ADAPTAÇÃO À LIBERDADE CONDICIONAL
Sumário

- O artigo 188.º do CEPMPL, que regula o período de adaptação à liberdade condicional, apenas prevê no seu n.º 6 a aplicação do disposto nos artigos 174.º a 178.º e da alínea b) do artigo 181.º para a sua tramitação e não prevê, em momento algum, a possibilidade de haver recurso da decisão de não concessão desse mecanismo, que permite ao recluso fazer a adaptação à liberdade fora do ambiente prisional em  regime de permanência em habitação sujeita a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Ora, não havendo norma expressa no CEP que preveja o recurso, nem se tratando de uma decisão proferida em processo supletivo, há que concluir, assim, de acordo com o disposto no artigo 235.º, pela inadmissibilidade de recurso da decisão que indefere o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional.
Tendo por referência a fundamentação de arestos do Tribunal Constitucional - que concluíram que a inadmissibilidade de recurso da decisão que nega a adaptação à liberdade condicional não implica “a violação do direito à liberdade protegido pelo n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, da garantia consagrada no artigo 32.º n.º 1, nem tão pouco o princípio do Estado de Direito, acolhido no artigo 2.º, ou o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, todos da CRP” - considera-se não existir violação da Constituição relativamente aos artigos 188.º e 235.º do CEP, ao não se admitir o recurso por inadmissibilidade legal, realçando-se apenas que no caso da concessão ou recusa da liberdade condicional (artigo 179.º) e da revogação ou não revogação da liberdade condicional (artigo 186.º) está em causa a questão da liberdade individual do recluso, enquanto no caso da adaptação à liberdade condicional apenas está em causa uma forma de continuar a cumprir a pena de prisão em privação da liberdade.

Texto Integral

Decisão Sumária

I – Relatório
1. Nos autos de liberdade condicional em referência, do Tribunal de Execução das Penas (T.E.P.) de Lisboa, por decisão de 10 de Julho de 2020, foi negada a adaptação à liberdade condicional ao recluso T., melhor identificado nos autos.
2. Inconformado, o recluso interpôs o presente recurso cuja motivação termina com as seguintes conclusões (transcrição):
1. Entende o recorrente que a decisão da matéria de facto plasmada na sentença proferida em 10.07.2020 é passível de recurso.
2. O artigo 236.º, n.º 1, alínea b) do CEPMPL consagra o direito de o condenado recorrer "das decisões contra si proferidas", o que aliás é reforçado pelo disposto no artigo 401.º, n.º1, alínea b) do CPP.
3. Também nos termos do disposto no artigo 399.º do CPP (aplicável por remissão prevista no artigo 239.º do CEPMPL), é permitido recorrer dos acórdãos, sentenças e despachos cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei.
4. A interpretação das normas constantes dos artigos 235.º e 188.º do CEPMPL, segundo a qual se entenda que a decisão da matéria de facto plasmada na sentença proferida em 10.07.2020 não admite recurso, inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por contenderem com o estatuído no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
5. Por outro lado, caso se entenda que a decisão da matéria de facto plasmada na sentença proferida em 10.07.2020 é irrecorrível por não previsto, são as normas constantes dos artigos 235.º e 188.º do CEPMPL inconstitucionais por violarem o disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Posto isto,
6. O recorrente impugna expressamente os factos dados como provados nos pontos o) e p):
o) Em reclusão, averba seis sanções disciplinares, a última graduada em 6 dias de permanência obrigatória no alojamento; tem ainda um processo pendente a aguardar despacho final por apreensão de uma pen, um cartão micro SD e uma TV com selo violado; tem ainda um processo disciplinar a aguardar despacho final, por ofensas/ameaças ao corpo da guarda prisional em 1710-2019;
p) Não beneficiou de licenças de saída jurisdicional;
7. A fundamentação de facto da decisão recorrida sobre esta matéria encontra-se a fls. 7, tendo o Tribunal a quo formado a sua convicção com base nas certidões das decisões condenatórias, no certificado do registo criminal, na ficha biográfica, no auto de audição, no relatório integrado dos serviços de Reinserção Social e de Tratamento Penitenciário e no teor do extrato do SIP (Sistema de Informações Prisionais).
8. Os elementos contantes nos autos, afastam totalmente a factualidade dada como provada nos pontos o) e p) da decisão recorrida.
9. Pelo menos, relativamente a um dos processos disciplinares mencionados no ponto o) já foi proferido despacho final da Sra. Diretora em 26 de fevereiro de 2020, e, por isso, antes de ter sido proferida a douta sentença (conforme apenso J destes autos).
10. Por outro lado, relativamente ao ponto p), o recluso já beneficiou de, pelo menos, uma saída jurisdicional com a avaliação positiva, antes de ter sido proferida a douta sentença (conforme apenso L destes autos).
11. Os elementos existentes nos autos impunham decisão diversa da recorrida.
12. Designadamente, que o recluso, em reclusão, averba seis sanções disciplinares, a última graduada em 6 dias de permanência obrigatória no alojamento, não tendo nenhum processo pendente (relativamente ao ponto o)); e que já beneficiou de uma licença de saída jurisdicional (relativamente ao ponto p)).
13. O tribunal recorrido dá especial ênfase ao facto dado como provado no ponto p) para fundamentar a não concessão da adaptação à liberdade condicional.
14. Pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
• Todas as que foram mencionadas na motivação de recurso.
3. O Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes de fls. 142 e 143, pugnando pela sua improcedência.
4. Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), manifestou a sua concordância com a posição assumida na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
5. Cumpre proferir decisão sumária, nos termos do disposto nos artigos 417º, nº 6, al. b), 420.º, n.º 1, al. b) e 414.º, n.º 2, todos do C.P.P..
II. Fundamentação
Está em causa um recurso da decisão da Sra. Juíza do TEP que não concedeu ao recorrente a adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
O recorrente começa por suscitar, em sede de questão prévia, a questão da admissibilidade do recurso quanto à matéria de facto que foi plasmada na decisão recorrida e que pretende ver alterada, designadamente quanto aos seus pontos o) e p).
Trata-se de uma alegação incompreensível na medida em que, de acordo com o artigo 237.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, doravante designado apenas por CEP, o recurso das decisões do tribunal de execução das penas, que são recorríveis, abrange toda a decisão e pode ser limitado à questão de facto ou à questão de direito, mas a limitação do recurso não prejudica o dever de o tribunal de recurso de retirar da procedência respectiva as consequências legalmente impostas relativamente a cada decisão recorrida. Por isso, a ser admissível o recurso, sempre o tribunal da Relação tem competência para conhecer da impugnação de facto, quando a mesma for invocada.
Porém, no caso dos autos, apesar de o recurso ter sido admitido pela primeira instância, não é o mesmo admissível e, certamente, que era essa inadmissibilidade que o recorrente tinha em mente e pretendeu suscitar (para a afastar) na sua questão prévia.
O regime de adaptação à liberdade condicional está previsto, desde 2007, no artigo 62.º do Código Penal, tendo sido então regulado processualmente pelos artigos 484.º e 485.º do C.P.P.
 Apesar de o n.º 6 do artigo 485.º do C.P.P. prever expressamente a possibilidade de recurso em relação ao despacho de negação da liberdade condicional e nada referir quanto à recorribilidade do despacho de não concessão de adaptação à liberdade condicional, era possível defender que esse despacho admitia recurso face ao princípio geral da recorribilidade das decisões proferidas em 1ª instância previsto no artigo 399.º do C.P.P. e de não se tratar de nenhum dos casos do artigo 400.º do mesmo Código, que prevê as decisões que não admitem recurso[1].
Porém, o Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12/10, que entrou em vigor em 12/04/2010 e passou a regular toda a matéria substantiva e processual respeitante à execução das penas e medidas privativas da liberdade, revogou expressamente aqueles artigos 484.º e 485.º do CPP e estabeleceu no seu artigo 235.º os casos em que é admissível recurso para o tribunal da Relação, nos seguintes termos:
1- Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei.
2 – São ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas:
a) Extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade;
b) Concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal:
c) As proferidas em processo supletivo.

O processo de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância está previsto no artigo 188.º do CEP, o qual está inserido na Secção III do capítulo V do Código, que regula a forma de processo designada de “liberdade condicional”.
Nessa forma de processo, apenas está prevista, expressamente, a possibilidade de recurso para a questão da concessão ou recusa da liberdade condicional (artigo 179.º) e para a questão da revogação ou não revogação da liberdade condicional (artigo 186.º). 
O artigo 188.º, que regula o período de adaptação à liberdade condicional, apenas prevê no seu n.º 6 a aplicação do disposto nos artigos 174.º a 178.º e da alínea b) do artigo 181.º para a sua tramitação e não prevê, em momento algum, a possibilidade de haver recurso da decisão de não concessão desse mecanismo, que permite ao recluso fazer a adaptação à liberdade fora do ambiente prisional em  regime de permanência em habitação sujeita a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Ora, não havendo norma expressa no CEP que preveja o recurso, nem se tratando de uma decisão proferida em processo supletivo, há que concluir, assim, de acordo com o disposto no artigo 235.º, pela inadmissibilidade de recurso da decisão que indefere o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional.
Neste mesmo sentido foram já proferidas as seguintes decisões: acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/10/2010, processo n.º883710.6TXEVR-CE1; decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra de 5/02/2014, no processo n.º 917/11.7TXCBR-H.C1 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/12/2018, no processo n.º928717.9TXPRT-F.P1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).
A não recorribilidade da decisão constitui causa que devia ter determinado a não admissão do recurso nos termos do nº2, do art.º 414º, conjugado com o art.º 400º, nº1, al. g), ambos do CPP.
E que determina, agora, a sua rejeição, posto que não está este tribunal vinculado à decisão que o admitiu, nos termos do nº3 do art.º 414º e nº 1, al. b) do art.º 420º, do CPP.
A inadmissibilidade de recurso da decisão que nega a adaptação à liberdade condicional não implica “a violação do direito à liberdade protegido pelo n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, da garantia consagrada no artigo 32.º n.º 1, nem tão pouco o princípio do Estado de Direito, acolhido no artigo 2.º, ou o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, todos da CRP”, conforme foi já decidido pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos números 332/2016 (Processo n.º 1157/15, 2.ª Secção) e 150/2013 (Processo n.º 625/2012, 1.ª Secção), acessíveis em  http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/home.html, a respeito da interpretação normativa do artigo 179.º, n.º 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade[2].
Tendo por referência a fundamentação desses arestos do Tribunal Constitucional, que aqui se subscreve, considera-se não existir violação da Constituição relativamente aos artigos 188.º e 235.º do CEP, ao não se admitir o recurso por inadmissibilidade legal, realçando-se apenas que no caso da concessão ou recusa da liberdade condicional (artigo 179.º) e da revogação ou não revogação da liberdade condicional (artigo 186.º) está em causa a questão da liberdade individual do recluso, enquanto no caso da adaptação à liberdade condicional apenas está em causa uma forma de continuar a cumprir a pena de prisão em privação da liberdade.
Nos termos do artigo 420.º, nº 3 do CPP fixa-se a taxa de justiça a pagar pelo recorrente em 3 UC.
III – Decisão
Face ao exposto, decido rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso que foi interposto por T..
Condeno o recorrente em 3 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 25 de Setembro de 2020
(processado e revisto pela relatora)
Maria José Costa Machado

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[1] Nesse sentido decidiu, em sede de reclamação, o então vice presidente da Relação de Lisboa no processo n.º 934/01.5TXCBR-A.L1-3. Em sentido contrário, porém, decidiu o Tribunal da Relação do Porto na decisão sumária de 10/09/2008, proferida pelo Desembargador Custódio Abel Silva (ambas acessíveis em www.dgsi.pt).
[2] Nesses acórdãos decidiu-se “Não julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 179.º, n.º 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, segundo a qual é irrecorrível a decisão que indefere o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional”, tendo o primeiro deles um voto de vencido.