PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PROFISSÃO LIBERAL
REQUISITOS
COVID-19
CONTAGEM DE PRAZOS
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
QUESTÃO NOVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
LEI APLICÁVEL
PANDEMIA
Sumário


I - Não se aplica o prazo curto de prescrição previsto no art. 317.º, al. c), do CC, quando não estão em causa “crédito créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes”.
II - O conhecimento das causas de suspensão da prescrição estabelecidas nas leis Covid-19 não significa conhecimento de questão nova quando aquelas apenas são invocadas pelo credor nas alegações do seu recurso de apelação.
III - São de conhecimento oficioso, porquanto se relacionam com constrangimentos ao funcionamento do sistema de justiça derivados da situação epidemiológica.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I – Relatório

1. AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, CC e DD, pedindo que os Réus sejam condenados solidariamente a pagar ao Autor, as seguintes quantias:

a) 149.639,32 € (cento e quarenta e nove mil seiscentos e trinta e nove euros e trinta e dois cêntimos) valor equivalente a 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) referente à cláusula décima primeira;

b) 44.891,80 € (quarenta e quatro mil oitocentos e noventa e um euros e oitenta cêntimos, valor equivalente a 9.000.000$00 (nove milhões de euros) a que se refere a cláusula Nona;

c) 38948,86€ (trinta oito mil novecentos e quarenta oito euros e oitenta seis cêntimos) relativo a juros de mora dos últimos cinco anos, à taxa de 4% ao ano, contabilizados até à presente data, acrescidos dos juros até à efetivo e integral pagamento das quantias peticionadas.

d) custas do processo e dos demais encargos legais.

2. Alega, para o efeito, que celebrou com os Réus, a 29 de setembro de 2000, um contrato em que, na Cláusula Terceira, estes acordaram entregar ao Autor “os trabalhos de execução dos cálculos de estabilidade (betão armado), projetos de águas e esgotos, de um edifício a construir no prédio acima referido”. (…) Apesar de se terem obrigado, na Cláusula Sétima, a “apresentar na Câmara Municipal de ... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projeto de arquitetura no prazo de 60 dias a contar desta data”, não o fizeram. O Autor interpelou os Réus, por carta registada datada de 12 de novembro de 2000, concedendo-lhes o prazo de trinta dias para o cumprimento da Cláusula Sétima do contrato, ou seja, para “apresentar na Câmara Municipal de... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projeto de arquitetura”. Na medida em que os Réus nada disseram, o Autor, por carta registada datada de 22 de março de 2001, denunciou “o incumprimento do contrato por parte dos Réus”. Nesse sentido, acionou a cláusula penal no valor de 30.000.000$00, acrescida do montante de 9.000.000$00, a que se refere a Cláusula Nona. A 1 de julho de 2008, o Réu CC vendeu à sociedade I..., Lda., com sede em ..., um terço indiviso; por sua vez os Réus BB e DD permutaram dois terços indivisos por quatro frações autónomas e treze lugares de garagem no edifício a construir pela sociedade I..., Lda.. A venda do imóvel pelos Réus, em 2008, consubstancia-se num incumprimento definitivo do contrato celebrado a 29 de setembro de 2000 com o Autor, conferindo-lhe o direito de resolver o contrato e, por sua vez, constituindo os Réus na obrigação solidária de lhe pagar o montante referido na Cláusula Nona, no valor de 44.891,80 €, que equivale a 9.000.000$00, acrescido do valor de 149.639,32 €, equivalente ao montante de 30.000.000$00 constante, por sua vez, da Cláusula décima Primeira.

3. O Autor AA solicitou a citação urgente dos Réus, nos termos do art. 561.º do CPC, alegando que o incumprimento do contrato teve lugar a 12 de dezembro de 2000 e que, segundo o art. 309.º do CC, o prazo ordinário de prescrição para a responsabilidade civil contratual é de vinte anos.

4. Este pedido foi deferido.

5. Os Réus BB e CC apresentaram contestação em que invocaram, além do mais, a prescrição do crédito do Autor, uma vez que foram citados para contestar a 2 e 22 de dezembro, respetivamente, e que o Autor ficou ciente do direito que lhe assistia, o mais tardar, a 28 de novembro de 2000 (sessenta dias após a conclusão, a 29 de setembro de 2000, do suposto “contrato”). Alegam também o pagamento do valor reclamado. Referem ainda o disposto no art. 317.º, al. c), do CC (, segundo o qual “os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes” “prescrevem no prazo de dois anos”). Pugnam pela procedência da exceção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.

6. Notificado para se pronunciar sobre a exceção ao abrigo do princípio do contraditório, o Autor referiu que interpelou os Réus, por carta registada datada de 12 de novembro de 2000, dando-lhes o prazo de trinta dias para cumprirem o estipulado na Cláusula Sétima do contrato, ou seja, para “apresentar na Câmara Municipal de ... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projeto de arquitetura.” Como os Réus nada disseram, o Autor, por carta registada datada de 22 de março de 2001, “denunciou” o incumprimento do contrato por parte daqueles. Por cautela de patrocínio, o Autor requereu a citação urgente dos Réus, justificando-a com a “preclusão” do seu direito a 12 de dezembro de 2000. Alega outrossim que não se aplica ao caso em apreço o disposto no art. 317.º, c), do CC. Conclui pela improcedência da exceção da prescrição.

7. Foi designada data para a audiência prévia e, gorada a tentativa de conciliação, fixou-se o valor da causa no montante de € 233.479,98.

8. No despacho saneador, o Tribunal de 1.ª Instância julgou a exceção da prescrição procedente e absolveu os Réus dos pedidos contra si formulados.

9. Não conformado, o Autor AA interpôs recurso de apelação.

10. Por sua vez, os Réus BB e CC apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

11. Por acórdão de 3 de novembro de 2022, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, conceder provimento à apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida que se substitui pela presente, que julga improcedente a exceção de prescrição, devendo os autos prosseguir os seus termos.

Custas a cargo dos recorridos (artº. 527º, nº. 1, do C.P.C.).”

12. Não conformados, os Réus BB e CC interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões:

1- Vem o presente recurso do douto acórdão produzido, com data 03/11/2022, pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que decidiu julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e, consequentemente, revogar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, substituindo-a por outra que julgou improcedente a exceção da prescrição e ordenou o prosseguimento dos autos.

2- O aludido aresto não traduz, com o devido respeito, um acertado Enquadramento técnico-jurídico (das questões submetidas à apreciação jurisdicional), ocorrendo, por via dele, violação de lei substantiva, por erro de interpretação ou de aplicação, com evidente repercussão negativa na esfera jurídica dos Réus.

3- A questão (meramente de direito) objeto deste recurso reconduz-se a saber se os créditos cujo pagamento vem pelo Autor peticionado devem ou não considerar-se prescritos, face ao disposto nos artigos 309º e 317º, alínea c), do Código Civil.

4- No douto acórdão do Tribunal “a quo” para além de se ter entendido não ter decorrido ainda o prazo da prescrição ordinária, mais se concluiu não ser aplicável ao caso em apreço o prazo da prescrição presuntiva de 2 (dois) anos, por se entender que o peticionado pelo A. não consubstancia um pedido de pagamento de honorários mas se funda, antes, na invocação do incumprimento do contrato.

5- No referido aresto do Tribunal “a quo” mais se entendeu não deverem ser atendidos os contra-argumentos aduzidos pelos Réus/Apelados nas contra-alegações do recurso de apelação, mormente quando aí se pugnava pela não admissibilidade da invocação, em sede recursiva, de causas de suspensão dos prazos da prescrição, quando certo é que o A., nem aquando da pronúncia quanto à exceção da prescrição nem em qualquer outro momento veio alegar, em sua defesa, como impeditivo da consumação do prazo da prescrição, a ocorrência de causas de suspensão (e consequente alargamento do prazo).

6- O princípio da concentração da defesa, previsto no artigo 573º do C. P. Civil, implica que todos os meios de defesa (salvo os casos de defesa superveniente) devem ser deduzidos na contestação ou, no caso das exceções, no articulado ou requerimento, de pronúncia, seguinte, ónus este que o Autor não cumpriu.

7- Os RR. e ora Recorrentes mantém, nesta sede, que por via do citado princípio (da concentração da defesa), a partir do momento da resposta à matéria de exceção ficou ao Autor precludida a possibilidade da invocação de outros meios de defesa.

8- A concentração dos meios de defesa, e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, estão intimamente ligados (para além do princípio do dispositivo) à estabilidade das decisões, bem como ao dever de lealdade e de litigância transparente e de boa fé (processual).

9- O princípio da preclusão ou da eventualidade configura um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado, assim como nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir, das razões de direito e das exceções, quanto à defesa – artigos 552º, nº 1, alínea d), e 573º, nº1, do Código de Processo Civil.

10- Precludido que se mostra o direito de o Autor deduzir a argumentada suspensão do prazo da prescrição, por não o ter feito quando para o efeito foi notificado, e por não se verificar nenhuma das situações excecionais previstas no nº 2 do artigo 573º do C. P. Civil, entende-se que o Tribunal fica impedido de conhecer da invocada matéria. Para além disso, e sem prescindir,

11- Quanto à matéria da invocada prescrição, como é sabido, o decurso do tempo tem repercussões nas relações jurídicas, estando sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

12- O artigo 304º do Código Civil estabelece que “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação”.

13- Não obstante ser de 20 anos o prazo ordinário de prescrição, relativamente a certos créditos o legislador estabeleceu prazos de prescrição mais curtos, criando as chamadas prescrições presuntivas ou de curto prazo.

14- As prescrições de curto prazo assentam na presunção de que, decorrido determinado período de tempo, essa dívida foi paga, sendo o que sucede com as prescrições a que se alude nos artigos 312º e seguintes do Código Civil, onde se inclui a norma do artigo 317º, alínea c), invocada pelos Réus/Recorrentes.

15- No caso de invocar a prescrição o devedor, que dela beneficia, fica dispensado de provar que pagou a sua dívida, que cumpriu a sua obrigação, pois existindo uma presunção de cumprimento inverte-se o ónus da prova, conforme disposto no artigo 344º, nº 1, do Código Civil (passando a ser o credor quem tem de provar que o devedor não pagou).

16- No caso em apreço, importa atentar em que o Autor (ao menos em setembro de 2000) era engenheiro civil, como tal se tendo apresentado aos RR., assumindo-se, pois, como profissional liberal.

17- Foi nessa posição ou qualidade (de profissional liberal) que com os RR. ajustou a elaboração de um projeto de arquitetura, de projetos de especialidades técnicas, e de acompanhamento ou direção técnica de uma obra (v. cláusulas 3ª e 9ª do “contrato” junto com a p.i. como doc. nº 5).

18- Nunca, em momento algum, de resto, pôs o Autor em causa o vertido nos artigos 6º e 7º da contestação, ou seja, que fosse ele engenheiro civil e que tenha sido nessa qualidade que lhe foi entregue a elaboração dos projetos e o acompanhamento ou direção técnica da obra (habilitações que, de resto, para efeitos daquela prestação de serviços, a lei postula e exige).

19- Mesmo que fosse como o Autor alega na p.i., isto é, mesmo que se considerasse a obrigação, que sobre os Réus impenderia, de apresentação do projeto de arquitetura na Câmara Municipal de ..., no prazo de 60 dias, a contar da data do contrato, certo é que não tendo tal ocorrido ficou o Autor ciente do direito que lhe assistia (o mais tardar) em 28 de novembro de 2000 (60 dias após 29/09/2000, data do alegado “contrato”), (cfr. artigo 306º, nº 1, do Código Civil).

20- Não pode colher o argumento de que as cartas/interpelações, de 12 de novembro de 2000, quanto aos 2º e 3º RR. (porquanto delas não foi o 1º Réu destinatário), mesmo que tivessem existido, ou fossem reais, fazem prorrogar o prazo do cumprimento, pelos Réus, por mais 30 dias (a que nessas cartas se alude), ou seja, até 12/12/2000, pois que se assim fosse o Autor poderia protelar ou prorrogar, reiterada e sucessivamente, por sua própria iniciativa, e no seu próprio interesse, o prazo de cumprimento da contraparte contratual, e desse modo inviabilizar, indefinidamente, que o prazo de prescrição da dívida pudesse vir a ocorrer, a operar, ou a consumar-se.

21- De acordo com o positivado no artigo 300º do Código Civil, com a epígrafe “Inderrogabilidade do regime da prescrição”, “São nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos”.

22- Face ao disposto na alínea c) do artigo 317º do Código Civil, e revertendo ao caso em apreço, o direito ao recebimento dos honorários ou contrapartida financeira dos serviços ajustados entre o Autor e os Réus encontra-se prescrito já desde o dia 29 de setembro de 2002 (2 anos após a data do contrato), ou, no máximo, fazendo fé no alegado pelo Autor no item “III” da petição inicial, em 12 de dezembro de 2002 (i.e., 2 anos após o alegado incumprimento).

23- O critério de subsunção ao citado preceito legal (art. 317º-c)) define-se, unicamente, pela natureza (liberal) da atividade ou dos serviços, e não da entidade que os presta ou da qualificação jurídica desta última.

24- Importa ter presente que o que foi ajustado pagar pelos RR. ao A. foram os serviços que este último se vinculou a prestar-lhes, como profissional liberal (engenheiro), pela elaboração dos projetos e pela direção técnica da obra, no valor total de 20.000.000$00 (10.000.000$00 + 10.000.000$00), conforme melhor decorre das cláusulas quarta e quinta do “contrato” junto com a p.i. como doc. nº 5, não se tendo os Réus vinculado ao pagamento de qualquer penalidade ou cláusula penal.

25- De resto, mesmo que se tivesse por válido o dito “contrato” o valor que da respetiva cláusula décima primeira consta (de 30.000.000$00) somente pode corresponder a um mero lapso, e tal porquanto o que aí consta é que na eventualidade de os “segundos outorgantes” venderem o terreno ou a construção a nele erigir antes de cumprido o contrato tais outorgantes garantem “o cumprimento integral das obrigações” que nesse mesmo contrato assumem, obrigações essas que consistiam, unicamente, no pagamento do montante assinalado na cláusula nona (9.000.000$00), e na cláusula quarta (10.000.000$00), e não em 30.000.000$00.

26- Entende-se, de todo o modo, que mesmo que de penalidade ou cláusula penal se tratasse (e não trata), face ao (operado) pagamento dos serviços do Autor (pagamento esse que, de resto, se presume) não tem qualquer sentido a ativação ou acionamento de uma tal cláusula. Com efeito,

27- Uma qualquer cláusula penal somente poderá ser ativada (ou acionada) acaso os contraentes, ou partes outorgantes, não cumpram com as obrigações que do contratado para elas dimanem. Ora,

28- Tendo os Réus pago ao Autor, a pedido dele, e no imediato à celebração do dito contrato de prestação de serviços, aquela quantia de 20.000.000$00, que era a única prestação ou contrapartida a que os Réus perante aquele se haviam obrigado, não se vê em que medida poderiam eles constituir-se na obrigação do pagamento de uma qualquer cláusula penal.

29- De resto, e ainda sem prescindir, entende-se ser inaceitável a existência de uma dualidade de prazos de prescrição para os serviços prestados e para uma penalidade por falta de pagamento desses mesmos serviços, nas situações de prescrições presuntivas ou de curto prazo.

30- Não é minimamente crível que o Autor não tenha sido pago dos serviços a que se alude nas cláusulas “quarta” e “quinta” do contrato que junta com a petição inicial (pagamento esse que até foi feito, em parte, antes da própria celebração do contrato, e de que se deu quitação na respetiva cláusula “sexta”) e somente mais de 20 (vinte) anos e 58 (cinquenta e oito) dias após, em 26/11/2020, se tenha ele lembrado de o vir reclamar judicialmente.

31- A prescrição de curto prazo implica que os credores sejam diligentes e pró-ativos na cobrança do seu crédito, o que é desejável em termos de segurança e certeza jurídicas;

32- Sendo que os engenheiros civis não são um qualquer comerciante, operador ou ator económico, mas antes profissionais que exercem, em primeira linha, uma profissão, lucrativa, com um pendor técnico-científico muito acentuado e que devem estar devidamente informados e esclarecidos sobre o tempo e o modo de exercício dos seus direitos.

33- Não o entendendo conforme explanado nestas alegações, a sentença objeto deste recurso violou, além do mais, o disposto nos artigos 301º, 304º, nº 1, 306º, nº 1, 309º, 312º e 317º, alínea c), do Código Civil, e artigos 552º, nº 1, alínea d), e 573º, nº1, do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE,

E nos mais de direito aplicáveis, que doutamente serão supridos, na procedência das alegações e conclusões precedentes, deverá o presente recurso ser admitido e merecer provimento, revogando-se a decisão do Tribunal de Segunda Instância, substituindo-a por outra que julgue provada e procedente a exceção da prescrição (extintiva e presuntiva) invocada pelos Réus e ora Recorrentes (de revista) em sede contestatória, e, consequentemente, que os absolva dos pedidos pelo Autor contra eles formulados na petição inicial, com todas as, legais, consequências.

Em decidindo, todavia, Farão Vossas Excelências, Venerando Juízes Conselheiros, a costumada JUSTIÇA.”

13. Por seu turno, o Autor AA apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões:

1- O presente recurso é, apenas e tão só, uma medida dilatória, tanto mais que é uma repetição dos argumentos já invocados pelos Recorrentes.

2- A aplicação da legislação Covid, nomeadamente no respeita aos prazos de prescrição e caducidade é de conhecimento oficioso.

3- O Autor/Recorrido não se encontra impedido de deduzir a argumentação da suspensão do prazo de prescrição.

4- Inexiste qualquer violação do princípio da concentração da defesa previsto no art.573, nº2 do CPC.

5- Como também, não se encontram violadas as normas arts.301º, 304º, nº1, 306º, nº1, 309º, 312º e 317º, alínea c) do Código Civil.

6- Porque, não está em causa, nem é objecto dos presentes autos, o pagamento de honorários ao Autor/Recorrido, mas sim o pagamento da cláusula penal pelo incumprimento do contrato celebrado entre as partes e constante dos autos.

Termos em que e nos mais de direito, não concedendo provimento ao recurso, nos termos supra expostos, mantendo-se o douto acórdão recorrido, com o que se fará Justiça”.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as questões de saber:

- qual o prazo de prescrição aplicável ao direito do Autor: se o da prescrição presuntiva de dois anos (art. 317.º, al. c), do CC) ou o da prescrição ordinária de vinte anos (art. 309.º do CC);

- se decorreu ou não o prazo de prescrição do direito de crédito do Autor, sendo (ou não) admissível conhecer da suspensão de prazos de prescrição, prevista nas Leis Covid-19, quando tal só foi invocado, pelo Autor, nas alegações do recurso de apelação.

III – Fundamentação

A. De Facto.

Relevam os factos mencionados supra.

Não tendo sido considerados factos provados, perante as posições assumidas pelas partes nos articulados, com relevância para o conhecimento da exceção de prescrição, o pode dizer-se que os autos asseguram o seguinte:

a. o Autor peticiona a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 194 531,12 (cento e noventa quatro mil euros e quinhentos trinta um euros), acrescido de juros, á taxa legal, até ao efetivo e integral pagamento, que nesta data ascendem ao montante de € 38 948,86 (trinta oito mil novecentos e quarenta oito euros e oitenta seis cêntimos), tudo num total de € 233 479,98 (duzentos trinta três mil quatrocentos setenta nove euros e noventa oito cêntimos), em virtude de violação, por parte dos Réus, da Cláusula Sétima do contrato celebrado a 29 de setembro de 2000;

b. de acordo com a Cláusula Sétima estipula, “os segundos outorgantes obrigam-se a apresentar na Câmara Municipal de ... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projecto de arquitectura no prazo de 60 dias a contar desta data”;

c. o Autor remeteu aos Réus as missivas cujas cópias constam de fls. 20 e 21 (de 12 de novembro de 2000), nas quais deu por certo o incumprimento dos Réus;

d. o Autor propôs a ação a 26 de novembro de 2020 e requereu a citação urgente dos Réus;

e. a citação foi ordenada a 27 de novembro de 2020;

f. os Réus foram citados em 2 e 22 dezembro de 2020, e a 8 de julho de 2021;

g. no seu recurso de apelação, o Autor invocou a suspensão dos prazos de prescrição ao abrigo das Leis Covid-19.

B. De Direito

(In)admissibilidade do recurso

Mostrando-se preenchidos os pressupostos do valor da causa e da sucumbência, da legitimidade do Recorrente e do teor do acórdão recorrido, que aprecia a (im)procedência da exceção perentória de prescrição, o presente recurso de revista é admissível, nos termos dos arts. 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, al. a), do CPC.

Do prazo de prescrição aplicável: de dois ou de vinte anos

1. A prescrição é um dos institutos que regula a repercussão do tempo nas situações jurídicas. Tem como fundamentos a segurança jurídica - impondo que o não exercício do direito durante certo período de tempo produza efeitos de estabilização da situação jurídica; a negligência do titular do direito em exercê-lo, que permite presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna indigno da tutela da ordem jurídica; a proteção dos obrigados, especialmente dos devedores, contra as dificuldades de prova; e o estímulo para os titulares dos direitos não descurarem o seu exercício quando não queiram abdicar deles.

2. Mediante a prescrição extintiva os direitos subjetivos extinguem-se quando não são exercidos durante certo tempo legalmente previsto.

3. A prescrição extintiva constitui exceção perentória impeditiva, dado que não nega a existência do direito mas obsta a que ele possa ser exercido judicialmente (art. 304.º, n.º 1, do CC).

4. Para poder ser conhecida pelo Tribunal e o beneficiário dela tirar proveito é necessário que este a invoque judicial ou extrajudicialmente (art. 303.º do CC) - o que se verificou no caso em apreço.

5. O beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – art. 304.º, nº. 1, do CC. Trata-se de um meio de defesa do devedor que só ele tem legitimidade para invocar, não sendo do conhecimento oficioso do Tribunal (arts. 301.º e 303.º do CC).

6. O Autor pede o pagamento da quantia respeitante a cláusula penal convencionada entre as partes em contrato celebrado a 29 de setembro de 2000.

7. O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, conforme o art. 309.º do CC. No caso de não existir disposição legal que sujeite especificamente o crédito a um prazo prescricional diverso, a prescrição só se verifica com o decurso desse prazo ordinário de vinte anos – carácter supletivo desta prescrição.

8. Em regra, o prazo da prescrição, nos termos do art. 306.º, n.º 1, do CC, inicia-se quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo volvido sobre a interpelação, apenas findo esse tempo começa a correr o prazo da prescrição.

9. Tal como entenderam as Instâncias (no acórdão recorrido mediante remissão para a sentença), o prazo de prescrição começou a correr a 29 de novembro de 2000, porquanto no contrato celebrado foi estipulada a data do termo do prazo para a realização da prestação dos Réus e, a partir dessa data, o Autor poderia exercer o seu direito (art. 306.º, n.º 1, do CC). Está em causa uma obrigação de prazo certo – art. 805.º, n.º 2, al. a), do CC.

10. No que se respeita à prescrição prevista no art. 317.º do CC,

Entende-se que o decurso do prazo presume o cumprimento, não necessitando o devedor de provar o facto extintivo da obrigação. Diferentemente da prescrição extintiva, a prescrição presuntiva não se funda na inércia do devedor e na certeza e segurança jurídicas. A prescrição presuntiva baseia-se antes no pressuposto de que, no que respeita a determinadas obrigações, o credor é habitualmente rápido no exercício do seu direito e o devedor costuma cumprir num prazo curto sem exigir ou, pelo menos, sem guardar por muito tempo o respetivo documento de quitação. A prescrição presuntiva tem por finalidade tutelar o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo por muito tempo, protegê-lo da dificuldade de prova do pagamento. Deste modo, decorrido o prazo legalmente consagrado, não exercendo o credor o seu direito e invocando o devedor a prescrição presuntiva, presume-se que a dívida se encontra saldada e dispensa-se o devedor da prova do pagamento (art. 312.º, do Cód. Civil). Não se afasta, naturalmente, a ilisão da presunção (arts. 350.º, n.º 2, 313.º e 314.º, do Código Civil)1.

Parte-se do princípio que o devedor pagou, dispensando-o do ónus que sobre ele impenderia de provar o pagamento, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Cód. Civil (facto extintivo do direito invocado). Muito diferentemente da prescrição extintiva, a prescrição presuntiva apenas dispensa o beneficiário do ónus de provar o pagamento. Por conseguinte, é ao credor que compete o ónus da prova do não pagamento, ilidindo a presunção de pagamento.

Para que o beneficiário da prescrição presuntiva prevista no art. 317.º, al. b), do Cód. Civil, possa dela aproveitar, compete-lhe alegar e provar que está em causa um crédito de um comerciante (ou um crédito de pessoa que exerça profissionalmente uma indústria), que decorreu o prazo de dois anos sobre a venda (ou sobre o exercício da atividade industrial exercida) e que o objeto alienado (ou a atividade industrial exercida) não foi aplicado no comércio (ou na indústria). Provando estas circunstâncias, fica dispensado do ónus da prova do cumprimento da obrigação.

São, assim, elementos constitutivos desta prescrição presuntiva, o crédito ser de comerciante (ou de industrial), o decurso do prazo de dois anos sobre a venda de bem (ou o exercício da atividade industrial exercida) e o devedor não ser comerciante (ou industrial) ou, sendo-o, não destinar o bem ou a atividade ao seu comércio (ou ao seu exercício industrial).”2.

11. In casu, os Réus invocam a al. c) do art. 317.º do CC, de acordo com o qual “Prescrevem no prazo de dois anos: c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.”

12. Não se verifica, no caso sub judice, o requisito do exercício de profissão liberal por parte do Autor, pois, apesar de os Réus alegarem que o crédito cujo cumprimento aquele exige provem da sua atividade enquanto profissional liberal e que já lhe pagaram as quantias devidas pela elaboração dos referidos projetos, a causa de pedir do Autor não assenta no não pagamento das quantias devidos pelos serviços que terá prestado aos Réus. Na verdade, a causa de pedir reside no incumprimento do contrato celebrado com os Réus, a 29 de setembro de 2000, designadamente do estipulado na Cláusula Sétima, na qual os Réus se obrigaram a apresentar na Câmara Municipal de ... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício referido, bem como o projeto de arquitetura, no prazo de sessenta dias a contar da data de celebração do acordo. Integra igualmente a causa de pedir a venda do imóvel a terceiros. Portanto, o Autor não está a pedir o pagamento de honorários, mas sim a invocar o incumprimento do contrato. O crédito alegado pelo Autor não diz respeito a qualquer prestação de serviço proveniente do exercício de profissão liberal, nem mesmo ao pagamento de honorários pelo desempenho da sua atividade enquanto engenheiro civil ou arquiteto.

13. De acordo com a causa de pedir enunciada pelo Autor, está em causa o incumprimento de contrato celebrado entre ele e os Réus, a responsabilidade contratual dos últimos. Não se aplica a prescrição de curto prazo prevista no art. 317.º do CC, mas antes a prescrição ordinária de vinte anos, conforme foi decidido tanto pelo Tribunal de 1.ª Instância como pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

Do decurso do prazo de prescrição e da (in)admissibilidade do conhecimento da suspensão de prazos de prescrição, prevista nas Leis Covid-19, quando tal suspensão só foi invocada pelo Autor nas alegações do seu recurso de apelação

1. Nesta sede, as Instâncias divergiram quanto à (in)verificação do decurso do prazo ordinário de prescrição de vinte anos. O Tribunal de 1.ª Instância entendeu que o prazo ordinário de prescrição já havia decorrido, não tendo sequer ponderado a aplicação do regime previsto no art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

2. Por sua vez, no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência de alegação da suspensão dos prazos de prescrição prevista nas Leis Covid, considerou o seguinte:

“De facto, os R.R. contestantes invocaram na sua peça a exceção de prescrição;

o A. apresentou a sua contra-argumentação, com factos (interpelação em 12/11/2000; denúncia do incumprimento em 22/3/2001). O princípio da concentração da defesa e da preclusão tem por referência factos, e não a aplicação do direito aos mesmos. Ou seja, o que o A. não podia era apresentar outra versão dos factos; mas quanto ao direito, resulta do artº. 5º, nº. 3, do C.P.C. que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”

Portanto, fosse ou não levantada essa questão, cabia ao tribunal (recorrido e de recurso) aplicar a lei em apreço.

Por outro lado, e pelo mesmo ponto de vista, não estamos perante uma “questão nova”, que por não ter sido suscitada no tribunal recorrido, este tribunal não podia “apreciar”. Conforme é referido por António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª edição, pags. 107 a 110), o recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Processo Civil”, 2ª edição, pág. 395), não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.

É questão nova uma questão não sujeita à discussão do tribunal recorrido; a questão aqui em causa é a prescrição; é essa a figura apreciada e não se extravasa do objeto da decisão; a lei aplicável não é uma questão, é matéria ao dispor do tribunal. Em suma, o tribunal é livre de identificar as normas que melhor se apliquem ao caso, em sede estritamente jurídica, qualificando as relações jurídicas estabelecidas e extraindo os resultados ou efeitos legais e adequados.

Isto posto, a matéria da aplicação da legislação covid-19 pode ser objeto de pronúncia por este Tribunal sem cometimento de nulidade processual por conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento (artº. 615º, nº. 1, d), do C.P.C.), nulidade que cometeria se se tratasse de uma questão nova.

De realçar ainda que o princípio do contraditório foi respeitado dado que no âmbito das contra-alegações de recurso o recorrido teve oportunidade de argumentar relativamente ao tema (artº. 3º, nº. 3, C.P.C.).”

3. Refira-se, nesta sede, que “(…) II - O princípio da concentração da defesa na contestação consagrado no art. 573.º, n.º 1, do CPC, faz recair sobre o réu o ónus de, na contestação, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória, salvo os casos excecionais a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, de exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de o fazer posteriormente. III - Precludido o direito de a ré deduzir as exceções da caducidade da ação e da prescrição do direito de indemnização civil, por não o ter feito na contestação e por não se verificar nenhuma das situações excecionais previstas no n.º 2 do art. 573.º do CPC, fica o tribunal impedido de conhecer das invocadas exceções, sob pena de violação do princípio da concentração da defesa.3.

4. No caso em apreço, os Réus observaram o ónus de concentração da defesa, tendo deduzido, conforme lhes competia, a defesa por exceção, invocando a prescrição do direito de crédito do Autor.

5. Impõe-se, por conseguinte, apurar se sobre o Autor recaía o ónus de alegar e provar aos factos respeitantes às causas de suspensão previstas nas Leis Covid-19, concretamente nos art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, assim como no art. 6.º-B, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que determinam uma suspensão do prazo de prescrição por 87 dias.

6. Tem razão o Tribunal da Relação de Guimarães, porque o conhecimento da causa de suspensão proveniente das Leis Covid-19 não constitui qualquer questão nova nem se verifica, tão pouco, a violação do princípio da concentração da defesa e da preclusão.

7. A prescrição é instituto de conhecimento não oficioso, necessitando de ser alegado pelas partes, judicial ou extrajudicialmente, conforme dispõe o art. 303.º do CC.

8. A factualidade respeitante às causas de suspensão deve igualmente ser alegada pela parte a que aproveita, a fim de que o Tribunal possa aplicar o respetivo regime jurídico - arts. 318.º e ss. do CC. Todavia, relativamente a estas causas de suspensão, que não aquelas estabelecidas nas Leis Covid-19, está-se no âmbito de factualidade que tem de ser alegada e não na mera aplicação material do Direito. I.e., para beneficiar de uma causa de suspensão prevista nestas disposição, a parte deve invocar o facto respeitante a essa mesma causa – vide, por exemplo, o disposto pelo legislador nas várias alíneas do art. 318.º do CC4.

9. Situação diferente ocorre no domínio das causas de suspensão previstas nas Leis Covid-19, porquanto se trata de causa de suspensão excecional. O facto subjacente a esta causa de suspensão é também suscetível de ser denominada como facto notório - art. 412.º, n.º 1, do CPC -, porquanto não necessita nem de alegação e nem de prova.

10. Assim, “A prescrição e a caducidade estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes não pode ser apreciada oficiosamente pelo juiz (cf. arts. 303.º e 333.º, n.º 2, CC). No entanto, a suspensão de prazos de prescrição e de caducidade que se encontra estabelecida nos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 deve ser oficiosamente apreciada, tendo em conta que a causa dessa suspensão se relaciona com os constrangimentos ao funcionamento do sistema de justiça decorrentes da situação epidemiológica.” 5.

11. Não se trata, outrossim, de questão nova, pois as causas de suspensão da prescrição constantes da Lei Covid são de conhecimento oficioso. Segundo a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, as questões de conhecimento oficioso não constituem questão nova:

“(…) III - Quando existe uma questão de conhecimento oficioso pelo tribunal, é irrelevante que ela seja suscitada ex novo por uma das partes.” 6.

“I. Por força do regime excepcional do art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (com a redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04) que decretou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade ficou suspensa a partir de 09.03.2020, sendo a duração máxima desses prazos prolongada pelo período de tempo em que vigorou a situação excepcional. II. A Lei n.º 16/2020, de 29.05, ao revogar o art 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, terminou, com efeitos a partir de 03.06.2020, com a suspensão generalizada dos prazos processuais, suspensão que veio a ser reintroduzida pelo n.º 1 do art. 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02. III. A tais regimes suspensivos não é aplicável o disposto art. 321.º, n.º 1, do CC.” 7.

12. No que respeita à inaplicabilidade do art. 321.º, n.º 1, do CC:

Nos termos do art. 7.º, n.ºs 3 e 4, a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que fossem relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, isto é, aos prazos de prescrição e de caducidade que dissessem respeito ao exercício de direitos em juízo. (…)

Acresce que este regime especial prevalecia sobre quaisquer outros que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.

Neste particular, importa salientar que, no que concerne aos prazos de caducidade, esta solução legal encontrava justificação no disposto no art. 328.º do CC, que estabelece a regra segundo a qual “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”. Deste modo, a suspensão do prazo de caducidade passava a encontrar amparo numa lei que, de forma expressa, determinava essa suspensão, por força de circunstâncias excecionais e transitórias.

Diferentemente, no que diz respeito ao prazo de prescrição, temos dúvidas de que houvesse necessidade de se dispor expressamente quanto à sua suspensão, já que, por força do regime vigente no art. 321.º, n.º 1, do CC, a prescrição “suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”. O mesmo é dizer que, se, à data da entrada em vigor desse diploma legal, o prazo de prescrição se encontrasse nos últimos três meses, a contagem do prazo suspender-se-ia automaticamente, por força da lei.

Em todo o caso, o certo é que, por força da adoção daquele regime excecional, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade não só ficou suspensa a partir do dia 9 de março de 2020, como também a duração máxima desses prazos foi prolongada pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.” 8.

13. “1 - A mera propositura da acção não é suficiente para fazer interromper a prescrição, antes o efeito interruptivo ocorre pela citação ou notificação judicial que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito. 2 - O n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 constitui causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. 3 - A eficácia suspensiva ou interruptiva da lei não tem só aplicação aos prazos processuais e o prazo de prescrição de três anos, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, foi ampliado durante a situação excepcional pandémica. 4 - Esta suspensão de prazos de prescrição e caducidade prevalece sobre quaisquer regimes que fixassem prazos máximos imperativos, prevendo-se que tais regimes foram alargados pelo período de tempo definido na lei.” 9.

“A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade contemplada nos nºs 3 e 4 do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 2020-03-19, que ocorreu entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho do mesmo ano, aplica-se ao prazo prescricional contemplado no nº 1 do artigo 337º do Código de Trabalho/2009.” 10.

I) Os prazos de prescrição e de caducidade já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da Lei 4-B/2021 ou que viessem a iniciar-se posteriormente foram suspensos, só se retomando a partir da data em que viesse a ser declarado o termo da situação excepcional de resposta à pandemia da Covid-19. II) A suspensão referida em I) foi estabelecida em benefício das partes que, todavia, a ela podiam renunciar. III) A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade referida em I) não deve ser confundida com a suspensão dos prazos processuais a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei 1-A/2020, nem com a regra que determina a não suspensão de prazos processuais nos processos urgentes inscrita no artigo 6.º-B, n.º 7, o qual se reporta aos prazos processuais de tramitação dos processos urgentes que não se suspenderam nem interromperam e não ao de caducidade para a instauração dos processos urgentes, como acontece no prazo para instaurar o procedimento de suspensão da execução de deliberações sociais, processo que tem natureza urgente. (…).”11.

14. Acresce que a decisão adotada pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação de Guimarães se mostra conforme quanto à interrupção da prescrição. Com efeito, entendeu-se que a prescrição do direito do Autor se considera interrompida cinco dias após o pedido de citação urgente, de acordo com o disposto no art. 323.º, n.os 1 e 2 do CC. Segundo a posição dominante no Supremo Tribunal de Justiça, o efeito interruptivo da prescrição, estabelecido no art. 323.º, nº 2, do CC, pressupõe a verificação de três requisitos: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias subsequentes à propositura da ação; ii) que a citação não tenha sido efetuada durante esse prazo de cinco dias; e iii) que o atraso da citação não seja imputável ao requerente12.

15. Não restam, por isso, dúvidas sobre o acórdão recorrido não ter violado as normas invocadas pelos Réus, nem os princípios da concentração da defesa e da preclusão, uma vez que o regime de suspensão dos prazos previsto nas Leis Covid-19 é aplicável a todos os prazos de prescrição, somando-se aos prazos legais o período de suspensão decorrente deste conjunto de leis excecionais, que devem ser aplicadas oficiosamente pelo Tribunal.

IV - Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto pelos Réus BB e CC, confirmando-se o acórdão recorrido

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 11 de Julho de 2023


Maria João Vaz Tomé (Relatora)

António Magalhães

Jorge Dias

_____________________________________________


1. Cf. José Brandão Proença, “Artigo 312.º”, in Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, p.759.↩︎

2. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2019 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 323/15.4T8SCR.L1.S1.↩︎

3. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de março de 2021 (Rosa Tching), proc. n.º 1299/17.9T8LRA.C1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2a9d581b3f432b82802586cb003d44ae?OpenDocument&ExpandSection=1.↩︎

4. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de março de 2019 (Pedro Lima Gonçalves), proc. n.º 4668/17.0T8CBR.C1.S2 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9182c9ed2598e391802583ca00567231?OpenDocument., Em sentido contrário, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2006 (Silva Salazar), proc. n.º 3573/06 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0c90f1bae4411fc8025729d0050bb24?OpenDocument.↩︎

5. Cf. Miguel Teixeira de Sousa/J.H. Delgado Carvalho, As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil), 26-03-2020, disponível para consulta in https://blogippc.blogspot.com/2020/03/as-medidas-excepcionais-e-temporarias.html, p. 7.↩︎

6. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de março de 2019 (Catarina Serra), proc. n.º 212/13.7TBMCD.G1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4f241e917c73531f802583c2005eca37?OpenDocument.↩︎

7. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de maio de 2023 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 16107/21.8YIPRT-A.G1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a83a52d2e6146af5802589ac00542bb8?OpenDocument.↩︎

8. Cf. Marco Carvalho Gonçalves, “Atos Processuais e Prazos no Âmbito da Pandemia da Doença Covid-19”, intervenção proferida no âmbito da sessão de estudo, intitulada “Atos Processuais e Prazos no âmbito da pandemia da doença Covid-19”, promovida pela AEDREL – Associação de Estudos de Direito Regional e Local, realizada no dia 22-06-2020, via colibri zoom; disponível para consulta in https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/65830/1/Atos%20processuais%20e%20prazos%20no%20%C3%A2mbito%20da%20pandemia%20da%20doen%C3%A7a%20Covid-19%20%28Marco%20Gon%C3%A7alves%29.pdf.↩︎

9. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de junho de 2022, proc. n.º 3107/21.7T8STB.E1 – disponível para consulta in↩︎

10. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24 de março de 2023, proc. n.º 2072/20.2T8CSC.L1-4 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a355685566598067802586aa003a99dc?OpenDocument.↩︎

11. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de novembro de 2021, proc. n.º 709/21.5T8ACB.C1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/51bf0faa0eb8ab228025879f005e41d8?OpenDocument.↩︎

12. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de janeiro de 2019 (Rosa Tching), proc. n.º 524/13.0TBTND-A.C1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/eab670f45441090d8025838c005826e2?OpenDocument&ExpandSection=1.↩︎