É recorrível a decisão do Tribunal de Execução das Penas que indefere liminarmente o requerimento para apreciação da adaptação à liberdade condicional prevista no artigo 188.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
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É recorrível a decisão do Tribunal de Execução das Penas que indefere liminarmente o requerimento para apreciação da adaptação à liberdade condicional prevista no artigo 188.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
a) A presente reclamação vem dirigida ao despacho do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, do pretérito dia 27 de junho, o qual não admitiu o recurso interposto pelo reclamante relativamente à decisão do mesmo tribunal que lhe indeferiu liminarmente a apreciação do pedido de adaptação à liberdade condicional previsto no artigo 188.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O despacho tem o seguinte teor: «A fls. 69 e ss., veio o condenado recorrer da decisão que indeferiu liminarmente a requerida adaptação à liberdade condicional.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no art. 235º nº 1 do CEP “das decisões do tribunal de execução de penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei”.
Como se constata da leitura do regime referente à adaptação à liberdade condicional, consagrado no art. 188º do CEP, não se encontra prevista a possibilidade de recurso.
Na verdade, o art. 188º nº 6 do CEP, que remete para o regime referente a
tramitação da liberdade condicional, expressamente exclui a aplicabilidade do disposto no art. 179º, que rege sobre o recurso.
Assim, a decisão que não concede a adaptação à liberdade condicional é irrecorrível.
Saber se a decisão do Tribunal de Execução das Penas que indeferiu liminarmente o requerimento para apreciação da adaptação à liberdade condicional, antecipando esta, é recorrível.
III. Fundamentação (a) Matéria processual
A matéria a considerar é a que consta do relatório que antecede.
b) Apreciação da questão colocada
Entende-se que a decisão mencionada é recorrível pelas razões que a seguir se indicam.
1 – O artigo 235.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, prevê os casos em que as decisões do juiz são recorríveis para o tribunal da Relação, nestes termos:
«1 - Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei.
2 - São ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas:
a) Extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade;
b) Concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal;
c) As proferidas em processo supletivo.»
Verifica-se que o artigo 188.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, que trata da matéria relativa à adaptação do condenado à liberdade condicional, não prevê a possibilidade de recurso relativamente à decisão que rejeita o respetivo pedido.
Aqui, no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, só há recurso para a Relação «nos casos expressamente previstos na lei».
Pode-se discordar do teor da norma legal, mas não se pode acusar a mesma de falta de clareza: só há recurso das decisões do juiz quando a lei o diz expressamente, ou seja, tem de dizer algo como: «desta decisão cabe recurso para o tribunal da Relação».
Por conseguinte, face ao teor das normas do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a conclusão a tirar das mesmas coincide com o teor do despacho reclamado.
2 – Sucede, porém, que a negação de recurso resultante da conjugação dos artigos 235.º, n.º 1 e 188.º, n.º 6, já mencionados, padece de inconstitucionalidade material.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta matéria no acórdão n.º 150/2013, publicado no D.R. n.º 87, Série II de 2013-05-07, nos seguintes termos:
«Não julga inconstitucional a norma do artigo 179.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, designadamente no caso de indeferimento.»
Porém, recentemente, pronunciou-se em sentido contrário em acórdão proferido no âmbito da reclamação dirigida a esta Relação de Coimbra, no processo 300/18.3TXCBR-I.C1, onde decidiu pela Inconstitucionalidade da «… norma contida no art. 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, na interpretação segundo a qual não é recorrível a decisão que indefere o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional» e determinou a reformulação, em conformidade, da decisão anterior que tinha indeferido a reclamação contra o não recebimento de recurso.
Bem como no Acórdão n.º 764/2022, publicado no Diário da República n.º 244/2022, Série II, de 2022-12-21, onde se decidiu julgar inconstitucional a norma contida no artigo 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, na interpretação segundo a qual não é recorrível a decisão que indefere o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional.
Ponderou-se neste acórdão que « Não obstante o vertido na jurisprudência anterior deste Tribunal, é este o sentido que se entende mais conforme à
Constituição, ainda que guiado “apenas” pelo seu artigo 20.º. Efetivamente, a transformação da situação do recluso é de tal forma significativa, na sua aproximação à liberdade (ainda que se trate de mera aproximação), que se projeta, necessariamente, não apenas na dimensão objetiva das ações que lhe são permitidas ou vedadas, mas na própria dimensão interior e subjetiva, enquanto perceção de si enquanto pessoa “mais livre” ou “quase livre”, uma modificação substancial com suficiente afinidade com a total ou “verdadeira” liberdade que justifica a imposição do recurso, não perdendo de vista que “[…] independentemente da posição que se tome relativamente a estar ou não em causa o direito à liberdade – a sua concessão se traduz numa saída do meio prisional, com a consequente
‘libertação’ da pesada carga de limitações inerentes às ‘exigências próprias da execução’ e ainda porque se trata de decisão que contém a concessão (antecipada) da própria liberdade condicional’ (ibidem, p. 754, sublinhado acrescentado), ainda que esta última careça de um novo ato decisório.
Estas as razões – a que se associam, na mesma linha, as que constam das declarações de voto apostas aos Acórdãos n.os 560/2014 e 332/2016 – pelas quais se impõe um juízo de inconstitucionalidade da norma sub judice.»
Sintetizando, dir-se-á que cumprir pena no estabelecimento prisional é uma situação factual substancialmente diversa daquela em que se cumpre essa mesma pena na habitação, pois neste último caso o recluso não sente o peso da instituição prisional e encontra-se «mais livre», não estando submetido às rotinas e ao horário prisional, podendo conviver com quaisquer pessoas sem restrições, o que representa sem dúvida um incremento do exercício e gozo de direitos individuais que não teria se estivesse no estabelecimento prisional.
Considerando o exposto, julga-se a reclamação procedente e admite-se o recurso. Sobe imediatamente – 407.º, n.º 1 –, em separado – artigo 406.º, n.º 1 –, com efeito devolutivo – artigo 408.º, n.º 2, a contrario, todos do Código de Processo Penal. Sem custas.