INTERNAMENTO COMPULSIVO
PRESSUPOSTOS
COMPETÊNCIA PARA DECRETAR
Sumário

No que concerne às formalidades da sentença a proferir no âmbito dos processos previstos e regulados na Lei 36/98, de 24 de Julho, não existe qualquer lacuna que seja necessário regular através das regras do CPP, porque sobre elas rege o art.º 20º da mesma lei, nos termos do qual, a validade e eficácia da decisão sobre o internamento apenas depende de a mesma ser fundamentada e de dessa fundamentação constar a identificação a pessoa a internar, a especificação das razões clínicas, o diagnóstico clínico, quando existir, e a justificação do internamento (ou do arquivamento do processo).
Não lhe são aplicáveis as regras contidas nos art.ºs 374º e 379º do CPP.         
A avaliação clínico-psiquiátrica do internando é obrigatória e o juízo técnico-científico inerente a essa avaliação está subtraído à livre apreciação do juiz, nos termos do art.º 17º nº 5 da Lei de Saúde Mental e não apenas presumivelmente subtraído, como na previsão contida no art.º 163º do CPP.
Se por um lado é à medicina que incumbe exclusivamente o diagnóstico da doença, distúrbio, ou perturbação susceptíveis de integrar o conceito de anomalia psíquica, que constituí um dos pressupostos cumulativamente exigidos pelo art.º 12º para a sujeição de alguém a internamento compulsivo (e também a tratamento compulsivo ambulatório, em face do que dispõe o art.º 33º), já a aferição da sua natureza grave, da existência do nexo causal entre o estado psíquico incapacitante e a situação de perigo (concreto, atual e, no internamento urgente, iminente) para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial de relevante valor, bem como a recusa do internando a submeter-se ao tratamento necessário, é totalmente jurisdicional.  
Pese embora, a decisão final seja da exclusiva competência de um Juiz, este não pode decretar o internamento compulsivo se a opinião médica for contrária.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 12 de Maio de 2020, no processo de internamento compulsivo nº 4908/18.9TBOER Juízo Local Criminal de Oeiras, Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi determinado o arquivamento do processo, por não se verificarem os pressupostos da Lei de Saúde Mental de que depende o internamento compulsivo e o tratamento compulsivo em regime ambulatório da requerida AM_____.
Inconformado com esta decisão, o requerente PM_______ interpôs recurso desta sentença, com as seguintes conclusões:
A. O Requerente não se conforma com a decisão de arquivamento dos autos, razão pela qual vem interpor o presente recurso.
B. Aplicando-se à sentença as regras do CPP, por remissão do artigo 9º da LSM, aquele prevê, no artigo 379º nº 1, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º, do mesmo diploma.
C. O nº 2 do artigo 374º do CPP refere a necessidade de fundamentação da sentença, na qual se inclui a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
D. A sentença em questão não enumera os factos provados e não provados.
E. É impossível saber em que factos se baseou o Tribunal a quo para prolação da decisão sub judice, porque a mesma não os enumera, tornando-se, por isso, também impossível defender a lógica e a adequação da sentença.
F. É igualmente nula a sentença, devendo a mesma ser revogada, porquanto a avaliação clínico-psiquiátrica feita no âmbito dos autos é, em parte, omissa, pelo que se deve considerar por não realizada.
G. A avaliação clínico-psiquiátrica é omissa, na medida em que a tramitação processual plasmada na LSM apresenta como obrigatória a avaliação clínico- psiquiátrica (cfr. art.º 16.º da LSM) e, no caso dos presentes autos, essa avaliação omite qualquer aferição dos pressupostos técnico-científicos que o nº 2, do artigo 12.º da LSM prevê, sendo eles a: (i) existência ou inexistência de discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento; e (ii) possibilidade da ausência de tratamento deteriorar de forma acentuada o estado da internanda.
H. A avaliação clínico-psiquiátrica nada diz sobre estes requisitos legais para aplicação da LSM, os quais, naturalmente, só poderão ser atestados cientificamente, ao contrário dos requisitos previstos no nº 1 do artigo 12º da LSM, cuja aferição pertence à juíza (com excepção da doença e, talvez, da classificação da mesma como “grave”).
I. Há ainda nulidade da sentença, uma vez que o tribunal a quo dispensou um exame solicitado numa primeira fase pela junta médica, no primeiro relatório emitido a 16 de Abril de 2019 (e aconselhado novamente a 24 de Março de 2020, pela mesma junta): exame de doseamento plasmático de Risperidona.
J. Seria fundamental a realização deste exame, o qual permite medir o nível de Risperidona no sangue, para saber se a Requerida estaria ou não estaria a tomar o medicamento aquando da avaliação clínico-psiquiátrica,
K. Bem como aquando da realização dos demais exames feitos posteriormente (nem todos no âmbito destes autos, mas todos referidos na sentença).
L. No entanto, conforme refere a própria sentença, o exame não se fez porque o tribunal não o considerou necessário (e não por impossibilidade).
M. Esqueceu-se, com o devido respeito, o tribunal recorrido que se o exame é ludibriável para a toma, não é ludibriável para o contrário - isto é, pelo menos permite ter a certeza que uma pessoa não toma o medicamento
N. E tal questão é de fundamental importância, na medida em que se o tribunal recorrido considerou dispensável o referido exame, não pode ao mesmo tempo admitir como certo que a Requerida não estava sob o efeito da Risperidona, quando foi submetida, a 12 de Setembro de 2019, a mais uma avaliação de urgência.
O. É ainda nula a sentença recorrida, porquanto o Ministério Público não se pronunciou, ausentando-se na sua obrigação de apresentar alegações na Sessão Conjunta.
P. Por tudo o exposto, requer-se seja declarada a nulidade da decisão sub judice, com as devidas e legais consequências.
Q. Ainda que não haja nulidade da sentença recorrida, o que não se concede, sempre a avaliação clínico-psiquiátrica deveria ser repetida, uma vez que: (i) foi defraudada pela Internanda e (ii) é contraditória.
R. Tal como admitido pela Requerida na Sessão Conjunta, bem como explanado na sentença proferida, a Internanda apenas tomou o anti-psicótico prescrito, Risperidona, pelo tempo necessário para decorrerem as duas entrevistas feitas pela junta médica.
S. A Requerida admitiu, conforme resulta das gravações, que começou a tomar Risperidona pouco antes da primeira entrevista e deixou de tomar depois da segunda.
T. O que significa que a Requerida estava medicada quando foi avaliada, tendo deixado de se medicar, logo de seguida.
U. O problema não está em que a Requerida se medique (o que é pretendido, até), mas que o faça com o intuito de ludibriar a avaliação psiquiátrica.
V. A avaliação está irremediavelmente enviesada, por defraudada pela própria Internanda.
W. E de nada vale o argumento de que, em Setembro de 2019, no âmbito de outro mandado de condução para internamento de urgência, a Requerida foi avaliada sem estar alegadamente a tomar Risperidona.
X. Em primeiro lugar, sem o exame de doseamento plasmático de Risperidona, solicitado numa primeira fase pela junta médica (relatório de 16.4.2019), não é possível saber se a Requerida estaria ou não a tomar a medicação prescrita.
Y. Em segundo lugar, esta avaliação de urgência (feita em 12.9.2019) teve origem no processo tutelar dos menores que corre termos no Juiz 3, do Tribunal de Família e Menores de Cascais, no âmbito do processo de promoção e protecção tutelar dos menores, com o nº de processo 1721/19.0T8CSC, o qual nada tem que ver com os presentes autos.
Z. Em seguida, é fundamental não confundir a aplicação dos mecanismos legais, pois a avaliação dos pressupostos dos internamentos de urgência é diferente da avaliação feita na avaliação clínico-psiquiátrica prevista no artigo 16º da LSM.
AA. Os pressupostos para os internamentos de urgência (artigos 22º e seguintes da LSM) são diferentes daqueles que se discutem num internamento “comum” (artigos 12º e seguintes da LSM).
BB. Pelo que é falacioso valorar a avaliação do médico de serviço, que observa a pessoa conduzida à urgência (para aferir se esta deve ficar imediatamente internada), da mesma maneira que se valoriza a avaliação clinico-psiquiátrica feita por uma junta médica nomeada para o efeito ao abrigo do artigo 16º da LSM.
CC. Ainda assim, diga-se que esta avaliação (feita em 12.9.2019) voltou a diagnosticar a Requerida com uma psicose (“Diagnostico: 2989 - PSICOSE SOE’), como se pode consultar no preâmbulo da mesma.
DD. A referida avaliação clinico-psiquiátrica sabendo que a Risperidona lhe tinha sido receitada pelo seu médico assistente, corroborou essa prescrição e mandou manter o tratamento prescrito - 3mg/dia.
EE. Sucede que a Requerida, imediatamente a seguir à segunda e última entrevista realizada na avaliação clinico-psiquiátrica, deixou de tomar o medicamento, mesmo depois do que ficou novamente prescrito,
FF. Pelo que é forçoso concluir que a mesma apenas começou a tomar para passar pelas entrevistas a que ia ser submetida, bem sabendo que deixaria de o fazer assim que estas terminassem.
GG. A avaliação fica, assim, comprometida, sendo agora certo que o exame de doseamento plasmático de Risperidona deveria ter sido feito, não se percebendo por que razão o tribunal recorrido o dispensou.
HH. Além do mais, a avaliação clinico-psiquiátrica, além de feita retalhadamente e sem uma descrição clara daquilo que a mesma conclui, parece até ser contraditória.
II. Com efeito, com data do dia 16 de Abril de 2019, a junta médica designada para a avaliação clínico-psiquiátrica começa por referir não haver critérios para internamento de urgência (artigos 22º e seguintes da LSM).
JJ. Repete-se que os pressupostos para os internamentos de urgência (artigos 22º e seguintes da LSM) são diferentes daqueles que se discutem num internamento “comum” (artigos 12º e seguintes da LSM).
KK. Em seguida, os médicos que escreveram este primeiro relatório, de 16 de Abril de 2019, a seguir a terem duas entrevistas com a Internanda, ora Recorrida, consideram que “Devido à complexidade do quadro” seria melhor realizar uma Avaliação Psicológica
LL. E um exame adicional (doseamento plasmático de risperidona), a realizar no Hospital D. Estefânea.
MM. Sucede que a mesma junta médica que solicita o referido exame adicional emite um relatório final, firmado a 11 de Outubro de 2019, sem que o exame tivesse sido feito.
NN. Se o exame foi considerado necessário e não havia disponibilidade imediata para o fazer, no Hospital D. Estefânea, nada justifica que se ignore a importância da realização do mesmo e se prossiga com a avaliação clínico-psiquiátrica, sem mais.
OO. Em seguia, no referido relatório de 11 de Outubro de 2019, no campo Diagnostico Provisorio/Medidas Terapeuticas (sua fundamentação), a junta médica conclui por haver “Episódio psicótico inaugural’, dando indicação para “manter o tratamento prescrito - risperidona, via oral, 3 mg por dia”.
PP. Daqui, qualquer pessoa retira que o diagnóstico confirma a existência de uma psicose e que a medida terapêutica aconselhada passou pela manutenção da toma de um anti-psicótico.
QQ. Sucede que, logo a seguir, no campo Conclusão, os mesmos médicos, que diagnosticam a psicose e aconselham a toma de um anti-psicótico, vêm considerar não justificado o internamento, por haver ausência de riscos significativos, mais uma vez repetindo o conselho de manter a toma do anti-psicótico.
RR. Acresce, também, que foram solicitados esclarecimentos aos médicos peritos, tendo os mesmos sido prestados, a 24 de Março de 2020, os quais são ininteligíveis, na medida em que dizem que teoricamente é possível substituir a medicação oral por injectável, mas acabam a remeter essa decisão para o psiquiatra assistente da Internanda
SS. Quando foram os mesmos que prescreveram Risperidona à Recorrida e quando foi aos mesmos que foram solicitados tais esclarecimentos.
TT. S.m.o, os relatórios que constituem a avaliação clínico-psiquiátrica são demasiado confusos e contraditórios para que se possa extrair, com segurança, uma ideia orientada daquilo que os médicos concluíram.
UU. Com efeito, o relatório final, de 11 e Outubro de 2019, é peremptório e muito claro em todos os campos, menos na conclusão. Pois o título é claro: AMBULATÓRIO COMPULSIVO; o diagnóstico e as medidas terapêuticas são claras: psicose e toma de anti-psicótico (Risperidona, via oral, 3mg por dia),
VV. Não se entende a conclusão retirada pelos médicos, tanto mais que a mesma (decidir se deve ficar internada ou não), cabe ao juiz e não aos médicos.
WW. Aos médicos cabe dizer se a pessoa está doente ou não (e disseram que sim), ao tribunal cabe decidir se a pessoa, que os médicos classificaram como doente, deve ser internada ou não.
XX. Pelo exposto, considera-se que a avaliação clinico-psiquiátrica efectuada é incompleta, inconsequente e contraditória, devendo ser ordenada a sua repetição.
YY. São os seguintes os pressupostos que o artigo 12.º da LSM prevê para o internamento: (a) o portador de anomalia psíquica grave; (b) que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial; (c) e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico; (d) que não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento; (e) quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado.
ZZ. Quanto ao primeiro pressuposto, se parece evidente que a existência de uma anomalia psíquica deve ser atestada por médicos com competência para tal, a lei não explicita como se deve apurar a gravidade da anomalia psíquica em causa.
AAA. De qualquer forma, o diagnóstico resultante da avaliação clínico-psiquiátrica é o de uma psicose e as medidas terapêuticas da mesma passaram por receitar a toma de um anti-psicótico - Risperidona -, diariamente.
BBB. Também os relatórios médicos juntos pelo Requerente no Requerimento Inicial, como documento n.º 1 e 2, descrevem a doença como uma psicose e atestaram a gravidade da mesma.
CCC. Todos os relatórios médicos, incluindo os resultantes de mandados de urgência (de 16.3.2018 e 12.9.2019), diagnosticaram, igualmente, a Requerida com uma psicose.
DDD. Segundo a descrição médica, e tal como se pode observar na vasta bibliografia sobre esta doença, a Psicose Paranóide (ou Perturbação Delirante Persistente) é uma doença psiquiátrica facilmente tratável, mas que tem como grande obstáculo a baixa adesão voluntária dos doentes a esse tratamento por refutarem estar doentes, tendendo a um progressivo quadro de hostilidade e isolamento, com perigosidade real.
EEE. Este pressuposto (existência de anomalia psíquica grave) ficou, assim, amplamente provado, apesar da decisão recorrida não o enumerar.
FFF. Quanto ao segundo pressuposto do n.º 2 do artigo 12.º da LSM, uma vez que o legislador previu que as situações de perigo tivessem de ser criadas por força da doença e tivessem de ser actuais (“que crie” implica emprego do tempo verbal presente do conjuntivo),
GGG. Este pressuposto apenas se torna possível de provar por outras diligências instrutórias para além da avaliação clínico-psiquiátrica (não são os médicos que sabem, em concreto, se a pessoa observada põe em perigo as pessoas com quem convive, por exemplo).
HHH. Assim, a prova produzida quanto a este pressuposto é trazida apenas pelos documentos juntos pelo Requerente (e pelas suas próprias alegações escritas e declarações orais),
III. Uma vez que o tribunal não quis ouvir as testemunhas arroladas pelo mesmo, pessoas próximas do agregado familiar da Internanda, que pudessem atestar o perigo em que a mesma coloca, diariamente, os seus dois filhos menores.
JJJ. Resulta bem explícito do documento nº 3 junto com o Requerimento Inicial, o qual corresponde a um parecer elaborado pela Prof. Doutora EM___, psicóloga a quem Requerente e Requerida solicitaram intervenção em contexto familiar, que as “crianças se encontram numa situação de verdadeiro risco psicológico e mesmo de vida, como se pode inferir das estranhas verbalizações da mãe, como por exemplo “vamos ter paz e já falta pouco", “caminho do bem e do mal...o sofrimento vai fazê-los ver qual é o caminho."
KKK. Também o documento nº 2 junto com o Requerimento Inicial, constituindo um relatório do médico psiquiatra, Dr. TS___, refere que, na opinião deste médico, a doença da Internanda poderia “pôr em risco a sua saúde/vida ou de terceiros”.
LLL. Ao mesmo tempo, o Juiz 3, do Tribunal de Família e Menores de Cascais, no âmbito do processo de promoção e protecção tutelar dos menores, com o n.º de processo 1721/19.0T8CSC, aberto por iniciativa do Ministério Público, após ouvir a Prof. Doutora EM_____ e o Dr. TS____, considerou que provisoriamente deveria retirar à Mãe os cuidados das crianças, até que se apurasse não haver perigo, conforme despacho de 25.06.2019, junto aos presentes autos.
MMM. Resulta, portanto, que, com todos estes elementos probatórios produzidos no processo, ficou comprovado que a doença da Mãe criava uma situação de perigo para os filhos, pelo que está claro que este facto deveria ter sido dado como assente e preenchido o segundo pressuposto previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LSM.
NNN. Relativamente ao terceiro pressuposto, a recusa da Requerida em tratar-se, não só resulta da doença, uma vez que é próprio deste tipo de psicose, como consta do relatório médico emitido pelo Dr. TS____ (cfr. doc. n.º 2 do Requerimento Inicial), onde o mesmo refere, no antepenúltimo parágrafo do seu relatório: “Não tem crítica para a situação nem para necessidade de fazer tratamento, que recusou.”
OOO. Também foi expressamente confessado pela própria Requerida, no seu requerimento de 28.10.2019, que “a Requerida esclarece que tomou o referido antipsicótico, mas, em consequência dos efeitos secundários provocados pelo medicamento, deixou de tomar esse fármaco."
PPP. Resulta, portanto, sem margem para dúvidas, provado que a Requerida recusa o tratamento aconselhado, pelo que se encontra preenchido o terceiro pressuposto previsto no artigo 12º nº 1 da LSM.
QQQ. No que se refere ao quarto pressuposto, deveriam, s.m.o., ser os médicos a aferir a capacidade da Internanda para avaliar o sentido e alcance do consentimento para o tratamento.
RRR. A avaliação clinico-psiquiátrica feita nos autos é omissa quanto ao discernimento que a Internanda possa ou não ter para avaliar o sentido e alcance do seu consentimento.
SSS. Mais uma vez, dado que o tribunal não quis ouvir testemunhas, ou produzir adicionais diligências instrutórias, ao abrigo do disposto no artigo 16.º da LSM, os elementos que há sobre a verificação deste pressuposto foram carreados para os autos pelo próprio Requerente.
TTT. No penúltimo parágrafo do relatório médico emitido pelo Dr. TS____ (cfr. doc. n.º 2 do Requerimento Inicial), refere-se expressamente que a Requerida não tem “(...) crítica para a situação, nem o discernimento necessário para avaliar o sentido da recusa do tratamento (...)”.
UUU. Sendo este o único meio de prova que versa sobre o referido pressuposto, não resta outra opção ao tribunal que não o de considerar provado que a Requerida não tem o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento.
VVV. Está claro que este facto deveria ter sido dado como assente e considerado como preenchido o segundo pressuposto previsto no artigo 12.º, n.º 2, da LSM.
WWW. Por último, quanto à eventual deterioração acentuada do estado da Internanda pela ausência de tratamento, também aqui deveriam, s.m.o., ser os médicos a aferir o mesmo.
XXX. Ora, mais uma vez a avaliação clinico-psiquiátrica feita nos autos é omissa quanto à eventual deterioração acentuada do estado da Internanda pela ausência de tratamento.
YYY. Mais uma vez o relatório do Dr. TS_____ (cfr. doc. n.º 2 do Requerimento Inicial) permite descortinar alguns resultados do que poderá ser a recusa do tratamento - no 5.º parágrafo a contar do fim é referido que “Tem vindo a existir um isolamento progressivo de todos os amigos.”
ZZZ. E também as declarações do Requerente, no dia 05.05.2020, referem isso mesmo.
AAAA. É, no entanto, impossível dizer se o tribunal considerou preenchido o último pressuposto previsto no artigo 12.º da LSM, porquanto a sentença é omissa quanto a este ponto.
BBBB. Na verdade, a justificação da sentença proferida pelo tribunal a quo limita-se a operar por remissão ao que é proferido na avaliação clínico-psiquiátrica quanto à verificação dos pressupostos para o internamento.
CCCC.É evidente que as acções judiciais de internamento compulsivo, como esta, não se podem decidir apenas com base no que é proferido nas avaliações clínico- psiquiátricas feitas no seu âmbito.
DDDD. Se assim fosse, as acções correriam nos hospitais, sendo os médicos as pessoas competentes para determinarem os internamentos compulsivos.
EEEE. O juiz pode e deve procurar elementos que possam contribuir para a sua decisão, para além da avaliação clínico-psiquiátrica.
FFFF. Parece que o tribunal a quo, bem como a Internanda, fazem uma errada interpretação do disposto no artigo 17.º, n.º 5, da LSM - o “juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica está subtraído à livre apreciação do juiz.”, pois que o mesmo não significa que o juiz remeta a sua decisão para a avaliação, sem mais.
GGGG. O legislador apenas separou aquilo que é o juízo técnico-científico, das restantes considerações constantes da avaliação clínico-psiquiátrica, porquanto sabe que os juízes não têm competência técnica (porque não são médicos) para avaliar determinados pressupostos.
HHHH. Para além do juízo técnico-científico (se o Internando está doente ou não está; se a doença é grave ou não é; se a doença pode agravar o estado; se há discernimento para entender os efeitos da recusa no tratamento, etc.), há vários outros pressupostos, como exposto, que é ao juiz que cabe avaliar e dar como preenchidos ou não.
III. Tal como não podem ser os juízes a determinar se a pessoa está doente ou não, do outro lado, não podem ser os médicos a decidir se uma pessoa cumpre critérios para internamento,
JJJJ. dado que os médicos não estão em condições de avaliar o preenchimento de todos os pressupostos previstos no artigo 12.º da LSM, como o perigo para bens de natureza pessoal ou patrimonial da Internanda ou a recusa em tratar-se, por exemplo.
KKKK. Em termos correntes e muito resumidos, os médicos decidem se a pessoa está doente, o tribunal decide se a pessoa deve ser internada.
Nestes termos, com o douto suprimento e provimento de V. Exas., deve ser a sentença recorrida declarada nula ou, subsidiariamente, revogada, proferindo-se outra que decrete o internamento compulsivo, de preferência em regime de ambulatório compulsivo, da Internanda, ora Recorrida.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. e a requerida apresentaram as suas respostas, nas quais preconizaram a improcedência do presente recurso e a manutenção integral da decisão recorrida, alegando, em síntese e de forma coincidente que:
Não merece acolhimento a fundamentação do recorrente, não padecendo a sentença recorrida de qualquer nulidade ou irregularidade que cumpra sanar, na medida em que a mesma cumpriu todos os requisitos formais e de fundamentação previstos na lei, nomeadamente no artigo 20º da Lei de Saúde Mental.
Quanto às alegadas contradições e insuficiências dos relatórios psiquiátricos, elencadas pelo recorrente, importa avançar que nenhuma delas se verifica, nenhuma faz sentido, não existem contradições nem vícios de tais relatórios.
Quanto às alegadas contradições entre relatórios médicos, nomeadamente os datados de 16-04-2019, 11-10-2019 e 24-03-2020, elas não existem contradições e que, por isso, não se justifica qualquer repetição da avaliação psiquiátrica realizada à requerida.
Nenhum relatório determinou como essencial realizar um exame adicional à requerida, o exame de doseamento plasmático de Risperidona, não existindo contradições entre os relatórios a este respeito.
Tão pouco existe qualquer contradição no relatório de 11-10-2019, entre o texto e as conclusões, na medida em que o facto de se reconhecer que a requerida padece de uma psicose que requer a toma de medicamentos não implica, por si só, que tal psicose determine necessariamente o internamento compulsivo da requerida, pelo que a conclusão do relatório no sentido inverso, ao considerar não justificado o internamento da requerida por ausência de riscos, não é minimamente contraditória.
A sentença recorrida está devidamente fundamentada em factos e prova com referência a todos os pressupostos dessa norma.
 
A sentença recorrida considerou provado que a requerida padece, pelo menos padeceu em certo momento, de uma psicose que se considera uma anomalia psíquica que carece de tratamento; contudo, tal não basta para determinar o seu internamento compulsivo, sendo necessário o preenchimento dos demais pressupostos, o que não se verifica.
Apesar do que invoca o recorrente, apesar da alegada prova que menciona, nada nos autos permite concluir que o comportamento da requerida cria ou criou um perigo para os seus filhos menores.
Não só a requerida tem acompanhado, voluntariamente, as consultas de psiquiatria que lhe foram aconselhadas, em consultas regulares com o Dr. JG___, como tomou a medicação que lhe foi prescrita quando tal lhe foi exigido, demonstrando, ao contrário do que alega o recorrente que adere voluntariamente ao tratamento.
Quanto aos pressupostos para o internamento compulsivo previstos no artigo 12º nº2 da Lei de Saúde Mental, que o recorrente invoca terem sido ignorados, importa desde logo apontar que tais pressupostos (a ausência de discernimento para avaliar o sentido e alcance do seu consentimento ao tratamento, e o facto da falta de tratamento deteriorar de forma acentuada a patologia da internanda) apenas têm aplicação e devem ser aferidos nos casos em que o internando declara consentir no internamento.
A norma, prevista no artigo 12º nº2 da Lei de Saúde Mental, não tem aplicação à requerida, uma vez que a mesma não foi sequer internada compulsivamente, nem teve de prestar nenhum consentimento para esse internamento.
Por conseguinte, sem aplicação de tal norma ao caso em apreço, não há razão para o Tribunal e os peritos médicos que avaliaram a internanda se pronunciarem sobre se a mesma tem ou não esse discernimento para consentir no seu tratamento.
Mesmo que tal norma fosse neste caso aplicável, o que não se verifica, resulta das avaliações psiquiátricas nos autos e da fundamentação da sentença que a requerida tem capacidade para aderir ao tratamento psiquiátrico que lhe é prescrito (sendo por isso inadmissível o seu internamento compulsivo) pelo que, por maioria de razão, tem também discernimento para prestar consentimento a um eventual internamento, caso o mesmo fosse determinado, o que determinaria necessariamente o arquivamento dos autos.
Por mais que o recorrente procure atacar estes relatórios periciais, os mesmos focam-se sobre a matéria objecto dos autos, são claros e conclusivos, não padecendo de qualquer contradição ou omissão, concluindo que AM________ não deve ser internada nem sujeita a tratamento ambulatório compulsivo.
Foi com base nestas avaliações psiquiátricas recentes, realizadas por peritos médicos designados pelo Tribunal, que a Mm.ª Juiz fundamentou e proferiu a sentença determinando o arquivamento dos autos, por não se verificarem os pressupostos legais para o internamento compulsivo, previstos no artigo 12º da Lei de Saúde Mental, não havendo qualquer omissão, qualquer falta de fundamentação nem qualquer preterição injustificável de diligências de prova que inquinem a decisão final.
Não merece acolhimento a fundamentação do recorrente, devendo a sentença recorrida manter-se nos termos em que foi exarada, não se determinando nem o internamento compulsivo nem o tratamento em regime ambulatório compulsivo da requerida, AM_______, por não se verificarem os pressupostos previstos na Lei de Saúde Mental, confirmando-se por isso o arquivamento dos autos.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Mº. Pº. emitiu parecer, subscrevendo a resposta apresentada pelo Mº. Pº., na primeira instância e concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra, a decisão recorrida.
Cumprido o disposto no art.º 417º do CPP, nenhum dos arguidos respondeu.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos art.ºs 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 e Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995).
Das disposições conjugadas dos art.ºs 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
1) Se a sentença é nula por não enumerar os factos provados e não provados, aplicando-se-lhe as regras do CPP, por remissão do artigo 9º da LSM, concretamente o artigo 379º nº 1, que comina com a nulidade a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º, do mesmo diploma;
2) Se a sentença é nula, porquanto o Ministério Público não se pronunciou, ausentando-se na sua obrigação de apresentar alegações na Sessão Conjunta.
3) Se se verifica a nulidade da sentença, em virtude de o tribunal a quo ter dispensado um exame solicitado numa primeira fase pela junta médica, no primeiro relatório emitido a 16 de Abril de 2019 (e aconselhado novamente a 24 de Março de 2020, pela mesma junta): exame de doseamento plasmático de Risperidona.
4) Se a sentença recorrida é nula em virtude de a avaliação psiquiátrica realizada no processo ser parcialmente omissa, não se referindo aos pressupostos do internamento previstos no artigo 12º nº2 da Lei de Saúde Mental;
5) Se é necessária a repetição da avaliação psiquiátrica efectuada à internanda.
6) Se se verificam todos os pressupostos para o internamento compulsivo de AM________ previstos no artigo 12º da Lei de Saúde Mental.
2.3. Fundamentação de facto
A sentença recorrida tem o seguinte conteúdo (transcrição):
PM________, consultor financeiro, veio requerer, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6.º e seguintes da Lei nº 36/98, de 24 de Julho (Lei de Saúde Mental), que a requerida AM_____, não exercendo actividade profissional, com quem é casado desde 27 de Agosto de 1994, seja sujeita a tratamento compulsivo.
No seu requerimento, de 05.12.2018, alega, em síntese, que a requerida padece de psicose paranoide (ou perturbação delirante persistente), doença que a requerida nega existir e recusa tratar-se voluntariamente, sendo os próprios médicos a sugerir a determinação do tribunal para avançar com um procedimento de tratamento compulsivo, dado o carácter de urgência desse tratamento pela evolução da doença e pelos efeitos causados nos dois filhos que têm em comum, nascidos, respectivamente, em 30.01.2009 e 06.09.2013.
O sinal de alarme para a família e amigos ocorreu no dia 29 de Agosto de 2016, pese embora anteriormente a requerida já revelasse outros sinais que foram ignorados. No dia 30 de Agosto de 2016 a requerida foi, acompanhada pelo requerente, a uma consulta com o Dr. MG____ que prontamente identificou a doença e chamou o marido/requerente no dia seguinte, emitindo a declaração junta como documento n.º 1 e disponibilizando-se para apoiar a família e amigos no - que já antevia - difícil processo de convencimento da requerida a tratar-se. 
No dia 2 de Janeiro de 2018, a requerida foi, novamente com o marido, a uma consulta com o Dr. TS_____ - médico psiquiatra sugerido por uma pessoa da sua confiança de forma a garantir que não seria "corrompível" pelo marido, dado manifestar essa desconfiança. Também o Dr. TS_____ identificou prontamente a doença da requerida e conseguiu prosseguir o seu diagnóstico, com consultas e conversas adicionais com a própria e conversando com várias outras pessoas próximas, desde empregadas a amigas, acabando em Março de 2018 por elaborar um relatório para o Delegado de Saúde de Oeiras, reconhecendo a doença e sugerindo internamento para conclusão do diagnóstico e tratamento, face à recusa da mesma em aceitar voluntariamente esse tratamento, conforme relatório que junta como documento n.º 2.
No dia 5 de Março de 2018, o Senhor Delegado de Saúde de Oeiras emitiu mandado de condução a uma consulta de psiquiatria no Hospital São Francisco Xavier, executado no dia 9 de Março de 2018, sendo a requerida observada no Hospital de São Francisco Xavier pelo médico de serviço, que reconheceu a doença e questionou a requerida sobre as razões pelas quais recusara o tratamento anteriormente proposto, optando por prescrever a medicação (anti-psicóticos) para toma ambulatória voluntária e pedindo-lhe que se apresentasse na Unidade de Saúde Mental Comunitária de Oeiras, sita em Caxias (estrutura pertencente aos serviços do Hospital SFX). Optando por uma solução de tratamento voluntário, este médico procurou iludir a requerida, fazendo-lhe crer que se não tomasse a medicação iriam medir em análises de sangue e que se não se apresentasse no tal Centro Médico seria chamada. Nos dias seguintes a requerida anunciou não tomar a medicação mas, sem o dizer a ninguém próximo, sentiu-se obrigada a marcar consulta na tal Unidade de Saúde Mental Comunitária de Oeiras/ Caxias.
Desde Março de 2018 que a requerida tem sido seguida nessa Unidade de Saúde Mental Comunitária de Oeiras/ Caxias, pelo Professor Dr. JG____, médico responsável por essa estrutura, exigindo até aqui absoluta confidencialidade nesse processo e impedindo o Dr. JG____ de falar com o marido ou amigos. Passados seis meses, o Professor JG____ não terá conseguido convencer a requerida a iniciar tratamento voluntário.
No entanto, o Dr. JG____ acabou por ter esse consentimento, mas apenas para falar com outros colegas e, em particular, com a Dra. EM___, psicóloga educacional que tem uma intervenção contextualizada na família e julga existir carácter de urgência face aos danos que tudo isto estará a causar nos filhos da requerida e requerente.
Desde Junho de 2018, por iniciativa conjunta do requerente e da requerida, decorreu a intervenção e observação contextualizada pela Dra. EM___, Psicóloga Doutorada na área Educacional, sobre os efeitos de tudo isto nos dois filhos do casal, (à data com 9 anos) e o (à data com 5 anos).
A Dra. EM_____ falou já com os vários médicos psiquiatras envolvidos e elaborou um relatório no sentido de urgência no tratamento da requerida face aos sérios danos psicológicos que os seus comportamentos (supostamente decorrentes desta doença que será tratável) estão a causar às duas crianças envolvidas, numa situação insustentável e sem que o marido e amigos tenham qualquer capacidade de o evitar, conforme relatório que junta como documento n.º 3.
Desde Março de 2018 que a requerida continua sem iniciar tratamento voluntário, em nada melhorando, e evidenciando um significativo agravamento dos sintomas da sua doença. Desde o nascimento do segundo filho, MM__, em Agosto de 2013, a requerida foi desenvolvendo e apresentando sinais de depressão a que o requerente e outras pessoas só mais tarde vieram a dar a devida importância, traduzindo-se:
(I) numa crescente tendência a "complicar'' todos os assuntos;
(II) num progressivo isolamento face aos amigos e à família, decorrendo exatamente do tal sentimento de que tudo era complicado;
(III) em crises de choro que passaram a assumir uma frequência quase diária, quase sempre motivadas por o marido não dar a devida atenção às suas queixas; e
(IV) num visível desgaste físico, resultante de noites mal dormidas - ou por insónia ou por estar permanentemente isolada a escrever ou pesquisar no seu telefone ou computador.
A requerida passou a visitar nos seus consultórios, com frequência pelo menos semanal, NC____, que se apresentava publicamente em Lisboa como Osteopata e numa outra clínica no Barreiro como Mestre de ciências ocultas, inclusivamente fazendo regressões e outras técnicas e pedindo-lhe conselhos diários por whatsapp sobre todos os assuntos e sobre todos os passos do seu dia-a-dia, isolando-se cada vez mais e fazendo de uma enfermeira, SR___, que recomendou NC___ e de uma outra enfermeira, MF, as suas mais íntimas amigas. Desta dinâmica resultou uma crescente dependência e obsessão com a orientação de NC____, onde a requerida quis levar todas as pessoas sobre as quais teria alguma influência - levou a irmã e o marido desta, tentou levar "à força" as duas empregadas domésticas internas de sua casa - e a quem consultava até para escolher novas empregada por fotografia ou para perceber - também por fotografia - quais as divisões da sua casa com boas ou más energias. A requerida referia-se a NC___ como "o homem mais poderoso do mundo" e como "o meu mestre". Entre Março e Julho de 2016, a requerida foi assumindo um vasto conjunto de práticas e rituais esotéricos, ordenando às empregadas que lavassem a casa com sal e despejassem a água suja em sarjetas longe de casa, que dessem banho aos filhos com água onde era colocado sal e que se fizessem “queimadas”, que virassem vassouras ao contrário encostadas à parede da sala, que colocassem bolotas nos cantos da casa, que espalhassem recipientes contendo água com sal em cada uma das 21 divisões da casa.
Em Julho de 2016, a requerida estava no Algarve com os filhos e duas empregadas domésticas, enquanto o marido trabalhava e só se juntava nos fins de semana, quando esses comportamentos relacionados com o sobrenatural e rituais esotéricos agravaram-se, vendo espíritos na casa e tentando exorcizá-los - segundo descreveram as empregadas domésticas. Designadamente, passando a noite acordada a espantar espíritos com o filho de 3 anos a assistir por acreditar que a criança também teria poderes especiais e não se coibindo de ter também essas manifestações na presença da filha, já com 7 anos de idade. Foi vista por amigos locais toda vestida de branco e a lavar, a própria, o chão com água e sal e ir despejar a água em sarjetas muito longe de casa. Ao longo de todo o mês de Julho de 2016, a requerida não dormia de noite, sofrendo de insónia severa e passava boa parte dos dias deitada e isolada no quarto, em muitos momentos a meditar e a sussurrar sozinha. No final de Julho de 2016 a requerida tentou dizer ao marido que ela própria seria uma pessoa “especial” e que não estariam sozinhos, mas sim acompanhados de espíritos na casa do Algarve e também na casa de Lisboa (Caxias), tendo o requerente reagido mal e não lhe tendo dado atenção.
Em Agosto de 2016, a família esteve, como habitualmente, de férias todo o mês no Algarve, próxima do cunhado (irmão do marido) e de vários casais amigos com quem desde há muitos anos passavam férias no Algarve. Ao longo desse mês, embora menos visíveis pela presença permanente do marido, estes comportamentos e insónias da requerida mantiveram- se, tentando abordar e cativar vários dos amigos presentes para a sua causa do “sobrenatural”, sem sucesso. Por fim, no dia 29 de Agosto, na véspera de terminar as férias no Algarve, a requerida num almoço com a família do marido - irmão e cunhada - como que entrou em estado de alucinação, alterando visivelmente a sua voz e o seu olhar, passando a acusar cada um dos presentes de alguma coisa, como que num exercício de exorcismo. Acusava sobretudo a cunhada (CT___) de ser feiticeira (embora sem saber), lançando maus olhados por inveja e com isso provocando a sua queda de cabelo e vários outros males. Ameaçava também o cunhado (António) que se não colaborasse, ela denunciaria um caso de fraude em que ele estaria envolvido (até hoje não se sabe do que estaria a falar). Justificava a necessidade de o dizer para evitar que o marido tivesse um AVC, porque estava convencida que o marido teria as suas contas bancárias em nome do seu irmão e que, por isso, a cunhada o queria matar para ficar com o dinheiro, suposição absolutamente falsa porque nunca o marido e o cunhado teriam tido contas bancárias conjuntas. Atacava também o seu melhor amigo e padrinho da filha (RC___), posicionando-o como força do mal, por ele não a ter ajudado no Algarve - a requerida pensava, erradamente, que teria sido RC___ a ir com o marido falar com o seu pai e com a sua irmã que estava grávida e assumia que se a gravidez corresse mal seria pelo alegado mau espírito de RC____.
Ainda nesse mês de Setembro de 2016, o marido estabeleceu repetido contacto com o tal NC____, que se revelou cooperante, conseguindo que o mesmo se afastasse de livre e espontânea vontade, reconhecendo que, sem se dar conta, tinha induzido a requerida para um caminho imprevisto e que a mesma precisaria de ajuda médica, conforme se observa nas mensagens trocadas com o requerente, cujas cópias junta como documento nº 6.
A pedido do requerente, o próprio NC____ sugeriu à requerida que aceitasse apoio médico, recomendo-lhe, no entanto, consultar um psicólogo e não um psiquiatra, tendo a requerida contactado de imediato uma clínica e passou a consultar uma psicóloga, a Dra. CV____.
Tal como tinha acontecido com o NC______, a requerida passou a “consumir” compulsivamente as consultas com a psicóloga, a invocá-la para tudo e a querer convencer toda a gente a ir a um psicólogo.
 Nem o requerente ou os amigos alguma vez tentaram contactar a Dra. CV___, para evitar a síndrome do complô que a requerida sempre alegava.
A Dra. CV___ foi inicialmente alertada sobre a natureza do caso pelo Dr. MG____ e mais tarde informada sobre a presença efectiva de uma doença pelo Dr. TS____.
Nos meses de Outubro e Novembro de 2016, todas estas práticas e comportamentos se mantiveram de forma permanente, sendo que a requerida como que saiu do tal estado de alucinação visível no seu riso, na sua voz, no seu olhar e na sua forma de falar - o que passou a acontecer apenas pontualmente. Não obstante, qualquer conversa era reveladora de alguma desordem mental, sem um nexo claro e encaminhando sempre o assunto para referências esotéricas que misturava com a vida real.
O marido foi retomando algum controlo das operações em casa e a requerida foi contendo as suas práticas mais visíveis, limitando-se a passar horas a meditar.
Neste período de Outubro e Novembro de 2016, todas as três empregadas internas foram sequencialmente despedidas pela requerida, na medida em que a desiludiam sobre a sua crença no sobrenatural e conivência com os seus atos, tendo sido detectado ao requerente doença oncológica, tendo sido operado três vezes em Zurique e com a ajuda de quimioterapia e imunoterapia, tem hoje, passados quase dois anos, a sustentada esperança de estar curado. Porém, a doença do requerente veio, durante largos meses, retirar atenção ao processo de saúde da requerida.
Durante o mês de Dezembro de 2016, enquanto o requerente se submetia aos primeiros tratamentos e se preparava para ser operado em 10 de Janeiro de 2017, a requerida ia reagindo com uma estranha e absurda frieza (ou mesmo crueldade) à doença do marido. Dizia que “sabia” que tudo não passaria de um susto e que, tal como ela, o marido e também os filhos teriam que sofrer para poder “crescer” e comparava uma cirurgia extrema para retirar um pulmão e vários nódulos linfáticos ao marido, com o acto médico a que tinha ela sido submetida para tirar um dente do siso.
Despediu todas as empregadas: primeiro não podiam mais ser empregadas brasileiras, porque essas eram sabidas e armavam complôs e, por isso, só podia aceitar cabo-verdianas, e em segundo lugar as cabo-verdianas também eram falsas, passando mais de 10 empregadas internas na casa da família em menos de 1 ano, com toda a instabilidade que isso gera para as crianças e para o próprio marido que estava doente e debilitado.
No segundo semestre de 2017, já com o marido em fase de recuperação, este quadro comportamental foi-se agravando e a partir de meados de Julho de 2017 a requerida ficou sem nenhuma empregada, numa casa de grandes dimensões e que sempre funcionou com 2 ou 3 empregadas internas. A requerida escolhia as empregadas por intuição e em anúncio directo, mesmo com os riscos que isso comporta, para depois as despedir logo de seguida.
A família passou a viver, desde então e até hoje, apenas numa pequena parte da casa (cozinha/copa e quartos, não utilizando nem o exterior, nem nenhuma das 7 salas existentes), passando a requerida os fins de semana a limpar as casas de banho e andando sempre cansada, por ter que fazer tudo sozinha. No mês de Setembro de 2017, no regresso das férias no Algarve, ainda admitiu como empregada externa uma antiga empregada muito boa e que tinha regressado do Brasil - a MI__ -, mas umas semanas depois, num fim de semana em que o marido foi com os filhos a Londres, a requerida pressionou a MI__ a trabalhar todo o fim de semana para lavar a casa com água e sal desde o topo até à arrecadação, num total de 800 m2, tendo a água suja de ser deitada fora numa sarjeta longe de casa. Na segunda-feira seguinte a requerida ligou à empregada MI___ acusando-a de deitar um desses baldes de água suja numa das sanitas da casa e dizendo que já não confiava nela. Uma outra empregada externa admitida posteriormente foi também despedida porque o MM__, com 4 anos de idade, teria a intuição de que a empregada não prestava e "o MM__ é uma criança especial".
Todo este ambiente se tornou muito prejudicial aos dois filhos, pelo progressivo isolamento e práticas forçadas para não darem trabalho - por exemplo, tendo que vestir o pijama às cinco da tarde ainda com tempo de Verão -, pelo permanente e elevado grau de irritabilidade da mãe, mas também por outras questões práticas: por exemplo, se um acorda doente, o outro também não vai à escola porque o pai está a viajar e a mãe não tem mais ninguém em casa e nem a quem recorrer por ter alienado tios paternos e amigos (em sede de sessão conjunta resultou que a requerida continua a ter uma boa relação com os pais, irmã e o marido desta e que a apoiam).
A requerida continuou a adoptar comportamentos bizarros e alguns também ofensivos, pois para além de lavar a casa com água e sal, também foi repetidamente espalhando pelas 21 divisões da casa recipientes com água e sal e começou a fazer desaparecer objectos vários oferecidos às crianças por pessoas que adoram os seus filhos, mas que a requerida passou a alienar. Primeiro desapareceram colares (em sede de sessão conjunta o requerente esclareceu que não teriam valor comercial) que tanto a cunhada, madrinha da filha M_____, como uma antiga empregada brasileira tinham oferecido à filha e proibiu expressamente as empregadas de retirar do lixo tais objectos. Posteriormente desapareceram vários brinquedos que o cunhado e RC___ (amigo e padrinho da M___) tinham oferecido ao filho MM__, ao ponto de os amigos agora indesejados temerem oferecer presentes às crianças. Desapareceu também o único retrato da sogra da requerida, falecida quando o requerente era criança, e que estava no seu escritório para mostrar aos filhos quem era a avó MNL___ que não conheceram e desapareceram outros objectos de estimação do marido, como o seu primeiro sapato de infância e fez desaparecer dois candeeiros e um móvel (espelho e sapateira) de grandes dimensões que pertencia ao quarto do casal - tendo a requerida pedido a um empregado e um amigo para deitar esse móvel no lixo, mas estes avisaram o marido que, ao se aperceber, mandou voltar a pô-lo no lugar, porém, durante as férias da família no Algarve, a requerida através da publicação de um anúncio vendeu o móvel por 400 euros, valor muito inferior ao seu custo. Tais comportamentos levaram o requerente a retirar de casa todos os álbuns fotográficos e outros objectos que pudessem ser alvo da requerida. Em várias ocasiões, e sempre à frente dos seus filhos, por o marido colocar, como sempre fez, no lava-louça, mas não se predispor a lavar, uma chávena ou um copo, a requerida reagiu deitando essa chávena ou esse copo no caixote do lixo e exclamando - "assim vais ter que comprar novo". Em várias ocasiões, e sempre à frente dos seus filhos, por o marido colocar, como sempre fez, no lava-louça, mas não se predispor a lavar, uma chávena ou um copo, a requerida reagiu deitando essa chávena ou esse copo no caixote do lixo, exclamando - "assim vais ter que comprar novo". Noutras ocasiões pretendia manter ligado o aquecimento da piscina e outros aparelhos da casa, porque "o dinheiro é para se gastar”, tendo o requerente chegado a equacionar mandar retirar o aquecimento da piscina se a requerida não se distraísse dessa prática, dizendo, a requerida, que o marido devesse gastar mais dinheiro, por exemplo na compra de um Ferrari (em sede de sessão conjunta a requerida disse que quando o marido comprou um Bentley disse-lhe que era um automóvel de velhos, sendo preferível comprar um Ferrari).
Na vertente social, a requerida continuou a isolar-se progressivamente, passando a rejeitar a generalidade dos amigos de sempre da família, bem como a não aceitar convites para sair - sendo que nesta fase ainda deixava o marido sair com os filhos - bem como passou a não receber ninguém em casa.
Verifica-se um progressivo e grave processo de alienação dos seus filhos em relação ao pai, à família do pai, aos amigos mais próximos e a todos e tudo aquilo que sempre fez parte do seu mundo, mas que, agora a requerida resolveu rejeitar. Para mais facilmente controlar os filhos, a requerida tende cada vez mais a forçar o seu isolamento e da sua família nuclear - filhos e marido -, proibindo agora a presença de empregados e de amigos, apelando sempre, mesmo sem argumentos válidos, a que fiquem fechados em casa, mesmo sem nada para fazer. No caso da filha mais velha, fazendo-a antecipar as vontades da mãe, anulando-se a si própria. Sempre que as crianças seguem o caminho da normalidade, na relação com o pai e com os outros e a requerida se sente contrariada, esta intervém castigando os filhos de forma desproporcionada noutras situações, com isso desestabilizando-os emocionalmente e fazendo com que voltem a suplicar a sua presença e o seu comando, trazendo, segundo a Dra. EM___, consequências psicológicas sérias e insustentáveis para as crianças e em particular para a M____. Muitas vezes isolado com a requerida em sua casa e sem poder intervir para proteger as crianças, o requerente foi registando algumas destas situações, primeiro num diário de e-mails e mais tarde comunicando e reportando alguns episódios à Dra. EM____ - primeiro num chat conjunto com a requerida e a Dra. EM____, conforme cópia da conversa que juntou como documento n.º 8 e depois, face o protesto da requerida, a sós com a Dra. EM_____, conforme cópia da conversa que ora se junta como Documento n.º 9. Em termos práticos, no caso da filha M___, esta actuação permanente da requerida tem-se traduzido em situações como assumir progressivamente ao longo de alguns meses que não fazia nada com o pai - por exemplo, o pai já não a poderia levar à escola, nem deitá-la - a não ser com o consentimento da mãe. Em todas essas situações diárias, a mãe incentiva-a a esse comportamento e dá-lhe razão, chegando por exemplo a faltar à escola só para não ir com o pai. No entanto, ao final do dia, a M____ procura o pai para dizer que o ama e recuperar o sinal do seu carinho, sem nunca quebrar a sua relação extremosa e visível vínculo que sempre teve e tem com o pai. Esta dinâmica só começou a ser quebrada com a intervenção da Dra. EM_____ a partir do mês de Junho de 2018, estando melhor mas não totalmente recuperada - em períodos de ausência da mãe, seja um dia ou uma semana, nada disto acontece.
A filha M____ passou a não querer a companhia das suas duas primas, filhas do irmão do pai, que têm a mesma idade e andam na mesma escola, tendo sempre passado férias e finais de semana juntas, no Algarve e no estrangeiro, chegando a recusar ir à festa de aniversário de cada uma das primas, ficando em casa sozinha com a mãe, sem qualquer explicação. Sempre que a mãe está presente não fala e finge que não vê as primas -por exemplo ao chegar à escola ou mesmo na praia no Algarve -, para logo que a Mãe deixa de estar presente voltar ao registo de sempre, brincando e querendo estar com elas No aniversário da M___, em Janeiro, o seu padrinho (RC___) e a filha deste, já adulta, tentaram, como acontecera todos os anos, ir passear com a M____ para comprar o seu presente de aniversário - um ritual que a M____ sempre adorou e este ano, porém, sob influência da requerida, a M____ foi-se esquivando aos inúmeros telefonemas e mensagens, tanto do padrinho como da filha deste, ao longo de vários meses, acabando já em Maio por enviar uma mensagem ao padrinho a dizer que já não queria o presente. A filha M____ diz-se vegetariana, com apenas 9 anos de idade, para agradar à mãe que a incentiva e permanentemente condiciona, lembrando que não deve comer carne - o que acaba fazendo, de livre e espontânea vontade quando não está na presença da mãe - e evidencia uma tristeza permanente.
Presentemente, na casa da família em Caxias, para além da empregada externa, quase ninguém já aparece, havendo falta, frequentemente, de bens básicos, como ovos ou até água; só existindo refeições se e quando a requerida entender que as deve preparar; a árvore de Natal (com 3 metros), do ano anterior, ficou por desfazer até à data deste requerimento. Impede o requerente de sair de alguma divisão, quando ele pretende evitar continuar discussões, sobretudo em frente das crianças, por vezes não o permite de comer em sua casa, sentar-se num sofá ou mesmo deitar-se na sua cama, procurando, por todos os meios, algum contacto ou quezília física, preferencialmente à frente dos filhos, tendo o requerente de fugir, dentro ou fora das suas casas, que não são pequenas, em Caxias e no Algarve, para evitar o contacto e agressividade da requerida.
Na declaração médica que o requerente juntou aos autos como documento n.º 1, datada de 31 de Agosto de 2016 e subscrita pelo Dr. MG____, consta que observou a requerida no dia 31 de Agosto de 2016, tendo detectado um quadro de convicção delirante mística, o que configura o desencadear de uma psicose.
No relatório médico que o requerente juntou aos autos como documento n.º 2, datado de 09 de Março de 2018 e subscrita pelo médico psiquiatra Dr. TS____, consta que observou a requerida nos dias 02 e 05 de Janeiro de 2018, devendo ser conduzida ao Serviço de Urgência de Psiquiatria, por alterações do comportamento, compatíveis com Psicose SOE, que deve ser estudada e tratada. As informações foram colhidas em consulta com a própria, com o marido, amiga da requerida e da família, além de conversas telefónicas com anteriores empregadas domésticas, bem como com a própria, durante um período de 3 meses. No referido relatório pode-se ler: “Trata-se de uma pessoa sem antecedentes psiquiátricos, até Julho de 2016, altura em que inicia quadro de Psicose, com ideias delirantes místicas, de auto-referência e paranóides, “passava a noite acordada a tentar exorcizar espíritos" com o filho de 3 anos ao colo por acreditar que a criança também teria poderes especiais bem como a própria, Começou a lavar os filhos e a casa com água e sal e a despejar a água longe de casa. Nesta altura o marido refere que começou a ter insónias graves, com isolamento progressivo, passando a noite a meditar e sussurrar sozinha, segundo o marido. Em agosto de 2016, no dia 29 de Agosto em frente da família, cunhados, teve um episódio de mudança de voz e olhar, acusando a cunhada de ser feiticeira e lançar maus olhados por inveja e com isso provocando a sua queda de cabelo entre outros males. Justificou esta situação ao marido para evitar que ele tivesse um Avc e achar que a cunhada iria matar o seu marido para ficar com o seu dinheiro. No dia 30 de Agosto de 2016 foi a uma consulta de Psiquiatria com o Dr. MG_______, que foi da opinião que a mesma deveria ser tratada, mas que não iria aceitar, pelo que o tratamento passaria por um internamento contra a vontade da própria. O que não aconteceu. Em Setembro de 2016 gritava durante a noite com "fantasmas ... a bicha", referindo-se ao mau olhado da cunhada. Dizia ao marido que estava a treinar com ele e que iria comunicar ao mundo de seguida, mesmo ciente de que o mundo exterior diria que estava maluca. As 3 empregadas internas foram despedidas durante os meses de Outubro e Dezembro de 2016. Em Novembro de 2016, o marido foi diagnosticado com Neoplasia do Pulmão já em estado avançado, tendo passado 14 meses seguintes em tratamentos, sendo-lhe retirado o pulmão esquerdo em Zurique e tendo feito imunoterapia com sucesso. Durante este período, os comportamentos estranhos foram-se mantendo, bem como total frieza relativamente à doença do marido. Durante o ano de 2017 passaram cerca de 10 empregadas, sendo que as despedia por ter não terem as crenças espirituais, por darem informações à cunhada e ao seu marido, ou por seguir a intuição do filho de 4 anos por também ser especial. Quando isto não acontecia as próprias empregadas despediam-se rapidamente. Passando a ser um período de grande instabilidade na família, mesmo numa altura em que o marido estava doente, em tratamentos e debilitado. Começou a deitar para o lixo vários brinquedos, objetos e móveis, bem como o único retrato da Sogra já falecida. Quando confrontada, dizia que não tinha que dar explicações, havia uma razão, mas que eles não conseguiriam entender. Tem vindo a existir um isolamento progressivo de todos os amigos. No final de 2017, o marido já recuperado, pediu que a doente fosse novamente consultada por um psiquiatra, sendo que a própria apenas aceitou com as condições de o marido ir também, por achar que era ele que estaria doente, bem como ser a própria a escolher o psiquiatra, por achar que o marido o compraria/manipularia. À observação encontrava-se vígil, orientada, colaborante, mas resistente em determinadas temáticas, defensiva, desconfiada, com alterações do conteúdo do pensamento com ideias delirantes místicas, de auto-referência e paranoides. Não apurei alterações da percepção, no entanto sempre com postura defensiva e resistente. Não tem critica para a situação nem para necessidade de fazer tratamento, que recusou. Por não ter crítica para a situação, nem o discernimento necessário para avaliar o sentido da recusa do tratamento, por cuidar de 2 crianças diariamente e por poder por em risco a sua saúde/vida ou de terceiros, sou da opinião que deverá ser conduzida ao Serviço de Urgência da sua área de residência para avaliação por colega psiquiatra. Creio ser de extrema importância ser internada para estudo diagnóstico e tratamento”.
No parecer sobre a Situação de Parentalidade de AM_____ e PM_________ que o requerente juntou aos autos como documento n.º 3, datado de 03 de Dezembro de 2018 e subscrito pela Dra. a EM, psicóloga, doutorada em psicologia na especialidade de psicologia educacional, manifestou a “opinião de especialista sobre a situação de parentalidade que se considera mais saudável para o bem-estar físico, social, emocional, comportamental e cognitivo da M____  , nascida a 30 de Janeiro de 2009, e de MM__   , nascido a 6 de Agosto de 2013, filhos de AM___ e PM__   ”, nele podendo-se ler que “o acompanhamento deste caso iniciou-se na sequência de um pedido de apoio do pai, PM___, no dia 8 de Maio de 2018, no sentido de observar o ambiente familiar, para analisar a sua estabilidade, o tipo de vinculação afetiva dos filhos M____ e MM__ com o pai e com a mãe, bem como com os familiares paternos. Este pedido decorreu do facto do pai estar preocupado com a existência de conflitos parentais e sentir estar a ser vítima de alienação parental por parte da mãe. Comportamento este que, segundo o pai, se deve à doença do foro psiquiátrico "Psicose Delirante", também chamada "Psicose Paranoide", diagnosticada à mãe, a qual tem como um dos sintomas o facto do seu portador não reconhecer a doença e não desenvolver autocrítica que lhe permite decidir voluntariamente tratar-se. Depois de ouvir o pai, na tentativa de garantir uma recolha exaustiva de informação sobre a situação de parentalidade e assegurar o processo de mediação entre os pais, ouvi a mãe AM____, a 21 de mato dê 2018. Nesta conversa, expliquei à mãe a importância de conhecer a sua opinião, tendo a mãe descrito alguns acontecimentos e conflitos que a preocupavam e demonstrado sempre disponibilidade para aceitar a minha intervenção. A proposta de intervenção terapêutica foi realizada numa perspetiva ecológica-construtiva, através de um plano integrado, centrado na família e no seu contexto concreto de vida, e recorrendo a apoios e estratégias transversais envolvendo todas as possibilidades de respostas de proximidade da rede relacional da família (incluindo a auscultação do testemunho da família materna e paterna e dos amigos comuns ao casal), de forma a, progressivamente, minimizar ou eliminar o conflito e promover uma melhor qualidade relacional com as figuras significativas, ou a correção de certos padrões interacionais disfuncionais. Esta intervenção foi aceite por ambos os pais”.
Em sede de conclusão desde parecer de 25 páginas consta: “A mãe está a excluir o pai da vida da M____ e do MM__ e a promover a consequente anulação de uma parte das suas referências parentais, o que favorece o desenvolvimento de uma insegurança emocional atual e futura. A M____ tem visto ser violados e desrespeitados os seus direitos, direta e intencionalmente, pela mãe. Com efeito, deixa de ser percebida como sujeito com direito a seu desejo, para se tornar objeto de satisfação dos desejos da mãe, que a trata como propriedade sua, não restando ao pai outra alternativa, a não ser recorrer à justiça, para ver garantido o saudável desenvolvimento dos seus filhos M____ e MM__. A manutenção e agudização dos fatores de risco em que a M____ e o MM__ se encontram, há dois anos, conduziram a uma SITUAÇÃO DE PERIGO. Neste parecer, analisamos e propomos fatores de proteção ou compensatórios que visam remover o perigo em que a M____ e o MM__ se encontram, procurando também promover a prevenção, reparação e superação das consequências desta situação. A situação analisada assemelha-se a um processo de alienação parental e ou de manipulação por parte da mãe, razões que condicionam as atuais relações parentais Consideramos por isso, que é urgente uma intervenção que permita garantir à M____ e ao MM__ o direito fundamental de conviver com ambos os pais e ter os dois a participar ativamente na sua vida e acompanhando de perto o seu dia-a-dia, o seu desenvolvimento, de forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social com os filhos agradável sem conflitos. Relativamente ao estado emocional e funcionamento psicológico da mãe, os dados observados sugerem que apresenta sinais e sintomas sugestivos de desajustamento e instabilidade psicoafectiva. Não podemos deixar de mencionar, ainda, como aspetos negativos, que a mãe apresenta níveis de stress elevados relativamente à aproximação da M____ e do MM__ ao pai, bem como atitudes de exclusividade relativos à M____ e ao MM__ e desconforto face aos momentos de separação daquela para o pai e família paterna, as petas que DEVEM SER ENQUADRADOS EM CONTEXTO TERAPÊUTICO. Urge que sejam adoptadas providências para proteger a M____ e o MM___ e o seu convívio familiar, tão importante para reconstruir a sua integridade física e psicológica. O uso da criança como arma de arremesso ao pai, infringindo-lhe maus tratos de abuso psicológico e emocional (intencionais) só pode representar um mau (péssimo) exercício da parental idade que apontam numa tentativa da destruição dos laços de relação da criança contra o pai e família paterna, ao contrário de representar uma genuína preocupação para com os interesses e a qualidade desenvolvimento da criança, Como pode vir a ser argumentada pela mãe, é uma ameaça e não de salvaguarda da sua integridade, traduzindo-se atualmente e no futuro, numa situação de perigo, nos aspetos psicológico, emocionais e cognitivos (com prejuízo da sua autoestima, sentimento de segurança e aquisição gradual da sua independência). Considero também fundamental a continuidade da intervenção em terapia familiar, que permita intervir no contexto familiar, para a avaliação da dinâmica relacional entre mãe/filhos e pai/filhos, no sentido de tentar ultrapassar todos os obstáculos existentes no seio da relação familiar, sendo que um dos obstáculos da M____ é o medo de expressar os seus sentimentos com o pai. Deve ser uma intervenção que permita diminuir o conflito entre os pais e assim facilitar a gestão dos encontros entre a M____ e o pai e promover a diminuição do conflito entre os pais. Parece-nos importante manter esta terapia familiar para que os pais possam ser auxiliados na criação de novas estratégias relacionais que assegurem que a M____ e o MM___ sejam protegidos do atual conflito parental.
Em conclusão, com o OBJETIVO PRINCIPAL A DEFESA E A PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA M____E MM__, é nosso parecer que sejam adotadas medidas sociais para assegurar a proteção à M____ e ao MM__. É urgente por termo à situação de perigo a que ambos se encontram expostos, retirando a M____ e MM__ deste constante abuso psicológico em que se encontram”.
*
Notificada para, no prazo de 5 dias, requerer o que tivesse por conveniente, através do requerimento de 05.02.2019, a requerida AM____   veio dizer que é a segunda vez que o requerente tenta o internamento compulsivo da requerida, sendo que, nem na primeira vez, nem agora, se verificam os pressupostos necessários. Por força das afirmações difamatórias que foram feitas a seu respeito, no dia 16 de Março de 2018, a requerida foi conduzida pela PSP a uma urgência psiquiátrica no Hospital de São Francisco Xavier, com vista ao seu internamento psiquiátrico. (Cfr. Episódio de Urgência n.º 18033515, junto aos autos pelo HSFX em 17 de Janeiro de 2019, tendo sido observada pelo Dr. DS___). Das observações médicas, resulta que a requerida, à observação, estava “vígil, bem disposta, colaborante, globalmente orientada, sem prejuízo da atenção. (...). Discurso com ligeiro aumento do débito, mas coerente e fluente. (...) Humor sem polaridade evidente; - Sem ideias de morte ou de heteroagressividade para terceiros. Sem alterações de percepção; A requerida disponibilizou-se para seguir acompanhamento psiquiátrico. Foi entendimento da equipa médica de psiquiatria que observou a requerida, não se verificarem os “critérios para internamento compulsivo ao abrigo da lei de saúde mental”. Por esse motivo a requerida teve alta nesse mesmo dia. Acresce que, a requerida é acompanhada, de forma periódica, pelo Médico Psiquiatra, Prof. Doutor JG____.
*
Foi solicitado ao Departamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., a realização da avaliação clínico-psiquiátrica por dois psiquiatras prevista no artigo 17.º da Lei n.º 36/98, de 24 de julho.
Resulta do referido relatório, elaborado pelos médicos psiquiatras MCT____, e MTT___ datado de 16 de Abril de 2019, que “foi necessário realizar duas entrevistas nos dias 22-02-2019 e 29-03-2019 no âmbito da avaliação clínico-psiquiátrica. Após as entrevistas os psiquiatras concordam que não se verificam critérios para o internamento de urgência. Devido à complexidade do quadro e para melhor fundamentar as conclusões da avaliação, foi decidido realizar uma Avaliação Psicológica, que será efectuada neste Serviço e solicita-se ao Tribunal a requisição do seguinte exame ao Laboratório de Patologia Clínica do Hospital D. Estefânia, Lisboa. ao cuidado da Dra. MRR___:
Doseamento plasmático de risperidona. A colheita de sangue deverá ser realizada de manhã, antes da toma da medicação.
*
Na sequência do solicitado, os Serviços de Patologia Clínica, CHULC informaram que o doseamento plasmático da Risperidona e do seu metabolito activo 9-OHRisperidona por HPLC, são parâmetros analíticos que se encontram em fase de validação clínica, sendo que apenas após a fase de validação poderá ser utilizada para doseamentos/monitorização.
Assim, por impossibilidade, não se realizou o exame de doseamento plasmático de risperidona.
*
Em 11 de Outubro de 2019 foi realizado relatório avaliação clínico-psiquiátrica, elaborado pelos médicos psiquiatras MTT____ e MCT___, constando no “Motivo de Avaliação e História Clínica Sumária” que, “pela descrição efectuada pela internanda admite-se que tenha ocorrido um episódio psicótico, com ideias delirantes persecutórias centradas numa cunhada empregadas e envolvendo igualmente o marido. Dos antecedentes pessoais recentes, e precedendo o episódio psicótico, apura-se tratamento durante cerca de 12 meses com fármaco agonista dopaminérgico. Este tratamento foi prescrito com a finalidade de reduzir os níveis elevados da hormona pretacnoa detectados anteriormente. Constata-se que o fármaco está associado à eclosão de quadros mentais de psicose e não se exclui que a perturbação mental ocorrida não possa ter sido induzida por este tratamento”
“Diagnóstico Provisório/Medidas Terapêuticas”: Episódio psic6tico inaugural, possivelmente induzido por fármaco dopaminérgico.
Tem indicação para manter o tratamento prescrito - risperidona, via oral, 3 mg. Por dia.
Conclusão
O nível actual de sintomas, a ausência de riscos significativos, não justificam a hospitalização em serviço de psiquiatria, seja em regime voluntário. ou involuntário, ao abrigo da Lei 36/98 de 24 de Julho. Não obstante, tem indicação para manter o acompanhamento psiquiátrico, que se encontra a receber, em estabelecimento público e para realizar o tratamento prescrito pelo seu psiquiatra assistente”.
*
A requerida comunicou aos autos que tomou o antipsicótico risperidona, mas, em consequência dos efeitos secundários provocados pelo medicamento, deixou de tomar esse fármaco, o que comunicou ao seu médico psiquiatra, Professor Doutor JG____, bem como à sua psicóloga Dra. Patrícia Santos Pereira, com quem a requerida tem uma consulta semanal.
*
A solicitação do requerente, em 24 de Março de 2020 os médicos psiquiatras MTT___ e MCT___ vieram esclarecer que a requerida referiu na entrevista de avaliação que realizava o tratamento prescrito pelo psiquiatra as sístenta-risperídona, por via oral. Tratando-se de uma declaração pessoal que pode corresponder, ou não, à realidade, é, no entanto, possível confirmar-se a toma da medicação através do doseamento no plasma da internanda do medicamento e se assim for o entendimento do Tribunal, a ser realizado o doseamento de risperidona, durante a manhã, no Serviço Laboratorial de Patologia Clínica do Hospital de D. Estefânia, Lisboa, ou outro laboratório com condições para realizar este exame. Uma vez mais afirmaram que o estado clínico da requerida, à data da avaliação, não justificava uma medida de internamento hospitalar, tal como foi expresso na avaliação realizada.
Não se determinou a realização do exame de doseamento plasmático de risperidona, porquanto já anteriormente os Serviços de Patologia Clínica, CHULC informaram que ainda se encontrava em fase de validação clínica e, como bem referiu o requerente no seu requerimento de 23.04.2020, bastaria a toma de um ou outro comprimido antes do exame, para a risperidona ser detectável.
*
Em 28 de Outubro de 2019 foi junta aos autos declaração emitida pelo médico psiquiátrica da requerida, Dr. JG____, datada de 21 de Outubro de 2019, informando que a requerida foi à sua consulta de psiquiatria, na unidade de saúde mental de Oeiras, mais concretamente a 10 consultas, sendo a primeira em 16 de Abril de 2018 e a última em 21 de Outubro de 2019.
*
Em 06 de Janeiro de 2020 foi junta aos autos declaração emitida pelo médico psiquiátrica da requerida, Dr. JG____, datada de 23 de Dezembro de 2019, informando que a requerida está a ser seguida na sua consulta de psiquiatria, em regime normal e voluntário. “Já foram efectuadas três avaliações médicas, duas em serviço de urgência e uma em ambulatório, por outros médicos psiquiatras, solicitadas pelo Tribunal, cuja conclusão foi no sentido de não se verificarem critérios suficientes para internamento compulsivo”.
*
Em 28 de Outubro de 2020 foi junta aos autos conclusão da avaliação psicológica realizada à requerida no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental E.P.E., datada de 21 de Junho de 2019 e assinada pela psicóloga Dra. AB___, do qual consta:
“Durante a avaliação, o examinando apresentou-se vígil, orientado no tempo e auto-psiquicamente. O contacto com o olhar é adequado. A idade aparente é ligeiramente inferior à idade real. Apresentou-se com vestuário adequado e cuidado, sem denotar dificuldades com a higiene pessoal. A atenção está mantida. O discurso é fluente, coerente e organizado, sem aparente falta de memória para factos passados. Não se apuram alterações de consciência nem alterações da conexão e da organização do pensamento”. Conclui que “de acordo com os resultados obtidos nos testes de personalidade, verifica-se uma personalidade estável, sem indícios de patologia associada”.
*
Em 21 de Agosto de 2019, o Juízo de Família e Menores de Cascais, Juiz 3, processo de promoção e protecção n.º1721/19.0T8CSC, remeteu certidão extraída desses autos, do qual resulta que no dia 23 de Julho de 2019 foram ouvidas em declarações o médico psiquiatra TS_____ e a psicóloga EM______ e, face às suas declarações e elementos documentais juntos aos autos, concluiu-se que “a doença (do foro mental) da progenitora põe esta e toda a sua família em situação de perigo”. Assim, decidiu-se “aplicar a título cautelar, por seis meses, aos filhos do requerente e requerida, medida de promoção e protecção junto dos pais, passando o progenitor a assumir todos os cuidados referentes aos filhos, designadamente ao nível da saúde, dos cuidados básicos (higiene, alimentação, vestuário, etc) e da educação, sendo-lhe atribuído todos os poderes/deveres necessários para o efeito. (...) “Nestas férias de Verão, as crianças deverão estar com o progenitor, sem a presença da progenitora, a fim de reforçar os laços efectivos das crianças com o pai e por forma a que as crianças não sejam sujeitas a comportamentos que afectem o seu bem estar, psicológico e emocional”. A progenitora deverá manter o acompanhamento psiquiátrico e submeter-se ao plano terapêutico que for definido pelo médico ou médicos especialistas. Quando as crianças estiverem com a progenitora deverá estar presente terceira pessoa da confiança daquela e do progenitor”.
Na sequência e âmbito do referido processo de promoção e protecção foram emitidos mandados de condução, pelo delegado de saúde de Oeiras, para avaliação clinico-psiquiátrica, resultando da respectiva ficha de urgência do Hospital São Francisco Xavier, junta aos autos, relativa ao dia 12 de Setembro de 2019, que tendo a requerida sido encaminhada aos serviços de psiquiatria, foi realizada avaliação clinico-psiquiátrica pelo Dr. PS____, no qual se pode ler: “trata-se de uma doente acompanhada na ECSM - Caxias, pelo Prof. JG___, segundo os registos clínicos tem comparecido às consultas”. “Há referência no processo clínico a um eventual episódio psicótico prévio, desencadeado pela administração de um fármaco agonista dopaminérgico, mas que estará é em remissão há longa data. A doente refere que tem um processo no tribunal de menores e que o marido quer internar-me para ficar com a guarda dos filhos. Relata muitos conflitos com o marido ele cria a realidade que quer (...) Relata que tem seguimento por psicologia por causa desse processo de conflito com o marido. Durante a entrevista realizada com a doente não se apuraram sintomas sugestivos de nova descompensação psicótica. Também não se apuraram sintomas da linha afectiva. Entrevista com a irmã a este SU. A irmã corrobora a história descrita pela doente, confirmando os conflitos conjugais, desde há longa data e negando qualquer alteração de comportamento de relevo, por parte da doente. EEM: aspecto cuidado, colaborante, orientada em todas as referências. Contacto sintónico. Atenção captável e fixável. Discurso lógico e coerente, espontâneo, sem alterações, sintático-semânticas. Sem alterações da linguagem. Pensamento lógico e coerente, sem alterações da forma, curso, posse e conteúdo. Humor eutímico, afectos congruentes. Não se apuram alterações da percepção ou da vivência do eu. Ciclo sono apetite e vigília mantidos. ID: não se apuram sintomas sugestivos de ysicoyatologia. Plano: não tem critérios clínicos que motivem internamento compulsivo, ao abrigo da Lei de Saúde Mental”.
*
Foi realizada a sessão conjunta, com a presença do requerente e requerida, ouvidos em declarações.
A requerida teve um discurso coerente, lucido, lógico, apresentando justificações para alguns dos imputados comportamentos que o requerente no seu requerimento inicial reputa como sendo excêntricos e refutando outros naquela sede alegados. Esclareceu que tomou o antipsicótico risperidona e quando teve as duas consultas no âmbito da avaliação psiquiátrica realizada nestes autos encontrava-se a tomar tal medicamento, vindo posteriormente a deixar de tomar esse fármaco, o que é do conhecimento do seu médico assistente psiquiatra, Professor Doutor JG____.
Por sua vez o requerente efectuou uma descrição dos motivos pelos quais deu origem a estes autos, em termos idênticos àqueles que relatou no seu requerimento inicial.
Resultou das declarações de ambos, considerarem que o seu casamento se encontra numa situação de falência, manifestando, o requerente, preocupação com os filhos, insistindo que a requerida padece de psicose paranoide, devendo ser sujeita a tratamento em regime ambulatório, havendo um afastamento tanto do requerente e requerida relativamente aos familiares do outro cônjuge. A requerida mantém um bom relacionamento com os seus pais, irmã e respectiva família, ter-se-á afastado dos antigos amigos do casal e iniciado novas amizades, opção que o requerente tem dificuldade em compreender, não se afigurando que está isolada e ausente de qualquer convívio, como parece transparecer do requerimento inicial.
Relativamente às escolhas, opções de vida, crenças, convicções, que não tenham repercussão em termos da Lei de Saúde Mental, não cabe a este Tribunal tecer considerações, pelo que não as faz.
***
Apreciando.
Os numerosos requerimentos, declarações e informações médicas e relatórios de avaliação clínico-psiquiátrica, juntos aos autos, implicaram que, para melhor compreensão, que se fizesse referência aos mesmos, nos termos supra explanados.
Neste momento importa colocar a nossa objectiva na Lei de Saúde Mental, prevista na Lei n.º 36/98, de 24/07, a qual, conforme refere no seu artigo 1.º, “estabelece os princípios gerais da política de saúde mental e regula o internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica, designadamente das pessoas com doença mental”.
Como princípio a observar nas medidas a adoptar, define-se no art.º 2.º, n.º 1: “A protecção da saúde mental efectiva-se através de medidas que contribuam para assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos, para favorecer o desenvolvimento das capacidades envolvidas na construção da personalidade e para promover a sua integração crítica no meio social em que vive”.
A Lei de Saúde Mental destina-se a proteger os portadores de anomalias psíquicas graves e também a defender a sociedade e tratando-se de questões relacionadas ou derivadas de compressão dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, cabe ao Juiz superintender em tais situações, sindicando e validando tudo o que se relacione com doentes portadores de graves perturbações mentais.
Esta lei, em respeito pelos valores constitucionais prevê que “Os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível” (cfr. art.º 3º nº 1, al. b)) e que o internamento compulsivo só deve ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e deve findar logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa (cf. art.º 8º nº 1, da LSM). Todo o articulado do art.º 8 da LSM consagra o princípio da proporcionalidade latu sensu, nas suas dimensões da adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu (cf. art.º 18º nº 2, da CRP). Relativamente aos nºs 1, 2 e 3, do artigo 8º da Lei de Saúde Mental, que se referem tanto à decisão como à manutenção do internamento compulsivo, decorre dos mesmos que o internamento compulsivo só pode ser determinado e mantido onde se mostre meio adequado à prossecução dos seus fins, quer terapêuticos, quer de proteção de bens jurídicos, do portador de anomalia psíquica ou de terceiro, concluindo-se que não existem outros meios menos onerosos para a esfera de direitos fundamentais do portador de anomalia psíquica e esteja ainda em equilíbrio com o grau de perigo e a importância dos bens jurídicos em causa.
Nos termos do artigo 12º, da LSM, pode ser sujeito a medida de internamento:
1- O portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento adequado.
2 - Pode ainda ser internado o portador de anomalia psíquica grave que não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado.”
De acordo com o nº 1 artigo 33º da Lei de Saúde Mental o internamento é substituído por tratamento compulsivo em regime ambulatório sempre que seja possível manter esse tratamento em liberdade, sem prejuízo do disposto nos artigos 34º e 35º. E de acordo com o n.º 2, a substituição depende de expressa aceitação, por parte do internado, das condições fixadas pelo psiquiatra assistente para o tratamento em regime ambulatório.
Da redacção deste preceito resulta que o tratamento em regime ambulatório compulsivo pressupõe necessariamente a possibilidade de sujeição do doente a internamento compulsivo e como tal fica sujeito ao procedimento previsto na Lei da Saúde Mental e só cessando quando cessarem os pressupostos que lhe deram origem (artº 34º da LSM).
Por sua vez, o artigo 16.º estabelece que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determina a realização das diligências que se lhe afigurem necessárias e, obrigatoriamente, a avaliação clínico-psiquiátrica do internando.
Nos presentes autos os médicos psiquiatras MTT____ e MCT___ elaboraram o determinado relatório de avaliação clinico-psiquiátrica, em 11 de Outubro de 2019, do qual resulta que a requerida terá tido um “episódio psicótico inaugural, possivelmente induzido por fármaco dopaminérgico, Tem indicação para manter o tratamento prescrito - risperidona, via oral, 3 mg. por dia.
Concluindo que “o nível actual de sintomas, a ausência de riscos significativos, não justificam a hospitalização em serviço de psiquiatria, seja em regime voluntário. ou involuntário, ao abrigo da Lei 36/98 de 24 de Julho. Não obstante, tem indicação para manter o acompanhamento psiquiátrico, que se encontra a receber, em estabelecimento público e para realizar o tratamento prescrito pelo seu psiquiatra assistente”.
Conforme resulta da declaração emitida pelo médico psiquiátrica da requerida, Dr. JG____, datada de 21 de Outubro de 2019, a requerida frequenta a sua consulta de psiquiatria, na unidade de saúde mental de Oeiras, desde 16 de Abril de 2018.
Na declaração emitida pelo médico psiquiátrica da requerida, Dr. JG____, datada de 23 de Dezembro de 2019, novamente informando que a requerida continua a ser seguida na sua consulta de psiquiatria, sublinha que o faz em regime normal e voluntário e que “já foram efectuadas três avaliações médicas, duas em serviço de urgência e uma em ambulatório, por outros médicos psiquiatras, solicitadas pelo Tribunal, cuja conclusão foi no sentido de não se verificarem critérios suficientes para internamento compulsivo”.
Efectivamente, no dia 16 de Março de 2018, ou seja, em data anterior ao início dos presentes autos (05.12.2018), na sequência da intervenção do Dr. TS_____ a requerida foi conduzida pela PSP a uma urgência psiquiátrica no Hospital de São Francisco Xavier, com vista ao seu internamento psiquiátrico, tendo sido observada pelo Dr. DS____, que concluiu, não se verificarem os critérios para internamento compulsivo ao abrigo da lei de saúde mental.
Na sequência do processo de promoção e protecção que corre termos no Juízo de Família e Menores de Cascais, foram emitidos mandados de condução para avaliação clinico- psiquiátrica, resultando da respectiva ficha de urgência do Hospital São Francisco Xavier, de 12 de Setembro de 2019, que tendo a requerida sido encaminhada aos serviços de psiquiatria, foi realizada avaliação clinico-psiquiátrica pelo Dr. PS___, concluindo que não se apuram sintomas sugestivos de psicopatologia, não tem critérios clínicos que motivem internamento compulsivo, ao abrigo da Lei de Saúde Mental.
A solicitação do requerente, em 24 de Março de 2020 os médicos psiquiatras MTT___ e MCT___ vieram esclarecer que a requerida referiu na entrevista de avaliação que realizava o tratamento prescrito pelo psiquiatra as sístenta - risperídona, por via oral. Conforme resultou das declarações da requerida, em sede de sessão conjunta, aquando das consultas com os referidos médicos psiquiatras, encontrava-se a tomar risperidona, o que foi confirmado pelo requerente.
Posteriormente deixou de tomar esse medicamento, no entanto em 12 de Setembro de 2019, quando foi sujeita à terceira avaliação clinico psiquiátrica, esta pelo Dr. PS____, a requerida já não tomava risperidona e este médico não apurou sintomas sugestivos de psicopatologia, concluindo pela inexistência de critérios clínicos que motivem internamento compulsivo, ao abrigo da Lei de Saúde Mental.
Aliás, o médico psiquiatra que requerida, Dr. JG___, que desde 16 de Abril de 2018 a acompanha na unidade de saúde mental de Oeiras, sem duvida o que tem mantido um maior contacto com a requerida, em regime normal e voluntário, na sua declaração juntas aos autos realça o facto de as três avaliações psiquátricas são no sentido de não se verificarem critérios suficientes para internamento compulsivo, nunca suscitando qualquer dúvida quanto a esse facto.
Temos assim cinco médicos, que avaliaram a requerida, quatro deles recentemente, a afirmarem não se verificarem os requisitos que a Lei de Saúde Mental impõe para se determinar o internamento compulsivo da requerida e estes teriam de se verificar para sedeterminar o tratamento compulsivo em regime ambulatório pretendido pelo requerente (para além da necessidade do consentimento da requerida a esse tratamento em regime compulsivo em regime ambulatório).
Também na avaliação psicológica realizada pela psicóloga Dra. AB____ à requerida, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental E.P.E., datada de 21 de Junho de 2019, aquela conclui que “de acordo com os resultados obtidos nos testes de personalidade, verifica-se uma personalidade estável, sem indícios de patologia associada”.
É certo que o Dr. MG____ que teve uma única consulta com a requerida, na declaração de 31 de Agosto de 2016, concluiu ter detectado um quadro de convicção delirante mística, o que configura o desencadear de uma psicose e o Dr. TS____ observou, no “relatório clínico” de 09 de Março de 2018 é da opinião que a requerida necessitava de tratamento, devendo ser internada para estudo, diagnóstico e tratamento (efectivamente, como já se viu, no dia 16 de Março de 2018, a requerida foi conduzida pela PSP a uma urgência psiquiátrica no Hospital de São Francisco Xavier, tendo o Dr. DS____ concluído não se verificarem os “critérios para internamento compulsivo).
Decorreu muito tempo desde aquelas observações da requerida pelos referidos dois psiquiatras e o relatório de avaliação clinico-psiquiátrica realizado nestes autos, em 11 de Outubro de 2019, admite que a requerida terá tido um “episódio psic6tico inaugural, possivelmente induzido por fármaco dopaminérgico”, no entanto, actualmente, o nível actual de sintomas, a ausência de riscos significativos, não justificam a hospitalização em serviço de psiquiatria, seja em regime voluntário ou involuntário, ao abrigo da Lei 36/98 de 24 de Julho.
De acordo com o n.º 5, do artigo 17.º da Lei de Saúde Mental o juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica está subtraído à livre apreciação do Tribunal. Se alguma duvida existisse quanto à suscitada questão suscitada pelo requerente de a requerida, aquando da avaliação estar a tomar o antipsicótico risperidona e a influencia que tal medicamento teve na sua avaliação, vindo posteriormente a deixar de tomar esse fármaco, da conjugação critica de todos os elementos documentais juntos aos autos, de especialistas nesta matéria, conclui-se que, mesmo não tomando tal fármaco, continua a não se verificar a existência dos pressupostos do internamento compulsivo e, consequentemente, do tratamento ambulatório compulsivo.
 Com efeito, a requerida terá tido um episódio psicótico inaugural, possivelmente induzido por fármaco dopaminérgico.
Afirmam os peritos que o nível actual de sintomas, a ausência de riscos significativos, não justificam a hospitalização em serviço de psiquiatria, seja em regime voluntário, ou involuntário, ao abrigo da Lei 36/98 de 24 de Julho, não sendo, assim, causa adequada de uma situação de perigo.
Pelo exposto, por não se verificarem os pressupostos da Lei de Saúde Mental, não se determina o internamento compulsivo, nem o tratamento compulsivo em regime ambulatório da requerida AM_____, determinando-se, consequentemente, o oportuno arquivamento dos autos.
Sem custas, por não serem devidas - artigo 37.º, da LSM
Notifique.
Comunique esta decisão ao processo de promoção e protecção n.º 1721/19.0T8CSC, do Juízo de Família e Menores de Cascais, Juiz 3.
2.3. Apreciação do Mérito do Recurso
Quanto às nulidades suscitadas no recurso:
Um dos casos em que o CPP comina expressamente com nulidade a violação de determinadas estatuições legais, é o do art.º 379º, que enumera taxativamente, no seu nº 1, as causas de nulidade da sentença, nelas incluindo a omissão das menções referidas no nº 2, e na alínea b) do nº 3, do art.º 374º, ou seja, a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Na perspectiva em que o recorrente enfoca a arguida nulidade, estas normas são subsidiariamente aplicáveis à sentença que determine o internamento ou o tratamento ambulatório compulsivos ou o arquivamento do processo, por remissão do art.º 9º da Lei de saúde mental (Lei 36/98, de 24 de Julho).
Este art.º 9º estabelece que, nos casos omissos aplica-se, devidamente adaptado, o disposto no Código de Processo Penal.
O que acontece é que, no que concerne às formalidades da sentença a proferir no âmbito dos processos previstos e regulados na Lei 36/98, de 24 de Julho, não existe qualquer lacuna que seja necessário regular através das regras do CPP, porque sobre elas rege o art.º 20º da mesma lei, nos termos do qual, a validade e eficácia da decisão sobre o internamento apenas depende de a mesma ser fundamentada e de dessa fundamentação constar a identificação a pessoa a internar, a especificação das razões clínicas, o diagnóstico clínico, quando existir, e a justificação do internamento (ou do arquivamento do processo).
Não exige, por conseguinte, a enumeração dos factos dados como não provados, a não ser que, fazendo parte do objecto do processo, a sua enumeração seja imprescindível ou necessária para a compreensão do resultado final, o que não se verifica no caso vertente.
Não existe, pois, a invocada nulidade.
Quanto à nulidade invocada com fundamento no facto de o Ministério Público não se ter pronunciado, ausentando-se na sua obrigação de apresentar alegações na Sessão Conjunta, além de o acto de proferir alegações ser facultativo, para todo e qualquer sujeito processual e, portanto, da renúncia a esse direito nenhuma consequência se poder retirar, desde que observado, por parte do Tribunal, o dever de dar aos sujeitos processuais a oportunidade de as proferirem, em conformidade com o formalismo legalmente previsto, para o efeito, sempre se dirá que os actos ou omissões do Mº. Pº. não estão incluídos nos temas passíveis de sindicância em sede de recursos, pois que estes apenas podem ter por objecto decisões judiciais, tal como expressamente previsto no art.º 399º do CPP.
Improcede, igualmente, esta nulidade.
Quanto à nulidade emergente da circunstância de o tribunal a quo ter dispensado um exame solicitado numa primeira fase pela junta médica, no primeiro relatório emitido a 16 de Abril de 2019 (e aconselhado novamente a 24 de Março de 2020, pela mesma junta): exame de doseamento plasmático de Risperidona.
Esta alegação nem sequer reproduz com rigor os acontecimentos em torno da possibilidade de realização de um exame de doseamento plasmático de Risperidona, porque sugere a ideia de que se tratava de uma diligência essencial que o Tribunal de forma arbitrária se demitiu de realizar, ou que não determinou a sua realização em virtude de uma errada avaliação dos factos e da importância de tal exame médico para a comprovação dos mesmos e o que, realmente se passou, foi que esse exame era cientificamente impossível de realizar.
A este propósito é bem elucidativo o teor da informação prestada pelos Serviços de Patologia Clínica, CHULC de que o doseamento plasmático da Risperidona e do seu metabolito activo 9-OHRisperidona por HPLC, são parâmetros analíticos que se encontram em fase de validação clínica, sendo que apenas após a fase de validação poderá ser utilizada para doseamentos/monitorização, na sequência da solicitação desse exame pelo Departamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., na realização da avaliação clínico-psiquiátrica prevista no artigo 17º da Lei 36/98, de 24 de Julho, cujo relatório foi elaborado em 16 de Abril de 2019.
Ora, se é certo que, quer de harmonia com o princípio do inquisitório, quer do contraditório, os tribunais, as partes e os sujeitos processuais devem poder investigar os factos em ordem à descoberta da verdade material e a uma decisão conscienciosa, isenta, imparcial e criteriosa da causa, podendo e devendo as pessoas visadas também dar o seu contributo e influenciar o sentido das decisões, aduzindo argumentos de facto e de direito adequados à defesa dos seus direitos e interesses e juntando as provas ou requerendo a produção daquelas que acharem pertinentes para fazerem valer as suas razões, porque isso é o que corresponde aos princípios constitucionais do acesso ao Direito e aos Tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP), assim como a um processo justo e equitativo, o que é igualmente certo é que, em nome da celeridade processual e da proibição da prática de actos inúteis, a indagação dos factos e a actividade probatória não deve enredar-se e eternizar-se em diligências de realização impossível ou de resultados incertos ou totalmente irrelevantes, como era o caso do exame que o recorrente agora pretende que deveria ter sido realizado (cfr. arts. 130º do CPC, 4º do CPP e 9º da Lei 36/98, de 24 de Julho).
De resto, a omissão da realização desse exame, seguindo o regime geral previsto nos art.ºs 118º a 123º do CPP ex vi do art.º 9º da LSM, especialmente no que se refere aos princípios da legalidade e da tipicidade das causas de nulidade, sempre teria de ser considerada uma irregularidade já sanada, por falta de arguição atempada.
O recurso também improcede, nesta parte.
Quanto à nulidade da sentença resultante de a avaliação psiquiátrica realizada no processo ser parcialmente omissa, não se referindo aos pressupostos do internamento previstos no artigo 12º nº2 da Lei de Saúde Mental, ela será apreciada em conjunto com as questões 5) e 6) a decidir, no presente recurso, que se prendem com saber se é necessária a repetição da avaliação psiquiátrica efectuada à internanda e se se verificam todos os pressupostos para o internamento compulsivo de AM________ previstos no artigo 12º da Lei de Saúde Mental.  
A Lei da Saúde Mental, no que concerne especialmente à disciplina do internamento compulsivo, preconiza em sintonia com a Resolução n.º 1235 (1994) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa um modelo judicializado de internamento, que visa compatibilizar a finalidade de protecção da saúde mental, através de medidas adequadas a assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos e a promover a sua integração crítica no meio social em que vivem (tal como anunciado pelo art.º 2º da Lei nº 36/98 de 24 de Julho) com os princípios consagrados na Constituição da República em matéria de direitos fundamentais, liberdades e garantias dos portadores de anomalia psíquica, sendo o direito à liberdade o mais significativo (art.ºs 27º e 71º da CRP), nesta matéria.
Na prossecução desse desígnio, estabelece como princípios gerais, entre outros, que a prestação de cuidados de saúde mental seja promovida prioritariamente a nível da comunidade, por forma a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social e que os cuidados de saúde mental sejam prestados no meio menos restritivo possível, no art.º 3º nº 1 als. a) e b); impõe a aplicação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade do internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica, no art.º 8º nºs 1 e 2 e exige que a aplicação da medida de internamento compulsivo apenas possa ter lugar mediante decisão judicial, no art.º 7º al. a) , todos da referida Lei.
«Para além da restrição do direito à liberdade, só justificável quando constituir a única forma de implementação do tratamento necessário e adequado, o doente mantém os seus restantes direitos inalterados (v.g., voto, comunicação com a família, advogado e autoridades, envio/recepção de correspondência, receber visitas, culto religioso, confidencialidade).
«Nestas circunstâncias, o juiz é não só o responsável pela condução e legitimação do processo de internamento compulsivo, mas também a garantia do respeito pelos direitos fundamentais do indivíduo, à luz da Constituição» (M Xavier & Álvaro de Carvalho, Internamento Compulsivo em Portugal – Contexto e Procedimentos, in https://www.dgs.pt).
«(…) O que se pretende, na realidade é a supervisão do internamento involuntário do doente que não tem capacidade para decidir sobre a necessidade de tratamento em regime de internamento; a função do juiz é assim garantir os direitos do doente, suprindo a voluntariedade de que o doente carece e autorizando, isto é, consentindo o internamento, necessário para a restituição da saúde psíquica, ponderando os interesses em jogo e o “perigo” existente» (Fernando Vieira e Sofia Brissos, Direito e Psiquiatria, Um Olhar Sobre a Cultura Judiciária na sua Intersecção com a Psiquiatria, Revista Julgar, nº 3, 2007, p. 45 e seguintes).
«Na realidade, é nítido o propósito legal de exigir um consenso entre médicos e juízes, fazendo depender o internamento da junção de dois poderes e de dois juízos: por um lado, de uma decisão médica especializada, fundada em conhecimentos técnicos e obrigada por uma deontologia profissional exigente; por outro lado, de uma decisão judicial, fundada em conhecimentos jurídicos e garantindo a aplicação correcta da Constituição e da lei.» (José Carlos Vieira de Andrade, O Internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica na perspectiva dos direitos fundamentais, in “A lei de saúde mental e o internamento compulsivo” - Centro de Direito Biomédico, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 71-91. No mesmo sentido, Barreto (2000), A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e os Direitos dos Doentes Mentais. Revista do Hospital Júlio de Matos, vol. XIII, Maio/Agosto, 109-123).   
Os direitos das pessoas doentes estão ainda acautelados nos vários procedimentos processuais, em que se desdobram todas as fases do processo - requerimento, avaliação psiquiátrica e decisão - pois que, uma vez requerido o internamento compulsivo, o tribunal fica responsável pela informação à família e ao Ministério Público, assim como pela nomeação imediata de um defensor oficioso gratuito; o doente tem a possibilidade de recusar o defensor oficioso gratuito nomeado pelo tribunal e escolher o seu próprio advogado, tem o direito de estar presente nas sessões e de ser ouvido pelo juiz (excepto quando o seu estado clínico for totalmente impeditivo), antes da tomada de qualquer decisão, de oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurem necessárias, de interpor recurso da decisão de internamento compulsivo, tal como previsto nos art.ºs 10º e 11º da Lei de Saúde Mental.
Em suma, trata-se de aplicar, com as devidas adaptações, o direito constitucional a um processo justo e equitativo previsto no art.º 20º nºs 4 e 5 da CRP ao regime jurídico de aplicação da medida de internamento compulsivo e também do tratamento compulsivo ambulatório.
Nos termos do art.º 12º nº 1 da Lei 36/98 de 24.7., são pressupostos cumulativos da aplicação da medida de internamento compulsivo, em primeiro lugar, que a pessoa visada seja portadora de anomalia psíquica, que a anomalia psíquica seja grave; que, em virtude desse seu estado de saúde mental, crie perigo de lesão de bens jurídicos de valor relevante, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial e, por último, que se recuse a receber tratamento médico adequado.
O nº 2 do citado art.º 12º estabelece, ainda a possibilidade de aplicação do internamento compulsivo, sempre que, por força dessa anomalia, o doente não tenha capacidade de entender o significado a alcance do consentimento, se a ausência de tratamento deteriorar, de modo acentuado, o seu estado de saúde, independentemente do tal risco de lesão de bens jurídicos de relevante valor.
Por seu turno, o art.º 33º admite a substituição do internamento por tratamento compulsivo em regime ambulatório sempre que seja possível manter esse tratamento em liberdade, sem prejuízo do disposto nos artigos 34.º e 35.º, o que significa que são os mesmos os pressupostos determinantes, tanto da aplicação da medida de internamento compulsivo, quanto da medida de tratamento compulsivo ambulatório.
A Lei 36/98 define, no seu art.º 7º al. a), o internamento compulsivo como aquele que é determinado por decisão judicial, relativamente a pessoas portadoras de anomalia psíquica grave, mas não concretiza o que deve ser considerado como anomalia psíquica grave, nem refere, ainda que só exemplificativamente, quais as categorias diagnósticas que devem ser integradas no conceito de anomalia psíquica.
Em todo o caso, o termo utilizado “portadores de anomalia psíquica” parece ter um significado mais abrangente do que “pessoas com doença mental”, seguindo a intenção do legislador, ao utilizar a palavra designadamente, na parte final do art.º 1º, e o único meio de prova legalmente admissível para a constatação desse estado incapacitante é a avaliação clínico-psiquiátrica.
Assim, se por um lado é à medicina que incumbe exclusivamente o diagnóstico da doença, distúrbio, ou perturbação susceptíveis de integrar o conceito de anomalia psíquica, que constituí um dos pressupostos cumulativamente exigidos pelo art.º 12º para a sujeição de alguém a internamento compulsivo (e também a tratamento compulsivo ambulatório, em face do que dispõe o art.º 33º), já a aferição da sua natureza grave, da existência do nexo causal entre o estado psíquico incapacitante e a situação de perigo (concreto, atual e, no internamento urgente, iminente) para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial de relevante valor, bem como a recusa do internando a submeter-se ao tratamento necessário, é totalmente jurisdicional.  
Pese embora, a decisão final seja da exclusiva competência de um Juiz, este não pode decretar o internamento compulsivo se a opinião médica for contrária.
A avaliação clínico-psiquiátrica do internando é obrigatória e o juízo técnico-científico inerente a essa avaliação está subtraído à livre apreciação do juiz, nos termos do art.º 17º nº 5 da Lei de Saúde Mental e não apenas presumivelmente subtraído, como na previsão contida no art.º 163º do CPP.
Essa avaliação tem de ser feita por dois psiquiatras: se houver acordo, ela constituirá o fundamento da decisão final e o Juiz fica impedido de qualquer valoração crítica ou valorativa dessa avaliação clínico-psiquiátrica; em caso de desacordo, o tribunal não pode decretar o internamento compulsivo, sem pedir nova avaliação por dois psiquiatras diferentes, ou sem convocar os peritos que elaboraram esse juízo técnico-científico, para prestarem esclarecimentos na sessão conjunta de prova (art.º 18º nºs 2 e 3 da Lei de Saúde Mental), sendo certo que, nessa segunda avaliação, sem o consenso dos dois peritos que a elaboraram ou se os peritos inicialmente intervenientes não estiverem de acordo no diagnóstico, face ao modelo misto de decisão médica e judicial e ao texto das normas contidas nestes art.ºs 17º nº 5 e 18º, o Juiz não poderá determinar o internamento (neste sentido, José Carlos Vieira de Andrade, O Internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica na perspectiva dos direitos fundamentais, in “A lei de saúde mental e o internamento compulsivo” - Centro de Direito Biomédico, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 71-91).
«O estado psicopatológico do internando é matéria da exclusiva competência do perito médico, e apenas a relevância desse estado, enquanto anomalia psíquica, para efeito de internamento, é matéria que poderá ser apreciada pelo juiz» (M. Simões de Almeida, Internamento compulsivo de doentes portadores de anomalia psíquica grave: dificuldades e constrangimentos do tribunal, in e-book do CEJ, Internamento Compulsivo, p. 38 http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Internamento_Compulsivo.pdf e Pedro Soares de Albergaria, A lei da saúde mental: Lei n.º 36/98, de 24 de Julho anotada. Coimbra: Almedina, 2003, p. 54).
Assim, é ao Juiz que compete, por um lado, assegurar que o processo seja correcto e justo (um “due process of law”), e, por outro lado, verificar a existência dos demais pressupostos previstos no art.º 12º da LSM, em tudo o que estiver fora do âmbito do juízo técnico-científico que fundamenta a avaliação psiquiátrica.
Neste modelo judicializado, o Juiz tem, por conseguinte, amplos poderes de cognição e decisão sobre a natureza grave da anomalia psíquica diagnosticada; sobre a sua adequação a um qualquer perigo; sobre a questão de saber se o internamento é a única forma de garantir a submissão do internando a tratamento; sobre a natureza do bem jurídico ameaçado pelo internando, quer em si mesmo avaliado, quer na sua consideração comparativa e numa dimensão de proporcionalidade, com a medida de internamento, quanto a saber se é de valor suficiente para justificar esta medida, podendo, apesar do diagnóstico médico, concluir pela negativa, quanto aos demais pressupostos legais determinantes do internamento e, em conformidade, recusar o internamento compulsivo.
Do mesmo modo, no chamado internamento tutelar, previsto no art.º 12º nº 2, quanto às possibilidades de concluir que não há manifestamente falta de discernimento do internando e/ou que é improvável a prognose de deterioração grave do seu estado, o Juiz também mantém intacto o seu poder de decisão.
Ora, em face do que fica exposto e do conteúdo dos relatórios de avaliação clínico-psiquiátrica se adianta que os argumentos invocados pelo recorrente não merecem acolhimento.
E não o merecem pelas razões de que a requerida foi submetida a três avaliações periciais, com o valor probatório pré-estabelecido nos termos já explanados, sendo certo que os correspondentes relatórios analisam de forma detalhada todas as questões que importam decidir em sede de processo de internamento compulsivo, quais sejam, a existência de uma patologia do foro mental, a perigosidade dela emergente e a capacidade e vontade do doente para aderir ao tratamento que se mostrar adequado.
Relembrando todo o iter de análise e avaliação pericial a que a requerida foi sujeita nestes autos, resulta inequívoco que «não se verificam critérios para o internamento de urgência» (como expressamente consta do relatório de 16 de Abril de 2019 referente à avaliação clínico-psiquiátrica por dois psiquiatras prevista no artigo 17.º da Lei 36/98 de 24 de Julho, no Departamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E.), do mesmo modo, que do relatório avaliação clínico-psiquiátrica de 11 de Outubro de 2019 elaborado pelos médicos psiquiatras MTT___ e MCT____, consta que: «a ausência de riscos significativos, não justificam a hospitalização em serviço de psiquiatria, seja em regime voluntário. ou involuntário, ao abrigo da Lei 36/98 de 24 de Julho. Não obstante, tem indicação para manter o acompanhamento psiquiátrico, que se encontra a receber, em estabelecimento público e para realizar o tratamento prescrito pelo seu psiquiatra assistente», isto apesar do «episódio psicótico, com ideias delirantes persecutórias centradas numa cunhada empregadas e envolvendo igualmente o marido» e da possibilidade de a perturbação mental ocorrida não possa ter sido induzida por este tratamento com o fármaco Risperidona durante cerca de um ano.
A este propósito, merece total concordância a argumentação do Mº. Pº., na sua resposta ao recurso, no sentido de que «o facto de se reconhecer que a requerida padece de uma psicose que requer a toma de medicamentos não implica, por si só, que tal psicose determine necessariamente o internamento compulsivo da requerida», pois que, face à natureza cumulativa dos pressupostos de que depende a decisão do internamento ou do tratamento ambulatório compulsivo, «não basta haver uma patologia psiquiátrica, como uma psicose paranóide, para se justificar o internamento compulsivo. É sempre necessário que essa patologia determine um risco para o próprio ou para terceiros e que o internando careça de autocrítica para a doença, não aderindo ao tratamento ou recusando a tratar-se».
Tal como resulta exarado na sentença recorrida e com o especial valor probatório da prova pericial, em 28 de Outubro de 2019 foi junta aos autos declaração emitida pelo médico psiquiátrica da requerida, Dr. JG___, datada de 21 de Outubro de 2019, informando que a requerida foi à sua consulta de psiquiatria, na unidade de saúde mental de Oeiras, mais concretamente a 10 consultas, sendo a primeira em 16 de Abril de 2018 e a última em 21 de Outubro de 2019, ou seja, a requerida aderiu voluntariamente a tratamento de psiquiatria, o que por si só afasta qualquer possibilidade de ser decretado o tratamento ambulatório compulsivo, sujeito, como está, aos mesmos pressupostos que o internamento compulsivo. 
Por fim, em 28 de Outubro de 2020 foi junta aos autos conclusão da avaliação psicológica realizada à requerida no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental E.P.E., datada de 21 de Junho de 2019 e assinada pela psicóloga Dra. AB____, do qual consta:
“Durante a avaliação, o examinando apresentou-se vígil, orientado no tempo e auto- psiquicamente. O contacto com o olhar é adequado. A idade aparente é ligeiramente inferior à idade real. Apresentou-se com vestuário adequado e cuidado, sem denotar dificuldades com a higiene pessoal. A atenção está mantida. O discurso é fluente, coerente e organizado, sem aparente falta de memória para factos passados. Não se apuram alterações de consciência nem alterações da conexão e da organização do pensamento”. Conclui que “de acordo com os resultados obtidos nos testes de personalidade, verifica-se uma personalidade estável, sem indícios de patologia associada”.
Importa, pois, concluir, com o Mº. Pº. e com a requerida que não se verificam quaisquer contradições ou insuficiências dos relatórios psiquiátricos elencados pelo Requerente, nem quaisquer imprecisões, omissões ou vícios e, por isso, não se justifica a realização de nova avaliação clínico-psiquiátrica.
De resto, como referiram quer o Mº. Pº., quer a requerida, o art.º 12º nº 2 da Lei de Saúde Mental, não tem aplicação, uma vez que a requerida nem sequer internada compulsivamente, logo, não tinha de prestar consentimento para esse internamento.
Do mesmo modo, resulta destes relatórios que não se verificam, nem a perigosidade nem a falta de autocrítica para a doença, nem para a necessidade de sujeição a terapêutica.
Tudo, para concluir que o presente recurso não merece provimento, porque a decisão recorrida analisou com arrimo na prova produzida, nos factos e no direito aplicável todos os pressupostos de que a Lei de Saúde Mental faz depender o internamento e o tratamento ambulatório compulsivos e concluiu com acerto pela ausência de parte desses pressupostos, pelo que não merece qualquer censura.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Sem Custas, atenta a isenção prevista no art.º 37º da LSM.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 23 de Setembro de 2020
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva