RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
GESTÃO DE CARTEIRA DE TÍTULOS
CONFLITO DE INTERESSES
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO
ORDEM DE COMPRA
FORMA ESCRITA
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário


I- Como a jurisprudência do STJ tem reiteradamente entendido, o art. 327.º do CVM não impõe a forma escrita da ordem de aquisição de valores mobiliários, nem como formalidade substancial (requisito de validade), nem como formalidade probatória necessária (excludente de outros meios, nomeadamente da prova testemunhal).

II- O facto de a recorrente ter subscrito apenas produtos financeiros emitidos por empresas do mesmo grupo não significa, por si só, que exista total ausência de diversificação dos investimentos e, consequentemente, violação do art.309º do CVM pelo intermediário financeiro. Não se pode considerar que exista falta de diversificação de propostas de investimento, que pudesse ser considerada clara violação do dever de adequação, quando as aplicações em causa respeitavam a empresas que atuavam em setores bastante diversificados e apresentavam prazos de maturidade diversos.

Texto Integral



Processo n. 25924/15.7T8LSB-A.L1.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. No âmbito do processo de liquidação judicial do “Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal”, os agora recorrentes apresentaram reclamação para verificação e graduação de créditos sobre a massa da devedora (nos termos do CIRE, subsidiariamente aplicável a tal processo)1.


O liquidatário judicial apresentou a lista prevista no artigo 129º do CIRE, na qual não reconheceu, entre outros, os créditos dos seguintes reclamantes:


- AA, BB, CC e DD (no valor de 295.083,83);


- EE (no valor de 593.276,71);


- FF e GG (no valor de €1.733.00,21);


- HH (no valor de €1.000.000,00 e de €1.100.000,00).


2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou não verificados, entre outros, os créditos reclamados pelos supra referidos reclamantes.


3. Inconformados, os mencionados reclamantes interpuseram recurso de apelação. Porém, o TRL não deu provimento a tais recursos, tendo confirmado a decisão da primeira instância, sem voto de vencido e sem fundamentação diversa.


4. Continuando inconformados, esses apelantes interpuseram recurso para o STJ, nos seguintes termos:


- AA, BB, CC e DD apresentaram recurso de revista excecional, com base nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.


- EE apresentou recurso de revista excecional, com base na al. b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.


- HH apresentou recurso de revista excecional, com base nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.


- FF e GG apresentaram recurso de revista excecional, com base na al. b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.


5. Constatada a existência de dupla conformidade decisória, impeditiva do recebimento do recurso como revista normal, nos termos do art.671º, n.3 do CPC, foram os autos remetidos à Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do CPC, a fim de se aferir dos pressupostos da revista excecional.


6. A Formação proferiu a seguinte decisão quanto à admissibilidade das revistas excecionais:


«a) admitir o recurso de revista excecional interposto por AA, BB, CC e DD,


b) admitir o recurso de revista excecional interposto por EE,


c) não admitir o recurso de revista excecional interposto por FF e GG,


d) não admitir o recurso interposto por HH


7. Os apelantes AA, BB, CC e DD, cujo recurso foi admitido pela Formação, formularam as seguintes conclusões nas respetivas alegações de revista:


«A) Vem esta revista interposta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos autos acima referenciados que corre por apenso ao processo de insolvência do BANQUE PRIVÉE ESPIRITO SANTO, SA, o qual julgou a apelação interposta improcedente e, consequentemente, confirmou a sentença de primeira instância, decidindo, assim, pela absolvição da Recorrida que julgou improcedente a impugnação apresentada pelos ora Recorrentes e, nessa medida, não reconhece o crédito reclamado de € 295.083,83;


B) Salvo o devido respeito, na douta decisão recorrida não foi feita correcta apreciação da matéria de facto, na parte em que se entende que está em causa a violação da lei adjectiva, com a ofensa de disposição legal que exige determinado meio de prova, como se entende que se verifica uma errada interpretação e aplicação das normas legais atinentes;


C) Nos presentes autos, os Recorrentes reclamaram um crédito sobre a insolvente, no valor de € 295.083,83, alegando, para além do mais e do que ao presente recurso interessa, que, em 15/12/2010 procederam à abertura de conta de deposito à ordem da sucursal em Portugal do Banco Privée Espirito Santo, que se traduziu num deposito que, após os funcionários da insolvente transmitirem ao 1º Impugnante que a subscrição do papel comercial RIO FORTE INVESTIMENTS permitia alguma rentabilidade a titulo de juros e sem riscos, nesse pressuposto, o 1º Recorrente (classificado como não profissional) subscreveu o referido valor nas obrigações Rio Forte (caracterizada pela Liquidanda como “Instrumento financeiro Complexo”), com vencimento anual, em 2011, 2012 e 2013, esta vencida a fevereiro de 2014 e que verificaram que a Liquidanda tinha subscrito as referidas obrigações “RIO FORTE INVESTIMENTS EMTN SR 217 2014/27/02/2015”, em 2014, sem que para tal tivesse sido ordenado, referindo, ainda, que tal ordem teria de constar de documento escrito, o que não sucedeu;


D) O acórdão recorrido, ao julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão de primeira instância, sustenta que ocorreu a ordem verbal do Impugnante II na subscrição das obrigações Rio Forte de 2014, recorrendo ao depoimento da testemunha JJ, que o incumprimento da ordem por escrito não põe em causa a validade da ordem, excluindo que se trate de uma formalidade ad substanciam e ad probationem;


E) O presente recurso de revista excepcional é interposto, ao abrigo do artº 672º, nº 1, al. a) e b) do CPC, no sentido de saber se a instituição bancaria, financeira e intermediária, como a Liquidanda, na comercialização de instrumentos financeiros, como as obrigações RIO FORTE, a ordem de subscrição deve ser realizada por escrito, mesmo que seja transmitido de forma verbal (cfr. artº 327º, nº 1 e 2 do CVM (2014), reforçada, aliás, pela classificação da natureza do instrumento financeiro como complexo e face a categoria de investidor “não profissional” como é o caso do 1º Impugnante (306º-B do mesmo diploma legal), que impõe que tal subscrição tem de ser suportado por documento com aposição da assinatura do cliente, quais os efeitos desse incumprimento, e se tais formalidades se traduzem numa formalidade ad substanciam, nos termos e com os efeitos do disposto no artº 364º, nº 1 do CPC, o que impossibilita admissão, em juízo, de qualquer outro elemento de prova que não seja de força probatória superior que suporte, ou se assim não se entender, se traduz, então, numa formalidade ad probationem, e, nessa medida, atendendo à limitação na admissibilidade dos meios de prova, nos termos dos artºs 364º, nº 2 e 393º do CC, se também por aqui se encontra excluída que tal matéria seja suportada com o recurso a prova testemunhal, como sucedeu na decisão recorrida, entendendo que se trata de uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja necessária ser apreciada por este venerando Tribunal, como se traduz num interesse de particular relevância social;


F) O acórdão recorrido, em relação a subscrição das referidas obrigações, sustenta que se trata de um contrato de abertura de conta com uma conta de instrumentos financeiros associada e que a exigência de registo escrito ou fonográfico da ordem de bolsa não constitui uma formalidade ad probationem;


G) Atendendo que o recurso de revista, nos termos do artº 674º, nº 1 do CPC, para além da violação da lei de processo e as nulidades aí previstas, apenas pode ter como fundamento a violação da lei que, inclui, em relação a matéria de facto, a ofensa de disposição legal que exija determinado meio de prova, apenas, no que a factualidade diz respeito, que se insurge com o que se encontra assente nos pontos 5.12 e 5.13 e que se relaciona com a subscrição e titularidade das obrigações Rio Forte em 2014, entendendo-se, com o devido respeito, que o acórdão recorrido, na decisão desta factualidade viola norma legal que determina um determinado meio de prova – documento escrito da ordem de subscrição, como se entende que se verifica uma errada interpretação e aplicação nas normas legais atinentes;


H) Sempre com o devido respeito, entendemos que o acórdão recorrido desrespeitou norma expressa de direito probatório, mais precisamente a prevista no artº 364º, nº1 do CC, na medida que o legislador ao impor que a ordem de subscrição tem de ser escrita (cfr. artº 306º-B, nº 1 e 327º, nº 1 e 2 do Código de Valores Mobiliários aplicável à data (2014)), o meio de prova admissível para suportar tal factualidade terá necessariamente de ser exclusivamente através deste elemento documental, traduzindo-se numa formalidade ad substanciam, nos termos e com os efeitos do disposto no artº 364º, nº 1 do CPC, o que impossibilita admissão de qualquer outro elemento de prova que não seja de força probatória superior que suporte, ou se assim não se entender, se traduz, então, numa formalidade ad probationem, e, nessa medida, nos termos dos artºs 364º, nº 2 e 393º do CC, também por aqui, a subscrição de um instrumento financeiro “obrigações RIO FORTE” teria de ser suportada com o recurso a prova documental e não a prova testemunhal, como ocorreu na decisão recorrida;


I) Deste modo, atendendo que inexistindo a ordem de subscrição, inexiste também a sua titularidade, deve a factualidade vertida nos pontos 5.12 e 5.13 ser eliminada da matéria assente;


J) Assim, atendendo que a comercialização de valores imobiliários, como os instrumentos financeiros em analise, obedecem ao cumprimento de determinadas obrigações e formalidades, entre as quais se destaca, na subscrição de instrumentos financeiros, a autorização previa do investidor pela sua assinatura e da ordem de subscrição constar de documento escrito, tal como é imposto, respectivamente, nos artºs 306º-B e 327º, ambos do Código de Valores Mobiliários, o que não sucedeu nestes autos;


K) Tais requisitos, cujo cumprimento é essencial para a validade da referida subscrição, traduzem-se numa formalidade ad substantiam, nos termos do disposto no artº 364º, nº 1 do CPC, o que impossibilita admissão de qualquer outro elemento de prova que não seja de força probatória superior que suporte, ou se assim não se entender, sempre se traduziria, então, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 364º, nº 2 e 393º do CC, numa formalidade ad probationem, sendo que, em qualquer caso, não é admitida a prova testemunhal, como sucedeu na decisão recorrida;


L) Nessa medida não pode ser dado como provado que o 1º Impugnante tenha dado ordem de subscrição das Obrigações RIO FORTE em 2014 e, nessa medida, também não pode ser dada provada a titularidade das mesmas (5.12), devendo ser reconhecido aos Impugnantes a crédito sobre a Liquidanda no valor de USD 300.000,00, a que corresponde a € 242.000,00, acrescido dos juros vencidos no valor de € 19.424,54;


M) Ao decidir, como decidiu, julgando totalmente improcedente a impugnação à lista de créditos apresentada pelos ora Recorrentes, não reconhecendo o credito por estes reclamado, o tribunal a quo não apreciou e valorou correctamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou devidamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 7º, 73º, 74º e 75º do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras; 1º, nº 1, 7º, 289º nº 1 al. a, 290º nº 1 al. a) e b), 304º nº 1, 2 e 3, 305º nº 1 al. a), b), k) e nº 2; 306º nº 1 al. a), 3, 4, 5 b), e) e f), 306º-B nº 1, 2, 2 b), 3, 306º-C, 306º-D, 307º-B, 309º nº 1, 2 e 3, 312º nº 1, al. a), b), d), f), g), nº 3 e 4, 327º nº 1 e 2 do Código dos Valores Mobiliários (CVM); artºs 344º, nº 1, 344º nº 1, 352º, 355º, 362º, 363º, 364º nº 1, 371º, 373º, 376º, 393º nº 1 e 799º nº 1 do Código Civil (CC); 131º nº 3, 134º, estes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE); 5º, 412º, 572º, al. d), 573º nº 1, 607º nº 5, estes do Código de Processo civil aplicável ex vi pelo artº 17º do CIRE;


Dado o exposto e o douto suprimento de V. Exªs que sempre se espera, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente o presente recurso, com as legais consequências.»


8. A apelante EE, cujo recurso foi admitido pela Formação, formulou, nas suas alegações, as seguintes conclusões:


«1 - O colapso do Grupo GES e a matéria em causa nos autos - a responsabilidade dos intermediários financeiros integrantes do Grupo na comercialização de produtos do Grupo (subtema dentro do tema da responsabilidade dos emitentes) – suscitou e continua a suscitar intenso debate político e social e o descrédito generalizado e a perda de confiança da comunidade nas instituições de crédito, nas instituições de supervisão (Banco Central Europeu, Banco de Portugal e CMVM) e nas instituições políticas e judiciais.


2 - O modo como as questões suscitadas nos autos são e serão tratadas pelos Tribunais transcende o interesse subjectivo da Recorrente e é determinante para o restabelecimento de tal confiança, com especial incidência no restabelecimento da confiança geral no próprio sistema de justiça, pelo que estão em causa interesses de particular relevância social que, nos termos do disposto no art.º 672º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., constituem pressuposto de admissibilidade do presente recurso.


3 - O acórdão recorrido, reconhecendo que não foram cumpridas todas as formalidades exigidas para que a Recorrente fosse considerada um investidor qualificado, reconheceu também que a Recorrente não era, ao tempo da subscrição dos instrumentos financeiros em causa, uma investidora qualificada (cfr. fls. 449).


Significa isto que a Liquidanda vendeu à Recorrente os instrumentos financeiros em causa nos autos no pressuposto, errado, de que esta era uma investidora qualificada.


Porém,


4 - O Tribunal a quo considerou que este facto não tem qualquer relevância porque os produtos financeiros em causa não revestem as caraterísticas previstas no art. 2º do D.L. nº 211-A/2008, de 3/11 para poderem ser qualificados como complexos.


E que os produtos só são complexos se tiverem estas características e não porque assim são designados, seja pelo intermediário, seja pelo emitente.


Ora,


5 - O Tribunal e o Direito não podem ser alheios ao facto de, independentemente da qualificação legal, a Liquidanda e as emitentes (e não apenas as emitentes) terem considerado que os produtos em causa se destinavam apenas a investidores qualificados (cfr. formulários e fls. 8671, 8677 e 8679 e fichas técnicas dos produtos juntas na audiência de julgamento).


6 - Até porque a ficha técnica é uma síntese do prospecto e, nos termos do disposto nos arts. 114º e 115º do Código dos Valores Mobiliários, o prospecto de uma oferta pública de um valor mobiliário tem de ser aprovado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e, uma vez aprovado, o que nele consta tem de ser cumprido e respeitado, sob pena de os emitentes e os intermediários financeiros terem liberdade e a discricionariedade de os interpretar como bem entendem.


7 - Foi a Liquidanda – por razões que não explicou, mas que temos de entender como razões válidas e ponderosas e reconhecidas pelo supervisor – que aceitou o entendimento de que estes produtos não deviam ser vendidos a investidores não qualificados e fez refletir este entendimento nos seus formulários.


8 - Mesmo que o que consta naqueles documentos fosse irrelevante, o facto de a Liquidanda se aproveitar de tal irrelevância contra a Recorrente, sua cliente, configura uma situação de manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio, que, sendo do conhecimento oficioso, desde já se invoca para todos os efeitos.


9 – A Liquidanda não pode, pondo em causa a sua credibilidade e para se proteger de um erro que cometeu, vir dizer que o entendimento que expressou em documentos oficiais não tem qualquer relevância e que, não obstante deles constar que se destinavam apenas a investidores qualificados, podiam ser vendidos a investidores não qualificados.


10 - Ao contrário do que se decidiu no acórdão recorrido, se a Recorrente não tivesse sido mal classificada como investidora profissional ou qualificada, nunca teria investido nos produtos em causa nestes autos e nunca teria perdido o capital neles investido porque, pura e simplesmente, estes produtos não lhe podiam ter sido vendidos.


11 - Seja por violação do disposto nos artigos 114º e 115º do C.V.M., seja por acolher uma situação de manifesto abuso de direito por parte da Liquidanda, o acórdão recorrido é, nesta parte, injusto e ilegal e deve ser revogado.


Acresce que,


12 - No ponto 35.16 da sentença de 1ª instância foi dado por provado que “A Liquidanda informou e esclareceu a Impugnante sobre as entidades emitentes das aplicações em causa – a Rio Forte e a ESFIL -, nomeadamente sobre o facto de estas integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertencia a Banque Privée Espirito Santo, S.A.”.


E o acórdão recorrido decidiu que este facto é suficiente para considerar demonstrado que a Liquidanda cumpriu o dever que lhe é imposto pelos artigos 7º e 312º, nº 1, alínea c) do C.V.M..


Ora,


13 - Entendeu o Tribunal a quo que o potencial de conflito de interesses no caso dos autos era “a pertença” ao mesmo grupo pelas emitentes e pelo intermediário financeiro pelo que bastava a informação da existência desta pertença para se dar por cumprido o dever de informação.


14 - Uma tal informação não esclarece rigorosamente nada, nem ninguém, sobre o risco potencial decorrente do facto de emitentes e intermediários financeiros pertencerem ao mesmo Grupo, pelo que não cumpre minimamente os requisitos impostos pelo art. 7º, nº 1 do CVM acima citado.


15 – Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, o dever de informação em causa não é meramente formal pelo que não bastava esclarecer a Recorrente sobre existência de uma relação de grupo entre emitentes e intermediário financeiro para o dar por cumprido.


16 - Para a Recorrente entender o que estava em causa era preciso (i) tê-la esclarecido sobre a concreta posição das emitentes e da Liquidanda no Grupo, (ii) tê-la esclarecido de que forma e em que medida é que as relações entre estas entidades comportavam o risco de surgir um conflito entre os interesses dela, Recorrente, e os interesses da Liquidanda, (iii) ter identificado que interesses contrapostos ou contraditórios poderiam estar ou estavam em causa e (iv) tê-la esclarecido sobre a possibilidade de tais interesses conflituantes poderem condicionar a atuação da Liquidanda.


17 – Só assim poderia a Recorrente ter decidido conscientemente.


18 - Não pode, pois, aceitar-se, nesta parte, o acórdão recorrido por violação frontal do disposto nos artigos art. 7º e 312º, nº 1, alínea c) do C.V.M.


19 - Está provado que os gerentes da Liquidanda tinham decidido, em 2014, diversificar a carteira dos seus clientes e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo que então representavam 15% do portefólio dos seus clientes (ponto 35.8 da matéria assente da sentença recorrida).


20 - Mas também está provado que, relativamente à Recorrente, nada disto se verificou. No caso da Recorrente, esta decisão dos gerentes não só não foi implementada, como foi expressamente contrariada uma vez que a sua carteira de investimentos estava totalmente concentrada em produtos do GES.


Por isso,


21 - A Liquidanda também não cumpriu, no caso da Recorrente, o dever previsto no art. 309º, nºs 1 e 3 do C.V.M. que prescreve que o intermediário financeiro se deve organizar por forma a identificar possíveis conflitos de interesses e atuar de modo a evitar ou reduzir ao mínimo a sua ocorrência.


22 - Esta regra impunha à Liquidanda que, prevenindo potenciais conflitos de interesses, desaconselhasse vivamente os seus clientes a concentrar todos os seus investimentos nas empresas do Grupo Espírito Santo (a que pertencia).


23 - Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que o dever de diversificação da carteira de cada cliente por parte do intermediário financeiro se destina a garantir o cumprimento do seu dever de adequação dos instrumentos financeiros ao cliente ou investidor (art. 309º-I, nº 1, alíneas b) e c) e nº 2, alínea b) do C.V.M.).


Para o Tribunal a quo a questão não se coloca em sede de prevenção de conflitos de interesses, mas antes de cumprimento do dever de adequação.


No caso, considerou o Tribunal a quo que, não sendo expectável um “risco de grupo”, a carteira da Recorrente era diversificada.


24 - O Tribunal a quo não tem qualquer razão porque, no caso e atendendo ao facto da Liquidanda integrar o mesmo Grupo que as emitentes, a redução de investimento em dívida do Grupo é uma medida óbvia de redução do risco de conflito de interesses - Quanto menos produtos do Grupo fossem comercializados pela Liquidanda, menor o risco de conflito de interesses.


25 - Esta redução de investimento em dívida do Grupo foi uma política assumida pela Liquidanda (cfr. ponto 35.38 da matéria assente da sentença recorrida), mas que, como se viu, não foi seguida no caso da Recorrente consubstanciando a violação do dever previsto no art. 309º, nºs 1 e 3 do C.V.M. e aumentando o risco de exposição da Recorrente (risco que, infelizmente, acabou por se concretizar).


26 - A violação por parte da Liquidanda dos vários deveres enunciados (dever de observar o procedimento para tratamento como investidor qualificado, dever de informação e regras de organização da sua actividade) foi causa adequada e directa da perda de todo o capital investido nos produtos financeiros em causa nos autos, no montante global de € 550.000,00.


Tivessem estes deveres sido cumpridos e a Recorrente não teria feito os investimentos em causa nos autos.


27 - Nos termos do disposto no art. 304º-A, nº 1, do C.V.M., os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhe sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (nº2 do art. 304º-A do C.V.M.).


28 - Ao manter a sentença proferida na 1ª instância assim desatendendo a reclamação da recorrente, o acórdão recorrido violou também o citado art. 304º-A do CVM.


Termos em que deverá o presente recurso ser considerado inteiramente procedente e, em consequência, ser o acórdão recorrido revogado e substituído por acórdão que condene a Liquidanda a reparar o prejuízo causado à Recorrente no montante global de €550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros)


*


II. FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objeto dos recursos


1.1. Admissibilidade


Nem todos os recursos interpostos contra o acórdão recorrido foram admitidos pela Formação a que alude o art.672º, n.3 do CPC. Assim, cabe conhecer do mérito apenas dos seguintes recursos:


- interposto por AA; BB; CC; e DD;


- interposto por EE.


1.2. Objeto dos recursos:


Nem todas as questões suscitadas pelos recorrentes cujas revistas foram admitidas mereceram relevância para verem o mérito da decisão recorrida ser reanalisado.


Quanto aos recursos interpostos por AA, BB, CC e DD, a Formação admitiu a revista excecional apenas para conhecimento do seguinte:


- Saber se a instituição bancária e intermediária, como a Liquidanda, na comercialização de instrumentos financeiros, como as obrigações RIO FORTE, está obrigada a que a ordem de subscrição seja realizada por escrito, mesmo que seja transmitido de forma verbal; e quais os efeitos do seu incumprimento. E, ainda, se tais formalidades se traduzem numa formalidade ad substanciam, nos termos do artº 364º, nº 1 do CPC.


Quanto ao recurso interposto por EE, a Formação admitiu a revista excecional apenas para conhecimento da seguinte questão:


- Saber se a liquidanda incumpriu o dever de adequar a carteira à recorrente, reduzindo o risco através da diversificação nas propostas de investimento.


*


2. Recurso interposto por AA, BB, CC e DD.


2.1. Quanto a este recurso, a questão a analisar foi admitida pela Formação nos seguintes termos:


«Saber se a instituição bancária, financeira e intermediária, como a Liquidanda, na comercialização de instrumentos financeiros, como as obrigações RIO FORTE, a ordem de subscrição deve ser realizada por escrito, mesmo que seja transmitido de forma verbal (cfr. artº 327º, n.1 e 2 do CVM (2014), reforçada, aliás, pela classificação da natureza do instrumento financeiro como complexo e face a categoria de investidor “não profissional” como é o caso do Impugnante 306º-B do mesmo diploma legal, que impõe que tal subscrição tem de ser suportado por documento com aposição da assinatura do cliente; pretende-se, também, analisar os efeitos do seu incumprimento e, ainda, se tais formalidades se traduzem numa formalidade ad substanciam, nos termos e com os efeitos do disposto no artº 364º, 1 do CPC, o que impossibilita admissão, em juízo, de qualquer outro elemento de prova que não seja de força probatória superior que suporte, ou se assim não se entender, se traduz, então, numa formalidade ad probationem, e, nessa medida, atendendo à limitação na admissibilidade dos meios de prova, nos termos dos artºs 364º, 2 e 393º do CC, se também por aqui se encontra excluída que tal matéria seja suportada com o recurso a prova testemunhal, como sucedeu na decisão recorrida».


Os referidos recorrentes alegam que o acórdão recorrido violou a lei adjetiva, por ofensa de disposição legal que exige determinado meio de prova. Afirmam que, ao admitir a prova positiva dos factos 5.12 e 5.13 através de prova testemunhal, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 327.º, n.ºs 1 e 2 do CVM (versão de 2014) e 364.º, n.º 1, do CC, que não admite em juízo a prova através de qualquer outro elemento que não tenha força probatória superior (formalidade ad substanciam). Ou caso, assim não se entendesse, estar-se-ia perante uma formalidade ad probationem, em face da limitação de meios de prova, prevista nos artigos 364.º, n.º 2, e 393.º, do CC.


2.2. De toda a matéria de facto que as instâncias deram como provada, a que releva para a apreciação do presente recurso é a seguinte:


«5.1. Em 15.12.2010, os Impugnantes procederam à abertura de conta de depósito à ordem na Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A., nos termos constantes do contrato cujo clausulado se mostra a fls. 8576 a 8595, que aqui se dá por integralmente reproduzido por questões de economia processual, à qual foi atribuído o n.º 850529.


5.2. Os Impugnantes subscreveram obrigações Rio Forte, no valor de USD 300.000,00, em 1.3.2011, 1.3.2012 e 1.3.2013, com duração anual.


5.3. Os Impugnantes foram sucessivamente reembolsados dessas aplicações, obtiveram rendimentos e reinvestiram os valores reembolsados em mais obrigações Rio Forte.


5.4. As ordens de subscrição eram dadas presencial, ou telefonicamente, à Liquidanda e foram sempre assinadas por um só Impugnante, II.


5.5. A Liquidanda executou as ordens dadas pelo Impugnante II, entre 2011 e 2013, para investimento do valor de USD 300.000,00 em obrigações Rio Forte, com cópia a fls. 8568 a 8572, dando-se o respectivo teor aqui por integralmente reproduzido.


5.6. Consta da 2ª página dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” referentes às subscrições referidas em 5.5. “Declaro que fui devidamente informado e esclarecido pela Banque Privée Espirito Santo – Sucursal em Portugal (O BPES), sobre as características dos instrumentos financeiros em causa e que não pretendo ou necessito de qualquer informação adicional.


Também fui informado pelo BPES sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, nomeadamente que: (i) qualquer investimento em instrumentos financeiros está sempre exposto a riscos de natureza diversa, incluindo de mercado, crédito, operacional, legal, solvabilidade da contraparte e outros; (ii) da sujeição ao risco de mercado pode resultar do instrumento financeiro abaixo do seu valor nominal ou do valor de aquisição, estando, nomeadamente sujeito à cotação e à liquidez de cada momento; (iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia; (iv) a existência de uma cal (opção de compra) ou de uma put (opção de venda) não assegura a concretização da compra/venda na data indicada e a consequente antecipação da maturidade do investimento, que poderá ser perpétua.


O BPES aconselhou-me a diversificar sempre a minha carteira de investimentos, evitando uma concentração excessiva num mesmo risco ou tipo de risco. Também estou perfeitamente esclarecido sobre a natureza da intervenção do BPES, que se limita a receber ordens sobre instrumentos financeiros, nos termos do contrato de registo e depósito junto do BPES e que o BPES não é o emitente dos instrumentos financeiros que pretendo adquirir, nem tão pouco presta ou prestará qualquer tipo de garantia sobre as suas características ou sobre o cumprimento das obrigações pelos emitentes, ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de uma sugestão de investimento pelo mesmo apresentada.”


5.7. A Liquidanda informou os Impugnantes, na pessoa de II, das características da aplicação que subscreveram.


5.8. A Liquidanda esclareceu os Impugnantes de que a subscrição das obrigações Rio Forte não era um depósito junto da Liquidanda.


5.9. A Liquidanda não assumiu o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência do emitente.


5.10. Os Impugnantes sabiam, no momento em que foi dada a ordem de subscrição, que na data de vencimento o emitente teria de reembolsar integralmente o capital e pagar os juros na taxa fixada.


5.11. A Liquidanda informou e esclareceu os Impugnantes sobre a entidade emitente da aplicação em causa – a Rio Forte –, nomeadamente sobre o facto de esta entidade integrar o Grupo Espírito Santo, a que pertente a Banque Privée Espirito Santo, S.A.


5.12. Os Impugnantes são titulares de obrigações com a designação “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-217 2014/27.02.2015 (23837501)”, subscritas com data-valor de 28.2.2014 e com data de vencimento de 27.2.2015, no valor de USD 300.000,00.


5.13. As obrigações foram subscritas mediante ordem verbal do Impugnante II, transmitida via telefone.


5.14. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição.


5.15. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios foram transmitidas aos Impugnantes verbalmente e também mediante o documento denominado “Execução de Ordem sobre Instrumento financeiro”.


5.16. As obrigações venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição do produto pelos Impugnantes.


5.17. Desde a celebração do contrato de abertura de conta, o único investimento realizado pelos Impugnantes foi em obrigações Rio Forte.


5.18. Os Impugnantes recebiam extractos periódicos da sua conta junto da Liquidanda com informação relativa aos investimentos realizados, com menção à aplicação em obrigações Rio Forte.


5.19. No âmbito da relação de confiança existente entre a Liquidanda e os seus clientes, frequentemente, as ordens sobre aplicações em instrumentos financeiros eram dadas pelos clientes à Liquidanda por telefone ou email e, mais tarde, em reunião com o cliente, o gestor de conta levava o documento da execução de ordem para assinatura do cliente, o que chegou a acontecer com os Impugnantes.


5.20. A prática do Banco era obter a instrução do cliente por escrito ou por telefone, mas neste caso tinha a obrigação de, posteriormente, obter a assinatura do cliente.


5.21. Os Impugnantes eram acompanhados por um gestor de conta da Liquidanda, que lhes prestava as informações e os esclarecimentos solicitados.


5.22. A Liquidanda prestou aos Impugnantes informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:


2.7 Informação sobre política de conflito de interesses: O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.


O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.


Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.


O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.


A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:


a) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;


b) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;


c) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;


d) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/ “Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;


e) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;


f) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”


5.23. Em 2013, a Liquidanda solicitou aos Impugnantes AA, BB e CC que, caso pretendessem, preenchessem um “Questionário de Perfil de Investidor”.


5.24. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo, como outros.


5.25. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte aos Impugnantes ou a qualquer outro cliente.


5.26. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.


5.27. Pela montagem e colocação de obrigações da Rio Forte junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou a comissão de 0,5% por ano, em linha com o que cobrava para a colocação de obrigações de outras empresas.


5.28. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações da Rio Forte.


5.29. A Liquidanda não tomou firme quaisquer obrigações emitidas pela Rio Forte ou terceiros, nem assumiu perante estes a obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários de qualquer tipo, ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.


5.30. A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou mandatos de gestão discricionária.


5.31. Em 2014, os gerentes da Liquidanda tinham decidido diversificar a carteira dos clientes da Liquidanda e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo.


5.32. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre a sociedade emitente das obrigações, nomeadamente, o relatório e contas da sociedade.


5.33. Até 2014, a Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.


5.34. Pelo menos até Fevereiro de 2014, as obrigações Rio Forte foram reembolsadas no vencimento.


5.35. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A., bem como a articulação com a Liquidanda, era assegurada por um Comité Executivo composto por KK, LL e MM.


5.36. Nenhum dos administradores da Banque Privée Espirito Santo, S.A. tinha qualquer intervenção no relacionamento entre a Liquidanda e os seus clientes.


5.37. A Liquidanda dispõe de escrituração contabilística própria.


5.38. Por carta datada de 21.9.2015, cuja cópia se mostra a fls. 485 e ss., a Liquidanda remeteu a AA um extracto bancário no qual informou que o Impugnante era titular de €300.000,00 USD, investidos em obrigações da Rio Forte Investments.


5.39. Os Impugnantes reclamaram o mesmo valor de capital de que aqui pretendem ser ressarcidos no processo de Liquidação da Rio Forte.


5.40. Os Impugnantes dirigiram uma reclamação à C.M.V.M. – DAIC- Departamento de Apoio ao Investidor e Comunicação, que instruiu o respectivo processo de reclamação com o n.º 53952.


5.41. No âmbito desse processo de reclamação, por carta datada de 18.10.2015, a C.M.V.M. remeteu aos Impugnantes a carta cuja cópia se mostra a fls. 481/482, dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido.»


2.3. Entendeu-se no acórdão recorrido (a páginas 274 a 277), seguindo doutrina e jurisprudência vária, como se extrata:


«Pese embora a questão da natureza da formalidade da ordem seja uma questão de direito – cfr. art. 327º do CVM – dada a invocação da sua natureza ad substantium, o que vedaria ao tribunal recorrido a valoração de outros meios de prova que não outro documento de força probatória superior, nos termos do nº1 do art. 364º do Código Civil, teremos que nos pronunciar sobre ela na presente sede, a fim de concluir pela possibilidade de valorar os meios de prova produzidos – essencialmente documentos particulares, prova testemunhal e por declarações não confessórias.


(…) mesmo que se conclua tratar-se apenas de formalidade ad probationem, teríamos a considerar um regime estrito de admissibilidade de meios de prova, tal como resulta do nº 2 do art. 364º do CC e 393º do mesmo diploma, o que releva para a apreciação que vimos fazendo.


Estabelece o art. 327º do CVM, sempre na versão aplicável:


“Forma


1 - As ordens podem ser dadas oralmente ou por escrito.


2 - As ordens dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito pelo receptor e, se presenciais, subscritas pelo ordenador.


3 - O intermediário financeiro pode substituir a redução a escrito das ordens pelo mapa de inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo dos elementos mencionados no artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de Agosto.”


Contrariamente ao que referem os recorrentes, a forma escrita e a redução a escrito das ordens orais não são consideradas, nem pela jurisprudência nem pela doutrina, formalidades ad substantium, não sendo, assim, aplicável o regime do nº1 do art. 364º do Código Civil. (…)


E conclui-se: «Não nos afastamos da doutrina e jurisprudência dominantes, considerando também nós que a exigência de registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa não constitui uma formalidade ad probationem, pelo que as regras de obtenção de prova foram respeitadas, sem que tenha ocorrido violação de qualquer norma imperativa.»


No caso concreto, concluiu-se que o recorrente deu a ordem de aquisição das obrigações Rio Forte por telefone, o que ficou provado em juízo através de prova testemunhal, sem que o intermediário financeiro, a ora liquidanda, tenha posteriormente procedido à sua redução a escrito.


Concluiu-se no acórdão recorrido, face ao disposto no art. 327º do CVM, que a lei não impunha a redução a escrito de tal ordem enquanto formalidade substancial, ou seja, para firmar a própria validade formal de tal ordem, pelo que não teria aplicação o disposto no art.364º, n.1 do CC.


E entendeu-se corretamente, pois da conjugação do n.1 com os números 2 e 3 do art.327º do CVM não emergem dúvidas a esse respeito. E assim tem sido reiteradamente afirmado pela doutrina2 e pela jurisprudência.


Por outro lado, face ao disposto no art. 327.º n.º 2 do CVM, que impõe ao intermediário financeiro a posterior redução a escrito da ordem dada oralmente pelo cliente, é suscitada a questão de saber se a prova da existência da ordem só poderá ser feita através de documento escrito, o que limitaria a tipologia dos meios de prova, de acordo com o disposto no art.364º, n.2 do CC (excluindo a prova testemunhal, nos termos do art.393º, n.1 do CC).


A jurisprudência do STJ já se pronunciou várias vezes no sentido da não aplicação do art.364º, n.2 do CC (e, consequentemente, do art.393º, n.1) às ordens previstas no art.327º do CVM (independentemente das diversas alterações sofridas por esta norma).


Veja-se, a título exemplificativo, o recente acórdão do STJ, de 30.11.2022 (relator Fernando Batista)3, no processo n.º 191/13.0TCFUN.L1.S3, no qual se sumariou o seguinte:


«I - Da conjugação dos arts. artigo 327º e 67º do CVM (na redacção anterior ao Dec-lei nº 357-A/2007, de 31.10) resulta que as ordens de realização de operações sobre instrumentos financeiros podem ser dadas, quer por escrito, quer oralmente, sendo que para o registo desse facto basta a elaboração, pela entidade registadora, de uma mera nota escrita justificativa do registo. A falta de observância desta última norma que impõe a elaboração de nota escrita justificativa do registo pode determinar a aplicação de sanção ao intermediário financeiro (ut art. 397º, n.º 2, e) do CVM), sem que dela resulte, porém, a nulidade da ordem, nem convoca a aplicação do estatuído nos arts. 364º e 393º do C. Civil.


II - Com efeito, as razões que justificam, tradicionalmente, a exigência de formalidades para a prática de actos jurídicos – proteger as próprias partes contra a sua irreflexão, facilitar a prova, e publicitar os actos – encontram, no tráfego cambiário, tradução e proteção que não passam pela forma.


III - Assim, a lei: i) não exige que a ordem de compra dos títulos seja dada por escrito, podendo ser dada verbalmente – caso em que é igualmente válida e eficaz; ii) não exige que, em caso de ordem verbal, o cliente confirme essa mesma ordem por escrito (ou seja, a inobservância pelo intermediário financeiro, da exigência de redução a escrito da ordem verbal, não acarreta a nulidade da ordem); iii) não impede que a prova da ordem (quando verbal) seja feita por outro meio que não por documento, designadamente podendo ter lugar por via testemunhal (ou seja, a redução a escrito das ordens verbais não é uma formalidade ad probationem da emissão de tais ordens). (…).»


Em decisões anteriores foi também este o entendimento seguido por este tribunal.


Veja-se o acórdão de 08.01.2019 (relator Roque Nogueira), no proc. n.º 971/10.9TVLSB.L2.S2, no qual se sumariou:


«(…) II - Atenta a celeridade inerente ao mercado bolsista, a emissão de ordens de bolsa não está sujeita a forma escrita (arts. 4.º e 327.º do CVM e art. 219.º do CC), sendo que a redução a escrito das mesmas apenas se justifica no contexto de deveres de custódia e de segurança a que está sujeito o intermediário financeiro e por razões de salvaguarda deste; não se tratando de formalidade ad probationem, a emissão de ordens verbais poderia, como sucedeu, ser tida como provada por recurso a testemunhas, o que inviabiliza a intervenção deste STJ no sentido da modificação da matéria de facto. (…)»


Veja-se, ainda, o Acórdão de 07.06.2018 (relator Abrantes Geraldes)4, no proc. n.º 2393/09.5TVPRT.L2.S1:


«I - Ao abrigo do art. 674.º, n.º 3, do CPC, o STJ pode sindicar a decisão da matéria de facto em situações em que as instâncias tenham considerado provados certos factos com base em determinados meios de prova, exigindo a lei de forma expressa outra espécie de prova mais solene (formalidade ad substantiam ou formalidade ad probationem).


II - O CVM exige que seja submetido a prova escrita o contrato de registo e depósito de valores mobiliários outorgado entre o intermediário financeiro e investidor não qualificado, mas essa formalidade já não abarca as operações sobre valores mobiliários que, ao abrigo desse contrato, sejam depois efetuadas, as quais podem ser ordenadas verbalmente pelo investidor não qualificado, devendo o intermediário financeiro proceder ao registo escrito ou audiofónico dessas ordens.


III - Em face da especificidade com que são tratadas no CVM as operações executadas pelos intermediários financeiros ao abrigo de contrato de registo e depósito de valores mobiliários, o facto de, a par da análise de documentos, também ter sido usada prova testemunhal e por presunções judiciais para prova de certos factos relativos a tais operações não corresponde à previsão normativa do art. 674.º, n.º 3, do CPC, já que não se verifica a “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija” prova documental ou por confissão. (…);»


Em resumo, como a jurisprudência do STJ tem reiteradamente entendido, o art. 327.º do CVM não impõe a forma escrita da ordem de aquisição de valores mobiliários, nem como formalidade substancial (requisito de validade), nem como formalidade probatória necessária (excludente de outros meios, nomeadamente da prova testemunhal). Assim, ao decidir neste sentido, o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correta aplicação do direito.


*


3. Recurso interposto por EE.


3.1. Quanto a este recurso, a Formação admitiu a revista excecional apenas para conhecimento da seguinte questão:


- Saber se a liquidanda incumpriu o dever de adequar a carteira à recorrente, reduzindo o risco através da diversificação nas propostas de investimento.


A recorrente alega (quanto à parte que foi admitida) que a liquidanda, enquanto intermediária financeira, não cumpriu o dever que lhe era imposto pelo art. 309.º, n.ºs 1 e 3, do CVM, pois esta regra impunha à liquidanda que desaconselhasse vivamente os seus clientes a concentrarem todos os seus investimentos nas empresas do Grupo Espírito Santo (a que pertencia). A liquidanda não teria, assim, assegurado uma redução do risco de conflito de interesses, pois quanto menos produtos do Grupo fossem comercializados menor seria o risco de conflito de interesses.


3.2. De entre a matéria de facto que as instâncias deram como provada, releva para o presente recurso a seguinte:


«35.1. A Impugnante é médica e nasceu em ........1941.


35.2. Em 27.7.2009, a Impugnante celebrou um contrato de abertura de conta com a Liquidanda, cuja cópia se mostra a fls.8685 e ss., dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido.


35.3. No questionário designado “Profiling”, com cópia a fls.8791, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Impugnante assinalou, além do mais:


- Ter um património no valor estimado “<10M”;


- A probabilidade de necessitar de parte maior que 25% do património depositado no banco no prazo de 1 ano seria baixa;


- Investir em produtos financeiros há 10 anos;


- O horizonte temporal esperado para o investimento efectuado no banco não importava;


- A expectativa de rendimento médio anual seria “maior que a inflação”;


- Valor da desvalorização anual aceitável “positivo”;


- Conhecer e ter depósitos a prazo; obrigações, acções, cotadas ou não, nacionais ou estrangeiras; acções preferenciais;


- Desconhecer fundos de investimento harmonizados ou especiais; opções e warrants; interest rate swaps; futuros, reverse convertibles, credit linked notes; metais preciosos; mercado derivados; icae;


- Investir directamente em mercado nacional;


- Ter carteiras sob gestão discricionária;


- Ter como objectivo especifico para os fundos depositados “herança e compra de activo”.


35.4. O referido questionário designado “Profiling” não foi assinado, nem foi rubricado pela Impugnante e foi rubricado pelo funcionário da Insolvente.


35.5. A Impugnante é titular dos seguintes activos, que se mostram associados à sua conta n.º ..., aberta junto da Liquidanda:


- 250.000 - 4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014 (N.º Isin: XS...);


- 100.000 - 4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS...);


- 200.000 - 5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015 (N.º Isin: XS...);


35.6. Atingida a data de vencimentos de cada uma das obrigações, a Impugnante não foi reembolsada do capital investido, assim como do valor dos juros à taxa convencionada.


35.7. Em 2 de Maio de 2014, foi efetuada uma transferência bancária ordenada por Hornova – Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários para a conta da Impugnante junto da Liquidanda, no valor de €102.000,00 (facto alterado pelo acórdão recorrido).


35.8. Os documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”, em nome da Impugnante, com referência à conta n.º ....01.100, referentes aos produtos “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014” e “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015” mostram-se assinados pela Impugnante no verso.


35.9. A Impugnante deu a ordem de subscrição do produto “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS...)” por telefone.


35. 10. Não se mostra assinado pela Impugnante o documento designado “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” relativo à subscrição do produto “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS...)”.


35.11. A Liquidanda executou as ordens de investimento nas aplicações Rio Forte e ESFIL, identificadas em 35.5. que foram associadas à conta n.º ....01, conta “Non géré”.


35.12. Nas obrigações da ESFIL e da Rio Forte subscritas pela Impugnante, as datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição.


35.13. As obrigações venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição destes produtos pela Impugnante, não dependente do desempenho de outros activos ou instrumentos financeiros.


35.14. A sede da Liquidanda, na Suíça (o “BPES Suíça”), classificou as aplicações em causa como produtos financeiros complexos.


35.15. Consta do verso dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” referentes às subscrições referidas na impugnação: “Declaro que fui devidamente informado e esclarecido pelo Banque Privée Espirito Santo – Sucursal em Portugal (O BPES), sobre as características dos instrumentos financeiros em causa e que não pretendo ou necessito de qualquer informação adicional.


Também fui informado pelo BPES sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, nomeadamente que: (i) qualquer investimento em instrumentos financeiros está sempre exposto a riscos de natureza diversa, incluindo de mercado, crédito, operacional, legal, solvabilidade da contraparte e outros; (ii) da sujeição ao risco de mercado pode resultar do instrumento financeiro abaixo do seu valor nominal ou do valor de aquisição, estando, nomeadamente sujeito à cotação e à liquidez de cada momento; (iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia; (iv) a existência de uma cal (opção de compra) ou de uma put (opção de venda) não assegura a concretização da compra/venda na data indicada e a consequente antecipação da maturidade do investimento, que poderá ser perpétua.


O BPES aconselhou-me a diversificar sempre a minha carteira de investimentos, evitando uma concentração excessiva num mesmo risco ou tipo de risco. Também estou perfeitamente esclarecido sobre a natureza da intervenção do BPES, que se limita a receber ordens sobre instrumentos financeiros, nos termos do contrato de registo e depósito junto do BPES e que o BPES não é o emitente dos instrumentos financeiros que pretendo adquirir, nem tão pouco presta ou prestará qualquer tipo de garantia sobre as suas características ou sobre o cumprimento das obrigações pelos emitentes, ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de uma sugestão de investimento pelo mesmo apresentada.”


35.16. A Liquidanda informou e esclareceu a Impugnante sobre as entidades emitentes das aplicações em causa – a Rio Forte e a ESFIL –, nomeadamente sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertencia a Banque Privée Espirito Santo, S.A.


35.17. A Impugnante não prestou funções no sector financeiro durante, pelo menos, um ano, em cargo que exija conhecimento dos serviços ou operações em causa.


35.18. A Impugnante dispunha de uma carteira de instrumentos financeiros que excedia os €500.000,00.


35.19. A Impugnante pediu a sua classificação como investidor qualificado/profissional.


35.20. A Liquidanda informou a Impugnante das consequências resultantes da satisfação da solicitação formulada, explicitando que tal opção importa uma redução da protecção conferida por lei ou regulamento, tendo a Impugnante declarado estar ciente das consequências dessa opção.


35.21. A Liquidanda não informou a Impugnante, por escrito, do deferimento do pedido de tratamento como investidor qualificado.


35.22. A Impugnante subscreveu obrigações de outra empresa do Grupo Espírito Santo, a Euroamerican.


35.23. A Impugnante foi reembolsada e obteve rendimento no investimento realizado na Euroamerican.


35.24. A Impugnante era acompanhada por uma gestora de conta da Liquidanda, que lhe prestava informações e esclarecimentos.


35.25. Era usual que as ordens sobre aplicações em instrumentos financeiros fossem dadas pela Impugnante à Liquidanda por telefone e posteriormente, em reunião com a cliente, a gestora de conta entregaria pessoalmente o documento da execução de ordem para assinatura do cliente.


35.26. A Impugnante recebia extractos periódicos da sua conta junto da Liquidanda com informação relativa aos investimentos realizados.


35.27. Pelo menos até ao final de Junho de 2014, as obrigações Rio Forte e ESFIL foram reembolsadas no vencimento.


35.28. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte e a ESFIL, nomeadamente ao relatório e contas da sociedade.


35.29. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo como outros.


35.30. A Liquidanda não recebeu quaisquer instruções, ordens ou recomendações para colocar obrigações da Rio Forte ou ESFIL.


35.31. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte ou ESFIL à Impugnante.


35.32. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte à Impugnante.


35.33. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.


35.34. Pela colocação de obrigações da Rio Forte junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou ao emitente a comissão de 0,5% em linha com a que cobrava para a colocação de obrigações de outras empresas e dentro das práticas habituais do mercado bancário.


35.35. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações da Rio Forte.


35.36. A Liquidanda não assumiu perante a Rio Forte obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.


35.37. A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou mandatos de gestão discricionária por uma questão de posicionamento da Liquidanda no mercado como private banker, que procurava prestar aos seus clientes um serviço, diferente do comercializados por uma instituição com um perfil mais generalista, como era o Banco Espirito Santo, S.A.


35.38. Os gerentes da Liquidanda tinham decidido, em 2014, diversificar a carteira dos clientes da Liquidanda e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo que então representavam 15% do portefólio dos clientes da Liquidanda.


35.39. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e a articulação com a sua sucursal em Portugal, era assegurada por um Comité Executivo composto por KK, LL e MM, que não são da família Espírito Santo.


35.40. A Impugnante já reclamou o montante que reclama nesta liquidação junto das massas insolventes da Rio Forte Investments, S.A. e da ESFIL – Espírito Santo Financière, S.A.


35.41. Em Novembro de 2014 a Impugnante apresentou junto da C.M.V.M. uma reclamação que teve por objecto, entre outros assuntos, o investimento de €100.0007 no produto designado “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014”.


35.42. A C.M.V.M. remeteu à Liquidanda o documento de fls. 1940 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


35.43. A Liquidanda informou a C.M.V.M. nos termos do documento de fls. 1943/1944 que aqui se dá por integralmente reproduzido.»


3.3. Entendeu-se no acórdão recorrido que a liquidanda não havia violado o disposto no art.309.º, n.ºs 1 e 3, do CVM, justificando essa decisão nos termos que agora se extratam:


«(…) a recorrente argumenta, situando ainda esta matéria na prevenção de conflitos de interesses, que foi contrariada a razoabilidade e prudência por parte da liquidanda, dado que a carteira da recorrente era exclusivamente composta por dívida do Grupo Espírito Santo, contrariando mesmo os objetivos da sucursal para 2014.


O recorrido, entendendo tratar-se de uma questão nova, alega que a arguição de que a liquidanda não aconselhou a recorrente a diversificar a sua carteira não corresponde ao incumprimento de qualquer dever legal.


A questão suscitada é uma questão jurídica, sustentada na prova produzida – apurou-se que a recorrente ficou em carteira apenas com títulos de dívida Espírito Santo, um dos quais, entretanto reembolsado (nºs 35.5. e 35.22 a 35.23) e que a sucursal tinha como objetivo reduzir a exposição das carteiras de clientes à dívida do Grupo (facto 35.37).


No tocante a este ponto, o recorrido aponta não se tratar de violação de um dever legal. Não cremos que assim seja.


A diversificação é uma forma de atenuar ou eliminar certo tipo de risco.


O risco diversificável (Não-Sistemático ou Específico) é a componente do risco total de um activo financeiro explicada por factores específicos do seu emitente, cujo impacto pode ser reduzido (e, teoricamente, eliminado) através de uma adequada diversificação da carteira de investimentos do investidor.


O risco sistemático (Não-Diversificável ou de Mercado) é a componente do risco total de um activo financeiro que não é eliminável através de diversificação - isto é, pelo investimento em muitos instrumentos financeiros de modo a que cada um tenha um peso insignificante no valor total da carteira – e que se deve à existência de factores comuns de variação do preço dos diferentes activos financeiros.


No concreto, face à composição da carteira ou à natureza dos ativos e às caraterísticas do cliente, a diversificação e a respetiva verificação são um dos elementos a avaliar para determinar a adequação, enquanto corolário do princípio de proteção do cliente. Isto porque se relaciona diretamente com o risco e sua atenuação.


Não se encontra, efetivamente, consagrado um dever de diversificação de investimentos como regra de conduta para o intermediário financeiro. Mas existe o dever de orientação da atividade para a proteção dos interesses dos clientes e da eficiência do mercado, sendo o padrão de conduta a boa fé e elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, já caraterizado como de diligentissimus pater familie5. A avaliação do risco e as respetivas formas de minimização incluem-se neste núcleo fundamental.


A questão da diversificação não se coloca, assim, em sede de prevenção de conflitos de interesses, mas de cumprimento do dever de adequação, se for devido.


(…)


A diversificação para atenuação ou eliminação de riscos não tem, porém, o significado que a recorrente lhe atribui. O facto de todos os ativos serem emitidos por empresas do mesmo grupo não implica, por si, que estamos perante ativos não diversificados.


A diversificação de ativos pode passar por vários níveis ou critérios: a diversificação de risco específico (não investir tudo numa empresa só), a diversificação geográfica (se for o caso, dependendo dos ativos); a diversificação por classes de ativos (diferentes graus de risco, mais e menos liquidez), a diversificação temporal (prazos diferentes,), etc., no fundo tudo dependendo dos ativos e das caraterísticas do cliente.


No caso, face ao perfil da recorrente, a aplicar-se o dever de adequação, é manifesto que não poderia haver grande variação de classes de ativos, mas temos aplicações em empresas de património, com uma atuação em setores e locais muito diversificados (Rio Forte) e financeira (Esfil), por prazos diversos. Não sendo, ao tempo, expetável um “risco de grupo”, tratava-se de uma carteira que sendo pequena era ainda diversificada.


Não surpreendemos, assim, falta de diversificação nas propostas de investimento apresentadas à recorrente que pudesse ser considerada violação do dever de adequação, improcedendo os argumentos da recorrente nesta parte.


Na improcedência das conclusões apresentadas, é consequentemente improcedente a apelação, devendo manter-se, como decidido na sentença recorrida, a não verificação do crédito reclamado pela recorrente.»


3.4. Alega a recorrente que a liquidanda violou o disposto no art.309º do Código dos Valores Mobiliário, por não ter diversificado os investimentos financeiros.


Dispõe o art.309º do CVM:


«1- O intermediário financeiro deve organizar-se por forma a identificar possíveis conflitos de interesses e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência.
2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.


3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais ou dos de agente vinculado e dos colaboradores de ambos, incluindo os causados pela aceitação de benefícios de terceiros ou pela própria remuneração do intermediário financeiro e demais estruturas de incentivos


4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes deve pôr à disposição destes os instrumentos financeiros pelo mesmo preço por que os adquiriu


O art. 304.º do CVM estabelece os deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros: princípio da proteção dos interesses de seus clientes, princípio da proteção da eficiência do mercado, princípio de agir com boa fé, princípio de conhecer o cliente e princípio do sigilo profissional6.


O princípio da proteção dos interesses dos clientes mostra-se, entre outros, densificado no art. 309.º do CVM, que prevê o dever de o intermediário financeiro evitar ou reduzir os riscos de conflitos de interesses (n.º 1) e que, caso ocorram, deverá o intermediário financeiro tratar o conflito com “transparência e equidade” (n.º 2), dando sempre primazia ao interesse do cliente (n.º 3)7.


Todavia, este normativo não impunha à Liquidanda, enquanto intermediária financeira, e à luz do conflito de interesses, que estivesse obrigada a aconselhar os seus clientes a adquirirem títulos fora do Grupo Espírito Santo.


O facto de a Liquidanda pertencer ao mesmo grupo de interesses económicos das obrigações que comercializou à recorrente não é considerado um conflito de interesses, à luz do art.309º do CVM, uma vez que este normativo tem um escopo distinto. Pretende este artigo assegurar a transparência das transações, bem como assegurar que o interesse do cliente seja colocado sempre em primeiro lugar pelo intermediário financeiro.


Conforme se refere no acórdão recorrido, não existe para o intermediário financeiro um dever específico de diversificação da carteira de títulos do cliente, cujo incumprimento seja, por si só, fundamento de um comportamento ilícito do intermediário financeiro.


Deve notar-se que não existem factos provados que permitam concluir que a recorrente tivesse celebrado com a Liquidanda um contrato de gestão de carteira, uma vez que se mostra provado que a recorrente celebrou com a Liquidanda um contrato de abertura de conta, ao qual estavam associados diversos ativos financeiros.


A carteira de títulos da recorrente era composta por três diferentes tipos de obrigações, ainda que todas pertencentes ao Grupo Espírito Santo (facto provado 35.5), pelo que, tal como concluiu o acórdão recorrido, não se pode concluir que não existisse diversificação da carteira de títulos, pois existiam três tipos diferentes de obrigações, com prazos distintos, ainda que todas pertencentes ao mesmo grupo económico.


A atuação do intermediário financeiro deve obedecer ao dever de adequação, previsto no citado art. 304.º do CVM, variando o seu conteúdo de acordo com o tipo de serviço de intermediação prestado e também de acordo com o perfil do investidor.


Entende a recorrente que a liquidanda não teria assegurado uma redução do risco de conflito de interesses, pois quanto menos produtos do Grupo GES fossem comercializados, menor seria o risco de conflito de interesses.


Todavia, o acórdão recorrido não merece censura quando entendeu que, de acordo com o perfil da recorrente, e considerando o dever de adequação que se impunha à Liquidanda, enquanto intermediária financeira, apesar de não haver grande variação de classes de ativos, existia um conjunto de aplicações em empresas de património, que atuavam em setores e locais muito diversificados, como o caso das obrigações Rio Forte, e no mercado financeiro, como o caso da Esfil, obrigações essas que tinham prazos diversos, pelo que foi observada a diversificação da carteira.


Não se identifica, assim, falta de diversificação nas propostas de investimento apresentadas à recorrente que pudesse ser considerada violação do dever de adequação.


Por outro lado, apesar de o objeto explícito do presente recurso (com o recorte decorrente do âmbito de admissibilidade da Formação) ser apenas a questão de saber se existiu, ou não, violação do disposto no art.309º do CVM, a resposta a dar a essa questão só tem importância para se poder concluir se existia, ou não, responsabilidade civil da liquidanda, pois é esse o fundamento com base no qual pretende ver-se ressarcida das perdas sofridas.


Assim, a título hipotético e complementar, sempre se poderia afirmar que, para que a liquidanda pudesse ser responsabilizada, na qualidade de intermediária financeira, pelas perdas que a recorrente sofreu, seria necessário que se encontrassem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil (art.483º do CC).


Alega a recorrente (nomeadamente no ponto 26 das suas conclusões) que, se a liquidanda tivesse cumprido os seus deveres, a recorrente não teria feito os investimentos que fez, pelo que tal comportamento omissivo teria sido “causa adequada e direta da perda de todo o capital investido nos produtos financeiros em causa nos autos, no montante global de € 550.000,00”.


Se a culpa do intermediário financeiro se presume (nos termos do anterior art.314º, n.2 e do atual art.304º-A, n.2 do CVM), já o mesmo se não pode afirmar quanto ao nexo de causalidade, pois sempre valerá neste domínio a interpretação emergente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, publicado no Diário da República n.º 212/2022, Série I de 03.11.2022 (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência).


Neste acórdão afirma-se expressamente que «incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.»


E acrescenta-se, quanto ao requisito do nexo de causalidade, que «incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»


Ora, da factualidade provada não se pode concluir que se encontrassem preenchidos esses pressupostos.


Não resulta dos autos que não tivessem sido dados a conhecer à recorrente outros produtos financeiros para além das aplicações da Rio Forte e da ESFIL. Também não é possível saber se, face à possibilidade de optar entre um produto financeiro conectado com o “universo BES” e um produto completamente diverso, a recorrente (a esse tempo) teria necessariamente optado por este último, em detrimento dos produtos GES.


Mesmo que à data em que as subscrições ocorreram não fosse de prever que o resultado ruinoso pudesse vir a ocorrer, não existe fundamento claro para afirmar que a liquidanda tivesse menosprezado os interesses da cliente em favor dos seus próprios interesses ou dos interesses de terceiros, violando, assim, o disposto no art.309º do CVM, como demonstram os seguintes factos provados:


«35.29. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo como outros.


35.30. A Liquidanda não recebeu quaisquer instruções, ordens ou recomendações para colocar obrigações da Rio Forte ou ESFIL.


35.31. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte ou ESFIL à Impugnante


Por outro lado, nem todos os produtos desse “universo financeiro” foram prejudiciais para a recorrente. Efetivamente, como consta dos factos provados números 35.22. e 35.23, a impugnante subscreveu obrigações de outra empresa do Grupo Espírito Santo, a Euroamerican, e foi reembolsada, obtendo rendimento no investimento realizado nesse produto.


4. Em resumo, deve concluir-se que o acórdão recorrido não merece censura, ao confirmar a decisão da primeira instância, que não reconhecera os créditos reclamados pelos recorrentes, pois fez a correta aplicação do direito à factualidade trazida aos autos e dada como provada.


*


DECISÃO: Pelo exposto, decide-se pela improcedência das revistas, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 28.09.2023


Maria Olinda Garcia (Relatora)


António Barateiro Martins


Luís Espírito Santo


_________________________________________________

1. Trata-se de um processo regulado pelo Regime Jurídico de Liquidação e Saneamento de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25.10, republicado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10.02) ao qual se aplica o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, “em tudo o que nele não estiver previsto”, como estabelece o respetivo artigo 8º, n.1.↩︎

2. Veja-se, por exemplo, Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários (4ª edição), 2018, páginas 504 a 508, que apesar de falar em formalidade ad probationem, afirma que a falta de redução a escrito da ordem pelo intermediário financeiro, após transmissão verbal, não acarreta qualquer nulidade do negócio, tão só a responsabilidade contraordenacional do intermediário financeiro.↩︎

3. Publicado em:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/80a31f6d909ab3f28025890a005e1692?OpenDocument↩︎

4. Publicado em:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6dd83319d9eb7da0802582a600540637?OpenDocument.↩︎

5. Engrácia Antunes, pág.46.↩︎

6. Neste sentido Filipe Canabarro Teixeira, “Os Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros em Relação a seus Clientes e sua Responsabilidade Civil”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, 31 (2008), p.51 e segs; disponível em:

https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Documents/Artigo3.pdf.↩︎

7. Filipe Canabarro Teixeira, in artigo citado, p. 56.↩︎