (…) e de 2ª a 6ª feira antes das 8 horas e depois das 17,00 horas.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto e questiona a exclusão da cobertura relativamente ao sinistro ocorrido em trabalho ocasional num sábado.
Pretende seja considerado provado:
FF. A Ré A... tem conhecimento porque também consta da proposta de seguro - que, a Ré T..., participa, ano após ano, em várias feiras têxteis internacionais, como por exemplo a ... na ..., as feiras da Indústria Têxtil em ... ou ....
GG. Participações, essas, que obrigam, muitas vezes, os colaboradores da Ré a trabalhar, aos sábados, aos domingos ou nos feriados.
Vejamos:
Na sua contestação, a Ré alegou:
“23º Isto, quando a Ré A... tem conhecimento porque também consta da proposta de seguro- que, a Ré T..., participa, ano após ano, em várias feiras têxteis internacionais, como por exemplo a ... na ..., as feiras da Indústria Têxtil em ... ou ...,
24º Participações, essas, que obrigam, muitas vezes, os colaboradores da Ré a trabalhar, aos sábados, aos domingos ou nos feriados.”
Refere os depoimentos de BB, e CC.
O depoente BB referiu que aquando das feiras internacionais, por vezes realizadas em locais mais distantes, podia ocorrer trabalho extra. Referiu que se começassem à segunda-feira, implicava sair no sábado ou no domingo e tinham que preparar o Stand. Referiu que o trabalho ao sábado era meia dúzia de vezes por ano.
A CC, mediadora de seguros, referiu que normalmente quando preenche propostas, e continua a fazer desse modo, “se o cliente por hábito não trabalha aos sábados, nós pomos que ele não trabalha aos sábados”. Só colocam a cruz no sim se o trabalho ao sábado é normal. Referiu que foi o seu irmão, já falecido, que preencheu a proposta. Mais referiu que “colocamos o termo, «ocasionalmente», se o cliente fizer ocasionalmente o trabalho fora desses 5 dias ou fora das horas de trabalho, esclarecendo que para a depoente o ocasionalmente abrange todos os dias fora das horas normais de trabalho.
O DD dá outra interpretação, contudo não foi interveniente da elaboração da proposta, e o seu depoimento não é de molde a ferir a credibilidade do Depoimento de CC. 
Considerando a prova, o teor das declarações resultantes da proposta de seguro, atendendo sobretudo às declarações de CC, que referiu que ainda hoje preenche assim as propostas, é de considerar provado:
FF. A Ré A... tem conhecimento porque também consta da proposta de seguro- que, a Ré T..., participa, ano após ano, em várias feiras têxteis internacionais.
GG. Participações, essas, que obrigam, por vezes, os colaboradores da Ré a trabalhar, aos sábados, aos domingos ou nos feriados.
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A recorrida defendeu nos autos que o sinistro não se encontra coberto pela apólice, porque ocorrido num sábado.
O contrato de seguro consiste num acordo através do qual uma parte, contra retribuição, suporta o risco económico da outra parte ou de terceiro.
Trata-se de um contrato típico, oneroso, aleatório, não dependendo da observância de forma especial, mas obrigatoriamente reduzido a escrito, num instrumento denominado “apólice de seguro” - (artº 426º do C. Comercial e artºs 32º nºs 1 a 3 e 34º nºs 1 e 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Dec. Lei nº 72/2008 de 16/04).
O segurador garante a reintegração do segurado relativamente a danos provocados por um determinado risco, o previsto no contrato.
Quais os riscos abrangidos é questão relativa à interpretação da vontade das partes plasmada no contrato, de acordo com o previsto nos artigos 236º ss do CC.
O artigo 236º do CC, consagra um critério objetivo de determinação do sentido juridicamente relevante (teoria da impressão do destinatário), mitigado embora com concessões subjetivistas – parte final do nº 1 e nº 2 do normativo –. Visou-se com a consagração de um critério objetivo proteger a “legítima confiança do declaratório e os interesses gerais do comércio jurídico “ – Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, Vol. II, pág. 312 –.
Tratando-se de negócios formais, nos termos do artigo 238º do CC., o sentido juridicamente relevante que resulte da aplicação das regras do artigo 236º do CC, não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, a menos que corresponda à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
A vontade juridicamente decisiva deve procurar-se mediante um processo hermenêutico que partindo da letra da declaração, e levando em consideração todo um material de factos circunstanciais, evidencie o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, e é, conhecedor de todos esses factos, deduziria do comportamento do declarante.
No que respeita aos elementos a atender e à sua interpretação, deve o intérprete pautar-se pela “capacidade e diligência” de um declaratário normal, de um homem de mediana instrução, sagacidade e diligência, conhecedor dos concretos factos circunstanciais. Deve atender-se à totalidade da declaração, o fim ou objeto tido em vista, entre outras circunstâncias.
Só se após tal processo interpretativo não se lograr saber qual o sentido preciso, porque ainda restam alguns sentidos possíveis, deve então intervir o critério do artigo 237º do CC. - RP de 14/10/82, Col. Jur., T. IV, 239; RP de 25/9/95, Col. Jur., T. IV, 182 -. Quanto às cláusulas contratuais gerais, veja-se o Ac. RP de 19/12/2012, Pº 144/11.3TTLMG.P1, www.dgsi.pt.
A seguradora escuda-se nos termos das declarações da empregadora constantes da proposta de seguro. Tais declarações importam para interpretar a apólice, os termos do contrato, não constituindo em si mesmas o contrato.
Consta da sentença recorrida:
O legal representante da empregadora BB e a testemunha CC, mediadora de seguros e irmã do agente de seguros que recebeu a proposta em apreço, no depoimento prestado manifestaram o entendimento que a referida clausula significa “fora das horas normais”
inclui horário e dias diferentes; “ocasionalmente” tem o significado de fora do horário de trabalho de segunda a sexta e os sábados e domingos. Ou seja, o trabalho aos sábados encontra-se garantido pela apólice dos autos.
Já DD, funcionário da ré seguradora há mais de 50 anos, e testemunha por esta arrolada, começou por explicar que a seguradora declinou a reparação do acidente quando se apercebeu que a empregadora não tinha contratado o sábado e o acidente ocorreu a esse dia de semana. O que foi estipulado foi a cobertura para “fora das horas normais” ocasionalmente tem esse significado de fora das horas normais respeitante aos dias contratados. Portanto o número de dias coberto é relevante para a determinação do prémio porque o risco é maior, o risco aumenta com o número de dias o que se compreende, ocasionalmente tem, pois, o significado fora do horário de trabalho.
A leitura que esta testemunha fez dos factos parece-nos consentânea com o teor da proposta de seguro junto aos autos a folhas 8. Vejamos, à pergunta se a entidade empregadora/proponente “dá trabalho aos sábados?” a resposta foi “não”, e à pergunta “fora das horas normais?”, foi respondido “Sim, ocasionalmente”, se há “deslocações ao estrangeiro”, foi respondido “Sim”, e à frequência foi respondido “6 vezes por ano”.
Em coerência com o teor literal do declarado na proposta a testemunha considera que a apólice dos autos tinha cobertura se o acidente tivesse sido no estrangeiro.
Conjugando estes depoimentos e o teor literal da proposta de seguro dos autos, entendemos que declaratário normal, identificado como alguém normalmente diligente, sagaz e experiente, colocado perante a declaração negocial e aquilo que podia conhecer da intenção da seguradora, não podia deixar de entender que, se a, ré empregadora celebrou com a ré seguradora um contrato de seguro, da modalidade de seguro de acidentes de trabalho, trabalhadores por conta de outrem, titulado pela apólice nº ...59; na “proposta do seguro” a ré empregadora declarou que:
"natureza dos trabalhos a segurar / atividade predominante (?): design têxtil"; “risco in itinere”; qual o meio de transporte utilizado com maior frequência na ida para o local e trabalho e no regresso deste (?): automóvel". "dá trabalho: aos sábados (?): não; fora das horas normais? sim (ocasionalmente); “Há deslocações ao estrangeiro: sim; com que frequência? 6 x por ano;” "Declaração: respondi de forma exata e completa a esta proposta, sabendo que, em caso contrário, fico sujeito às normas legais e contratuais aplicáveis"; o horário de trabalho normal da R. “T..., Lda.” e o do A. era de 2ª a 6ª feira, com entrada às 8 horas e saída às 17,00, com intervalo para o almoço ao longo desses cinco dias úteis, e que o dia 21 de julho de 2018 coincidiu com um sábado, verificando-se que o acidente do ocorreu no dia 21 de julho de 2018, pelas 07H00 da manhã, dia de sábado, a cobertura encontrava-se excluída, por “ocasionalmente” ter o significado de “fora das horas normais“ respeitantes “aos dias contratados”, segunda a sexta, entendimento reforçado pelo facto dos sábados estarem expressamente excluídos. Tenha-se em conta que a empregadora não alegou sequer, que no dia do acidente ou nesse fim de semana fosse ocorrer qualquer feira nacional ou internacional que obrigasse ao trabalho ao sábado…”
Não se concorda com esta leitura. Como já referido, o depoente DD faz uma leitura literal da proposta, seguida na decisão, sem atenção ao circunstancialismo da sua elaboração, designadamente o objetivo do contrato. Releva ao caso o circunstancialismo legal, que a seguradora não pode ignorar. Por outro, aquele depoente não participou na elaboração da proposta, sabendo-se que frequentemente são os agentes que as preenchem, como aconteceu no caso, conquanto tendo em conta o que o cliente pretende.
Ora, no caso, importa ter em conta que o que se pretende é realizar não um qualquer seguro, mas um seguro legalmente obrigatório, devendo ambas as partes agir de boa fé aquando da sua celebração. Importa no caso, ter em conta os termos da lei, designadamente artigo 9º da LAT, nº 1, als. b) e h), que aliás, o que é sobremaneira relevante, constam das condições gerais da apólice.
A interpretação pugnada pela seguradora colocaria, à revelia da pretensão da lei, fora do seguro, por exemplo, um acidente ocorrido no dia excluído, em trabalho espontaneamente realizado pelo trabalhador, tendo em vista evitar prejuízos para a empregadora (como exemplos, no extremo, intervenção em caso de inundação, incêndio, derrocadas, ou outros similares).
A exclusão de um determinado dia da semana sempre teria que resultar claro das negociações, e sempre implicaria incumprimento de transferência da responsabilidade imposta pelo artigo 79º da LAT por parte da empregadora, já que se impõe a transferência a responsabilidade “pela reparação prevista na presente lei”; e igualmente incumprimento por parte da seguradora, já que tal implicaria restrição ao conceito de sinistro abrangido, resultante da norma do artigo 9º da LAT e 2º da apólice uniforme.
Ora, esta norma é imperativa para seguros de acidentes de trabalho, como resulta do artigo 2º, nº 2 da portaria n.º 256/2011, de 05 de julho, que aprova a apólice uniforme, só admitindo convenção mais favorável ao tomador do seguro, à pessoa segura ou ao beneficiário da prestação de seguro.
Ao contratar, a seguradora e agindo de boa fé deve ter estas circunstâncias em consideração.
Ora os termos literais da proposta não bastam por si para concluir que a empregadora não pretendia cobertura nos casos excecionais em que o trabalho ocorresse ao sábado ou domingo ou feriado, fora do tempo de trabalho.
Não estamos a tratar de um caso em que a empregadora labora normalmente em dia não indicado nas declarações, mas antes, de sinistro ocorrido em dia que não é de laboração normal, mas em que excecionalmente ocorreu a prestação de um serviço pelo empregado a solicitação da empregadora.
A indicação das feiras internacionais implicaria, parece-nos, já que os dias destas não dependem da segurada, aventar a hipótese de poder ocorrer trabalho em dias de sábado domingo e feriados.
Pode dizer-se que as declarações se mostram corretas, veja-se o depoimento de CC. Efetivamente o horário de trabalho não abrangia sábados domingos e feriados. As declarações podem pecar por não se ter aditado, como se fez para o trabalho fora de horas, o termo “ocasionalmente”, mas de tal falta, tendo em conta as circunstâncias da elaboração da proposta, preenchida pelo agente, pretendendo-se transferir a reparação decorrente de sinistros laborais nos termos da LAT, não pode concluir-se por tal exclusão – de abrangência de responsabilidade para trabalho ocasionalmente efetuado nesses dias, como prevê o já aludido artigo 9º da LAT -.
 Um declaratário normal, colocado na posição da seguradora, em face das declarações, da referência às feiras internacionais, à prestação de trabalho ocasional “fora de horas”, e face aos termos da LAT então em vigor (artigo 6º nº 2, als. b) e f) da L. 100/97 de 13/9), e à extensão do conceito de acidente de trabalho que resulta das indicadas normas, deveria deduzir que se pretendia segurar os sinistros ocorridos em trabalho ocasional fora do tempo normal de trabalho (independentemente do dia) ali enquadráveis.

Saliente-se que a abrangência da ocorrência pelo contrato de seguro, resulta das condições gerais deste, sua cláusula segunda, que refere:

Conceito de acidente de trabalho
Por acidente de trabalho entende-se o acidente:
a) Que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte;

d) Ocorrido na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o tomador do seguro;

h) Ocorrido fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo tomador do seguro ou por este consentidos;

E, esta abrangência, tratando-se de casos enquadráveis nas aludidas alíneas, como acima referimos, é obrigatória.
Refira-se ainda, que a exclusão haveria que constar expressamente do contrato, sendo que nada consta da apólice relativamente à exclusão do sábado - apenas na ata adicional de 2018 passa a reportar-se o contrato com referência às demais informações complementar que lhe serviu de base”, ignorando-se qual a informação complementar que serviu de base à adição dessa referência, e qual a sua real significação -.
Assim, a questão, em boa verdade, parece, remeteria para as consequências da inexatidão das “declarações iniciais relativas ao risco”, cap. II das condições gerais, já que o seguro é baseado no risco, para cuja avaliação são cruciais as informações prestadas pelo segurado; e não propriamente para uma “área” de não abrangência do seguro.
Mas nem isso resulta demonstrado. Como já referido as declarações mostram-se corretas. Não há trabalho ao sábado. Tal não implica que ocasionalmente tal não possa ocorrer, e, sendo necessariamente, abrangidos pela apólice as situações de sinistros ocorridos fora do tempo de trabalho enquadráveis nas als. b) e h) do nº 1 do artigo 9º da LAT; conforme nº 2 da portaria 256/2011; é de pressupor que tal circunstância foi considerada na fixação do prémio de seguro.
Tendo em consideração as vicissitudes da vida, nenhuma empresa pode garantir que em condição alguma necessitará que algum trabalhador tenha que prestar serviço fora do horário normal, designadamente ao sábado ou domingo. Basta pensar nas ocorrências anormais já referidas, ou em circunstancias relativas ao ser negócio, que não sejam previsíveis e normais.
Não se encontra respaldo para considerar excluído um acidente ocorrido na prestação de um serviço fora do horário, de forma excecional – como na decisão recorrida se reconhece, ao referir, “sendo certo que o horário de trabalho do autor era se segunda à sexta feira das 8.00 horas às 17.00 horas, e que no dia do acidente ia excecionalmente entrar às 7.00 da manhã e sair às 13.00 horas”.   
Consequentemente procede a apelação.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão e condenando-se a seguradora nos termos em que o foi a recorrente.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
28.9.23

Antero Veiga
Vera Sottomayor
Francisco Sousa Pereira