INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
REPRESENTAÇÃO DA HERANÇA INDIVISA
ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
CAUSA PREJUDICIAL
Sumário

1.–O reconhecimento presencial da assinatura é um dos meios legalmente previstos para o estabelecimento da autoria de um documento.

2.–Perante aquele reconhecimento presencial da assinatura, constante da autenticação, incumbia à contraparte suscitar incidente de falsidade do mesmo, mostrando não ser verdadeiro o reconhecimento (arts. 347 e 372, ambos do CC).

3.–Até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção definitiva de anulação da deliberação de amortização da quota do sócio falecido, encontram-se suspensos temporariamente os direitos inerentes à quota (art. 227 n.ºs 2 e 3 do CSC).

4.–Ainda assim, a quota encontra-se integrada, precária e provisoriamente (ad tempus ou sob condição resolutiva), no património indiviso do de cujus.

5.–Enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social, se bem que, existindo vários herdeiros, estes, na relação com a sociedade, tenham de exercitar os direitos inerentes à quota através de um representante comum, o qual não tem necessariamente de ser um herdeiro, podendo ser um terceiro, como pode ocorrer no caso de nomeação de um testamenteiro (arts. 222º, n.º 1, do CSC e 2320º e 2321º do C. Civil).

6.–Este não é mais do que um mandatário dos herdeiros.

7.–Assim, as pessoas a habilitar são os herdeiros do falecido, os quais intervirão na acção através do “representante comum”, a determinar na sentença.

8.–É precisamente por isso que se verifica uma contitularidade de quota e, por via disso, a necessidade da nomeação de um representante comum, o qual exerce as funções de mandatário daqueles e não de titular de qualquer outro direito.

9.–E assim sendo, tal como decorre do disposto no art. 351º, n.º 1, do CPC, a habilitação deve correr os seus termos com a intervenção de todos os herdeiros.

10.–À semelhança do que ocorre quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de uma causa, por aplicação extensiva do art. 354º, n.º 2, do CPC, o tribunal apenas pode julgar representante comum dos herdeiros a pessoa que no momento em que a habilitação é decidida seja designado por lei ou disposição testamentária (art. 223º, n.º 1, do CSC), não podendo, consequentemente, o tribunal suspender a instância com fundamento em pendência de causa prejudicial (acção de anulação de testamento ou outra).

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Por apenso ao processo especial para convocação de assembleia intentada por F… contra a sociedade M., Lda e R…, veio I…, invocando a qualidade de representante comum dos herdeiros contitulares da quota societária deixada pelo falecido F..., deduzir incidente de habilitação contra os réus daquela acção, pedindo que seja “habilitada como sucessora do falecido F…, para assumir a posição processual deste e, assim, com ela prosseguirem os termos da demanda”.

Alegou para tanto que a F… sucederam, como seus únicos herdeiros, a sua filha, ora requerente, a sua mulher, M…, e o seu filho, R…, ora requerido; e que por testamento lavrado em 1 de Agosto de 2019 foi nomeada por seu pai sua testamenteira, com as atribuições previstas na lei e, ainda, designando-a como representante comum dos herdeiros contitulares da quota do testador na sociedade “M., Ldaª”.

Por despacho prolatado dia 26/04/2022 decidiu-se que:
“Considerando que o falecido tem outro herdeiro para além da requerente e do requerido, convida-se a requerente a juntar novo articulado aperfeiçoado no qual deduza o incidente contra todos os herdeiros. Prazo: 10 dias”.

Veio então a Requerente declinar o convite dizendo que tem a qualidade de representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por F…, com poderes de disposição, e essa qualidade (e não a de herdeira) legitima-a para substituir o falecido requerente, seu pai, nos termos do art. 222.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, sendo, pois, a única sucessora.
Juntou certidão do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais n.º 8187/21.2T8LSB-A instaurado por I…, contra M.,LDA., pedindo a suspensão da execução das deliberações sociais de amortização da quota do falecido sócio F…, tomadas na reunião de 22 de Fevereiro de 2021 da assembleia geral de sócios da requerida.
De acordo com essa certidão, foi proferida em 1ª instância sentença que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa invocada e procedente a providência requerida, suspendendo, consequentemente, a execução das deliberações aprovadas na assembleia-geral da sociedade Requerida, que se realizou a 22 de Fevereiro de 2021; e, por acórdão do TR Lisboa de 8/03/2022, transitado em julgado dia 29/03/2022, foi confirmada essa sentença.

Nesse acórdão exarou-se, relativamente à questão da legitimidade, o seguinte:
“Entre os que gozam de legitimidade para requerer a suspensão cautelar de deliberações inválidas encontram-se, sem dúvida, os herdeiros do sócio falecido.
Com efeito, no caso de os estatutos da sociedade lhe conferirem o direito de amortizar a quota de sócio falecido ou de adquiri-la aos herdeiros, o artigo 227º, nº 2 do CSC determina que “os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efetivar a amortização ou a aquisição dela…”, sendo certo que “durante a suspensão, os sucessores poderão, contudo, exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade” (artigo 227º, nº 3).
Assim, durante o período de suspensão, permite-se o exercício dos direitos sociais necessários “à conservação da identidade e da consistência, qualitativa e quantitativa, da quota do sócio falecido, maxime, o seu valor” e, designadamente, o de impugnar as deliberações da sociedade, e, caso se cumpram os requisitos legais, o de requerer a suspensão cautelar da sua execução.
Quer a sociedade opte pela amortização da quota, quer pela sua aquisição, com o falecimento do sócio, os herdeiros passam a ser “titulares ad tempus, sujeitos à verificação da condição resolutiva pela qual a quota, ou bem que é amortizada, ou bem que é adquirida pela sociedade, por sócio supérstite ou, enfim, por terceiro.”
No caso de serem vários os herdeiros, enquanto a herança permanecer indivisa, passa a existir uma situação de contitularidade da quota, cujo regime está regulamentado nos artigos 222º a 224º do CSC. Ora, “se existe contitularidade por morte de sócio que deixa vários herdeiros, o exercício dos direitos de sócio deve ter lugar através de representante comum. E, se houver cabeça-de-casal, será este o representante comum designado por lei.”
Por isso, tal como já foi decidido pelo STJ no Acórdão de 06/10/2009 (proc. 398/09.5YFLSB – 6ª Secção), poderá o cabeça-de casal intentar sozinho acção de anulação de deliberações sociais como representante comum dos contitulares. Como refere PINTO FURTADO, “a regra é, portanto, nas relações com a sociedade, o exercício dos direitos através do representante comum, e não em conjunto – e compreende-se bem que assim seja, porque a intervenção plural dos contitulares terá tendência a revelar-se embaraçosa para a actividade social”.
Em suma, quando exista um representante comum dos contitulares da quota social de sócio falecido, designado por lei, por testamento, por nomeação dos contitulares ou por nomeação judicial, cabe a ele e não ao conjunto dos contitulares requerer a suspensão da execução de uma deliberação, como impugnar a sua validade, existência ou eficácia. Esse representante comum pode ser o cabeça-de-casal, a quem, nessa qualidade, nos termos dos artigos 2079º e 2087º, nº 1 do Código Civil, cabe a administração da herança, sendo, por designação da própria lei, representante comum dos herdeiros.
No caso dos autos, resulta provado que, por testamento lavrado em 01/08/2019, a Requerente (ora Recorrida) foi nomeada por seu pai, F…, a sua testamenteira “… com as atribuições previstas na lei e, ainda, designando-a como representante comum dos herdeiros contitulares da quota do testador na sociedade M. Lda (…) podendo essa exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, incluindo poderes de disposição, podendo, assim, praticar atos que importem a extinção, alienação ou oneração da dita quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios.”. Resulta ainda do contrato de sociedade da Requerida (ora Recorrente) que “a sociedade não se dissolverá por morte ou interdição de qualquer dos sócios, continuando com os sobrevivos ou capazes e, caso não seja amortizada a respetiva quota, com os herdeiros ou representantes dos falecidos ou interditos, devendo, nesse caso, este nomear um que a todos represente enquanto a respetiva quota estiver indivisa.” (artigo nono do contrato constitutivo da sociedade reproduzido no nº 12 dos factos provados).
Assim, sendo a Requerente (ora Recorrida) cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do sócio falecido da Requerida e, simultaneamente, representante comum dos herdeiros contitulares da quota, por nomeação testamentária, está duplamente legitimada para exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, podendo, designadamente, requerer a suspensão da execução de uma deliberação, como impugnar a sua validade, existência ou eficácia. Dito de outro modo goza de legitimidade substantiva e, consequentemente, de legitimidade processual. Aliás, para invocar a nulidade da deliberação social de amortização da quota do sócio falecido, bastaria à Recorrida a sua qualidade de herdeira do falecido sócio, uma vez que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (artigo 286º do Código Civil).
Improcedem, pois, as conclusões 2ª, 3ª e 17ª das alegações da Recorrente”.

Por despacho de 17/05/2022 exarou-se:
“Ref. 32506983 [42178945]: Melhor compulsados os autos conclui-se que assiste razão à requerida, nada mais havendo a determinar quanto à questão suscitada.
Notifique os requeridos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 356.º do C.P.C.”.

A requerida M., Lda, deduziu oposição, defendendo-se por excepção.
Invocou para tanto a ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, dado não ter sido demandada M…, a qual era casada com o falecido no regime de comunhão de adquiridos, sendo que a quota social de F… integrava a comunhão conjugal, donde resulta que uma parte indivisa dessa quota social pertence em exclusivo a àquela. Invocou ainda a invalidade do testamento outorgado pelo falecido, através do qual a requerente foi nomeada como testamenteira e representante comum dos herdeiros na cotitularidade da quota societária, encontrando-se pendente a acção n.º 4453/21.5T8LSB na qual se peticiona a sua anulação, e requereu a suspensão da presente instância até à decisão final a proferir nesse processo, nos termos do art. 271º, n.º 1, do CPC.
Juntou certidão da ação judicial por si intentada com vista à anulação do testamento outorgado pelo autor falecido.

A Requerente apresentou no dia 20/10/2022 articulado de resposta, no qual se opôs à requerida suspensão da instância, invocando para tanto o disposto no art. 354º, n.º 2, do CPC, e juntou, além do mais, uma declaração de escusa do cargo de cabeça de casal, subscrita por M… .

Notificada dessa declaração, os requeridos silenciaram.

Por sentença proferida dia 19/11/2022 decidiu-se “julgar procedente o incidente de habilitação, declarando I… habilitada em substituição de F…, nos presentes autos”.

Inconformada com o decidido, a Requerida interpôs o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1ª)-A apelante, não se conformando com a sentença que declarou a requerente habilitada para prosseguir nos termos da ação principal em representação do autor F…, vem dela interpor o presente recurso por entender – com o devido respeito, que é muito – que a decisão se baseia em erro de julgamento quanto à matéria de facto e, por outro lado, assenta em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas que constituem o seu fundamento.
2ª)-Antes de mais, considerando que com a sua habilitação a requerente representará 50% do capital da apelante (a par dos 50% do outro sócio), face às dificuldades de contacto e o total desentendimento entre a requerente e o outro sócio, a execução da decisão resultará, no mínimo, num impasse, impedindo a tomada de decisão e desenvolvimento normal da atividade social, o que, afetando a vida da sociedade, lhe causará prejuízos consideráveis, pelo que, ao abrigo do disposto no art.647º nº4 do CPC, requer que seja atribuído efeito suspensivo à presente apelação, requerendo igualmente que para tal seja admitida a prestar a devida caução no valor de 30.000,01€, no prazo que V. Exªs entenderem fixar para esse fim.
3ª)-O tribunal a quo reconheceu e declarou que “conforme resulta da certidão junta aos autos, no processo n.º 4453/21.5T8LSB, que corre termos no Juiz 18 do Juízo Central Cível de Lisboa, (…) é peticionado que seja anulado o testamento outorgado no dia 1 de agosto de 2019 pelo “de cujus”, F…, a favor da ali ré, por ter sido determinado por dolo da beneficiária e por coação moral.”
4ª)-Trata-se de um facto essencial da defesa da sociedade e que está provado pela citada certidão, pelo que, ao deixar de incluir este facto na matéria assente, o tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, devendo a sentença passar a considerar entre os Factos provados o seguinte ponto:  4. A validade do testamento em causa está impugnada e está pedida a respetiva anulação na ação judicial que corre termos como processo nº 4453/21.5T8LSB, presentemente do Tribunal de Lisboa–Juízo Central Cível de Lisboa–Juiz 19.
5ª)-Ainda foram juntos aos autos, pela sociedade requerida, escritura de habilitação de herdeiros (como DOC.1 da contestação) e a competente comunicação do óbito às Finanças relativo ao imposto de selo (como DOC.3 da contestação) e, pela requerente, escritura de habilitação de herdeiros (à sua petição de habilitação) e mais tarde uma comunicação às Finanças (como DOC.5 do seu requerimento de 20-out-2022), assim como, como contra prova, declaração de escusa do cargo de cabeça de casal supostamente subscrita pela viúva, M… a 1-mar-2021.
6ª)-A requerente não alicerçou o seu pedido nesta última declaração, pelo que só perante o teor da decisão em recurso se tornou necessário provar a falta de genuinidade da assinatura da viúva nessa declaração através da junção, como DOC.1 – que aqui requer ao abrigo do art.651º nº1 parte final do CPC – do relatório pericial relativo à “Assinatura aposta em Declaração de Escusa do Cargo de Cabeça de Casal, passada no Cartório Notarial de Lisboa do Dr. R. J…., em 01.03.2021” que conclui que “Atendendo à relevância das diferenças, pericialmente pertinentes, verificadas entre as várias assinaturas Autênticas e a Contestada, conclui-se que, provavelmente, esta última assinatura não saiu, parcial ou totalmente, do punho de D. M…”
7º)-Face a todos estes documentos, ao abrigo do art.607º nº4 do CPC que impõem o dever de tomar em consideração todos os factos provados por documento e, por outro lado, o dever de selecionar para a matéria de facto a considerar na sentença toda aquela factualidade que seja relevante para a decisão da causa  segundo as várias soluções plausíveis de direito (por ex: o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo 5900/20.9T8PRT-A.P1 de 24-mai-2021), ao deixar de incluir na matéria assente tais factos, o tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, devendo a sentença ser alterada em conformidade, passando a conter entre a matéria provada os seguintes novos pontos:
5.No dia 11-fev-2021, a requerente I… outorgou escritura de habilitação de herdeiros, na alegada qualidade de cabeça de casal, habilitando como sucessores do seu falecido pai:
a)- sua mulher, M…;
b)- o filho, R… e
c)-a filha, I… .
6.Com data de 1-mar-2021 é subscrita uma declaração de renúncia ao cargo de cabeça de casal e atribuição dessas funções à requerente, supostamente por M…, assinatura que relatório pericial concluiu que “Atendendo à relevância das diferenças, pericialmente pertinentes, verificadas entre as várias assinaturas Autênticas e a Contestada, conclui-se que, provavelmente, esta última assinatura não saiu, parcial ou totalmente, do punho de D. M….”
7.No dia 12-mar-2021, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros por três testemunhas atestando, que ao falecido sucederam como herdeiros: a) sua mulher, M…; b) o filho, R… e c) a filha, I… .
8.No dia 17-mar-2021, o filho mais velho entregou a competente comunicação de óbito, relação dos bens e herdeiros às Finanças para efeitos de liquidação do correspondente imposto de selo. 21
9.No dia 30-mai-2021, a filha mais nova efetuou semelhante comunicação às Finanças.
8ª)-A sentença também indefere a suspensão da instância com fundamento no art.354º do CPC, no entanto, este artigo não contempla nenhuma circunstância que impeça essa suspensão e, na verdade, o tribunal a quo reconhece que o proc. 4453/21.5T8LSB em que se peticiona a anulação do testamento “é prejudicial em relação ao presente incidente na medida em que, caso o testamento seja anulado, a requerente I…, deixará de ter a qualidade de testamenteira e representante comum dos herdeiros na cotitularidade da quota societária e, por conseguinte, deixará de poder ser habilitada nos autos para prosseguir a ação principal em representação dos herdeiros.”.
9ª)-Acresce que a sociedade tem logrado prosseguir normalmente a sua atividade social até ao presente, pelo que a suspensão deste incidente não perturba e desenvolvimento da sua vida, nem foi apontada nenhuma vantagem na habilitação, pelo contrário, além da conclusão anterior, a habilitação da requerente num contexto de capital social dividido em duas quotas iguais, em que a requerente e o outro sócio se encontram em profundo litígio pessoal entre si, só impedirá esse regular funcionamento, prejudicando definitivamente a sociedade.
10ª)-Além disso, a anulação do testamento (no proc. 4453/21.5T8LSB) tornará a decisão de habilitação inútil e até, como se expôs, causará prejuízos à sociedade, enquanto a suspensão não traz nenhum prejuízo, razões pelas quais, não se verificando nenhum dos obstáculos à suspensão previstos no art.272º nº1 do CPC, 22 deve ser ordenada a suspensão da instância até que seja decidida aquela questão prejudicial.
11ª)-Desta feita, o indeferimento da suspensão assenta numa errada interpretação e aplicação do art.354º do CPC, porquanto a presente questão se subsume às normas do art.272º do CPC e, por isso, tal segmento decisório deve ser alterado, passando a determinar a suspensão da presente instância até que seja decidida a questão da invalidade do testamento objeto do processo 4453/21.5T8LSB do Tribunal de Lisboa–Juízo Central Cível de Lisboa–Juiz 19.
12ª)- O tribunal a quo declara que, ao abrigo do art.351º do CPC, a habilitação “deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes”, mas ao concluir que “improcede a invocada exceção de ilegitimidade passiva”, parece confundir a questão da legitimidade processual para o presente incidente com a questão da legitimidade (título) para representar os cotitulares da quota na ação principal.
13ª)-No que respeita à legitimidade para representar os cotitulares da quota, importa salientar que a meação indivisa da quota do sócio falecido pertence em exclusivo a M… enquanto meeira, qualidade essa que lhe confere o direito próprio do qual resulta o seu interesse direto em demandar ou em contradizer, donde resulta que, nos termos do art.30º do CPC, só M…. tem legitimidade para demandar ou contradizer em ação atinente à quota, não tendo o cabeça de casal poderes suficientes para, nessa qualidade, representar todos os cotitulares da dita quota.
14ª)-Posto isto e no que concerne à legitimidade para o incidente, determinando o art.351º e o art.354º do CPC que a habilitação deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido (na sua meação) que não forem requerentes, o processo em que se discute a questão da habilitação de sucessor processual deve ser instaurado contra todos os sucessores do falecido, pelo que nos termos do art.33º do CPC, não propor a habilitação contra a meeira sobreviva e contra todos os herdeiros consubstancia falta de intervenção de todos os interessados na habilitação em causa, ou seja, exceção de preterição de litisconsórcio necessário passivo no incidente, a qual implica absolvição da instância (arts.576º e 577º do CPC).
15ª)-Assim, a sentença em recurso, ao concluir pela improcedência da invocada exceção de ilegitimidade passiva do incidente assenta na errada a interpretação e aplicação das normas dos arts.2079º e 2091º do CC e dos arts.30º, 351º, 354º e 33º do CPC, devendo, por isso, ser alterada no sentido de declarar que a falta de instauração do presente incidente contra a meeira e todos os herdeiros do falecido titular da quota da sociedade requerida constitui preterição de litisconsórcio necessário, exceção de ilegitimidade passiva que determina a absolvição dos requeridos do presente incidente.
16ª)-Considerando que se encontra judicialmente impugnado o testamento e que, além do mais, a requerente, face ao regime do art.2080º nº4 do CC, não é a cabeça de casal, nem nessa qualidade teria legitimidade para representar a meeira, a requerente não representa todos os cotitulares da dita quota e, portanto, não tem legitimidade para substituir o seu falecido pai na ação.
17ª)-Por estas razões, a sentença do tribunal a quo que habilita a requerente padece de erro quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas em que assentou, viola as normas dos arts221º e 223º nº1 do CSC e do art.2080º nº4 do CC, pelo que deve ser alterada no sentido de concluir que a requerente não tem legitimidade para substituir na ação o falecido autor e, por isso, não pode ser aqui habilitada em substituição do autor falecido para prosseguir os termos da demanda.
18ª)-Finalmente, a sentença também deve ser corrigida em conformidade, absolvendo-se o apelante das custas.
Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo e substituída por outra que:
a)-determine a suspensão da presente instância até que seja decidida a questão da invalidade do testamento objeto do processo 4453/21.5T8LSB do Tribunal de Lisboa–Juízo Central Cível de Lisboa–Juiz 19;
b)-caso assim não seja entendido, declare que a falta de instauração do presente incidente contra a meeira e todos os herdeiros do falecido titular da quota da sociedade requerida constitui preterição de litisconsórcio necessário passivo, ou seja, exceção de ilegitimidade passiva e, em consequência, determine a absolvição dos requeridos do presente incidente;
c)-e, caso também assim não seja entendido, conclua que a requerente não tem legitimidade e, por isso, não pode ser aqui habilitada em substituição do autor falecido para prosseguir os termos da demanda, e
d)-em consequência, absolva a requerida das custas. Mais requer a V. Exªs que, o abrigo do disposto no art.647º nº4 do CPC, seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso de apelação, admitindo a apelante a prestar a devida caução no valor de 30.000,01€, no prazo que lhe for fixado para esse fim.
Posteriormente o Requerido R…, veio, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 634º do Código de Processo Civil, aderir ao aludido recurso

A Requerente I…, apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:
1.ª-O presente recurso deve subir em separado, nos termos do artigo 645.º, n.º 1, al. c), a contrario sensu, e n.º 2, do C.P.C.
2.ª-A sentença sob recurso declarou a requerente, ora apelada, habilitada em substituição de F…, para assumir a posição processual deste e, assim, com ela prosseguirem os termos da ação principal de convocação de assembleia de sócios. Nada mais.
3.ª-Por outro lado, a apelante indicou o valor da caução a prestar (€30.000,01), mas não o modo por que a quer prestar, conforme impõe o art. 913.º, n.º 1, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 915.º, n.º 1, do mesmo código.
4.ª-Assim sendo, deve ser indeferido, por ser manifestamente improcedente, o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso de apelação.
5.ª-Tendo sido notificada em 20-10-2022, na pessoa da sua mandatária, da junção aos autos da declaração de escusa do cargo de cabeça de casal assinada por M…, a requerida, ora apelante, tinha o prazo de 10 dias, contado dessa notificação, para, ao abrigo do n.º 1 do art. 444.º do C.P.C., arguir a falsidade da assinatura, pelo que o direito da apelante de arguir essa falsidade e, consequentemente, a do respetivo reconhecimento presencial por advogado estagiário, extinguiu-se por preclusão.
6.ª-O relatório pericial junto com a alegação da apelante constitui um parecer de um técnico e não um documento, pelo que, tendo em conta a interpretação conjugada dos art.ºs 426.º e 651.º do C.P.C., só poderia ter sido junto até à prolação da sentença recorrida.
7.ª-A decisão sobre a matéria de facto não merece qualquer censura.
8.ª-Não há lugar à suspensão do presente incidente por prejudicialidade da ação de anulação do testamento, conforme se infere do disposto no n.º 2 do art. 354.º do C.P.C.
9.ª-Na comunhão conjugal, os bens comuns constituem uma massa patrimonial pertencente aos dois cônjuges em bloco, sendo os dois titulares de um único direito sobre ela: metade do valor do património comum e não metade de cada bem em concreto.
10.ª-Por esse motivo, M…, que foi casada com o falecido F… no regime da comunhão geral, não é titular de metade da quota indivisa por este deixada e, logo, não tem um direito de ação correspondente à titularidade de uma parte dessa quota.
11.ª-O incidente de habilitação de sucessor visa determinar quem tem a qualidade que o legitime a substituir a parte falecida, qualidade essa que pode ser a de herdeiro ou outra, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art. 353.º do C.P.C.
12.ª-A requerente tem a qualidade de representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por F…, com poderes de disposição, e essa qualidade (e não a de herdeira) legitima-a para substituir o falecido requerente, seu Pai, nos termos do art. 222.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
13.ª-Sendo a requerente, ora apelada, a única sucessora do seu falecido Pai (embora não seja a sua única herdeira) para o efeito de o substituir nos autos da ação principal, ou seja, não havendo outros sucessores para esse efeito, não tinha de (nem devia) deduzir o incidente contra a sua Mãe, tendo em conta o disposto no art. 351.º, n.º 1, do C.P.C.
14.ª-O disposto no artigo 354.º, n.º 2, do C.P.C. aplica-se apenas às habilitações de herdeiros, e não à habilitação de outros sucessores de parte falecida (como é o caso do representante comum dos herdeiros contitulares da quota).
15.ª-A requerente, ora apelada, tem legitimidade (ou legitimação) substantiva para, na relação com a sociedade requerida (“perante a sociedade”), exercer os direitos inerentes à quota deixada pelo seu falecido Pai, nos termos dos art.ºs 222.º, n.º 1, e 223.º, n.ºs 5 e 6, do C.S.C.
16.ª-O facto legitimador é, no caso vertente, a sua nomeação, por via testamentária, como representante comum dos herdeiros contitulares da quota, com poderes de disposição (e não a titularidade da quota).
17.ª-Cabe, por isso, à ora apelada, como representante comum dos contitulares da quota, e não aos herdeiros, a legitimidade processual para instaurar ação especial de convocação de assembleia de sócios e, por igualdade de razão, cabe-lhe também só a ela a legitimidade para substituir na ação principal o falecido requerente, F…, seu Pai.
Termos em que deve o recurso de apelação interposto pela requerida M., Lda ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.

Por despacho proferido dia 10/03/2023 decidiu-se:
“Por legal e tempestivo admito o recurso interposto da sentença datada de 19.11.2022 (ref. 420489464), que é de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos (artigo 627.º n.º 1, 629.º n.º 1, 631.º n.º 1, 638.º n.º 1, 644.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, e 645.º, n.º 1, al. a), todos do C.P.C.).
No requerimento de interposição veio a recorrente requerer que seja conferido efeito suspensivo ao recurso.
Cumpre apreciar.
De acordo com o regime geral previsto no Código Civil o efeito do recurso de apelação é o devolutivo – art. 647.º, n.º 1.
Todavia, o n.º 2, 3 e 4, do art. 647.º prevê determinadas situações de exceção, sendo que no caso apenas nos interessa atender à previsão do n.º 4, já que o caso dos autos não se enquadra em nenhuma das situações enunciadas nos outros números.
Assim, dispõe o n.º 4 do art. 647.º que: “Fora dos casos previstos no número anterior, o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe causa prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo Tribunal.”
Sucede que a recorrente apenas alegou que a execução imediata da substituição processual prejudicará o regular funcionamento da sociedade colocando em risco a sua atividade, sem alegar quaisquer factos reveladores de qualquer prejuízo.
Acresce que a alegada situação de profundo litígio já se encontrava subjacente à ação, não emergiu ex novo mediante a habilitação.
Ora, para a atribuição casuística do efeito suspensivo ao recurso não basta invocar o conceito indeterminado “prejuízo considerável”, é necessário alegar os correspondentes factos integradores.
Nesta conformidade, e porque a atribuição excecional de efeito suspensivo ao recurso impunha a alegação de uma situação de efetivo e considerável prejuízo, a qual não foi sequer alegado, indefere-se o requerido.
Assim, confere-se efeito devolutivo ao recurso.
Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Notifique”.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
***

II.Foram os seguintes os factos considerados provados em 1ª instância:
1.F…, autor nos presentes autos, faleceu em 02 de Dezembro de 2020, no estado de casado com M…;
2.I… e R… são filhos de F….
3. F… outorgou testamento público, em 01.08.2019, no Cartório Notarial de R.J…em Lisboa, mediante o qual:
- instituiu herdeira da quota disponível dos seus bens, a sua filha I…;
- nomeou sua testamenteira a sua filha, com atribuições previstas na lei e, ainda, designando-a como representante comum dos herdeiros contitulares da quota do testador na sociedade M., Lda., por sua morte, ao abrigo do disposto no artigo 223.°, n.° 1 a 6, do Código das Sociedade Comercias, podendo essa exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, incluindo poderes de disposição, podendo, assim, praticar atos que importem a extinção, alineação ou oneração da dita quota, aumento de obrigações e renuncia ou redução dos direitos dos sócios.
-deserdou o seu filho R…, caso venha a ser condenado pela prática do crime de difamação do testador, agravada nos termos do art. 183.°, n.° 1, al. b), do Código Penal, no processo que corre sob o número 1931/18.7PU LSB, que teve início com a queixa por mim apresentada em 14.12.18.

***
           
IV.As questões de que cumpre conhecer consistem em saber:
- se é admissível a junção aos autos do documento apresentado com as alegações;
- se é caso de revogar a decisão que indeferiu a requerida suspensão da instância;
- se ocorre uma situação de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário;
- se é caso de alterar a decisão sobre a matéria de facto;
- se é caso de revogar a sentença recorrida.
***

V.–O Direito:
Da questão da junção de documento com as alegações:
Com as alegações de recurso, o apelante juntou um relatório pericial para impugnar a assinatura constante da “Declaração de Escusa do Cargo de Cabeça de Casal”.
Dispõe o art. 651º, n.º 1, do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425 ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Diz o apelante que:
-Foram juntos aos autos, pela requerente, como contra-prova, uma declaração de escusa do cargo de cabeça de casal supostamente subscrita pela viúva, M… a 1-mar-2021.  (conclusão 5ª)
-A requerente não alicerçou o seu pedido nesta última declaração, pelo que só perante o teor da decisão em recurso se tornou necessário provar a falta de genuinidade da assinatura da viúva nessa declaração através da junção, como DOC.1 – que aqui requer ao abrigo do art.651º nº1 parte final do CPC – do relatório pericial relativo à “Assinatura aposta em Declaração de Escusa do Cargo de Cabeça de Casal, passada no Cartório Notarial de Lisboa do Dr. R.J…, em 01.03.2021” que conclui que “Atendendo à relevância das diferenças, pericialmente pertinentes, verificadas entre as várias assinaturas Autênticas e a Contestada, conclui-se que, provavelmente, esta última assinatura não saiu, parcial ou totalmente, do punho de D. M….” (conclusão 6ª).
Vejamos.
Após ter sido notificada da contestação deduzida nos autos, a Requerente juntou, entre outros, um documento, que constitui uma “Declaração de Escusa do Cargo de Cabeça de Casal”, dizendo encontrar-se assinado por M… .
Esse documento foi notificado aos Requeridos, os quais silenciaram.
O aludido documento contém o reconhecimento presencial da assinatura da referida M… .
Esse reconhecimento foi efectuado por D…, advogado estagiário, nos termos do disposto no art. 38º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março e Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho, tendo sido aposto no mesmo reconhecimento o respectivo número de registo.

Dispõe o citado art. 38º:
1- Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
2- Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
3- Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
4- Enquanto o sistema informático não estiver disponível, a obrigação de registo referida no número anterior não se aplica à prática dos actos previstos nos Decretos-Leis n.os 237/2001, de 30 de Agosto, e 28/2000, de 13 de Março.
5- O montante a cobrar, pelas entidades mencionadas no n.º 3, pela prestação dos serviços referidos no n.º 1, não pode exceder o valor resultante da tabela de honorários e encargos aplicável à actividade notarial exercida ao abrigo do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro.
6- As entidades referidas no n.º 1, bem como os notários, podem certificar a conformidade de documentos electrónicos com os documentos originais, em suporte de papel, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
7- As entidades mencionadas no número anterior podem proceder à digitalização dos originais que lhes sejam apresentados para certificação.

Ora, na acção (e nas alegações recursivas), os requeridos nada alegaram sobre se esse reconhecimento era verdadeiro ou falso.

E dispõe o art. 375º, n.ºs 1 e 2, do C. Civil que:
1.Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras.
2.Se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade.”
De sua vez, estatui o n.º 1 do art. 376º do mesmo diploma que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.

Assim, o reconhecimento presencial da assinatura é um dos meios legalmente previstos para o estabelecimento da autoria de um documento.
Deste modo, perante aquele reconhecimento presencial da assinatura, constante da autenticação, ao autor incumbia alegar e provar a falsidade do mesmo, mostrando não ser verdadeiro o reconhecimento (arts. 347 e 372, ambos do CC).

Para tanto não basta a alegação, em sede de alegações de recurso, de que:
6ª)–A requerente não alicerçou o seu pedido nesta última declaração, pelo que só perante o teor da decisão em recurso se tornou necessário provar a falta de genuinidade da assinatura da viúva nessa declaração através da junção, como DOC.1 – que aqui requer ao abrigo do art.651º nº1 parte final do CPC – do relatório pericial relativo à “Assinatura aposta em Declaração de Escusa do Cargo de Cabeça de Casal, passada no Cartório Notarial de Lisboa do Dr. R.J…, em 01.03.2021” que conclui que “Atendendo à relevância das diferenças, pericialmente pertinentes, verificadas entre as várias assinaturas Autênticas e a Contestada, conclui-se que, provavelmente, esta última assinatura não saiu, parcial ou totalmente, do punho de D. M….”

E também não basta, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, solicitar que se dê como provado que:
7º)– Face a todos estes documentos, ao abrigo do art.607º nº4 do CPC que impõem o dever de tomar em consideração todos os factos provados por documento e, por outro lado, o dever de selecionar para a matéria de facto a considerar na sentença toda aquela factualidade que seja relevante para a decisão da causa  segundo as várias soluções plausíveis de direito (por ex: o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo 5900/20.9T8PRT-A.P1 de 24-mai-2021), ao deixar de incluir na matéria assente tais factos, o tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, devendo a sentença ser alterada em conformidade, passando a conter entre a matéria provada os seguintes novos pontos:
(…)
6.Com data de 1-mar-2021 é subscrita uma declaração de renúncia ao cargo de cabeça de casal e atribuição dessas funções à requerente, supostamente por M…, assinatura que relatório pericial concluiu que “Atendendo à relevância das diferenças, pericialmente pertinentes, verificadas entre as várias assinaturas Autênticas e a Contestada, conclui-se que, provavelmente, esta última assinatura não saiu, parcial ou totalmente, do punho de D. M...”
É que, conforme dispõe o art. 347º do Cód. Civil, “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”.
Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela (C. Civil Anotado, Volume I, pág. 310) “para se admitir prova em contrário, a lei exige nalguns casos que se alegue e prove a falsidade do meio de prova (cfr. art. 372º nº 1, art. 376º e nº 2 do art. 393º)”, ou seja, para o que aqui releva, em relação a um documento particular, cuja assinatura esteja reconhecida presencialmente, para que se possa admitir prova em contrário, será necessário que se argua e prove a falsidade do reconhecimento (vide arts. 375º, n.º1. e 376º nº 1).
Sem essa arguição não é legalmente possível produzir prova testemunhal ou pericial tendente a demonstrar que não foi M… quem assinou o documento em referência (declaração de escusa do cargo de cabeça de casal), cuja autoria se encontra reconhecida por um advogado estagiário.
Deste modo, o documento em referência, para além da sua junção não se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, é inócuo para a decisão a proferir nos autos.
Consequentemente, não é admissível a junção aos autos do documento apresentado com as alegações de recurso (relatório pericial).
***

Do enquadramento das demais questões postas na apelação:
Do alegado (e provado) flui que no dia 2/12/2020 faleceu F…, autor da acção especial de convocação de assembleia geral da Requerida M., Lda, da qual aquele era sócio.
E, fazendo fé no transcrito no Acórdão proferido nos autos de providência cautelar de suspensão de deliberações sociais n.º 8187/21.2T8LSB-A, consta do pacto social daquela sociedade o seguinte:

Artigo Décimo Primeiro
A sociedade poderá amortizar quotas nos casos seguintes:
a)- Por acordo;
b)- Por morte ou interdição de qualquer sócio, se a sociedade assim o deliberar;
c)- A quota do sócio que deixe de cumprir as suas obrigações sociais, nomeadamente a entrada de prestações suplementares de capital, ou prejudique a sociedade no seu interesse ou crédito;
d)- A quota que for arrestada, penhorada, arrolada, dada em penhor ou por qualquer forma sujeita a apreensão ou venda judiciais.
Parágrafo 1.º Nos casos previstos nas alíneas b), c) e d) do presente artigo, o preço da amortização será o valor de balanço, especialmente dado para o efeito, for atribuído a quota a amortizar, acrescido da quota-parte nos fundos de reserva legal e especiais.
Parágrafo 2.º O pagamento do valor da quota assim obtido será pago em quatro prestações semestrais.”

Acontece que a deliberação de amortização da quota do falecido, tomada na assembleia geral realizada dia 22 de Fevereiro de 2021, foi judicialmente impugnada, tendo sido decretada, com trânsito em julgado, a suspensão da execução dessa deliberação.

Até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção definitiva (a qual acarretará a extinção da quota, por amortização, com o inerente pagamento da contrapartida devida aos herdeiros, em caso de improcedência dessa acção, ou a transmissão definitiva para a herança da quota, em caso de procedência da acção), e de acordo com o disposto no art. 227 n.ºs 2 e 3 do CSC, encontram-se suspensos temporariamente os direitos inerentes à quota.

Estatui essa disposição legal:
2– Os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efectivar a amortização ou aquisição dela nos termos previstos nos artigos anteriores ou enquanto não decorrerem os prazos ali estabelecidos.
3 Durante a suspensão, os sucessores poderão, contudo, exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade.

Ainda assim, a quota encontra-se integrada, precária e provisoriamente (ad tempus ou sob condição resolutiva), no património indiviso do de cujus – Remédios Marques, Código das Sociedades Comerciais, Em Comentário, Almedina, pags. 453 e 455; no mesmo sentido Raul Ventura, Sociedade por Quotas, volume 1º, 2ª edição, pag. 571
Ora, havendo pluralidade de herdeiros e enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social.
É essa a situação que se verifica no caso em apreciação, posto que resulta do alegado (e provado) nos autos serem herdeiros do falecido F…, a sua mulher M… e os seus dois filhos, I…, nascida a 25/03/1965, e R…, nascido a 5/10/1959.
Em face do óbito daquele e da inerente suspensão da instância decretada na acção principal, veio I…, invocando a qualidade de representante comum dos herdeiros contitulares da quota societária deixada pelo falecido F…, enquanto testamenteira, deduzir incidente de habilitação contra os réus da acção especial para convocação de assembleia (sociedade M., Lda e R…), pedindo que seja “habilitada como sucessora do falecido F…, para assumir a posição processual deste e, assim, com ela prosseguirem os termos da demanda”.

Ora, como se assinalou na sentença recorrida, a instância modifica-se quanto às pessoas, entre outros fundamentos, em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio - art. 262.°, alínea a), do Código de Processo Civil.
Cuida-se neste incidente de apurar quem tem a qualidade legitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa ou antes da sua propositura, sendo o direito substantivo que estabelece quem a substitui na relação jurídica substantiva que constitui o objecto do litígio” – cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 4ª edição, pag. 235.

Ora, é indubitável que no caso nos encontramos perante a 1ª das aludidas situações (sucessão na relação jurídica substantiva em litígio).
E, como vimos, o direito substantivo estabelece que os direitos inerentes à quota do falecido se transmitiram aos seus herdeiros.
É certo que o sucessor não é necessariamente o herdeiro do falecido; pode ser outra pessoa, porque pode dar-se o caso de o interesse, título de legitimidade, ter passado não para o herdeiro do falecido, mas para pessoa diversa – A. Reis, Comentário, 3º vol., pag.  304. É o caso do falecimento do usufrutuário em acção proposta por este contra um terceiro, na qual se peticiona a entrega do prédio. Nessa situação o sucessor do usufrutuário é o proprietário – A. Reis, CPC Anotado, vol 1º, pag. 584.

Porém, na situação em apreciação, o título justificativo da habilitação deriva da qualidade de herdeiro, pois que é dessa qualidade que decorre a contitularidade da quota, se bem que, existindo vários herdeiros, estes, na relação com a sociedade, tenham de exercitar os direitos inerentes à quota através de um representante comum, o qual não tem necessariamente de ser um herdeiro, podendo ser um terceiro, como pode ocorrer no caso de nomeação de um testamenteiro (arts. 222º, n.º 1, do CSC e 2320  e 2321 do C. Civil).

Na verdade, os direitos inerentes à quota não se transmitiram para o representante comum dos contitulares do direito à quota ainda que este seja o testamenteiro.
Este não é mais do que um representante comum dos herdeiros designado pelo falecido.

Assim, dispõe o citado art. 222º, n.º 1:
“Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum”.

Assinala Menezes Cordeiro (Manual de Direito das Sociedades, II volume, pag. 332) que “o representante comum, previsto para enquadrar o exercício dos direitos inerentes às quotas indivisas, não é um mero “representante”. Além dos poderes de representação propriamente ditos, ele dispõe de todo um estatuto quanto aos actos que pode praticar e, eventualmente, quanto ao sentido do seu exercício. Trata-se, pois, de um prestador de serviços, inserido numa típica situação de mandato.
A designação mais correcta seria, pois, a de um mandatário comum, dotado de poderes de representação. E a todo o seu desempenho aplicam-se, supletivamente, as regras do mandato e da representação (1157º e seguintes e 258º. E seguintes  do Código Civil). Mandantes serão, aqui, os diversos contitulares representados”. No mesmo sentido se pronuncia Remédios Marques, Código das Sociedades Comerciais, Em Comentário, Almedina, pag. 431.
É, pois, este mandatário comum quem representa os contitulares da quota nas relações com a sociedade, no que toca aos direitos inerentes à quota.
E sendo assim, as pessoas a habilitar são os herdeiros do falecido, os quais intervirão na acção através do “representante comum”, a determinar na sentença.
Ocorre de algum modo uma situação paralela à que se verifica quando o sucessor do falecido é um herdeiro menor, o qual é habilitado no incidente, mas intervém na acção através do seu legal representante.
Feito este enquadramento jurídico do presente incidente de habilitação, importa conhecer das questões postas no recurso.

Da questão da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial:
Na decisão recorrida, indeferiu-se a requerida suspensão da instância, esgrimindo-se a seguinte fundamentação:
Estabelece o art. 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Por sua vez, o n.º 2, estatui que “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”.
Por causa prejudicial entende-se aquela que tem por objeto uma pretensão que constitui pressuposto do pedido formulado na segunda ação.
Por outras palavras, conforme defendia Alberto dos Reis, “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”, i. e “sempre que numa ação se ataca um ato ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra ação, aquela é prejudicial em relação a esta” (in "Comentário ao Código de Processo Civil", vol. III).
O poder do juiz para determinar a suspensão da instância por causa prejudicial é um poder-dever que se integra no poder de direção do processo, sendo sindicável judicialmente, por não ser discricionário, embora atribua ao juiz uma grande liberdade na integração dos critérios previsto no art. 272.º do C.P.C., relativamente à utilidade e conveniência processual da suspensão;
Ora, conforme resulta da certidão junta aos autos, no processo n.º 4453/21.5T8LSB, que corre termos no Juiz 18 do Juízo Central Cível de Lisboa, em que é autor R…. e ré I…, é peticionado que seja anulado o testamento outorgado no dia 1 de agosto de 2019 pelo “de cujus”, F…, a favor da ali ré, por ter sido determinado por dolo da beneficiária e por coação moral.
Com efeito, considerando o objeto daquela ação estamos em crer que a mesma é prejudicial em relação ao presente incidente na medida em que, caso o testamento seja anulado, a requerente I…, deixará de ter a qualidade de testamenteira e representante comum dos herdeiros na cotitularidade da quota societária e, por conseguinte, deixará de poder ser habilitada nos autos para prosseguir a ação principal em representação dos herdeiros.
Todavia, julga-se que a prejudicialidade em causa não justifica, a nosso ver, a suspensão da instância incidental, considerando além do mais o regime especial previsto no art. 354.º do C.P.C., que no caso de dúvida quanto à qualidade de herdeiro permite a habilitação e, consequentemente, o prosseguimento da lide.
Na verdade, impor a paralisação da ação principal quando apenas está em causa a nomeação do representante dos herdeiros cotitulares da quota societária – quando essa designação em alguns casos pode ser atribuída ao Tribunal – e permitir que o processo prossiga quando não está definitivamente assente a própria qualidade do sucessor, afigura-se-nos uma solução pouco congruente à luz do sistema.
Por outro lado, o efeito útil que a eventual procedência daqueloutra ação – determinando a habilitação de outro cabeça de casal para intervir nesta ação em substituição do falecido – possa ter neste processo principal poderá ser inexistente, considerando o alegado pelo requerido no sentido que se encontra de relações cortadas com a sua mãe, a quem caberia o cabecelato em lugar da requerente, pois certamente a condução da ação não seguiria um rumo diverso, considerando que a requerente e a viúva representam a maioria na titularidade da quota.
Acresce que, no caso, a paralisação do presente incidente significaria um injustificado atraso para o prosseguimento da ação principal, cujo objeto, não interferindo com questões de relevo quanto à sociedade e aos sócios, é imperativa para o regular funcionamento da sociedade, na medida em que a reunião em assembleia geral de sócios constituiu um pilar essencial na dinamização da vida societária.
Termos em que, pelos fundamentos expostos, decide-se não suspender a presente instância”.

Dissentindo, sustenta a apelante que:
– O art.354º do CPC, não contempla nenhuma circunstância que impeça a suspensão da instância (conclusão 8ª);
- A sociedade tem logrado prosseguir normalmente a sua actividade social até ao presente, pelo que a suspensão deste incidente não perturba e desenvolvimento da sua vida, nem foi apontada nenhuma vantagem na habilitação, pelo contrário, além da conclusão anterior, a habilitação da requerente num contexto de capital social dividido em duas quotas iguais, em que a requerente e o outro sócio se encontram em profundo litígio pessoal entre si, só impedirá esse regular funcionamento, prejudicando definitivamente a sociedade (conclusão 9ª);
- Além disso, a anulação do testamento (no proc. 4453/21.5T8LSB) tornará a decisão de habilitação inútil e até, como se expôs, causará prejuízos à sociedade, enquanto a suspensão não traz nenhum prejuízo, razões pelas quais, não se verificando nenhum dos obstáculos à suspensão previstos no art.272º nº1 do CPC, 22 deve ser ordenada a suspensão da instância até que seja decidida aquela questão prejudicial (conclusão 10ª).

Vejamos.

Quando está em causa a sucessão dos herdeiros do falecido, dispõe o art. 354º, n.º 2, do CC (art. 374º, n.º 2, do CPC anterior):
Quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de alguma causa ou de questões que devam ser resolvidas noutro processo, a habilitação é requerida contra todos os que disputam a herança e todos são citados, mas o tribunal só julga habilitadas as pessoas que, no momento em que a habilitação seja decidida, devam considerar-se como herdeiras; os outros interessados, a quem a decisão é notificada, são admitidos a intervir na causa como litisconsortes dos habilitados, observando-se o disposto nos artigos 313.º e seguintes.
Este normativo tem essencialmente a ver com o facto de, ao tempo da decisão do incidente de habilitação, ainda estar pendente a causa de cujo desfecho depende a qualidade de herdeiro, pois se nessa altura a referida acção já houver atingido o seu termo, então a habilitação tem de ser decidida de harmonia com o disposto do n.º 1, ou seja, em termos definitivos.
Visa-se evitar a discussão simultânea no incidente e na acção própria da mesma questão de saber se uma pessoa é ou não herdeira de outra, e daí que só seja aplicável quando aquela acção esteja proposta, isto é, pendente ao tempo da dedução do incidente de habilitação provisória” –Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 4ª edição, pag. 256. 
Como refere A. Reis (CPC Anotado, vol. I, pag. 596): “Devem ser habilitados aqueles que, no momento da habilitação, são os herdeiros, embora possam a vir a perder essa qualidade. E os que porventura lha tirarão são admitidos a acompanhar o processo”.

E mais adiante acrescenta:
“Nem pode admitir-se que o incidente de habilitação fique suspenso até que se julguem as acções; nem pode pretender-se que o juiz haja de atender, na decisão do incidente, ao pedido que se formula nas acções referidas” (acção de anulação de testamento ou de investigação da paternidade e casos semelhantes).
A única solução aceitável é esta: o juiz decide o incidente em harmonia com o status quo, quer dizer, atribui a qualidade de herdeiros às pessoas que no momento a têm, aos herdeiros instituídos, em testamento, se há sucessão testamentária, aos herdeiros legítimos, se a sucessão é legítima.
Por outras palavras, o juiz abstrai dos pleitos que estejam pendentes e habilita como sucessores as pessoas que naquele momento devam ser considerados os herdeiros do falecido. (…)
Os “outros interessados” são evidentemente aqueles que disputam a qualidade de herdeiros e aspiram a ela”.

Significa isto que, nos casos contemplados no citado normativo, a lei impõe ao juiz que se abstraia dos pleitos que estejam pendentes e decida a habilitação de harmonia com o “status quo”, não podendo, consequentemente, o tribunal suspender a instância com fundamento em pendência de causa prejudicial (acção de anulação de testamento ou outra).
Assim, à semelhança do que ocorre quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de uma causa, por aplicação extensiva do art. 354º, n.º 2, do CPC, o tribunal apenas pode julgar representante comum dos herdeiros a pessoa que no momento em que a habilitação é decidida seja designado por lei ou disposição testamentária (art. 223º, n.º 1, do CSC).

E se, já depois da prolação da sentença de habilitação, vier a proceder a acção de anulação do testamento, deverá proceder-se, se for caso disso, à substituição do representante comum dos herdeiros.  

Conclui-se, pois, que a pendência da acção de anulação do testamento não obsta ao prosseguimento do incidente de habilitação, carecendo de fundamento legal a requerida suspensão da instância.

Improcede assim o recurso da decisão que indeferiu a suspensão da instância.

Quanto à questão da legitimidade:
Entendeu-se na sentença recorrida:
“Segundo dispõe o art. 262.°, alínea a), do Código de Processo Civil, a instância modifica-se quanto às pessoas, entre outros fundamentos, em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio.
I…, filha do falecido, é sua sucessora, na qualidade de herdeira legitimária (cf. art. 2132.° e 2133.°, n.° 1, alínea a), do Código Civil).
Por outro lado, de acordo com o testamento outorgado pelo falecido, a requerente foi constituída testamenteira e representante dos herdeiros contitulares da quota do falecido na sociedade ré, cumulando por força do disposto nos art. 2326.º do C.C. as funções de cabeça-de-casal.
Por último cumpre ter presente, tal como referido no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no proc. n.º 8187/21.2T8LSB, supra já referido, que nos casos do exercício de direito sociais, como sucede nesta ação, “enquanto a herança permanecer indivisa, passa a existir uma situação de contitularidade da quota, cujo regime está regulamentado nos artigos 222º a 224º do CSC.
Ora, “se existe contitularidade por morte de sócio que deixa vários herdeiros, o exercício dos direitos de sócio deve ter lugar através de representante comum.
E, se houver cabeça-de-casal, será este o representante comum designado por lei.” …
Como refere PINTO FURTADO, “a regra é, portanto, nas relações com a sociedade, o exercício dos direitos através do representante comum, e não em conjunto – e compreende-se bem que assim seja, porque a intervenção plural dos contitulares terá tendência a revelar-se embaraçosa para a actividade social”.
Assim, sendo a requerente, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do sócio falecido da sociedade ré e, simultaneamente, representante comum dos herdeiros contitulares da quota, por nomeação testamentária, está duplamente legitimada para exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, gozando de legitimidade substantiva e, consequentemente processual, para prosseguir a ação no lugar do autor.
Atento o exposto, conclui-se que I…. deve ser declarada habilitada em substituição do falecido, para através dela prosseguir a causa”.

Dissentindo, diz a apelante que, determinando o art.351º e o art.354º do CPC que a habilitação deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido (na sua meação) que não forem requerentes, o processo em que se discute a questão da habilitação de sucessor processual deve ser instaurado contra todos os sucessores do falecido, pelo que nos termos do art.33º do CPC, não propor a habilitação contra a meeira sobreviva e contra todos os herdeiros consubstancia falta de intervenção de todos os interessados na habilitação em causa, ou seja, exceção de preterição de litisconsórcio necessário passivo no incidente, a qual implica absolvição da instância (arts.576º e 577º do CPC) – conclusão 14ª.

A apelada contrapõe que:
- O incidente de habilitação de sucessor visa determinar quem tem a qualidade que o legitime a substituir a parte falecida, qualidade essa que pode ser a de herdeiro ou outra, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art. 353.º do C.P.C (conclusão 11ª);
- A requerente tem a qualidade de representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por F…, com poderes de disposição, e essa qualidade (e não a de herdeira) legitima-a para substituir o falecido requerente, seu Pai, nos termos do art. 222.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (conclusão 12ª);
- Sendo a requerente, ora apelada, a única sucessora do seu falecido Pai (embora não seja a sua única herdeira) para o efeito de o substituir nos autos da ação principal, ou seja, não havendo outros sucessores para esse efeito, não tinha de (nem devia) deduzir o incidente contra a sua Mãe, tendo em conta o disposto no art. 351.º, n.º 1, do C.P.C. (conclusão 13ª);
- O disposto no artigo 354.º, n.º 2, do C.P.C. aplica-se apenas às habilitações de herdeiros, e não à habilitação de outros sucessores de parte falecida (como é o caso do representante comum dos herdeiros contitulares da quota) – conclusão 14ª.

Vejamos.

Como supra assinalámos, o direito substantivo estabelece que, ainda que de forma precária e provisoriamente, o direito inerente à quota do falecido se transmitiu aos seus herdeiros.
É precisamente por isso que se verifica uma contitularidade de quota e, por via disso, a necessidade da nomeação de um representante comum, o qual exerce as funções de mandatário daqueles e não de titular de qualquer outro direito.
Daí que na sentença de habilitação devam ser habilitados para prosseguirem a acção os herdeiros do falecido, representados pelo mandatário comum, a indicar nessa sentença.
E assim sendo, tal como decorre do disposto no art. 351º, n.º 1, do CPC, a habilitação deve correr os seus termos com a intervenção de todos os herdeiros.
Trata-se de uma situação de litisconsórcio necessário do lado passivo – art. 33º do CPC.
Ora, não tendo sido demandado um dos herdeiros (M…, cônjuge do falecido), verifica-se uma situação de ilegitimidade dos outros requeridos – arts. 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, al. e) e 578º do CPC.
E tendo o Sr. Juiz convidado a Requerente a suprir esse vício, convite que a mesma declinou, mais não resta do que absolver os Requeridos da instância, por preterição de litisconsórcio necessário passivo – arts. 6º, n.º 2, 278º, n.º 1, al. d) do CPC.
Deste modo, fica prejudicado o conhecimento das demais questões postas na apelação.
Procede, assim, nesta parte a apelação, pelo que se revogará a sentença recorrida, com a absolvição dos Requeridos da instância.

As custas devidas em 1ª instância pelo incidente de habilitação, ficam a cargo da Requerente, enquanto parte vencida.
As custas do recurso (este abrangeu a decisão que indeferiu a suspensão da instância e a sentença) ficam a cargo dos apelantes e da apelada, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, atento o diferente decaimento de cada um.


Sumário:
1.–O reconhecimento presencial da assinatura é um dos meios legalmente previstos para o estabelecimento da autoria de um documento.
2.–Perante aquele reconhecimento presencial da assinatura, constante da autenticação, incumbia à contraparte suscitar incidente de falsidade do mesmo, mostrando não ser verdadeiro o reconhecimento (arts. 347 e 372, ambos do CC).
3.–Até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção definitiva de anulação da deliberação de amortização da quota do sócio falecido, encontram-se suspensos temporariamente os direitos inerentes à quota (art. 227 n.ºs 2 e 3 do CSC).
4.–Ainda assim, a quota encontra-se integrada, precária e provisoriamente (ad tempus ou sob condição resolutiva), no património indiviso do de cujus.
5.–Enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social, se bem que, existindo vários herdeiros, estes, na relação com a sociedade, tenham de exercitar os direitos inerentes à quota através de um representante comum, o qual não tem necessariamente de ser um herdeiro, podendo ser um terceiro, como pode ocorrer no caso de nomeação de um testamenteiro (arts. 222º, n.º 1, do CSC e 2320º e 2321º do C. Civil).
6.–Este não é mais do que um mandatário dos herdeiros.
7.–Assim, as pessoas a habilitar são os herdeiros do falecido, os quais intervirão na acção através do “representante comum”, a determinar na sentença.
8.–É precisamente por isso que se verifica uma contitularidade de quota e, por via disso, a necessidade da nomeação de um representante comum, o qual exerce as funções de mandatário daqueles e não de titular de qualquer outro direito.
9.– E assim sendo, tal como decorre do disposto no art. 351º, n.º 1, do CPC, a habilitação deve correr os seus termos com a intervenção de todos os herdeiros.
10.–À semelhança do que ocorre quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de uma causa, por aplicação extensiva do art. 354º, n.º 2, do CPC, o tribunal apenas pode julgar representante comum dos herdeiros a pessoa que no momento em que a habilitação é decidida seja designado por lei ou disposição testamentária (art. 223º, n.º 1, do CSC), não podendo, consequentemente, o tribunal suspender a instância com fundamento em pendência de causa prejudicial (acção de anulação de testamento ou outra).

*
V.– Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se:
a.-Não admitir a junção aos autos do documento junto com as alegações de recurso (relatório pericial);
b.-Julgar a apelação improcedente, no que toca à decisão de indeferimento da suspensão da instância, confirmando-se a decisão recorrida;
c.-Julgar a apelação em parte procedente, no que toca à sentença recorrida, revogando-se a mesma, absolvendo-se os Requeridos da instância, por ilegitimidade passiva;                                                                          
d.-Custas devidas em 1ª instância pelo incidente de habilitação pela Requerente;
e.-Custas da apelação pelos apelantes e apelada, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente;
f.-Notifique.


Lisboa, 5 de Setembro de 2023


(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques - 2ª Adjunta)