Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
NULIDADES DA SENTENÇA
FILIAÇÃO
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Sumário
I - As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com erros de julgamento, de facto ou de direito. II - Não determina o vício de nulidade da sentença de falta de fundamentação, vício formal este a que alude a al. b), do referido nº1 (suscetível de conduzir à sua anulação), a falta de análise, consideração e valoração de provas nem outro qualquer desacerto da decisão de facto e/ou da subsunção jurídica, apenas podendo tais faltas, omissões e erros configurar erro de julgamento e motivar a alteração da decisão da matéria de facto e/ou a revogação da decisão de mérito. III - O atual regime jurídico do estabelecimento da filiação procura conformar o princípio da correspondência entre a verdade biológica e a verdade jurídica, na consideração da existência de um direito de cada um à identidade pessoal, abrangido pelo direito à sua própria historicidade pessoal, que tem ínsito o conhecimento dos progenitores biológicos. IV - Fora do casamento, o vínculo de filiação paterna pode, para além do reconhecimento voluntário (por perfilhação), ser estabelecido por decisão judicial, em ação de investigação de paternidade, tendo esta como causa de pedir o facto jurídico da procriação - a relação sexual fecundante, causal do nascimento -, a ele se acedendo por prova direta ou por prova de factos instrumentais que, com segurança, o indiciem ou pelo enquadramento de uma das situações de facto eleitas na lei como dele presuntivas (v. nº1, do artigo 1871º) V - A ação de investigação de paternidade, está sujeita a prazo de caducidade - cfr. art. 1817º, do CC, com um prazo regra de 10 anos e um prazo especial de três anos. VI - Todavia, nunca ocorreria a caducidade para o exercício do estabelecimento da paternidade, estatuída pelo nº1, do artigo 1817º, ex vi artigo 1873º, ambos do Código Civil, pois que o direito a investigar e a estabelecer a filiação jurídica é “imprescritível”, sendo um direito de personalidade, personalíssimo (o de conhecer, definir e fazer reconhecer perante todos e para todos os efeitos, as raízes, que, legitimamente, todo o filho tem o direito a ver estabelecidas), nunca podendo o exercício desse direito considerar-se, pelo decurso do tempo, abusivo. Sejam quais forem as razões que levam a exercê-lo, sempre o seu exercício constitui a materialização de um direito de personalidade, que assegura o direito à identidade pessoal, o princípio constitucional da igualdade entre todos os filhos e o interesse público em que essa identidade seja estabelecida, com verdade e transparência. VII - Impõe-se um regime que permita, a todo o tempo (scilicet), instaurar estas ações, padecendo de inconstitucionalidade material as normas a impor prazos de caducidade para o exercício de tal direito, sendo o prazo de 10 anos previsto no n.º 1, do art. 1817.º, do C. Civil, inconstitucional por constituir uma restrição injustificada do direito ao conhecimento das origens genéticas (arts. 18.º, n. º 2 e 3, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, da CRP), reclamando o direito fundamental à identidade pessoal (do investigante) uma tutela de absoluta prevalência sobre os interesses do investigado ou dos seus herdeiros, sejam eles relacionados com a salvaguarda da privacidade, da intimidade da vida familiar, da segurança jurídica ou quaisquer outros (patrimoniais ou não), pois que nenhuma operação de concordância prática entre os direitos e interesses constitucionalmente protegidos das partes pode impor, por razões de proporcionalidade, se ignore a verdade biológica. VIII - Os direitos fundamentais à identidade pessoal e ao estabelecimento da paternidade do investigante reclamam intensa tutela, conducente a alcançar a Certeza, a Verdade e a Justiça, que sempre o Homem, os Cidadãos, os Tribunais e o Estado visam alcançar, e a extrair os devidos efeitos jurídicos em matéria de filiação, no momento em que o filho se sinta disposto a ir ao encontro do que sempre lhe devia ter sido proporcionado. IX - A certeza da prova científica dada pelos testes de DNA, de que resulta a prova da relação sexual fecundante e, consequentemente, a prova da verdade biológica, não pode deixar de ditar o sucesso relação jurídica de paternidade, impondo-se, no caso, o estabelecimento da paternidade.
Texto Integral
Processo nº1281-17.6T8VLG.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 3
Relatora: Des. Eugénia Marinho da Cunha
1º Adjunto: Des. Joaquim Moura
2º Adjunto: Des. Miguel Baldaia Correia de Morais
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
………………………
………………………
………………………
*
I. RELATÓRIO
Recorrente: AA Recorrido: BB
BB, casado, residente na Rua ...–Hab. ..., ... ..., propôs ação declarativa, sob a forma do processo comum, contra AA, residente em ..., Rue ... ... – França pedindo que o Réu seja reconhecido judicialmente como seu pai. Alega, para tanto, encontrar-se o seu assento de nascimento omisso quanto à paternidade e ter tido, em 2015, conhecimento de o réu ser seu pai, tendo o mesmo mantido relações sexuais com a mãe de que resultou a sua conceção.
O Réu apresentou contestação, onde se defende por exceção e por impugnação. Defende-se por exceção ao invocar a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, questão já decidida, a caducidade, pelo decurso dos prazos previstos no art.º 1817º nº 1 e nº 2 al. b), do Código Civil e o abuso de direito, por o autor visar, com a presente ação, uma finalidade exclusivamente patrimonial, devendo, assim, os efeitos do reconhecimento judicial da paternidade restringir-se ao estatuto pessoal do investigante e do investigado, e impugna parte do alegado na petição inicial, concluindo pela improcedência da ação, peticionando a condenação do autor por litigância de má fé.
Respondeu o Autor à matéria de exceção, reiterando, quanto à caducidade, ter proposto a ação dentro do prazo de três anos após o seu conhecimento da identidade do pai e, de qualquer modo,ser inconstitucional a norma do art.º 1817º nº 1 do Código Civil, por exceder a proporcionalidade exigida no art.º 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa na restrição do direito fundamental do conhecimento das origens genéticas e quanto ao abuso de direito considera inadmissível a restrição dos efeitos sucessórios do reconhecimento da paternidade, consubstanciada na criação de uma causa de indignidade sucessória não prevista na lei e potenciadora de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, com violação do princípio consagrado no art.º 36º, nº 4, da CRP, e impugna estar a agir com o único propósito patrimonial.
*
Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, sem reclamação.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
*
Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência: a) declaro que o autor, BB, é filho do réu, AA; b) ordeno o averbamento de tal paternidade ao assento de nascimento do autor. Custas pelo Réu”.
*
Apresentou o réu recurso de apelação, pugnando por que seja julgado procedente o recurso e alterada a sentença no sentido de serem dados como não provados os pontos 2 a 18 dos factos julgados provados e como provado o facto articulado no artigo 26º, da contestação, aditando-se que “é falsa a data indicada pelo autor sobre o conhecimento da alegada identidade do seu pai”, e, consequentemente, seja julgada procedente a exceção de caducidade invocada em sede de contestação e a ação improcedente, formulando, para tanto, as seguintes
CONCLUSÕES:
A/ DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: I. O Tribunal a quo julgou a “presente ação totalmente procedente por provada e, consequência: a) declaro que o autor, BB, é filho do réu, AA; b) ordeno o averbamento de tal paternidade ao assento de nascimento do autor”. II. Sucede que, o Réu, aqui Recorrente, não pode concordar com a decisão, por a mesma, com o devido respeito, não poder dar como provados determinados factos cuja prova não foi feita em audiência de julgamento e se basear em factos antagónicos à verdade material. III. Do mesmo modo que o Tribunal a quo deu como não provados, factos que deveriam ter sido dados como provados, cuja prova foi feita em audiência de julgamento e que Tribunal Recorrido optou por ignorar. IV. O Tribunal a quo deu como provado os seguintes factos: 1. O autor nasceu a .../.../1971, mas da sua certidão de nascimento consta apenas a identificação da mãe – CC – e dos avós maternos – DD e EE, não constando a menção da sua paternidade. 2. Quando tinha 13 ou 14 anos, em 1965 ou 1966, a mãe do autor veio sozinha, de 3. ..., Paredes, para o Porto para trabalhar, em regime interno, como empregada doméstica, numa casa junto à Praça .... 4. Nessa altura conheceu o réu, que trabalhava, inicialmente na A... e, posteriormente, no B..., na citada Praça ..., e começaram a namorar. 5. Com excepção de um pequeno período em que estiveram zangados, a mãe do Autor manteve uma relação de namoro de mais de 5 anos com o réu. 6. Durante cerca de 15 dias, tempos antes da mãe do autor engravidar, chegaram a viver juntos, na casa de uma irmã do réu, chamada FF, casada com um senhor chamado GG. 7. Período durante o qual houve comunhão de leito e mesa. 8. Durante o seu relacionamento mantiveram relações sexuais. 9. E na sequência desse relacionamento, a mãe do autor, por volta dos 19 anos de idade, engravidou. 10. A mãe do autor veio a saber que o réu seguiu para a guerra nas colónias e este nunca tomou qualquer iniciativa no sentido de entrar em contacto com aquela. 11. Quando já o filho tinha nascido (com 29 dias de idade foi viver para ..., Paredes, com os avós maternos), foi comunicado à mãe do autor, pela irmã deste chamada FF, que o réu tinha falecido na guerra. 12. E foi esta informação que transmitiu ao autor, sempre que este pedia a identificação do pai. 13. Aliás, sempre que o Autor tocava no assunto, a mãe apressava-se em repetir a resposta e a alertá-lo que não queria falar mais sobre o assunto. 14. Só em Março de 2015, pressionada pelo autor e pelos filhos deste, a mãe decidiu revelar-lhe o nome do seu pai, acrescentando que o mesmo era natural de Celorico. 15. Munido desse dado, o Autor conseguiu a informação de que o pai, afinal, estava vivo. 16. Confrontou a mãe com esta informação. 17. Conseguiu saber onde morava o cunhado GG que contactou. 18. Mas o autor estava determinado a conhecer e encontrar o pai e conseguiu saber que o mesmo, após a tropa, tinha ido para França, onde tinha constituído família, e obter a sua residência. 19. Chegou inclusivamente a contactá-lo por carta remetida em 30-03-2015 revelando ter tido conhecimento da sua identidade e pedindo o contacto, para o que forneceu os seus números de telefone. 20. Nas cartas enviadas ao Réu, AA, são utilizadas expressões tais como “Tenho uma vida difícil” e “Fale comigo podemos chegar a entendimento”. V. Para fundamentação da sua decisão, o Tribunal a quo alega que se baseou na conjugação da prova produzida de natureza documental, quer pericial, quer testemunhal. VI. Mas, a verdade é que, no que respeita aos pontos 2 a 13 e 15 a 18 da matéria dada como provada, o Tribunal a quo não especifica os fundamentos que foram decisivos para sua convicção. VII. Tanto que, O Tribunal a quo, na sua decisão, afirma que o testemunho da D.ª CC apenas foi tido em conta relativamente ao “momento e modo como o autor tomou conhecimento da identidade do seu pai”, o que corresponde única e exclusivamente ao ponto 14 dos factos provados. VIII. Então, com que fundamento, o Tribunal a quo deu como provado os pontos 2 a 13 e 15 a 18 constantes da sentença? IX. Salvo melhor opinião, parece-nos que estamos perante a violação de princípio orientador do Direito Adjetivo o qual obriga à FUNDAMENTAÇÃO DE TODA E QUALQUER DECISÃO JUDICIAL sob pena de nulidade – art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC – o que desde já se invoca. X. No tocante à prova testemunhal, o Tribunal a quo deu particular importância ao depoimento prestado pela D.ª CC, progenitora do Autor, aqui Recorrido, ao considera-lo como “claro e credível”. XI. Porém, o seu depoimento, - prestado no dia 04 de julho de 2022 e gravado no sistema H@bilus Media Studio, na sala de audiência nº 5, do minuto 00:19:30 ao minuto 01:12:36 -, mostra que, não só está em total discrepância com aquilo que foi alegado pelo Autor na sua petição inicial, como foi completamente incoerente e pouco convincente. DE FACTO, XII. Em diversos momentos do seu depoimento, aquela não só se contradiz sobre os mesmos factos, como é incoerente em termos cronológicos/temporais, entre outras situações que iremos demonstrar. XIII. A depoente, CC, quer em instâncias da Meritíssima Juíza, quer dos mandatários do Autor e do Réu, nunca foi assertiva quanto aos anos de namoro entre esta e o Réu. Sr. AA - [00:22:25]; [00:24:09]; [00:51:12] e [00:51:19]. XIV. Bem como, nunca balizou temporalmente início e o término do namoro - [00:22:25]; [00:24:09]; [00:51:12] e [00:51:19]. XV. De igual forma, a testemunha, CC, indicou como data de revelação da identidade do pai do Autor no Carnaval de 2015 (17 de fevereiro de 2015), [00:39:53] e [00:40:05] o que contraria o que alegado pelo Autor na sua petição inicial e dado como provado pelo Tribunal a quo – março de 2015. XVI. Mais uma vez, a depoente não foi capaz de descrever a habitação da irmã do Réu, a finada D. FF, já que esta diz existir dois ou três quartos, [00:54:53], XVII. Quando a testemunha apresentada pelo Réu, HH, – depoimento prestado no dia 04 de julho de 2022 e gravado no sistema H@bilus Media Studio, na sala de audiência nº 5, do minuto 00:16:30 ao minuto 00:34:45, da 2.ª parte da gravação – declarou que se tratava de um simples T1 [00:20:38]. XVIII. Outra incongruência, é o facto da mesma testemunha, D.ª CC, afirmar ter conhecido o irmão do Réu, o Sr. II, bem como afirmar que este tinha vivido antes dela lá viver em casa da irmã de ambos, a finada D.ª FF, - isto entre 64 e 66 -, quando, de acordo com o depoimento da testemunha, II, prestado no dia 04 de julho de 2022 e gravado no sistema H@bilus Media Studio, na sala de audiência nº 5, do minuto 00:00:10 ao minuto 00:15:25, da 2.ª parte da gravação, este declarou que jamais conheceu aquela senhora e que apenas saiu de casa dos seus pais no início de 1970 para ir trabalhar para Porto, - sendo que nesse referido ano -, durante um período, partilhou um quarto com o irmão e durante outro período viveu com o irmão em casa da irmã, FF, somente até ao final do ano de 1970, para depois ir de assalto para França [00:05:30]; [00:07:57] e [00:10:06] XIX. Acresce ainda que a D.ª CC afirmou que, nos quinze dias em que habitou a casa da “cunhada”, a D.ª FF, “vivia lá a D.ª FF, o senhor GG e um filho (…) e dá-me a impressão que eles tinham uma menina” [00:54:34]. Ora, como pode a testemunha falar de “uma menina” que só veio a nascer em abril de 1973, quando diz que nunca mais teve contacto com a família do Réu, depois de ter lhe sido informado em 1972 que o mesmo havia falecido na guerra? [00:37:00]. XX. Por tudo quanto exposto, é manifesto que o Tribunal a quo não poderia ter dado tanta credibilidade ao depoimento prestado pela testemunha, D.ª CC, porquanto se mostra desfasado da realidade, roçando até a ficção. XXI. Aliás, note-se que muito se estranha que após o filho, Autor/Recorrido nos presentes autos, lhe ter revelado que o seu pai estaria afinal vivo, a depoente não tenha demonstrado o mínimo interesse no desenrolar e desfecho da história [00:47:27]. XXII. O natural seria que a mãe, a quem teria sido transmitido que o pai do seu filho havia já falecido, mostrasse interesse nessa reviravolta e procurasse acompanhar os passos do filho. XXIII. No que concerne à demais prova produzida, designadamente o depoimento da testemunha, JJ, este foi totalmente descurado e mal interpretado pelo Tribunal Recorrido, quando o mesmo deveria ter sido valorado, para efeitos de formação da convicção do Tribunal, nomeadamente para a prova da caducidade do direito de ação. XXIV. Atente-se ao depoimento da testemunha JJ, prestado no dia 04 de julho de 2022 e gravado no sistema H@bilus Media Studio, na sala de audiência nº 5, do minuto 00:35:00 ao minuto 01:02:40, da 2.ª parte da gravação. XXV. Este depoimento foi isento, credível e coerente, pelo que dever-se-á forçosamente concluir que o Autor teve conhecimento da identidade do pai em 2012/2013 e não em 2015. XXVI. Até porque, não obstante na sentença proferida se afirmar que quando o pai da testemunha, na altura que relatou tais factos se encontraria a iniciar um processo demencial, tal não corresponde à verdade. XXVII. Com efeito o que a testemunha disse é que o seu pai, em 2012, sofria de depressão pela morte da esposa. A demência somente apareceu recentemente, acompanhada da doença oncológica, ouça-se as suas declarações: [00:44:56]. EM SUMA E ATENTO O SUPRA EXPOSTO, ENTENDEMOS QUE, COM O DEVIDO RESPEITO, DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO NÃO PROVADOS OS PONTOS 2 A 18 DOS FACTOS JULGADOS PROVADOS NA SENTENÇA EM CRISE; BEM COMO DEVERIA SER DADO COMO PROVADO QUE “É FALSA A DATA INDICADA PELO AUTOR SOBRE O CONHECIMENTO DA ALEGADA IDENTIDADE DO SEU PAI”, OU SEJA, ARTICULADO 26º DA CONTESTAÇÃO; APENAS DESSA FORMA SE ALCANÇANDO A VERDADE MATERIAL, PROPÓSITO ÚLTIMO DA JUSTIÇA. BEM COMO, DEVE SER A SENTENÇA PROFERIDA NOS PRESENTES AUTOS JULGADA NULA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO, TAL COMO DECORRE DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º N.º AL. B) DO CPC, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS QUE DAÍ ADVENHAM. B/ DO DIREITO: DA CADUCIDADE. XXVIII. O Autor intentou a presente AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE a 03 de julho de 2017. XXIX. Tratando-se de uma AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE rege esta matéria o artigo 1817º, n.º 3 al. b) do Código Civil, aplicada ex vi artigo 1863º do mesmo diploma legal. XXX. Estamos perante um prazo de caducidade, sendo que, não obstante toda a discussão jurisprudencial em torno desta matéria, esta norma não foi julgada inconstitucional, contrariamente ao que é alegado na sentença ora recorrida. XXXI. O que a Lei não consente e a Constituição da República Portuguesa não tutela é o exercício arbitrário do direito de ação de investigação da paternidade a qualquer tempo. XXXII. Daí que se justifique o estabelecimento de verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1817º do CC. XXXIII. Resultando destes, no essencial que, após o esgotamento do prazo de dez anos previsto no n.º 1 – na hipótese mais frequente, depois de atingir os vinte e oito anos de idade – o investigante poderá exercer judicialmente o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica desde que a ação seja intentada dentro dos três anos subsequentes ao momento em que teve conhecimento de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação – (art.º 1817º, n.º 3 al. b) do CC). XXXIV. A hipótese contemplada nesta alínea funda-se exclusivamente em razões de superveniência subjetiva. XXXV. Aqui chegados, alega o autor, diga-se convenientemente, que tomou conhecimento da identidade do pai em março de 2015 e assim foi decidido na douta sentença. XXXVI. Ora, considerando que a ação deu entrada em 03 de julho de 2017, o Tribunal a quo, julgou que o referido prazo de três anos não se esgotou, tendo sido a ação tempestivamente interposta. XXXVII. Porém, mal andou este Tribunal. XXXVIII. Com efeito, como acima se deixou dito, foi provado testemunhalmente (JJ) que o autor teve conhecimento da identidade do pai em 2012 e não em março de 2015, como alega em sede de petição inicial. XXXIX. Ora, se contarmos três anos a partir de 2012, o autor deveria ter intentado a ação em 2015. Logo, uma vez que o processo teve início em 03 julho de 2017, foi interposto passado o prazo de que o autor dispunha para o efeito. Constituindo tal situação um facto extintivo do direito do autor que aqui expressamente e novo se invoca. XL. Fazendo, deste modo, o Réu prova da caducidade do direito do autor, pelo decurso do prazo de três anos, imposto pelo art.º 1817º, n.º 3, al. b) do CC; terá necessariamente de perecer a presente ação.
*
Apresentou o Autor contra-alegações pugnando por que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A - A recorrente, chamando-lhes conclusões, faz uma reprodução praticamente integral do que alegou no corpo das alegações, ou seja, não cumpriu o ónus de formular conclusões, o que tem de determinar o indeferimento do recurso – art. 641º nº 2 al. b) do CPC. B - Com excepção do que se refere ao ponto 14 dos factos provados, o recorrente, impugnando a matéria dada como provada sob os nºs. 2 a 19 não cumpre o estipulado no artº 640º do CPC. C – Mesmo no que concerne ao ponto 14 dos factos provados, a matéria factual dada como provada não merece qualquer reparo. D - “Nas acções de investigação de paternidade intentadas nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 1817º, ex vi do artigo 1873º do CC, compete ao Réu/investigado o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo já se mostrava expirado à data em que o investigante intentou a acção, mas o recorrente não logrou fazer essa prova e daí que improceda a excepção de caducidade do direito que este invocou. E – mesmo que assim não se entenda, é inconstitucional a norma do artigo 1817º nº 1, do Código Civil, na redacção da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º do mesmo diploma, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26º, nº 1, 36º, nº 1 e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
*
Falecido o Réu, foram habilitadas as suas herdeiras.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*
II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1ª - Da nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão de facto, vício consagrado na al. b), do nº1, do art.º 615.º, do CPC; 2ª- Da (in)observância dos ónus de impugnação da decisão de facto; 3ª-Da impugnação da decisão de facto: se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e se devem ser alterados os factos provados constantes dos pontos 2 a 18 para não provados e aditada aos factos provados a matéria articulada no artigo 26º, da contestação (“é falsa a data indicada pelo autor sobre o conhecimento da alegada identidade do seu pai”), 4ª-Da reapreciação da decisão de mérito: 4.1 – Da caducidade do direito do Autor de investigar a paternidade; 4.2 – Do reconhecimento da paternidade do Réu.
*
II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição): 1. O autor nasceu a .../.../1971, mas da sua certidão de nascimento consta apenas a identificação da mãe – CC – e dos avós maternos – DD e EE, não constando a menção da sua paternidade. 2. Quando tinha 13 ou 14 anos, em 1965 ou 1966, a mãe do autor veio sozinha, de 3. ..., Paredes, para o Porto para trabalhar, em regime interno, como empregada doméstica, numa casa junto à Praça .... 4. Nessa altura conheceu o réu, que trabalhava, inicialmente na A... e, posteriormente, no B..., na citada Praça ..., e começaram a namorar. 5. Com exceção de um pequeno período em que estiveram zangados, a mãe do Autor manteve uma relação de namoro de mais de 5 anos com o réu. 6. Durante cerca de 15 dias, tempos antes da mãe do autor engravidar, chegaram a viver juntos, na casa de uma irmã do réu, chamada FF, casada com um senhor chamado GG. 7. Período durante o qual houve comunhão de leito e mesa. 8. Durante o seu relacionamento mantiveram relações sexuais. 9. E na sequência desse relacionamento, a mãe do autor, por volta dos 19 anos de idade, engravidou. 10. A mãe do autor veio a saber que o réu seguiu para a guerra nas colónias e este nunca tomou qualquer iniciativa no sentido de entrar em contacto com aquela. 11. Quando já o filho tinha nascido (com 29 dias de idade foi viver para ..., Paredes, com os avós maternos), foi comunicado à mãe do autor, pela irmã deste, chamada FF, que o réu tinha falecido na guerra. 12. E foi esta informação que transmitiu ao autor, sempre que este pedia a identificação do pai. 13. Aliás, sempre que o Autor tocava no assunto, a mãe apressava-se em repetir a resposta e a alertá-lo que não queria falar mais sobre o assunto. 14. Só em março de 2015, pressionada pelo autor e pelos filhos deste, a mãe decidiu revelar-lhe o nome do seu pai, acrescentando que o mesmo era natural de Celorico. 15. Munido desse dado, o Autor conseguiu a informação de que o pai, afinal, estava vivo. 16. Confrontou a mãe com esta informação. 17. Conseguiu saber onde morava o cunhado GG que contactou. 18. Mas o autor estava determinado a conhecer e encontrar o pai e conseguiu saber que o mesmo, após a tropa, tinha ido para França, onde tinha constituído família, e obter a sua residência. 19. Chegou inclusivamente a contactá-lo por carta remetida em 30-03-2015 revelando ter tido conhecimento da sua identidade e pedindo o contacto, para o que forneceu os seus números de telefone. 20. Nas cartas enviadas ao Réu, AA, são utilizadas expressões tais como “Tenho uma vida difícil” e “Fale comigo podemos chegar a entendimento”.
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Considerou o Tribunal de 1ª instância não provada a demais factualidade.
*
II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1º- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto.
Arguiu o Réu/Apelante, no recurso que apresentou, a nulidade da sentença por a mesma padecer do vício de falta de fundamentação de facto, previsto na al. b), do nº1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência.
Analisemos, em primeiro lugar, da invocada nulidade, pois que a mesma contende com a validade da própria decisão.
Começa por se referir que as “Causas de nulidade da sentença”, vêm taxativamente consagradas no referido preceito que estabelece: “1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.
As nulidades da sentença são, assim, tipificados, vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites, sendo vícios do silogismo judiciário inerentes à sua formação e à harmonia formal entre as premissas e a conclusão, que não podem ser confundidas com erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[1]. Trata-se de um error in procedendo, nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in judicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito.
E, como vícios intrínsecos daquela peça processual, as nulidades da sentença são apreciadas em função do texto da sentença e do discurso lógico que nela é desenvolvido, não podendo ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes o mérito da relação material controvertida, nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[2].
Os vícios da sentença são, portanto, aqueles que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[3] ou condenar ultra petitum, tendo o julgador de limitar a condenação ao que, concretamente, vem peticionado, em obediência ao princípio do dispositivo.
Os referidos vícios respeitam à “estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[4].
Analisemos o invocado vício, que se reporta à estrutura, exarando-se, desde já, que, fundamentada é a decisão, quer de facto quer de direito.
Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão (que a proceder conduz à anulação da sentença) e a discordância do resultado obtido, cumpre reforçar e deixar claro que os vícios da sentença não podem ser confundidos com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito, estes decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou aplicação do direito (error juris) de forma que o decidido não corresponde à realidade normativa (que, na procedência, conduzem à alteração da decisão da matéria de facto e/ou à revogação da decisão).
E, com efeito, “Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão…”[5].
E no que concerne a insuficiência de fundamentação de facto,diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”[6].
Assim, “é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 2-6-16,781/11).” [7].
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada[8] atacáveis em via de recurso e não determinativos daquela invalidade.
A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma insuficiente ou errada análise das provas produzidas ou uma indevida enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença, mas mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso[9].
E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º.
Não padece, pois, a decisão do apontado vício formal, que improcede.
*
2ª. Da observância dos ónus de impugnação da decisão da matéria de facto
Antes de passarmos à,, definitiva, fixação da matéria de facto e à analise da modificabilidade da fundamentação jurídica, apuremos da verificação da observância dos ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la, entendendo o apelado, nos termos supra expostos, que os mesmos se não mostram, devidamente, observados.
O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- os concretospontos de facto que considera incorretamente julgados; b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que: a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sobpena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).
Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso) b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[10].
Ora, impugnada a decisão da matéria de facto e resultando cumpridos os ónus impostos pelo artigo 639º, nº1, pois que formuladas se encontram conclusões, embora algo prolixas e em repetição parcial e pelo art. 640.º, nº 1, als. a), b) e c), pois que a Apelante faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (os constantes dos pontos 2º a 18º dos factos provados e do art. 26º da contestação, pretendido aditar), indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria, sobre eles, ter sido proferida e indica, ainda (bem ou mal), as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo), cumpre conhecer do objeto do mesmo, reapreciando os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe, não sendo de proferir a, formal, decisão de rejeição do recurso.
3º- Da reapreciação da decisão da matéria de facto
Impugnada a decisão da matéria de facto e resultando cumpridos os ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c), pois que o Apelante faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo), cumpre conhecer do objeto do mesmo, reapreciando os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.
O nº1, do art. 662º, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatóriospretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[11] (consagrado no artigo 607.º, nº 5) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador entram, também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base, apenas, no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[12].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4). O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (…): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[13].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da, demais, prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[14], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar convicção suficientemente segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas - como a prova testemunhal e declarações de parte -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
*
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão ao Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto.
Insurge-se o mesmo contra a decisão da matéria de facto que, no que releva, ponderando os depoimentos das testemunhas, em conjugação com a prova documental junta aos autos e pericial produzida, assim se funda: “A convicção do tribunal relativamente à factualidade provada alicerçou-se na conjugação de toda a prova produzida, de natureza documental (certidão de nascimento de fls. 11), pericial - com particular relevo, no tocante ao apuramento da paternidade - relatório pericial de fls. 246 (devidamente esclarecido e confirmado, na sua credibilidade e fidedignidade pela Sra. Perita do INML, KK, de modo inteiramente claro), do qual resulta afirmada a filiação do autor relativamente ao réu; Quanto ao relacionamento que existiu entre a mãe do autor e o réu, atendeu-se ao depoimento testemunhal, claro e credível,de CC, mãe do autor, o qual resulta, de resto, confirmado pelo teor do referido exame pericial, no tocante à paternidade; mais se atendeu ao teor do citado depoimento testemunhal quanto ao momento e modo como o autor tomou conhecimento da identidade do seu pai (a testemunha afirmou que não contou a verdade ao filho antes porque pensava que o réu teria morrido na tropa, informação que lhe terá sido transmitida pela falecida irmã do réu, FF, mãe da testemunha JJ e também porque se tratou de uma situação que lhe provocou grande sofrimento (o réu sempre terá negado a paternidade, segundo relatou, quando lhe comunicou o seu estado, passando a afastar-se de si), e que, por isso, evitava abordar, o que acabou por fazer num almoço no Carnaval de 2015 em casa do autor, pressionada pelos netos; Tais elementos de prova não foram postos em causa pela prova produzida pelo réu, designadamente os depoimentos testemunhais de II, HH e JJ, seus irmãos e sobrinha, respectivamente, tendo, essencialmente, os dois primeiros referido que não conheciam a mãe do autor ou qualquer relacionamento de namoro daquela com o réu (o que, porém, não invalida a sua ocorrência) e, quanto à terceira, declarado que, na sua opinião, não lhe parecia possível, do que conhecia da personalidade da sua falecida mãe, que esta pudesse ter encenado a morte do réu (circunstância que, não obstante, não se revela decisiva); acrescentou que o seu pai lhe terá, a dado momento, relatado ter sido procurado por alguém que se dizia filho do réu, admitindo a testemunha que pudesse tratar-se do autor, o qual porém, não chegou a ver, nem mesmo a poder apurar exactamente o sucedido ou a sua data, até porque o seu pai, na época, já se encontraria a iniciar um processo demencial de que actualmente padece. Finalmente, os documentos juntos à contestação, referentes à prestação do serviço militar pelo réu a partir de Outubro de 1970, considerando a data de nascimento do autor (.../.../1971), igualmente não obsta à paternidade, uma vez que o período legal da concepção ter-se-á iniciado em Junho de 1970 (art.º 1798º do Código Civil). De tudo o que fica exposto, importa concluir pela afirmação segura da paternidade do réu relativamente ao autor, nada permitindo afirmar com segurança que o autor tenha tido conhecimento de tal facto antes de 2015”.(negrito nosso).
*
Invoca o Réu, na impugnação que deduz, erro na apreciação da prova, pretendendo: i) sejam considerados não provados os factos dados como provados nos pontos 2 a 18; ii) seja aditado aos factos provados serfalsa a data indicada pelo autor sobre o momento do conhecimento da identidade do seu pai,
alterações que conclui deverem ser efetuadas por o depoimento prestado pela progenitora do Autor ter sido pouco convincente e eivado de contradições (padecendo de incoerências designadamente em termos cronológicos/temporais, quanto ao período de namoro, indicou como data de revelação da identidade do pai do Autor o Carnaval de 2015, o que contraria o alegado pelo Autor na sua petição inicial e dado como provado pelo Tribunal a quo – março de 2015 -, não foi capaz de descrever a habitação da irmã do Réu, FF, já que diz existir dois ou três quartos, quando a testemunha apresentada pelo Réu, HH, declarou que se tratava de um T1, afirmou ter conhecido o irmão do Réu, II, bem como que este viveu na referida habitação antes dela lá viver, quando, de acordo com o depoimento de tal testemunha, esta jamais conheceu aquela senhora e apenas saiu de casa dos seus pais no início de 1970 para ir trabalhar para Porto, sendo que, nesse referido ano, durante um período, partilhou um quarto com o irmão e durante outro período viveu com o irmão em casa da irmã, FF, somente até ao final do ano de 1970, para depois ir de assalto para França). Conclui, ainda, ter o depoimento da testemunha JJ sido descurado e mal interpretado pelo Tribunal Recorrido, quando o mesmo deveria ter sido valorado, para efeitos de formação da convicção do Tribunal, nomeadamente para a prova de que o Autor teve conhecimento da identidade do pai em 2012/2013 e não em 2015.
Ora, assim não sucede,em nenhum erro tendo o Tribunal a quo incorrido, bem tendo o mesmo decidido a matéria de facto e bem tendo, para tal, valorado o depoimento da mãe do Autor, credível, convincente, esclarecedor, pormenorizado e ele próprio corroborado pelo exame pericial efetuado, e nenhum valor atribuído ao depoimento das restantes testemunhas, que nada mostraram saber da facticidade da causa.
Com efeito, bem resultou provado que, quando tinha 13 ou 14 anos, em 1965 ou 1966, a mãe do autor veio sozinha, de ..., Paredes, para o Porto para trabalhar, em regime interno, como empregada doméstica, numa casa junto à Praça ...; nessa altura conheceu o réu, que trabalhava, inicialmente na A... e, posteriormente, no B..., na citada Praça ..., e começaram a namorar, sendo que, com exceção de um pequeno período em que estiveram zangados, a mãe do Autor manteve uma relação de namoro de mais de 5 anos com o réu; durante cerca de 15 dias, tempos antes da mãe do autor engravidar, chegaram a viver juntos, na casa de uma irmã do réu, chamada FF, casada com um senhor chamado GG, período durante o qual houve comunhão de leito e mesa; durante o seu relacionamento mantiveram relações sexuais e na sequência desse relacionamento, a mãe do autor, por volta dos 19 anos de idade, engravidou; a mãe do autor veio a saber que o réu seguiu para a guerra nas colónias e este nunca tomou qualquer iniciativa no sentido de entrar em contacto com aquela; quando já o filho tinha nascido (com 29 dias de idade foi viver para ..., Paredes, com os avós maternos), foi comunicado à mãe do autor, pela irmã deste chamada FF, que o réu tinha falecido na guerra; foi esta informação que transmitiu ao autor, sempre que este pedia a identificação do pai e só no ano de 2015 (pelo Carnaval), pressionada pelo autor e pelos filhos deste, a mãe decidiu revelar-lhe o nome do seu pai, acrescentando que o mesmo era natural de Celorico; munido desse dado, o Autor conseguiu a informação de que o pai, afinal, estava vivo, confrontou a mãe com esta informação e conseguiu saber onde morava o cunhado GG que contactou; o autor, determinado a conhecer e encontrar o pai, conseguiu saber que o mesmo, após a tropa, tinha ido para França, onde tinha constituído família, e obter a sua residência.
Não logrou o Réu produzir prova credível e convincente de o Autor ter tido conhecimento da identidade do seu progenitor em ano anterior ao de 2015.
E absolutamente irrelevante é saber se o conhecimento que adveio ao Autor da identidade do seu progenitor se verificouno exato dia de Carnaval do ano de 2015 ou se lhe chegou num outro determinado dia de fevereiro ou de março de 2015 ou, até, mesmo em se se deu em qualquer outro dia desse ano. Com efeito, completamente inócuo é não ter o conhecimento do Autor tido lugar em março mas duas semanas antes do início de tal mês (e, por isso, sempre dentro dos três anos anteriores à propositura da ação, como veremos).
Revisitada a prova e vista a fundamentação da decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de não existir qualquer erro de julgamento, mas mero, eventual, lapso na referência ao mês, o que transparece da motivação de tal decisão de facto, pois que nela se alude ao Carnaval de 2015 (ocorrido em fevereiro, não em março).
No mais, a matéria de facto foi livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, seja ela documental seja testemunhal, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.
Efetuou este Tribunal a análise crítica da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham decisão diversa – como exige o artigo 662.º, n.º 1, do mesmo diploma, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
Ficou este Tribunal convencido, pelo modo sereno, esclarecido, seguro, credível e convincente como depôs, que a progenitora do Autor, CC, falou inteiramente a verdade, não apenas quanto ao seu relacionamento sexual com o Réu como ao facto deste ser o progenitor do Autor e, ainda, quanto ao comportamento assumido pelo Réu quando soube da gravidez em causa nos autos, bem como quanto ao momento e circunstancialismo em que revelou ao Autor a identidade do progenitor (pelo Carnaval do ano de 2015), como, ainda, quanto a toda a demais matéria de facto dada como provada e anteriormente referida.
E o depoimento do irmão do Réu, II, tal como o da irmã do mesmo, HH, e, ainda o da sua sobrinha, JJ, nenhuma relevância tiveram para as respostas à matéria de facto ora em análise, pois que, na verdade, as mesmas nada mostraram saber dos factos aqui em causa e prestaram depoimentos parciais, sequer se tendo abstido de emitir os seus subjetivos juízos e comentários sobre os factos que, por si, eram completamente, desconhecidos. Nenhuma credibilidade nos mereceram as mesmas, bem transparecendo do modo lacónico e impreciso como depuseram, a parcialidade dos seus depoimentos, concertados no sentido de favorecerem o familiar que as indicou como testemunhas, o Réu.
Com efeito, o irmão do Réu II, que nem com o Réu trabalhava e que com ele esteve no Porto apenas uns escassos meses no ano de 1970, logo se ausentou (para França), definitivamente, em setembro de 1970 e, tendo vivido algum tempo em casa da irmã FF, juntamente com a referida irmã, o marido desta (GG), o filho do casal e o Réu, mostrou não recordar, sequer, como era a referida casa. A irmã do Réu HH não vivia no Porto nos anos de 1970/1971, não tendo conhecimento do que quer que seja do que está em causa nos autos (certo sendo, contudo, ter, até, deixado claro que, para além do quarto do casal – de FF e de GG -, havia na casa da irmã FF uma sala e um outro aposento com um beliche, ao que acrescia, ainda, a cozinha). A mencionada sobrinha (e afilhada) do Réu, JJ, que nem nascida era à data do nascimento do Autor, nada sabendo dos factos em causa nos autos, a nada tendo assistido, limitou-se a manifestar opiniões suas e juízos vagos e sem o mínimo rigor.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos e analisados pelo Tribunal a quo, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne à matéria de facto anteriormente referida, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra, com, mera e restritiva, alteração quanto ao mês de conhecimento pelo Autor da paternidade do Réu, que passará a ser o mês anterior ao exarado no facto provado ponto 14 (fevereiro, o mês do Carnaval, em vez de março).
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pelo Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida, sujeita à livre convicção do julgador, tão somente este mero lapso.
Bem se provou a existência da relação sexual fecundante, desde logo pelo exame pericial, confirmado e explicado pela especialista na matéria, KK, que bem atestou a fiabilidade dos resultados obtidos, para além do depoimento da mãe do Autor, que bem mostrou saber que ficou grávida do Autor no dia de São João anterior ao do seu nascimento, e nenhuma prova, minimamente credível e convincente, logrou o Réu produzir no sentido de o Autor ter tido conhecimento da identidade do seu progenitor em data anterior à do Carnaval do ano de 2015, sendo completamente irrelevante se, em vez de março de 2015, foi no mês de fevereiro de tal ano.
Assim, sendo de manter a decisão de facto quanto aos factos provados, embora com a correção do mês, inútil é o aditamento fáctico solicitado, estando, adjetivamente, vedada a prática de atos inúteis.
E, na verdade, como se decidiu em Acórdão desta Relação de 22/2/2021, em que a ora relatora foi adjunta, não é de reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual inconsequente e inútil, o que contraria os princípios da celeridade, da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, princípios com expressa consagração nos arts. artigos 2.º, n.º 1, 6º, n.º 1 e 130º, todos do Código de Processo Civil[15].
Este entendimento, como mencionado no referido Acórdão, vem sendo manifestado pela jurisprudência, incluindo a do STJ – v. Ac. 23/01/2020 (Relator: Tomé Gomes), in dgsi.pt que concluiu que: “Quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC” ”[16].
Também no Ac. RP de 30/5/2023, Proc. nº 697/22.0T8GDM.P1, Relator: Rui Moreira, foi considerado: “Tal como se decidiu no proc. nº 1756/20.0T8MAI.P1, (relator Ramos Lopes, em que o ora relator interveio como adjunto) “A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados[17] . Devem considerar-se como tais as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418. O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleológica e funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que faz circunscrever a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir. Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito[18]), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes, considerando as soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida pelo impugnante, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados[19]” Por isso, tal como decidido no Ac. que vem de citar-se, deve aqui este tribunal de recurso abster-se de apreciar impugnação da matéria de facto em causa, segundo o pretendido pelo apelante, atenta a manifesta irrelevância e indiferença da matéria em causa para a decisão da causa”.
Assim, e apesar de, mesmo, a matéria referida no ponto 14 ser irrelevantepara a solução da causa - cabendo ao próprio Réu alegar, e provar, concretos factos a densificar a exceção que deduz (como veremos) e não relevando negação de afirmação do Autor, nenhuma negação devendo, pois, ser aditada aos factos provados como pretende o apelante -, passaremos, contudo, a dar-lhe a redação, mais restritiva, que resultou, efetivamente, provada, corrigindo o mês para o anterior, por forma a conformar o facto que condensado se encontra nos factos provados com a prova produzida.
Na verdade, como referido, ficou este Tribunal convencido, pelo modo seguro e credível como falou, que a mãe do Autor revelou inteiramente a verdade quando afirmou que só deu a conhecer ao filho o nome do pai pelo Carnaval de 2015. E nenhuma outra prova direta, segura e verosímil foi produzida, nenhuma outra testemunha tendo mostrado ter real conhecimento de o Autor ter tido conhecimento de o Réu ser seu pai em data anterior ao mês de fevereiro de 2015, bem resultando isso do depoimento de todas as restantes testemunhas que nada sabiam (designadamente do da sobrinha do Réu JJ que se mostrou inverosímil e lacónico, bem mostrando nem o Autor conhecer).
Neste conspecto, e meramente por uma questão de rigor, para que não fique no compósito dos factos provados a referência a um mês a que ninguém aludiu e em relação ao qual nenhuma prova existe, havendo-a, como se mencionou em relação ao mês anterior, até como exarado, pelo Tribunal a quo na motivação da decisão de facto, mês esse que foi o do Carnaval de 2015, determina-se que o ponto 14, dos factos provados passe a ter a seguinte redação: “14. Só no mês anterior a março de 2015 (fevereiro de 2015), pressionada pelo autor e pelos filhos deste, a mãe decidiu revelar-lhe o nome do seu pai, acrescentando que o mesmo era natural de Celorico”.
No mais, improcede a impugnação da matéria de facto sendo de manter o restante decidido.
*
4 - Da modificabilidade da fundamentação jurídica
Inalterada a decisão da matéria de facto, cumpre verificar se a decisão de mérito proferida pelo tribunal a quo deve ou não ser mantida, sendo que, como vimos, as questões objeto do recurso estão balizadas pelas conclusões das alegações do recorrente.
Bem decidiu de facto o Tribunal a quo e dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos em termos jurídicos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, da prévia procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo o apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que, assim, se mantém inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.
Sempre se dirá, contudo: 4.1 - Quanto à exceção perentória da caducidade
Excecionou o réu a caducidade do direito do autor de investigar a paternidade, afirmando não ser verdade que o autor tenha tido conhecimento da paternidade em março de 2015, pelo que, esgotado o prazo de dez anos previsto no nº1, do art.º 1817º, do Código Civil, também o prazo de três anos previsto no nº 3 do mesmo preceito legal, se havia já esgotado à data da propositura da ação.
Julgou o Tribunal a quo improcedente a exceção perentória de caducidade arguida pelo Réu, apesar de a ação ter sido proposta quando o Autor tinha já mais de 45 anos de idade, considerando não ter o Réu logrado provar o, controvertido, conhecimento do Autor há mais de três anos (contados com anterioridade em relação à data da propositura da ação.
Estatui o artigo 1873º, do Código Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, que é aplicável à ação de investigação de paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1817º a 1819º e 1821º.
Consagra o artigo 1817º: “1 - A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. 2 - Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815º[20], a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório. 3 - A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. 4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação.”
Tendo o autor nascido em .../.../1971 e, por isso, tendo, à data da propositura da ação (3/7/2017) atingido a maioridade há muito mais de dez anos, visa o mesmo socorrer-se do regime previsto no nº 3, do art.º 1817º, que lhe confere um prazo de três anos, contado do conhecimento de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação.
Tendo a ação sido proposta em 03.07.2017, três anos antes apontam para 03.07.2014, bem referindo o Tribunal a quo:
“Seria ao réu que incumbiria a prova de que o autor havia tomado conhecimento dos referidos factos anteriormente a tal período de três anos. Com efeito, como se escreve, uniformizando jurisprudência, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2021, de 15 de Novembro, publicado no Diário da República n.º 221/2021, Série I de 2021-11-15: “Nas acções de investigação de paternidade, intentadas nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 1817.º, ex vi do artigo 1873.º do CC, compete ao Réu/investigado o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo já se mostrava expirado à data em que o investigante intentou a acção.” Ora dúvidas não restam de que o réu não logrou demonstrar tal circunstância”.
Resultou que o autor só tomou conhecimento da identidade do seu pai em 2015, pelo que nunca o referido prazo de caducidade, de três anos, se poderia mostrar esgotado.
Com efeito, dúvidas não restam que o prazo de 10 anos há muito que havia decorrido, face à idade do Autor, que tinha já mais de 45 anos de idade quando instaurou a ação.
Sucede que a lei prevê, nos casos de inexistência de paternidade determinada (como é o caso), que a ação de investigação da paternidade possa ser proposta (já após os dez anos posteriores à maioridade) dentro dos três anos seguintes ao momento em que o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação (cfr. artigo 1817º, nº3, al. c), do Código Civil, «ex vi» do disposto no artigo 1873º, do mesmo diploma legal).
No caso dos autos, demonstrou-se que no ano de 2015, a mãe do Autor, confrontada com pedido no sentido de revelar a identidade do pai do Autor, a mesma identificou-o como sendo o ora Réu, sendo que, até então, o Autor desconhecia quem era o seu pai. E, na sequência disso, o Autor instaurou a presente ação em 2017.
Tal factualidade legitima a propositura da presente ação, bem tendo sido julgada improcedente a exceção perentória de caducidade invocada, pelo que, nenhuma alteração tendo sido introduzida à decisão da matéria de facto, a decisão jurídica da exceção é de manter.
*
b) Quanto à paternidade do Autor
Pretende o Autor o estabelecimento da sua paternidade, que atribui ao Réu.
Cumpre referir que o estabelecimento da paternidade pode dar-se por duas formas, consoante os filhos nasçam dentro ou fora do casamento. Para o primeiro caso existe presunção (estabelecida nos arts. 1796.º, n.º 2 e 1826.º do CC) e no segundo a paternidade apenas pode ser estabelecida por reconhecimento, mediante declaração do próprio, ou por decisão judicial, em ação de investigação (art. 1847.º do CC).
Sendo este o caso, e podendo a paternidade ser estabelecida apenas pelo reconhecimento voluntário ou por decisão judicial, em ação de investigação de paternidade - cfr. artigos 1796º, n.º 2 e 1847º (consagrando este preceito que “o reconhecimento do filho nascido ou concebido fora do matrimónio efetua-se por perfilhação ou decisão judicial em ação de investigação”) -, teve o Autor, para a lograr obter, necessidade de propor a presente ação, alegando os factos a densificar a causa de pedir do pedido que formula.
A investigação de paternidade, regulada pelos artigos 1869º e seguintes e que visa estabelecer o vínculo de filiação paterna, tem como causa de pedir o facto da procriação - a relação sexual fecundante, causal do nascimento - a ele se acedendo por via sua prova, direta, ou por uma das vias indiretas, através da prova dos factos instrumentais que com segurança o indiciem ou pelo enquadramento de uma das situações de facto eleitas na lei como dele presuntivas.
A este propósito, estabelece, desde logo, o artigo 1871º, do Código Civil, que se presume a paternidade quando:
- o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público;
- exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade;
- tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai, durante o período legal da conceção;
- o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da conceção, se esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade;
- se prove que o pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de conceção.
E, na verdade, o facto biológico da filiação ou da sua exclusão pode resultar provado por métodos cientificamente comprovados (artigo 1801º, do Código Civil).
O exame hematológico, enquanto meio pericial que é, constitui um meio de prova por excelência da verificação do vínculo biológico ou da falta dele, meio pericial a apreciar livremente pelo tribunal (artigo 389º do Código Civil), embora tal prova científica, com recurso a meios tecnológicos mundialmente testados e aceites, deva merecer muito especial relevância, sobretudo quando comparada com a falibilidade da prova testemunhal e do depoimento de parte em ações desta natureza, provas essas que são naturalmente menos seguras e, por isso, mais falíveis. O elevado grau de probabilidade do vínculo biológico (ou da sua inexistência) que se alcança com o exame hematológico, quase a certeza científica, pode mesmo justificar a dispensa de outro tipo de prova. Daí que se possa afirmar que em matéria de paternidade se impõe o respeito da verdade biológica. Existe um interesse público da procura da verdade biológica[21].
Afigura-se-nos evidente que o meio de prova mais indicado para se averiguar a paternidade biológica é o exame genético. Através desta prova pericial alcança-se a prova da, quase, certeza científica, mais do que a prova da existência de relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai, durante o período legal de conceção, a prova da relação sexual fecundante. Os testes de ADN são um instrumento privilegiado para alcançar esse fim, fora de subjetivismos e de análises da credibilidade que nos possa merecer a prova testemunhal.
Por outro lado, o momento da conceção é fixado, para efeitos legais, dentro dos primeiros 120 dias dos 300 dias que precederam o nascimento (artigo 1798º do Código Civil).
Sendo passível de discussão a afirmação no sentido de padecerem do vício de inconstitucionalidade material as normas que estabelecem prazos de caducidade nas ações de investigação de paternidade, vindo o Tribunal Constitucional a negá-lo, foi, em acórdão em que a ora relatora também o foi - Ac. da Rel. de Guimarães de 9/5/2019, proferido no processo 1431/17.2T8VRL.G1- decidido em sentido contrário, aí se considerando: “1- O atual regime jurídico do estabelecimento da filiação procura conformar o princípio da correspondência entre a verdade biológica e a verdade jurídica, na consideração da existência de um direito de cada um à identidade pessoal, abrangido pelo direito à sua própria historicidade pessoal, que tem ínsito o conhecimento dos progenitores biológicos. 2- Fora do casamento, o vínculo de filiação paterna pode, para além do reconhecimento voluntário (por perfilhação), ser estabelecido por decisão judicial, em ação de investigação de paternidade, tendo esta como causa de pedir o facto jurídico da procriação - a relação sexual fecundante, causal do nascimento -, a ele se acedendo por prova direta ou por prova de factos instrumentais que, com segurança, o indiciem ou pelo enquadramento de uma das situações de facto eleitas na lei como dele presuntivas (v. nº1, do artigo 1871º), … 3- A ação de investigação de paternidade, … está sujeita a prazo de caducidade – cfr. art. 1817º, do CC, um prazo regra de 10 anos … e a prazo especial de três anos, ... 4- Todavia, nunca ocorreria a caducidade para o exercício do estabelecimento da paternidade, estatuída pelo nº1, do artigo 1817º, ex vi artigo 1873º, ambos do Código Civil, pois que o direito a investigar e a estabelecer a filiação jurídica é “imprescritível”, sendo um direito de personalidade, personalíssimo (o de conhecer, definir e fazer reconhecer perante todos e para todos os efeitos, as raízes, que, legitimamente, todo o filho tem o direito a ver estabelecidas), nunca podendo o exercício desse direito considerar-se, pelo decurso do tempo, abusivo. Sejam quais forem as razões que levam a exercê-lo, sempre o seu exercício constitui a materialização de um direito de personalidade, que assegura o direito à identidade pessoal, o princípio constitucional da igualdade entre todos os filhos e o interesse público em que essa identidade seja estabelecida, com verdade e transparência. 5- Impõe-se um regime que permita, a todo o tempo (scilicet), instaurar estas ações, padecendo de inconstitucionalidade material as normas a impor prazos de caducidade para o exercício de tal direito, sendo o prazo de 10 anos previsto no n.º 1, do art. 1817.º, do C. Civil, inconstitucional por constituir uma restrição injustificada do direito ao conhecimento das origens genéticas (arts. 18.º, n. º 2 e 3, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, da CRP), reclamando o direito fundamental à identidade pessoal (do investigante) uma tutela de absoluta prevalência sobre os interesses do investigado ou dos seus herdeiros, sejam eles relacionados com a salvaguarda da privacidade, da intimidade da vida familiar, da segurança jurídica ou quaisquer outros (patrimoniais ou não), pois que nenhuma operação de concordância prática entre os direitos e interesses constitucionalmente protegidos das partes pode impor, por razões de proporcionalidade, se ignore a verdade biológica. 6- Os direitos fundamentais à identidade pessoal e ao estabelecimento da paternidade do investigante reclamam intensa tutela, conducente a alcançar a Certeza, a Verdade e a Justiça, que sempre o Homem, os Cidadãos, os Tribunais e o Estado visam alcançar, e a extrair os devidos efeitos jurídicos em matéria de filiação, no momento em que o filho se sinta disposto a ir ao encontro do que sempre lhe devia ter sido proporcionado. 7- A certeza da prova científica dada pelos testes de DNA, de que resulta a prova da relação sexual fecundante e, consequentemente, a prova da verdade biológica, não pode deixar de ditar o sucesso relação jurídica de paternidade, impondo-se, no caso, o estabelecimento da paternidade” [22].
No caso dos autos, temos por demonstrado que no dia 29-3-1971, nasceu o Autor, registado unicamente como sendo filho de CC, não constando a menção da sua paternidade.
Por outro lado, também se provou que a referida CC e o Réu mantiveram relações sexuais no ano de 1970 e que, em consequência dessas relações, aquela engravidou e veio a dar à luz o Autor.
Apurou-se que o autor nasceu em consequência das relações sexuais mantidas pelo réu com a mãe daquele. E, efetivamente, através do exame de ADN realizado resulta provado que o autor é filho do réu.
Ora, resulta, também, que havendo sido, sempre, transmitido ao Autor que o seu pai, cuja identidade desconhecia, havia falecido, só no segundo mês de 2015 soube o mesmo a sua identidade e conseguiu a informação de que, afinal, tinha pai ainda vivo. Nas circunstâncias do caso, nada permite efetuar subsunção a abuso de direito, não tendo sido demonstrada factualidade que permita concluir que o Autor, com o reconhecimento da paternidade, tenha visado alcançar finalidades patrimoniais únicas, sequer primordiais.
Bem considerou, assim, o Tribunal a quo ter resultado provado que a gestação do Autor resultou do relacionamento sexual mantido entre o Réu e a mãe do Autor e outra solução não se impõe que não a de serem julgadas improcedentes, por não provadas, as exceções deduzidas pelo Réu e, atenta a prova da paternidade deste, a ação procedente, por provada, impondo-se, por conseguinte, confirmar a sentença recorrida.
Não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, podendo, aqui, manter-se, na íntegra, a fundamentação de direito que o Tribunal de 1ª Instância bem desenvolveu na sentença que proferiu.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer normativo invocado pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
*
Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Porto, 11 de setembro de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Joaquim Moura
Miguel Baldaia de Morais
______________ [1] Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Proc. 360/09: Sumários, Abril /2014, e Ac. da RE de 3/11/2016, Proc. 1070/13, in dgsi.Net. [2] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in dgsi.net. [3] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734. [4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág. 735. [5] Ibidem, pág 735 e seg. [6] Ibidem, pág 736. [7] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 763. [8] Ac. STJ de 5/4/2016, Proc. 128/13, Sumários Abril/2016, pág 8, Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 921. [9] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in dgsi.pt. [10] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs 155-156 [11] Acs RC de 3/10/2000 e 3/6/2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág. 26. [12] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348. [13] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág. 709. [14] Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 [15] Vide, neste sentido, ainda, Ac. da RG de 11.09.2015, (relatora: Manuela Fialho), Ac. da RC de 24.04.2012 (relator António Beça Pereira) e AC RP de 7.05.2012 (relatora: Anabela Calafate), todos in dgsi.pt. [16] Cfr. Ac. da RP de 22/2/2021, proc. 818/13.4TBPFR-C.P1 (relator: Pedro Damião e Cunha) “Quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640º, nº 1, do CPC, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC”. [17] Assim, ainda que considerando o anterior regime processual civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298 [18] Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1 [19] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, por mais recentes, os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Batista), no sítio www.dgsi.pt. [20] E não é admissível o reconhecimento de maternidade em contrário da que conste do registo do nascimento. [21] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Volume II, tomo I, 2006, pg. 68, 88, 133, 140 e 190. [22] Ac. RG de 9/5/2019, proc. 1431/17.2T8VRL.G1, in dgsi.pt