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VIZINHANÇA
EMISSÃO DE FUMOS
Sumário
I – As limitações de interesse público respeitam à fixação de regras mínimas a observar na construção de edifícios, por razões de segurança, salubridade e higiene e, ainda, de ordem estética, ligadas à boa ordenação urbanística das povoações, envolvendo, em geral, a necessidade de o titular do direito se abster de certas condutas no seu exercício. II - Já, as restrições de direito privadas resultam, essencialmente, das relações de vizinhança, tendo em vista a regulação dos conflitos de interesses que surgem entre vizinhos. III - Não são todas as emissões que podem ser proibidas, mas, apenas, aquelas que ou importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel, ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa, sob a forma comum, contra, CC, alegando, em síntese, que são donos e legítimos possuidores da fracção descrita no art. 1.º da p.i., situada no ... andar, que adquiriram através de um contrato de compra e venda, descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito em seu nome, sendo a R. dona da fracção descrita no art. 11º da p. i., localizada no ... direito, e que ambas as fracções integram o prédio urbano constituído em propriedade horizontal.
Invocou que a R. colocou vasos e outros objectos no seu logradouro que invadem o caminho de acesso dos AA. à sua garagem e à sua habitação, tendo no logradouro traseiro, construído uma churrasqueira que produz odores e fumo que enegrecem e sujam a fachada do prédio e penetram na fracção dos AA., prejudicando a sua saúde e do seu agregado familiar e causam danos nas paredes, tecto e mobília da casa dos AA.
Referiu, ainda, que a cobertura das garagens de AA. e R. é comum e, por falta de manutenção e conservação, por recusa da R. em participar nas obras necessárias, está a permitir a entrada nas garagens de água da chuva, o que causou fissuras e sinais de apodrecimento no tecto e nas paredes.
Por outro lado, alegou que o portão de acesso às garagens é comum aos AA. e à R. e que a R. o deixa aberto quando o utiliza, colocando a fracção dos AA. exposta ao perigo de entrada de terceiros.
Por último, invocou que a R. invadiu o logradouro dos AA. e cortou, arrancou e danificou as hortaliças e legumes que eles cultivam, imputando à conduta da R. a causa dos danos não patrimoniais sofridos.
Concluem pedindo que:
a-) Seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre a fracção autónoma descrita no artigo 1.º;
b-) Seja a Ré condenada a reconhecer o dito direito de propriedade dos AA. e a abster-se da prática de todos e quaisquer actos que turbem ou atentem contra o mesmo;
c-) Seja a Ré condenada a retirar os vasos, plantas flores e outros objectos supra descritos sob o artigo 15.º, de modo que o caminho de acesso dos AA. para a sua garagem e habitação fique totalmente livre e desimpedida;
d-) Seja a Ré condenada a demolir a churrasqueira e o anexo supra descritos no artigo 16.º, ou, quando assim não se entenda, a abster-se de utilizar aquelas instalações para confecção de alimentos e refeições e, em qualquer caso, de ali desenvolver actividade produtora de cheiros e fumos, sob cominação de sanção pecuniária compulsória no montante de €250,00 por cada violação daquela sua obrigação;
e-) Seja a Ré condenada a colaborar com os AA. na realização das obras necessárias à conservação e impermeabilização da cobertura das garagens, de modo que para o seu interior deixem de entrar as águas pluviais, suportando a sua quota parte de responsabilidade no custo das mesmas, sob pena de cominação de sanção pecuniária compulsória no montante de €250,00 por cada dia de violação daquela sua obrigação;
f-) Seja a Ré condenada a fechar o portão comum de acesso às garagens, supra descrito no artigo 21.º, sempre que proceda à sua abertura, o que deve fazer de imediato, sob pena de cominação de sanção pecuniária compulsória no montante de €250,00 por cada violação daquela sua obrigação;
g-) Seja a Ré condenada a abster-se de entrar e permanecer no logradouro dos AA. sem autorização destes e de, por qualquer forma, danificar os produtos que estes ali cultivam, sob pena de cominação de sanção pecuniária compulsória no montante de €250,00 por cada violação daquela sua obrigação; e ainda
h-) Seja a Ré condenada a pagar aos AA., a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados, a quantia de €3.000,00, sendo €1.500,00 para cada Autor.
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Regularmente citada, contestou a R., impugnando os factos alegados pelos AA.
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Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho a enunciar o objecto do litigio e a fixar os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, declarou e reconheceu o direito de propriedade dos AA. sobre a fracção autónoma identificada na alínea A) dos factos provados, absolvendo a R. dos demais pedidos formulados.
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II-Objecto do recurso
Não se conformando com a decisão proferida, vieram os AA. AA e esposa, interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
a) Ao abrigo do artigo 644º, nº 1 al. a) do CPC vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls. que julgou improcedente a acção;
b) Sufraga o Tribunal “a quo” que não se verifica ou não resultou provado a violação do direito de propriedade, do direito de personalidade dos AA. e ainda da existência de danos não patrimoniais;
c) Porém, entendem os apelantes que face ao alegado nos Autos, às questões colocadas e à prova produzida, o Tribunal “a quo” decidiu erradamente, tendo incorrido em erro de julgamento da matéria de facto e em erro de direito;
d) Ante a prova produzida mostra-se errada a decisão quanto ao facto provado sob a alínea Q) e ainda quanto aos factos não provados sob os pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 10., 11. e 12.., pois o facto inserto sob aquela alínea, deveria ter sido julgado como “não provado” e os factos insertos sob estes pontos, deveriam ter sido julgados como “provados”;
e)Na verdade, dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos AA., designadamente DD, que foi ouvida em audiência de julgamento em 29/09/2022, cujo depoimento encontra-se gravado em sistema digital áudio das11:27:00 às 12:11:09 h, e ainda das testemunhas, EE, com depoimento prestado em 21/10/2022, gravado em sistema digital áudio das 9:47:49 às 10:13:15.h e FF, prestado em 21/10/20222, cujo depoimento se encontra gravado no sistema digital áudio em uso no tribunal, das 10:14:04 às 10:29:53h, supra transcritos quanto a cada uma das matérias ou factos versados naqueles pontos 1, 2., 3., 4., 5., 6., 7., 10., 11. e 12 dos factos não provados e daquela alínea Q), dos factos provados, cuja alteração os apelantes propugnam, que por economia e brevidade se dão aqui por integralmente reproduzidos, também do depoimento de parte da Ré e do auto de inspecção judicial, impõe-se a alteração da matéria de facto;
f) Ademais, os factos provados sob as alíneas J), K), L) e P), impunham uma decisão diversa, no sentido de existir quer a violação do direito de propriedade, na medida em que é manifesto o uso de um espaço comum pela R. e não consentido pelos AA., quer ainda a violação do direito de personalidade dos AA., ante a inequívoca entrada de fumo e cheiros na sua fracção autónoma, por acção da R., com a utilização da churrasqueira, que não se encontra edificada em condições e de acordo com a legislação em vigor, pois além de não possuir o afastamento imposto legalmente também não possui qualquer mecanismo e ou estrutura capaz de dirigir o fumo e cheiros produzidos, para além dos vãos existentes na habitação dos apelantes;
g)Sendo manifesto que a decisão do Tribunal “a quo”, apesar de ter constatado o facto e este resultar quer da inspecção judicial quer do depoimento das testemunhas e do depoimento de parte da Ré, , ignorou a violação das disposições legais – artigo 113.º e 114.º do RGEU, não se tendo sequer pronunciado ou aludido às mesmas;
h)Sendo que, o uso da churrasqueira edificada naquelas condições, emite fumos e cheiros que invadem a habitação dos AA., determinado ou impedindo o uso normal da habitação, o que confere o direito de oposição dos AA. aquela acção ilícita desenvolvida pela R., nos termos do disposto no artigo 1346.º do C.C.., pois estão em causa os seus direitos de propriedade e o direito de personalidade;
i) Ademais, verifica-se no entendimento dos apelantes que, as acções e omissões da responsabilidade da R., no que concerne á ocupação de espaço comum, à não realização de obras de reparação e conservação em infraestrutura comum das fracções, atentam contra as regras da propriedade horizontal, regime ao qual estão sujeitas as fracções de AA. e R.
j)Relativamente ao facto inserto sob a alínea Q) dos factos provados, é errada a fundamentação “que da fotografia inserida no auto da inspecção judicial, não há sinais de uma utilização anormal da mesma e nem de um uso intensivo (…)”
k)Porém, da prova produzida em audiência de julgamento, a que supra se aludiu e se mostra transcrita, resulta uma utilização frequente e excessiva, o que determina a produção de fumos e cheiros que invadem a habitação dos apelantes, prejudicando-os, pois priva-os da utilização normal da sua habitação e afecta o seu bem-estar.
l) Além disso, da fundamentação aduzida pelo Tribunal “a quo” quanto ao uso da churrasqueira. Na verdade, contrariamente à sustentação documental para a resposta a este quesito, não é válido, pois a inspecção judicial foi feita num momento em que a churrasqueira estava inactiva e em que a R. teve o cuidado de proceder à sua limpeza, pois sabia de forma antecipada que o Tribunal se iria ali deslocar, e, nessa circunstância, a normalidade é de que a churrasqueira não revelasse os fumos e os cheiros e até a intensidade do seu uso. Assim, qualquer fotografia da churrasqueira, naquele momento, em que a R. havia procedido à limpeza e remoção de detritos, nunca poderia evidenciar a realidade da utilização excessiva, pois essa é evidenciada e sentida quando a churrasqueira está activa;
m) Pelo que, com o devido respeito, a partir da fotografia não se pode concluir como o Tribunal “a quo” concluiu nesta matéria;
n) É de salientar que os fumos e os cheiros provenientes da churrasqueira, atingem uma maior gravidade e são potenciadores das incomodidades sentidas, pelo facto da churrasqueira não estar construída com o afastamento legalmente imposto, pois como resulta dos depoimentos das testemunhas, do depoimento de parte da Ré e ainda da inspecção judicial realizada, esta dista a apenas 5 metros da habitação dos apelantes, quando a lei – RGEU, impõe que tais construções devem estar erigidas a pelo menos 10 metros de distância da habitação vizinha e ser dotada de uma chaminé elevada em 0,50 cm acima da parte mais alta do prédio vizinho;
o) Sendo certo que a lei – RGEU, determina que aquelas estruturas (chaminé) devem ser erigidas a 10 metros de distância e terem uma chaminé mais elevada em 0,50cm, relativamente à parte mais elevada do prédio vizinho, é manifesto o desrespeito por esta imposição legal e que por via disso, verifica-se a entrada de fumos e cheiros na habitação dos AA., violando os seus direitos de propriedade e de personalidade, pois a actividade exercida com a churrasqueira prejudica o prédio vizinho, por não poder fazer do mesmo um uso normal. Inequivocamente, a legislação sobre edificações urbanas (RGEU) ao prever que em regra as condutas de fumo se devam erguer a, pelo menos, 0,50m acima da parte mais elevada das coberturas do prédio e, bem assim, das edificações contíguas existentes num raio de 10 metros (art.º 113.º e 114.º), o legislador ao consagrar tais directivas pretendeu acautelar os direitos de vizinhança;
p) Provando-se como se provou e melhor resulta da inspecção judicial, que a R., violou o disposto nos artigos 113.º e 114.º do RGEU, ou seja, utiliza uma churrasqueira, com uma pequena chaminé de cerca de 80 cm de altura, ou seja, localizada a um nível inferior aos vãos do prédio vizinho (dos AA.) e que dista apenas 5 metros, de onde sai o fumo e cheiros, que invadem o prédio dos AA., deve prevalecer o direito dos AA. ao ambiente saudável.
q) Pois não é exigível que os proprietários de um prédio com uso habitacional tenham de suportar, com forte influência no uso normal desse prédio, emissões, como as dos autos, de fumos e cheiros ou, com mais expressividade, tenham de conviver com fumos e cheiros provenientes de um acto praticado num outro prédio e que se introduzem no seu prédio habitacional, obrigando a que tenham de manter fechadas as janelas ou a adoptar outras medidas que visam evitar tais efeitos nocivos;
r) Pois a habitação é o espaço, com as condições de higiene e conforto, destinado a preservar a intimidade pessoal e a privacidade familiar, bem como o local privilegiado para o repouso, sossego e tranquilidade necessários à preservação da saúde e, assim, da integridade material e espiritual;
s) Nessa perspetiva, todas emissões de prédios vizinhos ao de habitação transcendem as meras relações reais de vizinhança, envolvendo a tutela dos direitos de personalidade e justifica-se, assim, a proibição de emissão de fumos e cheiros provenientes do prédio vizinho da aqui apelada, mesmo que ocasionalmente, o que não é caso, na medida em que prejudicam o uso adequado do imóvel de habitação dos AA.;
t) Aliás, independentemente do uso maior ou menor que seja dada à churrasqueira e que os AA. não controlam nem podem controlar, sempre importaria a imposição de obrigações e restrições à R./apelada que permitissem defender os AA. das emissões que advêm dessa churrasqueira;
u) Na certeza, porém, de que não será legítima a emissão de fumos e cheiros que sejam sentidos na casa dos AA. designadamente quando têm as janelas abertas e que provenham das instalações da R. apelada.
v) Sendo de facto intolerável que um comum cidadão não possa usufruir das diversas valências da sua habitação - tanto mais quando se trata de habitações detentoras de quintal ou jardim, que permitem um contacto muito assíduo com o espaço aberto - estando obrigados a terem as suas portas e janelas encerradas por via da utilização duma chaminé de prédio vizinho que a tal obriga.
w) A situação em causa configura uma manifesta ilegalidade e põe em causa os direitos de personalidade e de propriedade dos apelantes.
x)Relativamente ao facto inserto sob o ponto 1. dos factos não provados, atento o que melhor consta da alínea J) dos factos provados, foi feita prova de que a apelada ocupa um espaço comum do prédio constituído em propriedade horizontal, pois os vasos colocados pela R., no logradouro em frente à sua habitação, é inegavelmente e de acordo com a lei (art. 1421.º do CC), um espaço comum de ambos condóminos (AA. e R.).
y) E sendo aquele espaço comum no prédio constituído em propriedade horizontal, aliás, como decorre do artigo 1421.º do CC, não é lícito à apelante fazer a sua utilização de modo exclusivo e de modo a perturbar a utilização dos demais condóminos, como sucede com os apelantes. Aliás, decorre do artigo 1406.º do CC, que 1 .“Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
z) A ocupação do logradouro com vasos, sem o consentimento dos comproprietários, afetando parte de logradouro que é comum, viola o direito de propriedade dos comproprietários, neste caso, o dos AA..
aa)Resulta da disposição legal em análise que ao condómino é consentido o uso da coisa comum, mas não a sua ocupação, ainda que parcial, na medida em que dela sempre resultaria a privação do uso por banda dos demais comproprietários.
bb)Relativamente ao constante do ponto 2. dos factos não provados, além do depoimento da testemunha DD, prestado em 29/09/2022, e gravado em sistema digital áudio, das 11:27:00 às 12:11:09 h, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido, referiu efetivamente tal dano; pois referiu que o fumo invade a casa dos AA. e mancha quer o teto quer as paredes e do lado da janela voltada para a churrasqueira, a parede apresenta-se manchada. Por outro lado, decorre do conhecimento generalizado e da experiência comum, que o fumo enegrece os locais de contacto, e, neste caso, é evidente que o fumo invade a casa dos apelantes indo de encontro à parede que dista da churrasqueira a apenas 5 metros – Cfr aliena P) dos factos provados, provocando como é natural o seu escurecimento, pois a natureza do fumo tem como consequência o escurecimento do local de contacto. Assim, a situação existente, impõe a presunção do enegrecimento da parede ou fachada do prédio.
cc) Quanto ao facto inserto sob o ponto 3. dos factos não provados, o mesmo é contraditório com os factos constantes das alienas K) e L) dos factos provados.
dd)Quanto ao facto inserto sob o ponto 4., não podem os AA. concordar com a situação deste facto ter sido considerado não provado, na medida em que, a entrada dos fumos e cheiros na moradia, tem inevitavelmente, atenta a natureza destes, como consequência, quer o escurecimento das paredes e outros locais de contato, como o tecto e a mobília e os odores ficam impregnados, aliás, esta é uma situação do senso comum, pois e a titulo de exemplo, podemos mesmo considerar o que acontece quando em casa se confeciona comida, a pessoa que está a cozinhar, fica naturalmente com os cheiros impregnados na roupa que no momento está a usar, e, o mesmo se passa com o fumo, pois se fizermos fumo em casa, a tendência natural e normal e que esse fumo se entranhe nas paredes e tectos e que com maior evidência escureça aqueles locais.
ee)Por outro lado, como se alegou supra, os AA. têm direito quer ao uso normal da sua habitação e ainda a uma vida sadia no uso dessa mesma habitação. Sendo que a entrada de fumos e cheiros, como provado sob a alínea k), e que não permite que os AA. tenham as janelas e as portas abertas, restringe ou condiciona o uso da habitação e altera o ambiente a que os AA. têm direito, e, nessa medida, atentam contra a sua saúde e bem-estar.
ff) No que concerne ao ponto 5. dos factos não provados, é manifesto o erro de julgamento deste facto em face do que melhor resulta da lei, no âmbito da propriedade horizontal – art. 1421.º do CC, e da prova testemunhal produzida e ainda da inspecção judicial então realizada.
gg)Sendo certo que, o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício.
hh)Além disto, e, quanto, à falta de manutenção e conservação, e à entrada de águas pluviais, esta é uma evidência que pôde também ser constatada pelo Tribunal “a quo”, aquando da deslocação ao local e que resulta da reportagem fotográfica de fls.;
ii) Por outro lado, o depoimento das testemunhas, supra transcrito, é claro quanto a esta situação de falta de manutenção e conservação e à entrada de água no interior das garagens.
jj) No que concerne ao facto não provado sob o ponto 6., mostra-se julgado erradamente, porquanto, a prova produzida, mormente dos depoimentos das testemunhas supra transcritos, a realidade é a recusa da Ré em participar nos custos das obras necessárias à manutenção e conservação da cobertura das garagens.
kk) Quanto ao facto não provado inserto sob o ponto 7.- “Em virtude da inércia e falta de colaboração da Ré, o tecto e a parede da garagem dos AA. estão totalmente encharcadas de água, tendo começado a apresentar fissuração e sinais de apodrecimento.”
ll) Este facto, como referido supra quanto ao facto nº 5, resulta da inspecção judicial (auto de fls.) e dos depoimentos das testemunhas, designadamente de DD, cujo depoimento foi prestado em 29/09/2022, gravado em sistema digital áudio do Tribunal das 11:27:00 às 12:11:09h, donde resulta com clara evidencia o mau estado das garagens ou a sua degradação.
mm) Relativamente ao facto não provado inserto sob o ponto 10., entendem os apelantes que da prova produzida, designadamente dos depoimentos das testemunhas – DD, prestado em 29/09/2022, gravado em sistema digital áudio das 11:27:00 às 12:11:09 h; e ainda, da testemunha FF, prestado em 21/10/20222, cujo depoimento se encontra gravado no sistema digital áudio em uso no tribunal, das 10:14:04 às 10:29:53, resulta que quanto à conduta assumida pela R. de usar a churrasqueira, fazendo fumos e cheiros que invadem a casa dos AA., aliás, como resulta provado do facto inserto sob a alínea k), bem como a existência de um estado de degradação da garagem, com danos evidentes, é inequívoco que por via destes factos os AA. vivem constantemente preocupados, sentem tristeza, frustração e perturbação, pois não podem usufruir de modo normal a sua habitação, atenta a privação existente.
nn) Da prova produzida, assim considerada, não há dúvida que as condutas e situações levadas a cabo pela R., foram criadas de forma voluntária e consciente, em nítido vexame, indiferença e desrespeito para com os direitos de propriedade e personalidade dos AA., bem sabendo e não podendo ignorar que a sua conduta era adequada a provocar tais danos. Na verdade, a R. quis de todas as vezes fazer fogo e com isso produzir fumos e cheiros; que bem sabia se dirigiam para a habitação dos AA., entrando nesta, aliás, como resulta do depoimento de parte da R., que confessou a realização de fogo e a entrada de fumos e cheiros na casa dos AA.; Que tendo a churrasqueira em actividade, os AA. não podem ter portas nem janelas abertas, ou seja, estão privados do uso normal da sua habitação, como decorre do facto provado sob as alíneas k) e L).
oo) Sendo certo que, mesmo visionando, percebendo e sabendo que o fumo e os cheiros invadiam a casa dos AA., a R. não se preocupou em evitar os mesmos, nem sequer avisar para que as portas e janelas pudessem ficar fechadas, minimizando a situação. E ainda, sabendo que o fumo e os cheiros entravam na casa dos AA., não cuidou de adaptar a churrasqueira, munindo-a de filtros e da elevação da chaminé por forma evitar aquela violação;
pp)A R. antes e sempre se conformou com a violação e prejuízo que estava a causar aos AA..
qq) Atenta a prova produzida, na decorrência do supra exposto quanto à actividade da R., os factos insertos sob os pontos 11. e 12, devem ser considerados provados.
rr) Assim, fazendo este Venerando Tribunal da Relação uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, deve proceder à reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, e, consequentemente, deve ser alterada a matéria de facto, como supra exposto, ou seja, considerando “Não Provado” o facto constante sob a alínea Q) e “Provados” os factos insertos sob os pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 10., 11. e 12.
ss) Com efeito, a sentença proferida padece de vícios inegáveis, designadamente por via da desconsideração na decisão, do alegado pelos AA. quanto à violação dos seus direitos de propriedade e d de personalidade e a ocorrência de danos não patrimoniais. O Tribunal ao não ter feito uma correcta avaliação da prova produzida, como supra se explanou, necessariamente incorreu também numa incorrecta avaliação e subsunção dos factos ao direito, quanto às questões a decidir no âmbito das relações de vizinhança, da violação de direitos de personalidade e dos danos não patrimoniais.
tt) O Tribunal “a quo” olvidou e decidiu com violação do direito de oposição que assistia e assiste aos AA. enquanto vizinhos, aos fumos e cheiros produzidos pela R., mesmo de forma ocasional, e que emanam do seu prédio, e que invadem sua destes.
uu)Sendo que nesta conformidade estão em causa os direitos de propriedade e de personalidade dos AA., cuja tutela jurídica decorre do disposto no artigo 66.º da CRP, artigos 70.º, 1305.º e 1346.º do CC..
vv) Nos presentes foram chamados à colação o direito ao ambiente e à qualidade de vida dos AA.. Pois é sabido que para a sua própria sobrevivência o homem necessita de um permanente equilíbrio com a natureza; entre os elementos preponderantes do equilíbrio existencial básico de cada homem encontra-se, desde logo, um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, valor esse expressamente reconhecido a nível constitucional – art. 66.º, nº1, da Constituição – como são os direitos à integridade moral e física e à protecção da saúde - arts. 25.º e 64.º do mesmo diploma. Tem sido entendido que tratando-se de direitos fundamentais, quer porque figuram entre os direitos, liberdades e garantias, quer porque são direitos de natureza análoga, são os preceitos constitucionais a eles referentes directamente aplicáveis, nos termos dos arts. 17.º e 18-º da Constituição.
ww) Em consonância com aquelas normas constitucionais, todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano, ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
xx) Com efeito, o ambiente são a que todos têm direito; como resulta da factualidade apurada foi posto em causa, na medida em que a fonte de poluição (churrasqueira) é usada sem que se mostra edificada à distância de segurança e sem estar dotada de mecanismos que evitem a propagação dos fumos e cheiros na direcção da habitação dos AA.. Na verdade, verifica-se a violação de regras urbanísticas que decorrem do disposto nos artigos 113.º e 114.º do RGEU.
yy) Tem sido entendido que estando consignadas no RGEU várias restrições de direito público impostas na construção de prédios urbanos, por razões de salubridade, segurança e estética, procurou o legislador defender ali não só o interesse público da saúde e bem-estar, mas também os interesses dos proprietários dos imóveis abrangidos e que «tal objectivo de protecção individual implica o reconhecimento de um autêntico direito subjectivo».
zz) Os direitos de personalidade, com sede legal nos artigos 70.º e seguintes do Código Civil, revestem a natureza de direitos gerais (porque todos deles gozam), absolutos (a todos são oponíveis), extra-patrimoniais (embora as suas violações possam originar uma reparação em dinheiro, não têm, em si mesmos, valor pecuniário), inalienáveis e irrenunciáveis, integrando o conceito de “dignidade da pessoa humana”, um dos factores estruturantes da cidadania, sobre a qual se alicerça o nosso regime constitucional (art. 1.º da CRP). Aliás neste sentido, a jurisprudência mais recente perfilha o entendimento de que os instrumentos legais de ordenamento urbanístico são susceptíveis de conferir direitos subjectivos aos particulares, pois considera que o círculo de interesses tutelados por determinados preceitos de direito público, atinentes à disciplina urbanística, pode envolver a atribuição aos particulares lesados pela violação de tais normas de verdadeiros direitos subjectivos, podendo a respectiva violação originar infracção de norma legal destinada a proteger interesses alheios, preenchendo o pressuposto ‘licitude’, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 483º do CC..
aaa) A conclusão enunciada harmoniza-se com o princípio estatuído no art.º 1305.º do Código Civil, que nega o carácter absoluto ao direito de propriedade, impondo-lhe as ‘restrições’ decorrentes da lei, as quais podem ser de direito público ou de direito privado, sendo as restrições de direito privado as que resultam das relações de vizinhança.
bbb) Provando-se como se provou, atento o que melhor resulta do auto de inspecção judicial – quanto à churrasqueira de onde emanam os fumos e os cheiros que invadem a casa dos AA., não estar edificada, nem à distância, nem dotada de chaminé elevada relativamente ao prédio vizinho, nem mesmo estar dotada de mecanismos de protecção e mitigação dos fumos e cheiros, ou seja, a R., encontra-se em manifesta violação do disposto nos artigos 113.º e 114.º do RGEU, prejudicando de forma manifesta os AA., pois os fumos e cheiros que invadem o seu prédio, como decorre dos factos provados sob as alíneas k) e L), põe em causa o seu direito ao ambiente saudável e põe em causa o direito ao uso normal do prédio destinado habitação, por não poder ter portas e janelas abertas usufruindo do ar sem poluição.
ccc) Sendo a casa de residência dos AA. invadida por fumos e cheiros provenientes da churrasqueira da R., que a utiliza constantemente, o lesado tem não só o direito ao fim da atividade poluidora, como a uma indemnização pelos danos, no âmbito da responsabilidade extracontratual.
ddd) Pelo que o Tribunal ao proferir uma decisão que não atendeu ao que dispõe a lei e à factualidade a esta referente e provada, fez uma errada subsunção dos factos ao direito, sendo certo que se tivesse considerado os factos provados e aquilo que resulta da lei, designadamente dos artigos 113.º e 114.º do RGEU, 70.º, 1305.º, 1346.º, 1406.º, 1421.º, 1424.º e 1430.º do código civil, artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, necessariamente a solução seria outra.
eee) Neste ensejo, a subsumpção jurídica dos factos feita pelo tribunal e aplicação das normas, mostra-se equivoca e inexacta.
fff) Donde a sentença apelada ter violado, entre outros, o disposto nos artigos 113.º e 114.º do RGEU, 70.º, 483.º,1305.º, 1346.º, 1406.º, 1421.º, 1424.º e 1430.º do Código Civil e ainda os artigos 18.º, 64.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa.
ggg) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs 607º, 615º nº 1 als. b), c) e d), e 662º, do CPC.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue a acção procedente, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão Vª.s Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.
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A Ré CC, veio aduzir em sede de Recurso de Apelação as respectivas CONTRA-ALEGAÇÕES e AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (artigo 636.º do CPC), formulando, nesse sentido, as seguintes conclusões:
I - A alínea M) dos factos provados é dúbio e deve ser alterado ou corrigido.
II - As garagens e suas coberturas não são partes comuns do prédio o que decorre do título constitutivo da propriedade horizontal, da descrição predial ...8... dos Autores junta com a petição e caderneta predial daqueles;
III - Temos, pois, que aquele ponto de facto – alínea M) dos factos provados – deve ser corrigido no sentido de mencionar a natureza privativa das garagens ou acrescendo outro em que se consigne a mesma.
IV - Há manifesto abuso de direito no peticionado a respeito da churrasqueira da Ré, da pretensão de que esta – para além de ser questão nova inadmissível – utilize espaços comuns com vasos e, bem assim da pretensão de obras comparticipadas em garagens.
V – A questão do abuso do direito é de conhecimento oficioso e pode ser colocada ex-novo.
VI - Deve acrescentar-se aos factos provados que a churrasqueira existe no local há pelo menos 10 anos, conforme decorre dos depoimentos das testemunhas EE (depoimento registado em suporte digital de 09:47:00 a 10:13:00 – Ata de 21/10/2022) e GG (depoimento registado em suporte digital de 10:30:00 a 10:50:00 – Ata de 21/10/2022).
TERMOS EM QUE,
- Deve improceder o presente recurso do Apelante, apreciando-se subsidiariamente as questões suscitadas pela Apelada.
COMO É DE INTEIRA E DA MAIS ELEMENTAR JUSTIÇA!
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Os AA. vieram responder pugnando pela improcedência do recurso subordinado interposto pela R., por forma a manter-se, nesta parte, a decisão recorrida.
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Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito
Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre o apontado erro de julgamento e se se impõe a revogação da decisão recorrida por se verificar uma ofensa ao direito de propriedade e personalidade dos AA., com as respectivas repercussões danosas
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Fundamentação de facto
FactosProvados
A) Os AA. são donos e legítimos possuidores da seguinte fracção autónoma, integrada no prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, composto de edifício de ... e andar, garagens e logradouro, situado na Rua .../14, ..., ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...34 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31: FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra ..., ... andar e forrinhos, com um anexo destinado a garagem com a área de 16m2, a primeira a contar do norte, dois logradouros, um na frente do edifício com a área de 3,20m2, e outro encostado à estrema norte com a área de 27m2, inscrito na matriz sob o artigo ...34... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31....
B) Aquela fracção autónoma adveio à posse e propriedade dos AA. por a terem adquirido por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, em 30 de Março de 1990.
C) Para além disso, há mais de 15 e 20 anos que os AA., por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição da fracção autónoma, Habitando-a, dotando-a de móveis, electrodomésticos e demais comodidades, nela comendo, repousando, dormindo, recebendo familiares e amigos, fazendo a sua limpeza e manutenção.
D) O que tudo os AA. sempre têm feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre a dita fracção autónoma.
E) Aquela fracção está descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31..., e aí definitivamente registada a favor dos AA. pela AP. ... de 1989/11/09.
F) A Ré habita a denominada fracção ..., também integrada no prédio urbano constituído em propriedade horizontal.
G) A propriedade horizontal do referido prédio urbano foi constituída por escritura pública, em 18 de Março de 1980.
H) Nos seguintes termos: “Os outorgantes declararam: “(…) Qual tal prédio satisfaz aos requisitos legais para nele ser constituída a propriedade horizontal, sendo composto por quatro fracções independentes, destinadas a habitação, distintas e isoladas entre si e assim constituídas: “FRACÇÃO ... direito, composto por corredor, cozinha, quarto de banho, sala comum, três quartos, despensa, e quarto de banho de serviço, com a superfície coberta de noventa e três metros quadrados e meio. Tem anexos uma garagem, com a área de dezasseis metros quadrados – a segunda a contar do norte – e dois logradouros, um na frente do edifício com a área de trinta e dois metros quadrados e outro na parte posterior com a área de vinte e dois metros e cinquenta decímetros quadrados. “(…) “FRACÇÃO C “Primeiro andar direito, composto por corredor, cozinha, quarto de banho, sala comum, três quartos, despensa, quarto de banho de serviço e forrinhos, com a superfície coberta de noventa e três metros e cinquenta decímetros quadrados. Tem anexos uma garagem, com a área de dezasseis metros quadrados – a primeira a contar do norte – e dois logradouros, um na frente do edifício com a área de três metros e vinte decímetros quadrados, e outro encostado à estrema norte com a área de vinte e sete metros quadrados. “(…) “Que cada uma das fracções descritas tem o valor de duzentos contos e representa vinte e cinco por cento do total do prédio. “Que do lado norte do edifício existe um caminho cimentado que vai desde o portão da rua até às garagens (lado norte) que fica a ser comum às fracções ... e ... e para o qual as mesmas têm saída própria, aquela através da porta lateral e esta pelas escadas da privativa que lhe é própria. “(…)“E que com as fracções autónomas acima identificadas, fica constituída a propriedade horizontal no referido prédio – cuja viabilidade foi já verificada pela Câmara Municipal ..., como se comprova por uma certidão expedida em doze de Fevereiro último pela respectiva Secretaria.(…)”.
I) Face à configuração do prédio, a fracção ... localiza-se no ... direito, enquanto a fracção ... se localiza imediatamente por cima daquela, no ... andar
J) A Ré, no logradouro da frente da sua fracção, colocou vasos, plantas, flores e outros objectos.
K) No logradouro traseiro, parte posterior do edifício, a Ré construiu uma churrasqueira que acende e utiliza para fazer churrascos e confecionar alimentos e refeições, instalação que produz odores e fumo que sobem ao andar, e penetram no interior da fracção autónoma dos AA.
L) Quando a Ré acende a churrasqueira para confeccionar refeições, os AA. não podem ter as janelas abertas e nem arejar a sua habitação, uma vez que o fumo e os cheiros provenientes daquelas instalações da Ré entram na sua fracção autónoma.
M) Também comum às garagens das fracções autónomas dos AA. e da Ré é o portão de acesso às mesmas.
N) O qual deve ser aberto e fechado todas as vezes que é utilizado, quer pelos AA., quer pela Ré, sob pena de a fracção dos AA. ficar acessível a terceiros e, dessa forma, exposta aos perigos da devassa e até de furto.
O) No logradouro da sua fracção, os AA. cultivam hortaliças e legumes, designadamente, cebolas, alfaces, tomates e outros produtos próprios da região, que utilizam para consumo próprio.
P) A churrasqueira encontra-se a cerca de 5 metros em recta horizontal da fachada do prédio dos Autores.
Q) A Ré utiliza a churrasqueira ocasionalmente para fazer grelhados para seu consumo.
R) O acesso ao logradouro de cultivo dos RR. está vedado.
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FactosNãoProvados
1- O referido em J), pelo seu número, dimensão, crescimento e disposição, extravasa os limites do logradouro e invade o caminho de acesso dos AA. para a sua garagem e até para a sua habitação, dificultando o acesso.
2- Os fumos referidos em K) sujam e enegrecem a fachada do prédio.
3- A R. construiu um anexo para confecionar refeições e o fumo e os cheiros provenientes do anexo entram na fracção autónoma dos AA.
4- Os odores e fumos referidos em K) prejudicam a saúde dos AA. e seu agregado familiar, e causam danos nas paredes, tecto e mobília dos AA., que ficam sujos e impregnados com odores a comida.
5- A cobertura das garagens, que é comum das garagens dos AA. e da Ré, por falta de manutenção e conservação, está a permitir a entrada de águas pluviais para o interior daquelas.
6- A Ré recusa-se a participar e a colaborar com os AA. na execução das obras necessárias evitar a entrada da água na garagem dos AA., provocada pela falta de manutenção e conservação da cobertura.
7- Em virtude da inércia e falta de colaboração da Ré, o tecto e a parede da garagem dos AA. estão totalmente encharcadas de água, tendo começado a apresentar fissuração e sinais de apodrecimento.
8- Quando abre o portão para sair, a Ré não o fecha e deixa-o aberto durante horas, colocando a fracção dos AA. exposta aos perigos aludidos em N).
9- A Ré, contra a vontade e sem o consentimento dos AA., tem invadido aquele logradouro, cortando, arrancando e danificando daqueles produtos, assim destruindo as plantações dos AA. e impedindo-os de usar e fruir dos respectivos frutos.
10-As condutas da Ré têm causado e ainda causam aos AA. enorme frustração, tristeza e perturbação, por terem o acesso à sua fracção dificultado, por estarem a suportar o fumo e cheiros provocados pela Ré e não poderem ter as janelas abertas e arejarem a sua habitação sempre que o desejam, ao verem o estado deplorável em que têm a sua garagem, por estarem na constante preocupação de poder estar aberto o portão de acesso à garagem e a sua fracção autónoma sujeita à devassa e até ao furto, e por verem as suas plantações danificadas.
11-Condutas e situações que o Ré praticou e/ou criou voluntária e conscientemente, em nítido vexame e com total indiferença e desrespeito para com os direitos de propriedade e personalidade dos AA.
12-Bem sabendo e não podendo ignorar que a sua conduta era adequada a provocar tais danos.
13-Os problemas eventuais e estruturais que os Autores dizem estar a sofrer só poderão advir da subida da placa superior da sua garagem que, por ilegal, foi determinada pela Câmara Municipal a sua demolição;
14-Nessa os Autores destruíram o que haviam erigido à força de picareta e abriram um rasgo que antes não existia no topo da cobertura entre a sua garagem e a da Ré, o que abalou a estrutura e potenciou problemas que agora alegam.
Assim, conjugando toda a prova e por forma a concretizar o que dela resulta Q) A Ré utiliza a churrasqueira ocasionalmente para fazer grelhados para seu consumo.
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Fundamentação jurídica
Os AA. começaram por apontar ter ocorrido um erro por parte do tribunal a quo ao ter dado como provada a factualidade constante da al. Q), dos factos provados e não provada a constante dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11 e 12, por considerar que estes deviam ser dados antes como provados e a matéria vertida naquela alínea como não provada.
Aponta, nesse sentido, o depoimento das testemunhas DD, EE e FF, bem como da Ré e o auto de inspecção judicial, indicando os respectivos tempos das gravações de cada um dos referidos depoimentos, referenciando uma errada fundamentação e avaliação da prova, ao mencionarem que, no dia da inspecção judicial, por saberem de forma antecipada que o tribunal a quo se iria deslocar ao local, procederam os RR. à limpeza da churrasqueira, mantendo-a nesse dia inactiva, o que não pode ser tido como elemento decisivo e preponderante na formação da convicção formada, acrescentando que, o facto da mesma não se encontrar construída de acordo com as regras do RGEU e tendo-se dado como provada a matéria que consta dos pontos J), K), L) e P), se revela inequívoca a entrada de fumo e cheiros na habitação dos AA., violando os seus direitos de propriedade e personalidade, resultante de um uso frequente e excessivo, como considera ter sido demonstrado.
Já quanto à matéria dada como não provada que é alvo de impugnação, aduzem os AA./Recorrentes que o espaço onde a Ré. colocou os seus vasos é um espaço comum (ponto 1.º) cuja utilização não é consentida pelo outro comproprietário, que a factualidade dada como não provada no ponto 3.º se encontra em contradição com os factos dados como provados nas als. K) e L), que é do senso comum que a entrada de fumos e cheiros restringe os seus direitos (ponto 4.º), que ocorreu um erro de julgamento ao dar-se como não provada a matéria que consta do ponto 5.º, face ao que se dispõe no art. 1421.º, do Cód. Civil, tal como ocorre quanto ao facto de se ter dado igualmente como não provada a factualidade dos pontos 6.º e 7.º, face à clara evidência do mau estado das garagens e sua degradação, o mesmo se verificando quanto à incorrecta avaliação e subsunção dos factos ao direito relativamente aos demais pontos, face à prova produzida que revela, em seu entender, terem logrado demonstrar a verificação de uma realidade diferente.
Vejamos, então, qual a prova produzida e a factualidade posta em causa, por forma a apurar se se verifica o alegado erro de julgamento que se aponta à elencada matéria factual.
Para tal, importa, efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, por forma a proceder a uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida.
Neste caso, há que ponderar que o julgador da matéria de facto teve um contacto directo com as pessoas e coisas que servem de fontes de prova, com as impressões colhidas e com a convicção que através delas se gerou.
Apreciação da prova que deve levar em conta as máximas da experiência, o princípio da livre apreciação da prova, com a devida conjugação e avaliação de todos os meios de prova, e com base nas presunções naturais ou judiciais possíveis de serem retiradas, baseadas nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, enquanto processo mental e forma de raciocinar, por meio da qual o juiz parte da prova de um facto indiciário para, por dedução, chegar a uma conclusão sobre o facto principal.
Ora, in cau, na alínea Q), dos factos provados, consta que a Ré utiliza a churrasqueira ocasionalmente para fazer grelhados para seu consumo.
Por sua vez, os factos dados como não provados nos pontos 2, 3 e 4, reportam-se, respectivamente, ao facto dos fumos referidos em K), sujarem e enegrecerem a fachada do prédio, à circunstância da R. ter construído um anexo para confeccionar refeições e o fumo e os cheiros daí provenientes entrarem na casa dos AA., prejudicando a sua saúde e seu agregado familiar e causando danos nas paredes, tecto e mobília, que ficam sujos e impregnados com odores a comida.
Ora, quer perante a versão apresentada pela ré., quer da própria prova, resulta que esta tem uma churrasqueira no seu logradouro e a utiliza para os seus grelhados, tal como decorre, aliás, dos factos dados como provados nas alíneas J), K) e L), pelo que o único ponto controverso é saber se essa utilização é somente ocasional ou frequente.
O advérbio ocasionalmente significa ‘por acaso’, ‘de vez em quando, de modo incerto e pouco frequente’.
Analisando a prova, dela resulta, face ao especificado pelo tri8bunal a quo e que não é posto em causa, que a testemunha DD, vizinha das partes, atestou que ‘a churrasqueira é usada frequentemente, quando acende é pelo dia todo; no fim de semana a R. acendeu com jornais e madeira, saem faúlhas, que caem no seu terraço; viu as cortinas e parapeitos das janelas dos AA. sujas; não sabe se é do fumo, mas é o único sítio manchado nas traseiras que dão para a churrasqueira’.
Já a testemunha EE, vizinha, com uma fracção no mesmo prédio, no ... andar dado por si de arrendamento, disse que os seus inquilinos se queixam que ‘não podem ter as janelas abertas por causa do fumo; que há fumo de vez em quando; a chaminé fica abaixo um pouco das janelas’.
Por sua vez, a testemunha FF, cunhado dos AA., disse que ‘frequenta a casa dos AA., mais ao fim de semana; a chaminé da churrasqueira da R. fica abaixo da fracção dos AA., que não podem ter as janelas abertas quando a churrasqueira está a funcionar; nunca reparou se a casa está afectada por causa dos fumos; vê a churrasqueira às vezes a funcionar, sendo que vai a casa dos AA. ao domingo’.
Por último, a testemunha GG, vizinha das partes e amiga da R., declarou que ‘a R. usa a churrasqueira para fazer uns grelhados ao domingo’.
Admitiu a Ré que os odores e fumos provenientes do uso da churrasqueira entram na casa dos AA., porque também entram na sua.
Como resultado da inspecção judicial ao local, constatou-se não existir sinais de uma utilização anormal da mesma (como de queima de materiais), nem de um uso intensivo (como estar acesa todo o dia), situando-se a chaminé a 5 metros da fachada do prédio.
Assim, conjugando toda a prova, constata-se que, pelo que foi observado no local, não existem vestígios de uma utilização frequente, sendo certo que o normal é utilizar-se a churrasqueira em situações ocasionais e pontuais e não diariamente.
Por outro lado, se se atentar bem nos depoimentos transcritos, também igualmente se conclui que, excluindo o que disse a testemunha DD, todas as outras apontaram ser feito um uso pontual, de vez em quando ou aos domingos., ou seja, em certas e determinadas ocasiões, tanto mais que se está perante uma utilização destinada a proceder a grelhados para consumo caseiro da Ré.
Como tal, deve manter-se a redacção dada à alínea Q), dos factos provados.
Relativamente aos factos não provados relacionados com os fumos e odores da churrasqueira e respectiva afectação do imóvel dos AA. e deles próprios, em termos de saúde, tal como decorre da prova produzida e não posta em causa no seu todo, dela não resulta a demonstração desses factos.
Na verdade, os AA., por via da inspecção ao local, por meio de fotos ou um qualquer outro meio, não lograram provar que a fachada do prédio se encontra suja e enegrecida pelos fumos da churrasqueira e que a Ré tenha construído um anexo, onde confecciona as suas refeições provocando mais fumos que entram na casa daqueles.
Também nada se provou quanto à afectação da saúde dos AA. e do seu agregado familiar em resultado dos odores e fumos, ou mesmo das paredes, tectos e mobiliário.
Aliás, com a exclusão da testemunha DD, que referiu que viu as cortinas e parapeitos das janelas dos AA. sujas, sem, no entanto, poder afirmar que tal se devia ao fumo da churrasqueira, até o próprio cunhado dos AA., FF, referiu que nunca reparou que a casa dos AA. tivesse algum problema por causa dos fumos.
Já quanto à ocupação de um espaço que extravasa os limites do logradouro da Ré, como apontou o tribunal a quo, sem que tal tivesse sido posto em causa, da prova produzida resulta que a referida testemunha DD, disse que, às vezes, os vasos da R. estorvam a passagem dos carros para as garagens, se estiverem mais para fora e menos encostados à parede, enquanto a testemunha EE, declarou que os vasos que a Ré tem se encontra no espaço que é dela, e, por sua vez, a testemunha FF, referiu que a R. ocupa com vasos o passeio comum.
Acontece que o tribunal a quo, aquando da deslocação ao local, constatou que os vasos não perturbam o acesso à garagem dos AA., como, aliás, é possível constatar das imagens colhidas no local aquando dessa diligência.
Quanto à questão da garagem, a testemunha DD referiu que a cobertura das garagens não é igual, que a dos AA. tem uma tela preta, a da R. tem cimento descascado e que entra água nas garagens, tendo os AA. a parede e tecto das garagens manchados.
Por sua vez, a testemunha EE também referiu que entra água na garagem dos AA. porque a R. não aceita fazer obras e que as garagens são contíguas e têm uma só placa de cobertura, mais mencionando que os AA. fizeram obras na garagem para tentar resolver a entrada de águas, mas não conseguiram solucionar esse problema porque teriam de ser feitas obras nas duas garagens.
A testemunha FF declarou que as garagens têm placa de cobertura única e que entra água na garagem dos AA., apesar das intervenções que fizeram porque a água continua a entrar vinda pelo lado da R. através da lage única, recusando-se esta a fazer obras, esclarecendo que não houve qualquer demolição na garagem dos AA., tendo apenas sido colocados dois centímetros de massa e tela por cima, como é possível ver-se no local.
Já a testemunha GG disse que os AA. andaram a picar a cobertura da garagem, alteando-a, ficando mais alta em relação à cobertura do lado da R., o que foi confirmado pelo seu marido, a testemunha HH, que explicou, em síntese, que os AA. andaram a martelar em cima da garagem e fizeram um rasgo, depois de terem sido obrigados a retirar um murinho/divisória, que tinham feito
Da inspecção ao local, o tribunal a quo confirmou a existência de infiltração de água nas garagens dos AA.
Contudo, como e bem referiu o tribunal a quo, a constatação e confirmação dessa realidade pelas testemunhas apontadas, não é suficiente para permitir concluir que a infiltração de águas decorre da falta de manutenção da cobertura, ficando sem se saber a que se deve esse problema, ou seja, a sua causa, origem e forma de o resolver, sendo comum.
Para tal, necessário seria que a respectiva parte – os aqui AA. – que invocaram o direito de resolução desse seu problema, por via do pedido de reparação requerido, tivessem feito prova dos factos constitutivos do seu direito, demonstrando, sem margem para qualquer dívida, a factualidade capaz de fundamentar o pedido que formulam.
Julga-se que, para tal, necessário seria que se tivesse requerido e procedido a uma perícia e que, por outro, tivesse accionado os órgãos administrativos do edifício, para efeitos de administração da zona comum, nos termos e para os fins do disposto designadamente do que se preceitua nos arts. 1436.º, n.º 1, als. a), g) e r), do Cód. Civil.
Não pode é, assim não tendo actuado, pretender que, sem mais, se considere e dê como demonstrado que a infiltração de águas na sua garagem se deve a falta de manutenção, intervenção e contribuição da Ré para a respectiva reparação quando não logrou produzir essa prova, nem mesmo ter actuado em conformidade com o que se estipula legalmente quando se está na presença de um direito inserido no regime da propriedade horizontal.
Quanto à demais matéria relacionada com os danos não patrimoniais alegados pelos AA. e dados como não provados, basicamente apenas consta ter a testemunha FF referido que os AA. andam muito incomodados, tristes, por não poderem arejar a casa, tendo a este respeito o tribunal afirmado quanto a esta matéria, que o uso doméstico e ocasional da churrasqueira não é suficiente para causar qualquer dano aos AA. para além do incómodo de terem de fechar as janelas que deitam para a churrasqueira quando esta está a funcionar, não podendo arejar a casa desse lado durante esse período, incómodo que não pode ser considerado um dano susceptível de ser indemnizado.
Ora, daqui decorre que, sem se atender ao facto reconhecido como verificado, não se pode antecipadamente afirmar não se verificar o dano, pois, estar-se-ia a inverter o sentido das coisas ao desde logo desvalorizar-se a prova só pelo facto de se considerar não ser a factualidade em causa susceptível de ser indemnizada, procedendo a uma prévia apreciação jurídica do facto para não o dar como provado.
Perante esta inaceitável inversão do iter processual, decide-se dar como provado, sob a alínea S), a seguinte factualidade:
- Os AA. sentem-se incomodados com o facto de terem de fechar as janelas que deitam para a churrasqueira quando esta está a funcionar e de não poderem arejar a casa desse lado durante esse período.
No mais, é de manter a matéria factual levada aos factos provados e não provados.
Passando agora ao respectivo enquadramento jurídico, como vimos, o cerne essencial da apelação encontra-se delimitado pelos aspectos relacionados com a churrasqueira existente numa das fracções (...) do prédio onde os AA. habitam, como proprietários no ... andar, e respectivas emissões, bem como com a ocupação de um espaço comum, ocorrência de infiltrações na garagem que lhes pertence e respectivos danos alegadamente decorrentes dessas situações.
Vejamos.
Consoante decorre do art. 1305.º, do CC, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das respectivas coisas, mas dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Fixando expressamente a lei limitações ao exercício do direito de propriedade, tais restrições podem derivar tanto do direito privado, como do direito público.
Entre estas últimas - limitações de interesse público - encontram-se as respeitantes à fixação de regras mínimas a observar na construção de edifícios, por razões de segurança, salubridade e higiene e, ainda, de ordem estética, ligadas à boa ordenação urbanística das povoações, envolvendo, em geral, a necessidade de o titular do direito se abster de certas condutas no seu exercício – cfr. Carvalho Fernandes, «Lições de Direitos Reais», 4ª edição, pags. 201-202 - neste âmbito se situando, designadamente, as que decorrem das normas do RGEU.
Já, as restrições de direito privadas resultam, essencialmente, das relações de vizinhança, tendo em vista a regulação dos conflitos de interesses que surgem entre vizinhos, neste âmbito se dispondo no art.º 1346.º, do CC que «o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam».
Não são, pois, todas as emissões que podem ser proibidas, mas, apenas, aquelas que, em alternativa:
- ou importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel;
- ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», vol. II, pags. 178-179, que «exigindo-se um prejuízo substancial, põe-se de lado as emissões que produzem um dano não essencial. O prejuízo deve ser apreciado, além disso, objectivamente, atendendo-se à natureza e finalidade do prédio, e não segundo a sensibilidade do dono». Já o «uso normal do prédio depende do seu destino económico, que deve ser também apreciado objectivamente e em relação a cada caso».
No acórdão do STJ de 3-12-1992 , in BMJ n.º 422, pag. 365., referiu-se, seguindo Antunes Varela, que o art. 1346.º, do Cód. Civil, «tem especialmente em vista as emissões de agentes físicos, com carácter de continuidade ou, pelo menos periodicidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo».
Acresce que, a este respeito, os AA. vieram invocar, a seu favor, também a não observância do disposto no RGEU, bem como o seu direito fundamental a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e de garantia do direito à propriedade privada (cfr. arts. 25.º, 64.º e 66.º, n.º 1, da Constituição).
Com interesse para o caso dos autos, preceitua-se no art. 113.º, do RGEU que «a[A]s condutas de fumo elevar-se-ão, em regra, pelo menos, 0 m 50 acima da parte mais elevada das coberturas do prédio e, bem assim, das edificações contíguas existentes num raio de 10 metros. As bocas não deverão distar menos de 1m,50 de quaisquer vãos de compartimentos de habitação e serão facilmente acessíveis para limpeza».
Por seu turno, dispõe o art. 114.º, do mesmo diploma, que «a[A]s chaminés de instalações cujo funcionamento possa constituir causa de insalubridade ou de outros prejuízos para as edificações vizinhas serão providas dos dispositivos necessários para remediar estes inconvenientes».
Parece-nos, no entanto, mais ou menos evidente que a questão em apreço não se resolve, ao menos nesta sede, com a conformidade ou desconformidade urbanística perante as referidas normas do RGEU, na medida em que necessário se torna que se verifiquem os requisitos da norma do Código Civil aplicável ao caso, pois, a ilicitude derivada da violação da norma regulamentar administrativa pública, não afastam a aplicação do direito privado.
Como se sabe, o direito de propriedade pode ser restringido por regulamentos de edificação ou urbanização, visando essencialmente razões de segurança, salubridade e higiene e, ainda, de ordem estética, ligadas à boa ordenação urbanística das povoações (v.g as normas do RGEU, de ordenamento do território, etc) e por disposições legais de direito privado com vista a regular o seu exercício, de forma a salvaguardar direitos conflituantes dos proprietários (ou outros titulares de direitos reais de gozo) de prédios vizinhos.
Assim, enquanto as primeiras visam a salvaguarda de direitos e interesses de utilidade pública, as disposições de direito privado, visam essencialmente a salvaguarda das relações de vizinhança - Neste sentido CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 4ª edição, págs. 201-202.
Conforme refere Oliveira Ascensão, in Direito Civil, Reais, 5ª edição, Coimbra Editora, págs. 249, 251 e 252, “[a]A vizinhança imobiliária é outra situação susceptível de gerar conflitos. O exercício dum direito no próprio prédio não pode deixar de repercutir-se sobre o exercício do direito no prédio vizinho. A lei previne o conflito, regulando vários aspectos que considerou particularmente importantes (…)”, impondo restrições “no interesse privado, do direito de propriedade (…) o que caracteriza o direito de vizinhança como tal é o dever reciprocamente estabelecido de respeitar o estado dos lugares.”
Do exposto decorre que ainda que satisfazendo as construções ou edificações em prédios vizinhos, as normas de direito público constantes do RGEU (no caso em apreço, a constante do art.º 113), um dos proprietários pode vir a accionar outro, quando destas edificações, no caso chaminés, resulte a emissão de fumo, fuligem, cheiros, calor ou ruídos, para o prédio vizinho, desde que estas emissões causem prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem do uso normal do prédio de que emanam (art.º 1356 do C.C.) e sempre que impliquem violação de direitos de personalidade (artºs 70 e segs. do C.C.).
No que se reporta ao critério do uso normal do prédio, como se referiu e defendem Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit.) este deve ser aferido de acordo com o destino económico do prédio e “também apreciado objectivamente e em relação a cada caso.
Assim, para preenchimento deste critério, exige-se que estas emissões tenham carácter de continuidade ou periocidade, não se tratando de uma mera situação pontual e que causem um prejuízo substancial à utilização do imóvel, ou constituam uma utilização anormal do prédio de onde emanam, tendo em conta o seu destino sócio-económico e a envolvente (habitacional, industrial ou rural) em que se situa.
Ora, olhando os factos provados, deles resulta que a Ré, no logradouro traseiro, parte posterior do edifício, construiu uma churrasqueira que acende e utiliza para fazer churrascos e confeccionar alimentos e refeições, produzindo odores e fumo que sobem ao andar, e penetram no interior da fracção autónoma dos AA., levando a que estes, quando tal ocorre, não possam ter as janelas abertas, nem arejar a sua habitação.
Mais se demonstrou que a churrasqueira se encontra a cerca de 5 metros em recta horizontal da fachada do prédio dos Autores e que a Ré utiliza a churrasqueira ocasionalmente para fazer grelhados para seu consumo.
Temos, pois, uma churrasqueira que, quando utilizada, produz odores e fumo que invadem a casa dos AA.
Contudo, tratando-se de uma churrasqueira onde só ocasionalmente são confeccionados grelhados e apenas para utilização da Ré, não se verifica uma utilização contínua, capaz de causar um “prejuízo substancial” para o uso do imóvel dos AA. ou um “dano essencial”, objectivamente apreciado; dado que, quanto muito, ocasionarão, os odores e fumo, incómodos ocasionais aos residentes no prédio dos AA
Igualmente, não se vislumbra que as emissões não resultem da utilização normal do prédio de que emanam, dentro dos limites da “normalidade” para fazer uns grelhados para seu consumo.
Por outro lado, quer haja autorização administrativa, quer esta seja dispensável e haja ou não violação do RGEU, e mesmo que daí se retire a ilicitude do comportamento do vizinho infractor, sempre será necessário preencher as previsões do direito civil privado para se eliminar, afastar ou reparar o prejuízo/dano.
Por isso, e necessariamente, é sempre preciso que esse dano ocorra, o que não se verifica no caso concreto, quer quanto a essa situação específica, quer quanto à invocada ocupação do caminho de acesso para a garagem.
Por fim, como se referiu também já, o facto da garagem ter infiltrações de água, não pode ser imputada a uma qualquer conduta ou omissão da Ré, por não se ter igualmente logrado demonstrar a factualidade vertida nos pontos 5 a 7, dos factos dados como não provados, para além das demais questões relacionadas com o exercício desse direito de acordo com as normas que regem a propriedade horizontal, tal como apontado já.
Assim, considerando não se verificar a violação de um qualquer direito cometido pela R., tem de cair a obrigação de indemnização dos danos não patrimoniais que os AA. peticionavam.
De qualquer das formas, mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria de avaliar a gravidade do dano de forma a considerá-lo merecedor ou não de tutela jurídica (neste sentido Antunes Varela, Obrigações, vol. I, página 428 e Acórdão do STJ, de 3/12/92, in BMJ 422/365).
Pois, como se prescreve no artigo 496.º, n.º 1 do CC, só devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, tendo em conta que dano é "todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem" (vide Prof. Vaz Serra, BMJ nº 84, pág 8).
Pois, como constitui orientação jurisprudencial consolidada, não são merecedores da tutela do direito as meras indisposições, preocupações e arrelias comuns, cumprindo destrinçar aqueles que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios dos que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para merecer compensação: sendo certo que se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excepcional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade.
Isto é; um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação (vide ac. do STJ de 24.05.2007, processo 07A1187, acessível em www.dgsi.pt.).
Ora, perante os factos dados como provados, não nos parece que simples incómodos possam merecer a tutela do direito.
Nestes termos, tem, pois, de improceder o recurso interposto pelos AA., mantendo-se, em consequência, a decisão proferida, prejudicado ficando o recurso subordinado.
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IV. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso interposto pelos AA., mantendo-se, em consequência, a decisão proferida.
Custas a cargo dos AA./apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 21 de Setembro de 2023
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do acordo ortográfico, à excepção da transcrição respeitante às partes)