ADVOGADO
HONORÁRIOS
ACORDO PRÉVIO
FORMA ESCRITA
FORMALIDADE AD SUBSTANTIAM
Sumário

I. É nula a sentença que condenar em quantia ilíquida quanto a IVA e juros de mora, quando da liquidação de tais montantes resulta uma quantia superior à liquidada pela autora na petição ou requerimento inicial.
II. Não é lícito invocar, em sede de recurso, questões que não tenham sido apreciadas na decisão recorrida, exceto se se tratar de questões de conhecimento oficioso.
III. A ineptidão da petição ou requerimento inicial e a falta ou irregularidade do mandato forense constituem exceções de conhecimento oficioso, pelo que podem ser invocadas pelo réu apenas na fase de recurso.
IV. A falta ou irregularidade do mandato forense invocadas apenas em sede de recurso podem ser supridas na mesma fase.
V. Não é inepto o requerimento de injunção que mencione factos suficientes para individualizar as obrigações contratuais que deram origem aos créditos reclamados ainda que ali se mencionem faturas que acabam por não ser juntas ao processo.
VI. O acordo prévio sobre honorários de advogado está sujeito à forma escrita, e a redução a escrito desse acordo constitui uma formalidade ad substantiam, razão pela qual o mesmo só pode provar-se por meio de documento ou por meio de prova de valor superior, nomeadamente confissão.
VII. Os honorários de advogado devem ser fixados de acordo com os critérios consagrados no art.º 1158º, nº 2 do Código Civil, e atendendo igualmente ao disposto no art.º 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados e ao Regulamento sobre Honorários dos Advogados.

Texto Integral

Proc. n.º 12197/18.9YIPRT.L1 – Apelação

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A [… e Associados, Sociedade de Advogados, R.L.], pessoa coletiva nº ... intentou procedimento de injunção contra B, contribuinte fiscal nº ..., solicitando a atribuição de força executiva ao requerimento, no qual peticiona a quantia global de €8.118,00 (incluindo IVA), acrescida de juros de mora vencidos, que liquida em €177,57, e dos vincendos.
Para tanto, alega ter prestado ao requerido serviços jurídicos, que se consubstanciaram na prática de atos de advocacia, nomeadamente acompanhar, aconselhar, intentar e praticar todos os atos judiciais no âmbito de processos judiciais que identifica, serviços esses que foram efetivamente prestados entre os anos de outubro de 2014 e janeiro de 2017.
Notificado o requerido, o mesmo deduziu oposição, razão pela qual, o procedimento de injunção foi convolado em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
Em virtude de discutirem créditos relativos a honorários de advogado, o Tribunal a quo solicitou à Ordem dos Advogados a emissão de laudo de honorários, tendo o Conselho Superior da mencionada ordem profissional concluído no sentido de considerar adequado o montante calculado pela requerente, a saber, €7.600,00, acrescido de IVA.
Procedeu-se a audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, condeno o R. a pagar à A. a quantia de 7.600,00€ (sete mil e seiscentos euros), acrescida de IVA à taxa legal, acrescida de juros moratórios, calculados à taxa legal dos juros civis, desde 27.04.2017 e até efectivo e integral pagamento.
Absolvo o R. do demais peticionado.
*
Custas na proporção do decaimento - cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.”
Inconformado com tal decisão, veio o réu dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando alegações de recurso cuja motivação resumiu nas seguintes conclusões:
1) O ora recorrente não se conforma com o conteúdo da sentença proferida pelo douto tribunal de 1a instância, por várias ordens de razões, tanto processuais como substantivas, sendo que todas elas entroncam no facto de mal ter andado o tribunal a quo ao dar assente como provada a existência de um credito em divida por parte da ora recorrente no valor de €7.600,00 acrescido de IVA
2) Porquanto face à prova passível de ser aceite nos presentes autos, nomeadamente a documentação junta e a prova testemunhal do Reu, forçosamente terá que se considerar provada a existência de ajuste prévio de honorários que se liquida no máximo em €1.000,00 por processo com vencimento na 1.ª instância
3) No entanto são vários os vícios desta sentença, devendo a mesma ser considerada nula, por várias ordens de razões, senão vejamos:
a. A sentença condena em valor superior ao pedido, porquanto o pedido no requerimento injuntivo liquida a artigo 11º “O valor em dívida relativo às aludidas facturas, na presente data, ascendem a 8.118,00€,”, sendo que a sentença condena no pagamento de €7600,00 acrescido de 23% Iva no valor total de capital em divida a €9348,00, ou seja €1230,00 a mais, porquanto por lapso não deduziu o valor das quantias confessadas como pagas na petição inicial.
b. A sentença condena ainda em valor superior ao pedido no que se refere ao valor de juros e datas de vencimento das alegadas facturas, porquanto, condena no pagamento da divida “acrescida de juros moratórios, calculados à taxa legal dos juros civis, desde 27.04.2017 e até efectivo e integral pagamento. ”, Sendo certo que, as facturas tiveram vencimento em 29/2015A, no montante de 615,00€, emitida e com vencimento em 30-01-2015; 27/2017A, no montante de 307,50€, emitida e com vencimento em 24-01-2017; 28/2017A, no montante de 615,00€, emitida e com vencimento em 24-01-2017; 3 33/2017A, no montante de 922,50€, emitida e com vencimento em 03-10-2017; 357/2017A, no montante de 6.888,00€, emitida e com vencimento em 13-10-2017. Pelo que resulta que a douta sentença condena o Reu no pagamento de juros referentes a período anterior ao vencimento da factura, nomeadamente no que se refere às duas ultimas que representam um valor €7.810,50 e que apenas tiveram vencimento em Outubro de 2017, pelo que resulta o facto da sentença condenar em mais do que o que foi peticionado e ainda em valor não vencido.
c. Verifica-se a ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, uma vez que o requerente para alem da invocação de factos deverá fazer juntos os documentos contabilísticos, por se tratar de relação jurídica sujeita a facturação Sendo jurisprudência dominante “deve invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir e tratando-se de transacção comercial necessariamente sujeita a facturação, nos termos do Código do IVA [art.º 29.º], deve tal documento contabilístico ser mencionado na exposição dos factos e acompanhar o requerimento injuntivo, por se tratar da alegação de factos e de documento que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção, sob pena de se verificarem as excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio - artigos 2.º, n.º 4, 3.º, alíneas b), c) e d) e 5.º, n.ºs 1, alíneas a), e b) e 4, conjugados com o art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do Dec.-Lei n.º 169/98, de 1 de Set.] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção]. - nestes termos Acórdão da Relação de Lisboa in processo nº 89078/18.6YIPRT- E ainda “Na situação referida, para que se possa considerar a existência e suficiência da causa de pedir, torna-se necessária a junção das facturas, dando-se ao requerido a oportunidade do contraditório”. - Acordão da Relação de Coimbra processo nº 19788/09.7YIPRT
d. Nestes termos se considera que da ausência da prova documental que impendia à Autora ora recorrida juntar aos autos, desde logo falecem as pretensões de cobrança, por ausência da causa de pedir, devendo ser decretada a nulidade de todo o processado, situação que é de conhecimento oficioso.
e. Por fim e quando se pretendeu apurar qual tinha sido o mandatário a propor o presente requerimento injuntivo e a quem tinha sido conferida a procuração, constata-se ainda que a procuração outorgada pela Autora e junta aos mesmos, foi outorgada em 26/3/2018 quando o requerimento injuntivo data de 24/1/2018 (dois meses antes) e nada refere no que diz respeito à ratificação do processado, termos em que os actos praticados nesse hiato de tempo foram levados a efeito sem poderes, pelo que deveria o douto tribunal ter procedido em conformidade, com o art.º 48º nº 2,do CPC, a fim de que os mesmos pudessem ter sido ratificados, o que não se verificou e que ora se requer, por só nesta altura de analise do processo ab initio ter sido constatado, termos em que até esse momento, os actos praticados são insusceptíveis de produzir efeitos
4) Da prova testemunhal da Autora
Considera o ora recorrente que mal andou o tribunal quando aceitou o depoimento de testemunha que era simultaneamente o Ilustre mandatário que subscreveu o requerimento injuntivo, actuando curiosamente, sem poderes porquanto a procuração para o efeito só lhe foi concedida dois meses depois e não ratificou o anteriormente processado, termos em que a única testemunha da Autora foi o mandatário que subscreveu o requerimento injuntivo, o que só por si implicaria a sua não admissão já que invoca o CPC - vide art.º 496 que não poderão ser admitidas a testemunhar quem puder depor como parte, sendo certo que a douta sentença reconhece a paginas tantas “ no âmbito do testemunho do próprio DO, que aqui produziu quase um depoimento em causa própria;”,
Por outra via, mal andou o tribunal a quo em ter aceite o testemunho do Dr. DO, pelo facto do mesmo ter sido também mandatário do Reu e nessa qualidade estar sujeito ao sigilo profissional, o que não respeitou.
Na sequencia do mandato que lhe foi conferido pelo ora recorrente e dos vários processos em que o exerceu, nos termos e para os efeitos do art.º 92 do EOA, encontravam-se-lhe vedadas as declarações que prestou, porquanto as mesmas versaram sobre as partes contrárias, sobre os documentos, assuntos e litígios tratados, tanto do ora Recorrente como da sua esposa as quais foram ainda complementadas pelo envio integral aos autos dos conteúdos das peças processuais alegadamente elaboradas pelo mesmo Ilustre Mandatário pelo que nos termos e para os efeitos do nº 1, nº 4 e 5 do art.º 92º do EOA, tanto a prova testemunhal como a prova documental prestada e junta pelo Ilustre Mandatário Dr. DO é nula e insusceptível de poder produzir qualquer prova em juízo
5) Não concedendo, mas se por mera hipótese académica esta prova for considerada valida, caberá ainda esclarecer que a mesma nunca poderia ter sido base à convicção formulada pelo tribunal, uma vez que é vaga, imprecisa e contraditória, senão vejamos:
a. A minuto 1:40 e seguintes - declara conhecer o ora reu, pelo facto de fazer parte de um conjunto de militares que patrocinou no âmbito de um processo que se iniciou em 2014. Mais declarou que não patrocinou sozinho “era estagiário na altura e fui eu e o meu patrono que patrocinamos essa acção”
b. Esclareceu ainda no minuto 7 e seguintes que foram acordados honorários para a fase graciosa no valor de €500,00 para cada um dos militares envolvidos - vide minuto 8:40
c. Mais declarou a minutos 9:30 e seguintes que nessa fase graciosa como tinha competência a sociedade deixou-o facturar e receber directamente
d. Sendo que até à data nenhuma factura ou recibo foi recepcionada pelo ora Recorrente relativamente a esse valor.
e. A minuto 11 e seguintes esclarece que o acordo de honorários definia o valor de €1000,00 para a parte contenciosa, dos quais €500,00 seriam pagos inicialmente como provisão de honorários e que compreendia alguma variação em função do número de militares aderentes.
f. Mais esclarece ao minuto 16:00 e seguintes que este foi o valor aplicado ao ora Recorrente, pelo facto do mesmo ter-lhe confiado mais processos, apesar de ter havido outros acordos com outros militares
g. Declarou ainda a minuto 22:40 e seguintes que o valor total imputado e facturado neste processo referente à parte contenciosa foi de €900,00, tendo sido retirados €100,00 pelo facto de ainda não ter sido obtida a sentença.
h. E continuou a minutos 23:00 e seguintes quando inquirido pelo Ilustre Mandatário da Autora que lhe pede para falar sobre os restantes 5 processos em que representou o Autor: “nesses processos que estão aí na nota de honorários, foram tratados todos eles com outros colegas do escritório, porque eu não tinha competência para tratar” e ainda ... “há dois processos que não estão aqui...um deles tem a ver com um automóvel que tinha sido furtado na véspera do fim do seguro. e o seguro entendia que aquilo era uma fraude e não pagava”
i. E ao minuto 24:00 - “esses processos foram pagos naquelas contas junta pelo Sr. B, €550,00 um e €500,00 o outro, €500,00 da fase graciosa e €500,00 deste que estou a contar agora” ... foram pagos para a minha conta, fui eu que facturei"
j. Sucede porem que até à data nunca foi facturado qualquer valor solicitado pela testemunha ora em causa nem emitido qualquer recibo, sendo que a existirem seria este o momento próprio a serem apresentados, termos em que a testemunha mente no que a este aspecto diz respeito conforme adiante se comprovará
k. Mais a mais, como já anteriormente indicado, à testemunha estava vedado revelar tais factos, porquanto os mesmos violam gravemente o estatuído no art.º 92º DO EOA, pelo que não podem ser tomadas pelo tribunal como prova a fundamentar a sentença, o que de facto se verificou, porquanto tribunal deu como certas todas as declarações efectuadas por esta testemunha tendo fundamentado sua convicção até nas declarações que contrariam os princípios mais básicos de experiencia comum, - vide minutos 25:20 e seguintes, a testemunha explana todos os pormenores acontecidos no âmbito do processo do automóvel e da seguradora, mais uma vez em violação dos limites estabelecidos no art.º 92 do EOA inclusivamente valores e recepção dos mesmos, e a minutos 27:14 e termina “como a situação é esta, paga-me só a viagem e ficamos assim”
l. Ora esta declaração coincide exactamente com aquilo que foi dito no dia da audiência no julgado de paz, e que será confirmado pelo depoimento da testemunha do ora Recorrente, ou seja que o valor pago por este processo foi muito menor que os demais e que nenhuma das transferências efectuadas correspondia integralmente para este processo.
m. Em sede continuação da audiência de julgamento, na 2.ª sessão, continuou a inquirição da testemunha da Autora, tendo a mesma sido questionada relativamente ao pagamento no valor de €300,00 a 23 de Outubro de 2014 - vide minuto 1:50 e seguintes, nomeadamente a que processo se referia esse pagamento
n. Ao que o mesmo respondeu que se referia às acções que o mesmo tinha competência - minuto 3:20
o. Novamente tendo sido interrompida pela meritíssima juíza que respondia e impedia que a testemunha se explicasse tendo adiantado que seria o processo gracioso e outros impedindo que a testemunha esclarecesse o solicitado - vide minutos 5:08 e seguintes até 6:10, no entanto atente-se que no depoimento da primeira sessão, foi clara a testemunha quando disse que a fase graciosa do processo havia sido paga em €500,00, pelo que a testemunha continua a contradizer-se
p. Questionado quais foram os processos que correram termos em 2014 e 2015, Respondeu ao minuto 9:30, “em 2015 no inicio do ano foi o processo de inventario, começou em Fevereiro de 2015... no final do ano em Dezembro, houve o processo executivo, a D. Edith foi em Setembro de 2015, a D. RE foi em Março de 2015...” solicitado esclarecimento a minutos 10:40 - Mandataria - “há dois pagamentos efectuados à MNA, um em Fevereiro de 2015” A Testemunha respondeu - “referente ao processo de impugnação administrativa.está na factura
q. Mandataria - E um só outro pagamento em Março de 2017? O que foi corroborado pela testemunha, 10:45- Mandataria- então aquilo que me diz é que dos processos que correram em 2014 e 2015, os que acabou de me referir, só foram facturados e pagos em Março de 2017?
r. 10:53 - Testemunha “...é assim, eu estava a tentar evitar falar de assuntos que tem a ver com sigilo cliente e advogado, o Sr. Tenente Coronel na altura estava a passar por dificuldades económicas, e eu pedido o favor aos sócios para não facturar naquela altura, tendo em conta que estava em dificuldades”
s. 11:20 Mandatária - mas, no entanto, verificaram-se pagamentos em 2014, 2015, 2 em 2016, para a S/ conta particular
t. Mais ainda, pela parte final do testemunho prestado resulta completamente contraditório e avesso ao senso comum, que por atenção à especial situação económica do ora recorrente, a testemunha da Autora tivesse solicitado a suspensão da facturação do mesmo dos trabalhos prestados pela Sociedade e simultaneamente lhe solicitasse pagamentos por conta de processos, tratados simultaneamente, conforme comprovado pelos comprovativos de transferências juntos pelo ora recorrente à oposição à injunção, termos em que este testemunho não é verossímil, e é falso quando imputa todos os pagamentos efectuados pelo ora recorrente aos processos por si alegadamente facturados, à excepção dos dois que estão confessados em sede de requerimento injuntivo, porquanto parte dos pagamentos efectuados ao Dr. DO, referem-se a processos mais tarde facturados e cobrados em duplicado pela sociedade, ora recorrida como é o caso do processo de inventario e processo da D. RE, nos termos constante do comprovativo de pagamento junto aos autos e depoimento da testemunha do Réu.
6) Pelo contrário, a testemunha do Réu, desde logo reconheceu que o desfecho do processo não lhe era indiferente, mas que ainda assim responderia com verdade, o que se confirmou pelo facto de ter relatado o que sabia na 1.ª pessoa e não ter hesitado em esclarecer os assuntos que só sabia por relato do marido, bem aqueles em que viu as comunicações escritas, termos em que resultou claro do seu depoimento:
a. Questionada ao minuto 2:00 se teve processos que correram termos com o Sr. Dr. DO, respondeu que sim
b. Questionada sobre os processos tratados, identificou a minuto 2:40 que se trataram de processos de exposição junto de superior hierárquico e outra situação de um veículo furtado junto dos julgados de paz
c. Mais esclareceu a minutos 3;10 e seguintes que os pagamentos desses processos foram feitos.- vide minutos 3:30 e seguintes: “esses processo, tanto o da GNR como o dos julgados de paz, o Sr. Dr. DO fez um email com o cabeçalho da firma a solicitar provisão de honorários de €550,00 em que dizia que esse pagamento de €550,00 serviriam para pagar a minha exposição da GNR, o requerimento que colocou nos julgados de paz e a deslocação Porto Lisboa do processo da D. RE”, mais acrescentou que esse pagamento foi efectuado em Agosto de 2016 - minuto 4:16
d. Esclarece ainda a minutos 4:54 que quando foi pedido esse valor os processos estavam resolvidos, pelo que os pagamentos seriam para liquidar na totalidade esses processos, termos em que este depoimento contraria as informações vagas dadas pela testemunha Dr. DO. que afirma que foram pagos €500,00 apenas para o processo dos julgados de paz e que a exposição à GNR não foi paga
e. Mais esclarece a minuto 6:30 e seguintes que: “o processo da GNR foi em Junho de 2016 ...” E que até essa altura tinham sido tratados esse processo, o processo de partilhas do marido e o processo de Promoção a Tenente Coronel.
f. Questionada sobre o facto da possível existência de combinação de valores para o processo de promoção a tenente coronel, respondeu afirmativamente a minutos 7:25, porquanto “Estive no Porto” ... “já estávamos juntos”. “nessa reunião o meu marido acordou essa reunião com o Dr. DO porque para alem do processo de promoção a tenente coronel, havia outros processos que gostaria que ficasse com eles e nós deslocamo-nos ao Porto onde tivemos uma reunião com o Dr. DO e com um advogada estagiaria, que não sei precisar quem é. Foram tratados os assuntos dos processos e no final da reunião, o meu marido questionou o Dr. DO relativamente aos honorários, que já lhe tinha feito por email, por escrito e o dr. nunca respondeu, nunca respondeu concretamente quais os honorários, o meu marido questionou, momentos antes da saída questionou e o Dr. DO respondeu foi que enquanto estagiário os processos que angariasse ficariam para ele e que portanto os valores andariam por volta dos valores que lhe fora propostos no processo de promoção a tenente coronel e que as viagens, como era militar e tinha acesso à viagem de comboio em 1a classe pelo preço de % de bilhete seria esse o valor que lhe cobraria nas deslocações, foi isso que o Dr. DO disse” - vide minutos 8 a 9:25 - Sublinhado nosso
g. Mais acrescentou a minutos 9:50 e seguintes; “eu vim para baixo com a certeza de que os honorários do Dr. DO, seriam honorários baixos, uma vez que nós tínhamos um advogada a Dra. AF a que pagávamos o valor hora de €45,00, que já achávamos muito, questionamos se não dava para baixar o preço, a Dra. com muito esforço disse que poderia baixar para €40,00...e essa conversa foi feita com o Dr. DO e inclusivamente foi-lhe enviado email onde a Dra. AF diz isso mesmo .esse email o Dr. DO recebeu.”
h. Questionada relativamente aos pagamentos efectuados, esclareceu a minutos 12:30 e seguintes:" eu sei que o meu marido inicialmente pagou €300,00 para o 1º processo e depois pagou €615,00, depois pagou mais €500,00 que lhe foi solicitado telefonicamente e por email, depois pagou mais €550,00 que tem a ver com os meus dois processos e a deslocação aqui a Mafra, e depois pagou mais €615,00 ... e pagou um ultimo montante para pagar as despesas de deslocação...
i. Mais questionada a minutos 14:00 e seguintes se os valores que foram sendo peticionados correspondiam aos valores pagos por conta do processo de promoção a tenente-coronel confirmou, bem ainda que até esse momento nada faria indicar que os valores a cobrar seriam diferentes, apenas aquando da cobrança das deslocações se constata uma realidade diferente da indicada, mais esclareceu a minuto 21:21 que a relação corria bem até 2017 , mas que depois desta situação, veio a cobrança das despesas e que a cessação deste mandato prendeu-se exactamente com a questão dos honorários e de não ter sido essa a combinação e que isso justifica o facto das facturas aparecerem todas juntas no final de 2017 com valores que não eram congruentes com os €500,00 acordados.
j. Esclarece ainda a minutos 22:00 e seguintes, que até esse momento nunca tinha sido apresentada qualquer nota de honorários com discriminação dos valores “vinha sempre um montante global com provisão de honorários, nunca sabíamos se era o processo A, B, C ou D...as únicas duas situações em que houve menção aos valores e para aquilo que serviam, foram as minhas duas situações e dos €500,00 que disse que era para a loja e as partilhas, de resto todos os outros estavam num bolo, nós confiávamos no Dr. DO, ponto”. Mais esclareceu que o pedido de honorários coincidia com a entrada dos processos.
k. E a minutos 38:40, questionada da razão pela qual o ora recorrente pensa nada mais ter a pagar para alem dos €500,00 + iva por processo, se seria pelo facto dos processos não terem sido findos e ter que ser mandata outra advogada, responde a minuto 38:49 - “Exactamente”
7) Termos em que da concatenação da prova testemunhal com a prova documental trazida aos autos pelo Réu, é inequívoca a produção de prova no sentido da existência de um ajuste prévio de honorários, tanto que nem faria sentido face ao contexto da dificuldade económica e da informação relativa aos honorários da anterior mandatária
8) Resulta das elementares regras de bom senso que na impossibilidade da manutenção de patrocínio da anterior advogada porquanto as dificuldades económicas não permitiam o pagamento de honorários a €45,00/hora, concatenado com o facto reconhecido provado documentalmente e reconhecido pela autora de que não foi ajustado um critério de valor hora no primeiro processo, havendo até informação escrita que baliza os montantes mínimo e máximo dos honorários, afastada se encontra a aplicação do critério de valor hora.
9) Sendo que o laudo de honorários quando faz referente à adequação desde logo se salvaguarda relativamente à existência de acordo relativo a honorários, porquanto tal situação não lhe foi dada a conhecer em qualquer documentação remetida pele Autora, que ademais nem tão pouco se coibiu de devassar a vida privada do Reu nos vários requerimentos que fez juntar através da plataforma Citius, a maior parte deles repetidos por duas e três vezes, em completo desrespeito pelo seu dever de sigilo.
10) Assim sendo as premissas constantes do laudo de honorários, só teriam aplicação concreta nos presentes autos se pudesse resultar d aprova testemunhal e documental que nunca havia sido estabelecido ajuste de honorários
11) Todavia mal andou o tribunal quando contrariamente a toda a prova admissível legalmente - testemunha do réu e documentos juntos pelo mesmo, optou por fundamentar a sua decisão num depoimento que foi feito ao arrepio do legalmente admissível e que deverá ser considerado nulo e de nenhum efeito, mais a mais revelado pelo mandatário da autora e anterior mandatário da ré, eivado de parcialidade e contradições, porquanto apenas e só tinha em vista salvaguardar os seus interesses e os da sociedade da qual é socio actualmente e assalariado, fugindo à verdade que a ser descoberta declinaria toda e qualquer hipótese de condenação do ora recorrente
12) Todavia, face às mais elementares regras de boa fé, é imperceptível como pode o tribunal conceder mais credibilidade a um testemunho parcial, que com um raciocínio rebuscado pretendeu fazer ver que são questões distintas quando na verdade não demonstrou cabalmente ter elucidado o Recorrente nesse sentido ao invés de ter tido em conta o documento apresentado e à prova testemunhal do Réu, que confirma ter estado presente em reunião onde foi ajustado o valor de honorários tabelado pela acção de promoção a tenente coronel que definia um valor máximo de processo em €1.000,00 com vencimento de causa na 1.ª instância.
13) Termos em que o raciocínio apresentado na douta sentença não se pautou pelas regras de experiência comum para alem de não ter tido em conta as regras de limites na produção de prova nomeadamente quando provem de testemunho efectuado por advogados, mais a mais quando o advogado em apreço foi mandatário do Recorrente e é mandatário da recorrida nos presentes autos, tendo sido o próprio que subscreveu o requerimento injuntivo e único associado na plataforma até ao agendamento da audiência.
14) Face ao exposto o ora Autor considera provada a existência de ajuste prévio de honorários e por esse facto não é devedor dos montantes facturados tendo em conta o critério do valor hora.
15) Mal andou o tribunal a quo quando permitiu que os presentes autos prosseguissem:
a. Sem a ratificação dos actos praticados antes da outorgada da procuração
b. Sem que fossem juntos os documentos contabilísticos que servem de fundamento jurídico à propositura da acção
c. Com a junção e análise de documentos que violam o dever de sigilo
d. Com o depoimento a título de testemunha, de pessoa que é interessada directa no processo e foi mandatário do Recorrente sem que tal situação tenha sido previamente autorizada pelo conselho Superior da ordem dos Advogados
e. Quando fundamentou a sentença em prova produzida com base nesse testemunho quando o nº 5 do art.º 92 do EOA determina que tal não pode constituir prova em juízo
f. Quando condenou o ora recorrente em valores superiores aos peticionados
g. Quando condenou o autor em juros vencidos antes da emissão das facturas e das datas de vencimento nas mesmas apostas
h. Quando fundamentou a sua convicção num depoimento que para alem de nulo, é totalmente parcial e contraditório, sendo acometido de falsidades conforme supra exposto.
A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela total improcedência do recurso.
Admitido o recurso, e recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o relator proferiu despacho indeferindo a junção de documento apresentado pelo recorrente com as suas alegações e recurso, e convidando a recorrida a regularizar o mandato conferido ao ilustre advogado que intentou o procedimento de injunção que deu origem à presente ação, Sr. Dr. DO[1].
Na sequência, a recorrida apresentou procuração forense a favor dos Srs. Drs. DO e NM, a qual contém expressa declaração de ratificação de todos os atos praticados pelos mesmos em sua representação no âmbito da presente causa[2].
Foram colhidos os vistos.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[3]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.ºs 573º, nº 2 e 5º n.º 3 do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença por condenação em valor superior ao pedido – conclusões 3), als. a) e b), e 15), als. f. e g.
- Ineptidão do requerimento de injunção – conclusões 3), als. c) e d), e 15, al. b.
- Falta ou irregularidade do patrocínio judiciário da autora – conclusões 3), al. e), e 15), al. a.
- Inadmissibilidade da testemunha da autora – conclusões 4) e 15), al.s c. e d.;
- Impugnação da decisão sobre matéria de facto – conclusões 5) a 14) e a5), al. h)
- Quantificação dos honorários reclamados pela autora - conclusões 9) e 10)
Algumas das questões ora enunciadas foram colocadas pela primeira vez em sede de recurso, pelo que a oportunidade dessa invocação pode ser questionada.
Tal ponderação será feita a propósito da análise de cada uma delas.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
O Tribunal recorrido julgou provados e não provados os seguintes factos:
3.1.1. Factos provados
1. No exercício da sua actividade, a A. procedeu, a pedido do R., ao patrocínio judiciário deste nos processos melhor identificados a 4ª. do requerimento de injunção, tendo desenvolvido as atividades aí e a fls. 9 e seguintes melhor descritas.
2. A A. apresentou nota de honorários ao R. no valor global de 8.118,00€, por comunicação eletrónica de 26.10.2017, solicitando o pagamento da quantia em apreço.
3. A fls. 38 e seguintes, encontra-se Laudo de Honorários emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados no qual se considerou adequado o montante de 7.600,00€, acrescido de IVA, pelos serviços prestados ao R..
3.1.2. Facto não provado
4. Os pagamentos referidos a 12.º da oposição foram por conta dos honorários ora peticionado.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da nulidade da sentença
Como já se deu conta, sustentou o apelante que a sentença recorrida o condenou em montante superior ao pedido, pelo que é nula, nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. e) do CPC (art.ºs 3º a 10º das alegações, e 3), als. a) e b) e 15), al. f. das conclusões).
Estabelece o invocado preceito que a sentença é nula quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Tal nulidade consubstancia-se na violação do disposto no art.º 609º, nº1, do CPC, nos termos do qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
O vício em questão colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual e no princípio do contraditório, segundo os quais o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que tal lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada a deduzir oposição.
Quanto à explicitação do sentido da norma do art.º 615º, nº1, alínea e), do CPC, mantêm-se vivas e atuais as palavras de ALBERTO DOS REIS[4]:
“O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, Não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes.
(...)
Também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).”
Contudo, no que tange à noção de quantidade superior há que considerar que pelo menos em determinados casos o limite quantitativo da condenação é o da importância global peticionada. Com efeito, conforme se refere no ac. STJ  25-03-2010 (Vasques Dinis), p. 1052/05, proferido na vigência do CPC1961, mas cuja fundamentação se adequa perfeitamente ao disposto no art.º 609º, nº 1 do CPC2013, “Os limites da condenação contidos no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.”
Já relativamente ao objeto diverso, a regra do nº 1 do art.º 609º do CPC deve ser interpretada em sentido flexível de modo a permitir ao tribunal “corrigir” o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela – cfr. ac. STJ 18-11-2004 (Ferreira Girão), p. 04B2640.
Sobre esta questão, escreve MANUEL TOMÉ GOMES[5]:
“Também no que respeita à fixação ou condenação em objeto diferente do pedido se tem suscitado dúvidas sobre o alcance prático deste limite, em particular nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte. É o que acontece quando, por exemplo, o autor pede a resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crie é nulo por falta de forma; ou quando, por exemplo, o autor instaura uma ação de impugnação pauliana, concluindo, erradamente, pela invalidade (nulidade ou anulabilidade) do negócio impugnado, sendo que o efeito adequado é o da ineficácia relativa, à luz do disposto no artigo 6artigoº1 e 4 do CC. Será que o tribunal poderá, na primeira hipótese, declarar a nulidade do contrato e decretar a respetiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286º e 289º do CC, e, na segunda hipótese, decretar a ineficácia do negócio impugnado, dando ainda provimento à pretensão do autor?
A solução desta questão pressupõe, antes de mais, a interpretação do pedido e o entendimento de que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídico que lhe é dada pelo autor. Na verdade, é unânime a doutrina de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Assim sendo, se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa. Quando muto, importará ouvir previamente as partes sobre a solução divergente, na medida em que tal se mostre necessário a evitar uma decisão-surpresa, nos termos do nº3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.”
No caso em apreço, resulta da análise do requerimento de injunção, que a autora pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €8.118,00, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de €177,57, e dos vincendos.
Mais resulta da leitura do mesmo requerimento que a quantia peticionada a título de capital corresponde a parte do crédito de honorários que invoca, no valor de €7.600,00, acrescido de IVA, perfazendo o valor global de €9.348,00.
Com efeito, emerge ainda da leitura do mesmo requerimento de injunção que a requerente / autora alega que emitiu diversas faturas relativas aos honorários liquidados em consequência dos serviços jurídicos que prestou ao réu, faturas essas que alega terem-se vencido em datas compreendidas entre 30-01-2015 e 13-10-2017.
Finalmente, resulta também do requerimento de injunção (art.º 8º) que as faturas que a autora alega que o réu pagou se venceram em 30-01-2015 e 24-01-2017, e que as faturas que ficaram por pagar se venceram em 24-01-2017, 03-10-2017, e 13-10-2017.
Assim, a quantia de €8.118,00 peticionada a título de “capital” corresponde à diferença entre o valor dos honorários e respetivo IVA e o valor global pago, ou seja: 9.348,00€ – 1230,00€=8.118,00€.
A sentença recorrida condenou o réu a pagar ao autor a quantia de €7.600,00, acrescida de IVA à taxa legal, e dos juros de mora, desde 27-04-2017 até efetivo e integral pagamento.
Nesta conformidade, no que diz respeito ao peticionado a título de capital, a sentença recorrida condenou efetivamente em montante superior ao pedido, na medida em que determinou o pagamento da totalidade dos honorários calculados pela autora (€7600,00) acrescidos de IVA, quando a autora tinha pedido a diferença entre estes montantes e a quantia de €1.230,00.
Note-se que neste plano nenhuma relevância tem a questão de saber se os dois pagamentos €615,00 a que o requerimento de injunção se reporta resultaram ou não provados. O que releva é considerar que o pedido formulado a título de capital corresponde à diferença entre a soma da quantia de €7.600,00 e o respetivo IVA, e €1.230,00.
Assim, tendo o Tribunal a quo concluído ser adequado fixar os honorários no valor de €7.600,00 e considerando ser devido IVA, mas não querendo comprometer-se com o montante liquidado pela autora deveria ter condenado o réu a pagar a referida quantia de €7.600,00 acrescida de IVA, até ao limite global de €8.118,00 que resulta do teor do requerimento de injunção.
Não tendo estabelecido tal limite, concluímos, como fez o recorrente, que nesta parte condenou em quantidade superior ao pedido.
No que respeita aos juros de mora vencidos até à propositura da injunção, resulta expressamente do alegado no art.º 12º do requerimento de injunção que a requerente / autora os liquidou desde a data de vencimento de cada uma das faturas não pagas, o que significa que foram liquidados:
a) Sobre €307,50, desde 24-01-2017;
b) Sobre €922,50 desde 03-10-2017; e
c) Sobre €6.888,00 desde 13-10-2017;
A sentença condenou o réu e ora recorrente a pagar juros de mora desde 27-04-2017.
Para aferir se houve condenação além do pedido, teremos que liquidar tais juros considerando o capital de €9.348,00 (€7.600,00 + IVA).
De entre tais juros, os vencidos até à data da propositura da injunção (24-01-2018), contados à taxa legal de 4% [6] ao ano, totalizam €279,67 [7].
Sendo este montante superior à quantia peticionada pela autora a título de juros de mora vencidos (€177,57), forçoso é concluir que assiste razão ao recorrente também quando sustenta que a sentença recorrida o condenou em quantidade superior ao pedido, no que toca a juros de mora vencidos.
Em consequência, cumpre declarar nula tal sentença.
Aqui chegados, importa chamar à colação o disposto no art.º 665º, nº 1 do CPC que dispõe que “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.
Este comando legal pressupõe que os elementos constantes dos autos permitam conhecer do objeto do recurso, e por inerência, do mérito da causa.
Na verdade, como refere ABRANTES GERALDES[8], “a anulação da decisão (…) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo quando não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.
No caso vertente, cremos que o processo contém todos os elementos necessários à apreciação do mérito do recurso, o que passamos a fazer.
3.2.2. Da ineptidão do requerimento de injunção
Sustentou o recorrente que se verifica “a ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de causa de pedir, uma vez que o requerente para além da invocação de factos deverá fazer juntos os documentos contabilísticos, por se tratar de relação jurídica sujeita a facturação“.
Como é sabido, a ineptidão da petição ou requerimento inicial geram nulidade de todo o processado, e esta constitui uma exceção dilatória insuprível, que dá lugar à absolvição do réu da instância – art.ºs 186º, nºs 1 e 2; 278º, nº 1, al. b); 576º, nºs 1 e 2; e 577º, al. b), todos do CPC.
Contudo, estabelece o art.º  573º do nº 1 do CPC que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que “Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes, e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.
O preceito citado consagra o princípio da concentração da defesa, do qual decorre que o demandado deve deduzir na contestação ou oposição todos os meios de defesa que tenha ao seu alcance, sob pena de preclusão dos mesmos.
Não obstante, a lei processual consagra quatro exceções a esse princípio:
- os incidentes que devem ser deduzidos em separado;
- os meios de defesa supervenientes, ou seja, os fundados em factos que se verifiquem depois de esgotado o prazo para contestar ou deduzir oposição (superveniência objetiva), ou de que o demandado só tenha conhecimento depois de esgotado esse prazo (superveniência subjetiva);
- os meios de defesa que a lei expressamente admita após tal momento;
- os meios de defesa de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente.
Como decorrência deste princípio, a doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que os recursos não servem para apreciar questões (de direito ou de facto) novas, mas apenas reapreciar questões já debatidas.
Nessa medida, bem aponta ABRANTES GERALDES[9], “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Segundo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos um modelo de reponderação que vis o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.”
Por seu turno sustenta FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA[10]: “No nosso sistema processual (no que concerne à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção de efeitos jurídicos “ex-novo”. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex ante proferida, que não o julgamento de uma qualquer questão nova.”
RUI PINTO[11] sintetiza os efeitos práticos do sistema de reponderação nos seguintes termos: “não se admitem nem novos factos, nem novos fundamentos de ação ou de defesa, nem novas provas. A estes recursos dá-se a qualificação de recursos de reponderação: a decisão impugnada é reavaliada no quadro do seu próprio objeto e em razão dos seus vícios específicos, pelo que o objeto do pedido é na parte da revogação a própria decisão e na substituição a matéria que fora objeto da decisão revogada, tal e qual fora conhecida pelo tribunal a quo.”
Este entendimento foi amplamente acolhido pela jurisprudência. Como se refere no ac. STJ de 07-07-2016 (Gonçalves Rocha), p.156/12.0TTCSC.L1.S1, “Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação”. – No mesmo sentido, cfr. RC 14-01-2014 (Mª Inês Moura), p. 154/12.3TBMGR.C1, e RP 16-10-2017 (Miguel Baldaia de Morais), p. 379/16.2T8PVZ.P1.
Mas precisamente porque a lei processual admite a invocação de exceções de conhecimento oficioso após a contestação, a jurisprudência tem sublinhado que essas questões podem ser suscitadas apenas em sede de recurso – neste sentido cfr. ac. STJ 17-11-2016 (Ana Luísa Geraldes), p. 861/13.3TTVIS.C1.S2.
No caso em apreço, é inegável que só nas alegações de recurso é que o réu e ora apelante veio suscitar a exceção de ineptidão do requerimento de injunção.
Contudo, como decorre do estatuído no art.º 578º do CPC, todas as exceções dilatórias são de conhecimento oficioso, exceto algumas das modalidades de incompetência absoluta e relativa.
Assim sendo, cumpre conhecer da invocada exceção de ineptidão.
Vejamos então.
Estabelece o art.º 10º, nº 1, al. d) do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância,[12] que no requerimento de injunção deve o requerente, entre outros elementos, “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.
Trata-se, afinal da causa de pedir do procedimento de injunção, definida no art.º 581º, nº 4 do CPC como o facto jurídico em que se funda o pedido.
Como ensina SALVADOR DA COSTA[13], “A exposição sucinta dos factos que à pretensão processual do requerente servem de fundamento assume particular relevância do normativo em análise porque se trata, no fundo, da causa de pedir prevista em geral nº 1 do art.º 264º e na primeira parte da alínea C) do n. 1 do artigo 467.º, ambos do Código de Processo Civil, susceptível de apreciação jurisdicional no caso de o procedimento de injunção se transmutar em acção declarativa.
A lei não exige a indicação no requerimento de injunção das normas jurídicas ou das razões de direito em que o requerente baseia a sua pretensão, o que tem a ver, por um lado, com o facto de o secretário de justiça a quem é dirigido não controlar o mérito da pretensão formulada e, por outro, com a circunstância, no caso de o procedimento de injunção se transmutar em acção declarativa, de o tribunal conhecer oficiosamente das questões de direito.
Mas não o dispensa de invocar, no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
O requerente deverá, pois, concretizar minimamente os factos que integram a causa de pedir, sem esperar que, transmutado o requerimento de injunção em acção declarativa de condenação conexa, o juiz profira despacho de aperfeiçoamento tendente à necessária concretização, cuja omissão, proferida que seja a sentença, queda sem consequências jurídicas.
Não basta indicar que o crédito respeita a transacção comercial ou a venda de indicada mercadoria, o que se traduzirá, pelo menos, em insuficiência de causa de pedir. No mínimo, deve indicar-se a causa do direito de crédito, designadamente a estrutura do contrato e as prestações que envolveram a sua execução, não bastando a mera menção de facturas.
De contrário, no caso de transmutação do procedimento de junção em acção declarativa de condenação, pode o requerente confrontar-se com o indeferimento liminar por virtude de indefinição da obrigação contratual incumprida e, consequentemente, da envolvência do caso julgado.
Como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos reveladores do seu incumprimento por parte do requerido.
A doutrina tem considerado que a causa de pedir para efeitos de petição inicial corresponde aos elementos de facto e de direito que, no mínimo da precisão possível, permitem ao réu contestar ou a formulação de um juízo de mérito pelo tribunal em caso de revelia.
A indicação das facturas não corresponde à alegação da origem do crédito, certo que esta se traduz no contrato, que deve ser identifica quanto aos aspectos de tempo, espaço e objecto, tal como a obrigação deve ser no que concerne ao valor e à data do vencimento.
O modelo do requerimento de injunção menciona, a título exemplificativo, vários módulos negociais, designadamente a abertura de crédito, o aluguer, o aluguer de longa duração, o arrendamento, a compra e venda simples e a prestações, a empreitada, o financiamento para aquisição crédito, o financiamento de bens e serviços, a locação financeira, o mútuo seguro e a utilização de cartão de crédito, e expressa, a seguir, contra de; origem do crédito; contrato n.º; data do contrato; períodos a que refere e descrição sumária, esta com o espaço de cinco linhas e meia.
A menção contrato de sugere pretender-se que o requerente indique o módulo contratual que esteja em causa no litígio, mas isso não passa mera qualificação jurídica, ou seja, nada tem a ver com a factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir.
O número do contrato é susceptível de relevar na respectiva identificação no quadro de uma pluralidade de contratos da mesma espécie, m não constitui facto integrante da pertinente causa de pedir. A data do contrato é, porém, susceptível de relevar em sede de causa de pedir, porque funciona como elemento temporalmente delimitador da constituição direito de crédito invocado.
Mas o que verdadeiramente releva como causa de pedir é a descrição da origem do direito de crédito invocado pelo requerente ou os períodos a que se reporta; mas, contra a natureza das coisas, porventura sob o desajustado desígnio da máxima simplificação, o impresso poucas linhas lhe reserva.
 Ainda que o desígnio de quem pensou o modelo do impresso e causa fosse o de subverter os princípios gerais de processo civil relativa ao pedido e à causa de pedir, não é isso que resulta, nem podia resultar da lei.
Em consequência, se o requerimento não expressar, embora sucintamente, os factos integrantes da causa de pedir, certo é que o requerente corre o risco, na eventual apreciação jurisdicional subsequente, na acção declarativa de condenação com processo especial acima referida, de ser confrontado com uma decisão desfavorável, isto é, não lograr êxito na sua pretensão, designadamente no quadro da nulidade de todo o processo por alta ou insuficiência de causa de pedir.
Uma solução de procedimento de injunção que abstraísse da mínima menção fáctica relativa à causa de pedir só seria compreensível viável se não se transmutasse na acção declarativa de condenação tal mo está legalmente estruturada, porque para ela inexiste norma de acepção no que concerne ao pedido e à causa de pedir, ou se àquele procedimento se seguisse uma fase de julgamento absolutamente oral, limite legal de apuramento oficioso de factos ou de meios de prova.”
No caso em análise, sustenta o recorrente que se verifica o vício da ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, porquanto naquele se invocam faturas que não foram juntas aos autos.
E em abono desse entendimento invoca os acs. RL 16-05-2019 (Manuel Rodrigues), p. 89078/18.6YIPRT.L1; e RC 06-07-2010 (Carlos Querido), p. 19788/09.7YIPRT.C1.
Os mencionados arestos apreciaram situações em que no requerimento de injunção o requerente invocou a outorga de contrato(s) oneroso(s) e a subsequente subsistência de créditos sobre o requerido, créditos esses titulados por faturas.
E em ambos os arestos se considerou necessária a junção aos autos das faturas a que o requerimento de injunção se reportava.
Contudo, verifica-se igualmente que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa aplicou o DL 62/2013, de 10-05, tendo considerado essencial a junção da fatura, por se tratar de transação comercial, situação que não se verifica no caso dos presentes autos, em que está em causa a prestação de serviços jurídicos por uma sociedade de advogados a um particular, relação contratual que não é de qualificar como comercial.
Por outro lado, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra a importância conferida à fatura invocada no requerimento de injunção decorreu da necessidade de colher em tal documento elementos individualizadores que permitam identificar a relação contratual de onde emergia o crédito invocado pelo requerente, suprindo assim o laconismo do formulário do requerimento de injunção.
Ora, no caso em apreço, uma simples leitura do requerimento de injunção permite concluir que no mesmo a requerente e ora autora expôs, com clareza e algum detalhe, os factos em que sustenta o pedido formulado, na medida em que:
a) Alegou ser uma sociedade de advogados, e sustentou ter sido contactada pelo requerido, ora réu para lhe prestar diversos serviços jurídicos – art.ºs 1º a 3º do RI;
b) Discriminou, relativamente a cada processo judicial em que patrocinou o requerido, quais os atos que praticou no exercício do mandato forense, e indicou o número total de horas de trabalho prestado – art.ºs 4º e 5º do RI;
c) Esclareceu qual o critério que presidiu ao cálculo dos respetivos honorários – art.º 6º do RI;
d) Invocou a emissão de várias faturas relativas aos serviços prestados ao requerido, sustentando que este apenas pagou parte delas- art.ºs 7º a 9º;
e) Esclareceu que interpelou o requerido para pagar o montante em falta, sem sucesso, e indicou qual o montante global que ficou por liquidar – art.ºs 10º e 11º;
f) Liquidou os juros de mora vencidos até à propositura da ação – art.º 12º.
Face ao teor do alegado, não pode senão concluir-se que no requerimento de injunção a requerente e ora autora alegou factos suficientes para sustentar o pedido que formulou, respeitando por isso o ónus de alegação consagrado no art.º 10º, al. a) do Regime Jurídico da Injunção.
Aliás haverá que dizê-lo que a factualidade alegada seria suficiente para sustentar uma ação declarativa com processo comum.
Exigir, no caso vertente, a junção das faturas em apreço como condição de prosseguimento da ação seria impor, no contexto de uma forma de processo simplificada, maior rigor formal do que o previsto na forma comum.
Assim sendo, só pode concluir-se que o requerimento de injunção não padece de ineptidão por falta de causa de pedir.
É que, reiteramos, se em lugar de uma injunção a autora tivesse intentado contra o ora réu uma ação declarativa de condenação sob a forma comum, vertendo na petição inicial os mesmos factos que alegou no requerimento de injunção, sempre concluiríamos no mesmo sentido. Na verdade, mais do que uma alegação sucinta dos factos que consubstanciam a causa de pedir, a requerente verteu no requerimento de injunção uma alegação detalhada e completa dos mesmos factos.
Termos em que se conclui pela improcedência da exceção de ineptidão do requerimento de injunção.
3.2.3. Da falta ou irregularidade do mandato
Como fizemos referência, o apelante invocou também a exceção de falta ou irregularidade do mandato outorgado pela requerente e ora autora e recorrida ao Sr. Dr. DO.
Como é sabido trata-se de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, mas suprível, e que, na sequência de despacho proferido pelo relator, veio a ser suprida com a apresentação de procuração forense a favor do ilustre advogado que subscreveu o requerimento de injunção, com declaração expressa de ratificação de todo o processado pelo mesmo em representação (patrocínio) da autora no âmbito dos presentes autos.
Assim sendo, mostra-se prejudicada a apreciação da exceção em apreço.
3.2.4. Da inadmissibilidade do depoimento da testemunha arrolada pela autora
Sustentou o apelante que o Sr. Dr. DO não poderia ter sido inquirido na qualidade de testemunha, por ter subscrito o requerimento de injunção, na qualidade de mandatário da requerente, e porque o objeto do seu depoimento se achava abrangido pelo dever de sigilo profissional, não tendo sido colhida prévia autorização junto da Ordem dos Advogados, o que em seu entender infringe o disposto nos art.ºs 496º do CPC e 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados – vd. conclusões 4) e 15) al. d).
Vejamos então.
Estabelece o art.º 496º do CPC que estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.
Por seu turno estabelece o art.º 497º, nº 3 do CPC que devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários, e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo.
No caso em apreço, esta última disposição deve relacionar-se com o estatuído no art.º 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados[14], que tem o seguinte teor:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever.”
Sucede, porém, que a lei processual prevê um procedimento específico para invocar os impedimentos a que se reportam os citados preceitos.
Com efeito, estabelece o art.º 514ºdo CPC que a parte contrária pode impugnar a admissão do depoimento com os mesmos fundamentos pelos quais deve o juiz obstar à sua prestação.
E, nos termos previstos no art.º 515º do mesmo código tal incidente deve ser deduzido quando termine o interrogatório preliminar da testemunha, devendo o tribunal decidir de imediato.
No caso vertente é manifesto que o apelante não deduziu oportunamente tal incidente, dado que o mesmo não se acha documentado na ata de audiência final, nem na respetiva gravação.
Donde, ficou precludida a possibilidade de invocar os impedimentos em questão, o que sem necessidade de ulteriores considerações, nos conduziria à improcedência das conclusões em análise.
Mas mesmo que assim não fosse, sempre teríamos que concluir no mesmo sentido.
Na verdade, o art.º 496º do CPC não tem aplicação ao caso dos presentes autos, porquanto o Sr. Dr. DO não é parte na presente causa, nem tem a qualidade de legal representante da sociedade de advogados autora.
Não tendo nenhuma das referidas qualidades, nunca poderia prestar depoimento de parte nem declarações de parte em nome da autora, o que afasta liminarmente a aplicabilidade do art.º 496º do CPC.
Por outro lado, os tribunais superiores têm entendido, de modo uniforme, que nas ações de honorários, o Tribunal pode ajuizar da dispensa de sigilo profissional, sem necessidade de prévia submissão de tal questão à Ordem dos Advogados – neste sentido cfr., entre outros, os acs. STJ 27-05-2008 (Rodrigues dos Santos), p. 07B4673; e RL 17-09-2009 (Farinha Alves), p. 883/04.5TVLSB-2.
Como salienta o ac. RL 20-01-2009 (Foque Magalhães), p. 7806/2008-1, “Estando em causa a prova da matéria de facto que basicamente se reporta às relações entre as partes no âmbito da matéria de fixação e pagamento de honorários, bem como da prestação dos respectivos serviços, dir-se-á que se justifica a quebra do princípio do segredo profissional por se lhe sobrepor o da verdade material, conducente, neste caso, a que o A. obtenha uma decisão em que se lhe reconheça o seu direito ao pagamento de honorários, caso a prova produzida conduza a um tal resultado.”
Em idêntico sentido se pronunciou o ac. RP 26-04-2012 (Filipe Caroço), p.  2573/10.0TJVNF-B.P1, onde se consignou que “A igualdade e transparência na discussão judicial da relação de mandato justificam a quebra do segredo profissional que deve ceder perante o dever de colaboração para a descoberta da verdade e o direito de acesso à justiça, assim contribuindo para a dignificação da advocacia”.
Donde, também por esta razão se conclui pela improcedência das conclusões acima identificadas.
3.2.5. Da reapreciação da decisão sobre matéria de facto
3.2.5.1 Generalidades
Dispõe o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Interpretando este preceito esclarece ABRANTES GERALDES[15] que o mesmo concede à Relação o poder de, oficiosamente, alterar a decisão sobre matéria de facto, quando a mesma padeça de “determinadas patologias (…) (v.g. contradição)”, e em geral sempre que as decisões sobre matéria de facto se revelem “total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias”, nomeadamente em resultado “da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências”.
Por seu turno estatui o art.º 640º n.º 1 do mesmo código que quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. A observância desse ónus implica a indicação do início e fim das passagens dos depoimentos tidas por relevantes, podendo o recorrente, se assim o entender, proceder à transcrição dessas passagens. Tal indicação não tem necessariamente que constar das conclusões, mas deve constar da motivação do recurso. Diversamente, a indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera indevidamente julgados deve constar das conclusões.
No sentido exposto cfr., entre muitos outros, os acs. RC de 17-12-2017 (Isaías Pádua), proc. 320/15.0T8MGR.C1; STJ 06-12-2016 (Garcia Calejo), p. 437/11.0TBBGC.G1.S1, e STJ 01-10-2015 (Ana Luísa Geraldes), p. 824/11.3TTLRS.L1.S1.
Depois, há que sublinhar igualmente que este ónus de identificação precisa das passagens dos depoimentos invocados se aplica quer quando a impugnação da matéria de facto se funde exclusivamente no teor desses depoimentos, quer quando esses depoimentos constituam um dos meios de prova que sustentam entendimento diverso do expresso pelo Tribunal recorrido, a conjugar com outros meios de prova igualmente invocados pelo recorrente, nomeadamente documentais ou periciais.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Sumariando os ónus impostos pelo citado preceito, ensina ABRANTES GERALDES[16]:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…)”
Não obstante, haverá que ter presente que enquanto a primeira instância toma contacto direto com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, ou as reações perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois privada de todos esses elementos não verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova.
Por outro lado, como bem aponta o ac. desta Relação, de 21-06-2018 (Ondina Alves), proc. 18613/16.7T8LSB.L1-2[17], “nunca é de mais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efetuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.                          
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.
Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1)”.
3.2.5.2. Da alteração oficiosa
No caso vertente, verifica-se que o ponto 1. dos factos provados, se reporta aos atos praticados no exercício do mandato forense e que justificaram os honorários liquidados pela autora e peticionados nestes autos sem enunciar que atos foram esses, limitando-se a remeter para o art.º 4º do requerimento de injunção, e para o documento de fls. 9 e 10 dos presentes autos.
Em nosso entender tal modo de proceder contraria as melhores práticas em matéria de exposição dos factos relevantes para a decisão.
Com efeito, e como dispõe o art.º 607º, nº 3 do CPC, na sentença deve o juiz “discriminar os factos que considera provados”.
Pronunciando-se sobre a forma como a exposição dos factos provados e não provados deve ser feita, assinala MANUEL TOMÉ SOARES GOMES[18] que “o teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respetivas fontes de conhecimento (…). Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
Nessa linha o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. (…)
Por outro lado, há que usar de muita cautelar na remissão para o teor de documentos juntos ao processo, devendo-se, em princípio, transcrever os conteúdos do teor do documento que reproduzem factos considerados provados. Nessa linha, o juízo probatório deve refletir, de modo inequívoco, as declarações negociais ou de ciência constantes de documento que se considerem ou não assumidas pelos seus autores, sem deixar margem para especular sobre essa assunção.
(…). Porém, quando se esteja em presença de documentos em que se registam dados de leitura e definição inequívocas, como por exemplo, uma fatura donde conste as espécies, quantidades, datas e importâncias de fornecimento de bens, não se vê inconveniente em que o juízo probatório se faça por remissão para tais dados.”
Concordando inteiramente com o exposto pelo insigne Conselheiro, acrescentaremos ainda um argumento no reforço do entendimento de que é de evitar a exposição factual por remissão para o teor de documentos: Na verdade, esta técnica dificulta a compreensão da decisão judicial pelas próprias partes, na medida em que as obriga a conjugar a leitura da sentença com a análise de documentos juntos ao processo e aos quais nem sempre têm fácil acesso, sendo certo que a sua identificação, por quem não seja profissional do foro se revela sempre mais difícil.
Acresce que a descrição dos serviços jurídicos prestados e o tempo de trabalho em que tal atividade se consubstanciou se revestem de importância central na delimitação da causa de pedir da ação, o que a nosso ver desaconselha vivamente aquela remissão.
Nesta conformidade concluímos que, a redação deste facto deve ser alterada, de modo a que nele se enunciem diretamente os atos praticados no exercício do mandato forense em apreço, e aos quais se reporta a nota de honorários em disputa na presente causa, eliminando-se desta forma as duas remissões acima referidas.
Para tanto transcrever-se-ão os trechos do requerimento de injunção e do documento de fls. 9 e 10 onde consta a descrição de tais factos.
Note-se que, como referiu a sentença recorrida, os factos atinentes à descrição dos serviços jurídicos prestados, devem considerar-se assentes por acordo das partes, nos termos do disposto no art.º 574º, nº 2 do CPC, porquanto alegados no art.º 4º do requerimento de injunção, e não impugnados no articulado de oposição, sendo certo que esse acordo das partes se deve conjugar com o teor do documento de fls. 9 e 10, junto pelo réu, e que o autor não impugnou.
Finalmente, como se consignou na motivação da decisão sobre matéria de facto, o número de horas despendidas é de considerar provado porquanto por um lado, o réu não impugnou a alegação da autora quanto às tarefas desenvolvidas no exercício do mandato, e, por outro, no laudo pericial, a Ordem dos Advogados sustentou que, considerando o número e a natureza dessas tarefas, e as regras de experiência relativas ao exercício da profissão, o número global de horas contabilizadas (76) é até escasso.
Assim sendo, o ponto 1. dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
1. No exercício da sua atividade enquanto sociedade de advogados a autora, nomeadamente através do Sr. Dr. DO, procedeu, a pedido do réu, ao patrocínio judiciário deste nos processos n.ºs 321/15.8BELSB; 20541/15.4T8SNT, 20541/15.4T8SNT-A; 11077/10.0T2SNT-B; 31490/12.8T2SNT; e 17/16.3T8MFR, tendo desenvolvido em tais processos as seguintes atividades:
a. Proc. 321/15.8BELSB, que corre termos no TAC Lisboa (Impugnação Administrativa – Exército Português)
- Estudo do Processo
- Elaboração da Petição Inicial de grande complexidade (393.º artigos e 37 contra-interessados)
- Estudo da Contestação
- Resposta às exceções invocadas na Contestação
… num total de 9 horas de trabalho
b. Proc. 20541/15.4T8SNT (Anna Edith Neto Rego Loureiro – ação executiva):
- Estudo do Processo
- Requerimento de Execução de Decisão judicial condenatória
- Comunicação Agente de Execução – Penhora de veículo automóvel
- Comunicação Agente de Execução – Penhora de Imóvel
- Comunicação Agente de Execução – Levantamento de penhora de veículo automóvel
… num total de 3 horas de trabalho
c. Proc. 20541/15.4T8SNT-A (Amadeu Sebastião Loureiro – Embargos de terceiro):
- Estudo do Processo
- Elaboração da contestação aos embargos
… num total de 4 horas de trabalho
d. Proc. 11077/10.0T2SNT-B (Processo de inventário – ativos superiores a 500.000,00€):
- Estudo da relação de bens (Processo tinha-se iniciado 24/11/2010) e no aludido processo a Requerente já era o terceiro mandatário.
- Requerimento no processo – solicitar a marcação de audiência dos interessados;
- Conferência dos interessados 19/12/2016 (Sintra);
- Requerimento Processo – Saldos Bancários;
- Resposta à reclamação da ex-cônjuge – saldos bancários;
- Requerimento Processo – Junção prova suplementar - Ouro;
- Estudo da Resposta da ex-cônjuge ao requerido;
- Conferência dos interessados (Mafra);
- Elaboração de nova relação de bens (com mais de 700 itens).
- … num total de 37 horas de trabalho
e. Proc. 31490/12.8T2SNT (venda executiva imóvel)
- Estudo das alegações de recurso (Novo Banco, S.A.)
- Proposta de transação - Novo Banco, S.A.
- Estudo do Acórdão do TRL
- Requerimento no Processo – valor da venda
- Nova proposta de transação - Novo Banco, S.A.
- Requerimento no Processo – Direito de remição
- Requerimento no Processo – Pagamento IMI e IS
- Comunicação Agente de Execução - Direito de remição
- Comunicação Agente de Execução - Pagamento IMI e IS
- Reclamação da nota de liquidação
- Estudo da Reclamação da Executada (ex-cônjuge) – nulidade de citação
- Resposta às nulidades arguidas e requerimento da redução da penhora
- … num total de 7 horas e 30 minutos de trabalho
f. Proc. 17/16.3T8MFR (responsabilidade contratual – RE):
- Requerimento de Injunção
- Petição inicial
- Resposta à contestação – impugnação de documentos
- Tentativa de conciliação (Mafra)
- Receção da Sentença (estudo)
- Reclamação da Sentença
- Alegações de Recurso
… num total de 15 horas e 30 minutos de trabalho
Por seu turno, também o ponto 2. dos factos provados deve ser alterado, por duas razões a que já se aludiu aquando da análise da nulidade da sentença.
A primeira decorre da circunstância de o valor global da nota de honorários não ser de €8.118,00, mas sim de €9.348,00, sendo certo que a nota de honorários ali mencionada não faz referência àquele montante, mas sim a este.
Na verdade, como decorre da leitura do requerimento de injunção, a quantia de €8.118,00 corresponde à diferença entre o montante liquidado a título de honorários e o valor global dos pagamentos efetuados pelo réu.
Estes factos encontram-se provados por acordo das partes, visto que os art.ºs 6º a 11º do requerimento de injunção não foram impugnados pelo réu, e bem assim face ao teor do documento de fls. 9-10, junto pelo próprio réu, e que consubstancia a nota de honorários que lhe foi enviada, sendo certo que do teor desta o réu apenas impugnou o número de horas de trabalho despendidas no processo de inventário[19].
A segunda, decorre da circunstância de o mesmo ponto da matéria de facto enfermar de lapso de escrita, porquanto ali se menciona a data de 26-10-2017, quando o email que contém a nota de honorários ostenta a data de 26-04-2017. Tal lapso parece-nos manifesto até porque no dispositivo da sentença consta a condenação do réu a pagar juros de mora desde 27-04-2017.
Assim sendo, o ponto 2. dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
2. Em 26-04-2017 a autora enviou ao réu a mensagem de correio eletrónico de fls. 9 e 10, nos termos da qual lhe apresentou nota de honorários com as menções referidas em 2., no valor de €7.600,00 acrescido de IVA, perfazendo o valor global de €9.348,00.

Por outro lado, a factualidade considerada na sentença recorrida é insuficiente, e carece de complemento e concretização, na medida em que nos art.ºs 7º e 8º do requerimento de injunção a autora alegou ter emitido cinco faturas relativas aos honorários liquidados, com datas de emissão distintas e sustentou que o réu só pagou duas delas, sendo certo que como também já se referiu, a quantia de €8.118,00 corresponde à diferença entre o valor global liquidado e o valor pago, e que os juros de mora vencidos até à propositura do requerimento de injunção foram calculados pela autora em função das datas das faturas que se encontravam por liquidar.
Assim, os factos respeitantes à emissão das faturas e aos montantes e datas de cada uma delas têm relevância, tal como releva o pagamento de duas dessas faturas.
Todos estes factos se acham provados por acordo das partes, visto que o réu não impugnou os art.ºs 7º e 8º do requerimento de injunção, tendo inclusivamente confirmado os pagamentos referidos neste último - vd. art.º 12º do articulado de oposição.
Estes pagamentos surgem referidos no ponto 4. da decisão sobre matéria de facto, de uma forma obscura e ambígua, visto que este ponto se reporta a factos não provados.
Com efeito, ali se consignou como não provado que “os pagamentos referidos a 12ª da oposição foram por conta dos honorários ora peticionado”.
Esta formulação é obscura e ambígua, por duas razões:
A primeira decorre da circunstância de no art.º 12º da oposição se referirem quatro pagamentos: a saber, os dois pagamentos referidos no art.º 8º do requerimento de injunção (no valor de €615,00 cada), os quais se devem considerar assentes por acordo, como já mencionado; e ainda dois outros pagamentos (nos montantes de €500,00 e €550,00), a que o requerimento de injunção não faz qualquer referência.
A segunda reside na circunstância de a redação deste ponto 4. sugerir que o Tribunal considera que tais pagamentos ficaram provados, embora considere não provada a sua imputação aos honorários peticionados[20], e não mencione qualquer pagamento no elenco dos factos provados.
Quanto a esta matéria, verificamos que a testemunha arrolada pela autora, Sr. Dr. DO, declarou que o réu lhe fez dois pagamentos, por meio de transferência bancária para a sua conta pessoal, sendo o primeiro no valor de €500,00, em 23-03-2015, e o segundo em 16-08-2016, no valor de €550,00, e que tais pagamentos correspondem às transferências bancárias registadas nos documentos de fls. 30 e 31.
Mais esclareceu que foram serviços que prestou a título pessoal, com autorização da sociedade autora.
A mesma testemunha afirmou também, que a transferência no valor de €500,00 se destinava a liquidar os honorários relativos à “fase graciosa” do processo de promoção do réu a tenente-coronel, ou seja, a intervenções no domínio do procedimento administrativo que antecederam a propositura de ação nos tribunais administrativos e fiscais; e que o pagamento de €550,00 se destinava a liquidar os honorários relativos à sua intervenção num processo intentado num Julgado de Paz, em que foi autora a mulher do réu (23:50 a 26:30).
Quanto à testemunha arrolada pelo réu (com quem é casada), a mesma também se reportou a um pagamento no valor de €550,00 efetuado em 2016, que disse ser relativo a honorários de serviços que lhe foram prestados, a saber, um processo que correu termos no Julgado de Paz, respeitante a uma viatura sua, e uma questão relativa a ausências ao serviço que lhe foram imputadas pela sua entidade empregadora, a GNR (03:30 a 04:10; 04:20; 12:30 a 14:00).
A mesma testemunha referiu ainda um pagamento no valor de €500,00, feito por transferência bancária, relativo a processos em que era parte o réu, e aos quais se reportou como “o processo da loja” e o processo respeitante a “partilhas” (22:30 a 22:40).
Deste acervo factual resulta a convicção clara de que os dois pagamentos referidos foram efetivamente provados, e que o pagamento de €550,00 se destinava a liquidar honorários relativos à intervenção do Sr. Dr. DO no litígio que veio a ser dirimido no Julgado de Paz. Portanto, quanto a este ficou inequivocamente demonstrado que não se destinava a liquidar honorários peticionados nestes autos.
Quanto ao pagamento de €500,00, constata-se uma flagrante contradição entre os dois depoimentos, que não possibilita retirar nenhuma conclusão segura quanto à sua imputação.
Assim sendo, a fim de esclarecer as questões de facto relacionadas com os pagamentos invocados por autora e réu nos articulados, decide-se acrescentar ao elenco de factos provados três novos factos, com o seguinte teor:
3. … e, com vista à satisfação deste montante, emitiu e enviou ao réu as faturas com os nºs:
- 29/2015A, no montante de €615,00, emitida em 30-01-2015;
- 27/2017A, no montante de €307,50 emitida em 24-01-2017;
- 28/2017A, no montante de €615,00 emitida em 24-01-2017;
- 333/2017A, no montante de €922,50€, emitida em 03-10-2017;
- 357/2017A, no montante de €6.888,00, emitida em 13-10-2017.
4. O réu entregou à autora as quantias a que se reportam as faturas com os n.ºs  29/2015A e 28/2017A.
5. O réu também entregou ao Sr. Dr. DO as seguintes quantias, por meio de transferência bancária:
a. Em 20-03-2015, a quantia de €500,00;
b. Em 16-08-2016, a quantia de €550,00.
Por outro lado, e em consequência, a redação do ponto considerado não provado deve assim ser alterada, de modo a precisar que não resultou provado que os pagamentos nos montantes de €500,00 e €550,00 referidos em 5. se destinassem a liquidar os honorários referidos em 2.
Assim sendo, o facto não provado, que na sentença consta sob o nº 4 passará a designar-se por al. a), com a seguinte redação:
a) Que as quantias referidas em 5. se destinassem a satisfazer os honorários referidos em 2.
No que respeita ao ponto 3. do elenco de factos provados constantes da sentença o mesmo deve ser suprimido, na medida em que o laudo emitido pela Ordem dos Advogados não constitui um facto em discussão na causa nem faz parte da causa de pedir, antes constitui um parecer a apreciar livremente pelo Tribunal no tratamento jurídico da causa.
3.2.5.3. Da observância dos ónus prescritos no art.º 640º do CPC
Analisando a motivação e as conclusões vertidas no recurso do apelante verificamos que o mesmo ficou longe de os ter observado na perfeição, dado que em lugar de identificar com clareza os concretos pontos de facto que pretendia impugnar, e enunciar a decisão que em seu entender deve ser proferida, se limitou a tecer considerações acerca da prova gravada [art.ºs 22º a 52º da motivação do recurso e art.ºs 4) a 6) das conclusões], para concluir que “terá que se considerar provada a existência de ajuste prévio de honorários que se liquida no máximo em €1.000,00 por processo com vencimento na 1ª instância” (art.ºs 2) e 7) das conclusões), embora sem enunciar qual a formulação.
Tal significa que só uma interpretação generosa do disposto no art.º 640º, nº 1 do CPC nos conduz à conclusão de que o apelante respeitou e observou os ónus a que se reportam as als. a) e c) do mencionado preceito.
Assim sendo, cumpre analisar o mérito da impugnação da decisão sobre matéria de facto no sentido de aferir se autora e réu celebraram acordo sobre fixação de honorários, tal como invocado nos art.ºs 4º a 6º do articulado de oposição.
A este propósito dir-se-á que esta matéria não consta nem do elenco dos factos provados, nem do elenco dos factos não provados, sendo certo que se trata de um facto oportunamente alegado, que configura uma exceção perentória, e tem manifesto interesse para a decisão da causa.
3.2.5.4. Do mérito da impugnação da decisão sobre matéria de facto
Relativamente a este invocado acordo sobre a fixação de honorários, importa, em primeiro lugar ter presente o disposto no art.º 105º, nºs 1 e 2 do EOA.
Com efeito, dispõe o nº 1 deste preceito que “Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.”
E acrescenta o nº 2 que “Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.”
A referência à possibilidade de os honorários assumirem a forma de retribuição fixa a que se reporta o nº 1 indicia que tal modalidade depende de acordo entre advogado e cliente. Esta inferência é confirmada pelo nº 2 do mesmo preceito, que estabelece que na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
Assim, o estabelecimento de um montante fixo depende de acordo entre as partes, o que se compreende em nome da transparência. Com efeito, na falta de tal acordo, a apresentação, pelo advogado, de uma nota de honorários com um montante global fixo, não permitiria aferir se tais honorários foram ou não os adequados aos serviços efetivamente prestados.
Não obstante, a interpretação desta disposição suscita duas questões:
Em primeiro lugar importa determinar se a redução a escrito corresponde a uma forma especial, ou constitui uma mera condição da dispensa da apresentação da nota de honorários discriminada.
Em segundo lugar, caso se trate de forma especial, importa aferir se se trata de uma formalidade ad substantiam, ou ad probationem.
No que tange à primeira questão se debruçou o ac. RP 31-02-2012 (Ramos Lopes), p. 409501/09.9YIPRT-C1.P1 nos seguintes termos[21]:
“Na vigência do anterior E.O.A. entendia-se que a existência de acordo verbal quanto ao montante de honorários (e não existência de conta/reclamação do respectivo pagamento) isentava o advogado de apresentar ao cliente uma conta por escrito, pois que esta (nota de honorários) tem como escopo permitir ao cliente ajuizar da sua justeza e do destino dado às provisões entregues[8].
A actual lei não traduz qualquer alteração ao direito pregresso.
O art.º 100º, nº 2 do vigente E.O.A., ao dispor que o advogado deve, na falta de convenção prévia reduzida a escrito, apresentar ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados, significa precisamente isso – que o advogado deve apresentar ao cliente a respectiva conta com a discriminação dos serviços prestados, de modo a permitir ao cliente ajuizar dos critérios observados para a determinação do montante fixado quanto aos honorários, não estabelecendo já qualquer excepção ao princípio da liberdade de forma (à consensualidade) consagrado no art.º 219º do C.C. determinando a necessidade do acordo prévio observar a forma escrita.
Podem o advogado e o cliente, no exercício da sua liberdade contratual (corolário da autonomia da vontade), convencionar previamente o montante dos honorários que representam o correspectivo dos serviços a prestar, não necessitando de reduzir uma tal convenção a escrito.
Se uma tal convenção for reduzida a escrito, fica o advogado dispensado de apresentar ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados; não sendo tal convenção reduzida a escrito, deverá o advogado, prestados os serviços, apresentar tal conta.
Esse, e só esse, o significado do nº 2 do art.º 100º do E.O.A..
Mesmo que assim se não entenda e se considere que o art.º 100º, nº 2 do E.O.A. traduz uma excepção ao princípio da consensualidade, sempre terá então de reconhecer-se que a formalidade prescrita é meramente ad probationem e não já ad substantiam, e assim, que da sua inobservância não resulta a invalidade da convenção e, por consequência, a sua irrelevância.
Que uma tal formalidade (a entender-se que o art.º 100º, nº 2 do E.O.A. representa uma excepção ao princípio da liberdade de forma) só foi estabelecida pela lei com a finalidade de se obter prova segura quanto ao ajuste prévio resulta não só da consideração de que nenhuma das outras finalidades possíveis para o formalismo negocial estão presentes mas também da circunstância da lei fazer corresponder à inobservância de tal forma escrita a necessidade do advogado apresentar ao cliente nota de honorários com discriminação dos serviços prestados – e assim, por contraponto, a desnecessidade de apresentar uma tal nota em caso de observância de tal formalismo.
Resulta do que vem de dizer-se que o ajuste prévio de honorários, mesmo que não obedeça à forma escrita, vincula as partes à sua observância, designadamente o advogado.”
Idêntica posição foi sustentada no ac. RL 13-11-2018 (Micaela Sousa)[22], p. 775/10.9T2SNT-AB.L1.
Esta tese foi criticada por CARLOS MATEUS[23], que argumentou nos seguintes termos:
O ajuste prévio não era proibido no Estatuto Judiciário. Preceituava o § único do art.º 1409.º do C.C. de 1867, que “Em falta de ajuste, os tribunais arbitrarão os vencimentos (…)”.
O ajuste prévio de honorários foi contemplado expressamente no Decreto-Lei n.º 84/84, que, no n.º 4 do art.º 65.º (EOA), não cuidou, porém, da forma.
Até ao art.º 100.º do EOA de 2005, funcionava em pleno a liberdade da forma.
Conjugando, agora, o n.º 2 do art.º 100.º com os n.ºs 2 e 3 do art.º 101.º, verifica-se que a convenção prévia passou a ter dois requisitos: i) redução a escrito e ii) antes da conclusão definitiva do negócio.
Argumenta o douto acórdão a favor da formalidade ad probationem que a forma escrita da convenção prévia não é condição de validade desta, mas apenas um requisito para que os honorários contratados sejam logo exigíveis, sem necessidade de apresentar ao cliente a respetiva conta de honorários com a discriminação dos serviços prestados.
Mesmo assim, tratando-se de uma formalidade simplesmente probatória, o ajuste prévio meramente verbal apenas poderá ser provado por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conte de documento de igual ou superior valor probatório (art.º 364.º, n.º 2 do C.C.). Parece, pois, não ser permitido ao cliente provar o ajuste prévio verbal com recurso a testemunhas, presunção judicial, exame pericial ou inspeção judicial – cfr., respetivamente, os artigos 393.º, n.º 1, 351.º, 388.º e 390.º do Código Civil.
Parafraseando Pires de Lima e Antunes Varela, “a regra é a de que os documentos escritos são exigidos como formalidade ad substantiam. Daí o princípio da nulidade consagrado no art.º 220.º”.
Quando a lei exige como forma de declaração negocial um documento escrito, este não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior – art.º 364.º, n.º 1 do C.C..
Não resulta claramente do n.º 2 do art.º 100-º do EOA, que o documento ali exigido é apenas para prova da declaração das partes, funcionando como excepção prevista no n.º 2 do citado art.º 364.º. A determinação da excepção – resulta claramente da lei que o documento é exigido apenas para a prova da declaração –, conduz-nos à interpretação da lei (art.º 9.º do C.C.).
O ajuste prévio escrito obriga as partes a refletir sobre o conteúdo do negócio e a consequência dos seus actos, defendendo-as contra a sua ligeireza ou precipitação, permitindo uma formulação precisa e completa da vontade das partes.
O advogado tem interesse em fixar previamente os seus honorários, para no futuro, cessada a prestação da sua actividade, não debater com o cliente o valor e o pagamento dos mesmos. Por sua vez, o cliente orçamenta a despesa e é nesse pressuposto que contrata o advogado.
Contrariamente ao defendido no douto acórdão em análise, entendemos que, salvo melhor opinião em contrário, a exigência legal de documento para a convenção prévia (art.º 100.º, n.º 2 do EOA) constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam, nos termos do art.º 364.º, n.º 1, do Cód. Civil.”
Reportando-se também à exigência da forma escrita, em termos que implicitamente parecem apontar para a sua qualificação como formalidade ad substantiam, vd. igualmente ac. RP 10-11-2015 (Fernando Samões), p. 7302/08.6TBMTS.P1.
Havendo que tomar posição, aderimos resolutamente à ultima tese descrita.
Na verdade, quer a letra do preceito em apreço (nº 2 do art.º 67º do EOA), quer o seu espírito sustentam a conclusão de que a referência a acordo escrito traduz uma exigência de forma especial da declaração que configura uma formalidade ad substantiam.
Uma tal interpretação apoia-se em duas circunstâncias:
- Por um lado, trata-se de uma matéria que importa rodear de particulares cautelas, até por necessidade de segurança e certeza.
- Por outro lado, a prova testemunhal sempre se revestiria de dificuldades especiais, na medida em que muito dificilmente tal acordo seria presenciado por terceiros.
Nesta conformidade concluímos que o acordo sobre honorários a que se reporta o art.º 67º, nº 2 do EOA está sujeito a forma escrita, e que tal exigência corresponde a uma formalidade ad substantiam, razão pela qual não pode provar-se por testemunhas – art.ºs 219º, 2ª parte, 220º, e 393º, nº 1 do CC.
No caso vertente, inexiste nos autos qualquer documento que faça prova do acordo invocado pelo réu, sendo de salientar que a junção dos documentos de fls. 47-48 e 84-85 (mensagem e correio eletrónico de 12-04-2017) foi rejeitada nos termos constantes dos despachos de fls. 61 (refª 121549553, de 08-10-2019) e 116 a 119 (refª 15753317, de 03-06-2020).
É certo que se encontra junto aos autos uma mensagem de correio eletrónico datado de 06-01-2015, no qual consta como remetente o Sr. Dr. DO, e como destinatários diversas pessoas, entre as quais o réu e, no qual, reportando-se à possibilidade de intentar ação no tribunal administrativo com vista ao reconhecimento do direito do réu e outros colegas à promoção a tenente-coronel, o primeiro declara:
“o valor dos honorários variará conforme o número de interessados na impugnação, mas situar-se-á, se a acção terminar na 1º instância, com vencimento de causa em cerca de 1.000,00 euros por interessado. Para a preparação da acção e independentemente do resultado, será sempre cobrada uma provisão no valor mínimo de 500,00 euros por interessado. Em caso de recurso(s), este valor terá de ser revisto.”
Confrontada com esta mensagem, a testemunha Sr. Dr. DO reconheceu tê-la enviado, sublinhando, porém que se tratava de uma estimativa, que sempre dependeria do número de militares a patrocinar, e da instância que proferisse a decisão final (10:30 a 14:10).
Da análise do referido e-mail, cremos que o mesmo não pode sequer ser interpretado como proposta de fixação do montante de honorários, mas de uma mera estimativa.
Assim sendo fica prejudicada a apreciação da demais prova testemunhal produzida quanto a esta matéria do invocado acordo sobre honorários, concluindo-se pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Nesta conformidade e suprindo mais esta insuficiência da decisão sobre matéria de facto, deve considerar-se também não provado o seguinte facto:
b) Que autora e réu tenham acordado fixar o montante dos honorários relativos a cada um dos processos referidos em 1. em €500,00, acrescido de impostos, ou em qualquer outro montante.
 3.2.5.5. Nova redação do elenco de factos provados e não provados
Face a todo o exposto, cumpre reformular o elenco dos factos provados e não provados, o qual passará a ser o seguinte:
Factos provados:
1. No exercício da sua atividade enquanto sociedade de advogados a autora, nomeadamente através do Sr. Dr. DO, procedeu, a pedido do réu, ao patrocínio judiciário deste nos processos nºs 321/15.8BELSB; 20541/15.4T8SNT, 20541/15.4T8SNT-A; 11077/10.0T2SNT-B; 31490/12.8T2SNT; e 17/16.3T8MFR, tendo desenvolvido em tais processos as seguintes atividades:
a. Proc. 321/15.8BELSB, que corre termos no TAC Lisboa (Impugnação Administrativa – Exército Português)
- Estudo do Processo
- Elaboração da Petição Inicial de grande complexidade (393.º artigos e 37 contra-interessados)
- Estudo da Contestação
- Resposta às exceções invocadas na Contestação
… num total de 9 horas de trabalho
b. Proc. 20541/15.4T8SNT (Anna Edith Neto Rego Loureiro – ação executiva):
- Estudo do Processo
- Requerimento de Execução de Decisão judicial condenatória
- Comunicação Agente de Execução – Penhora de veículo automóvel
- Comunicação Agente de Execução – Penhora de Imóvel
- Comunicação Agente de Execução – Levantamento de penhora de veículo automóvel
… num total de 3 horas de trabalho
c. Proc. 20541/15.4T8SNT-A (Amadeu Sebastião Loureiro – Embargos de terceiro):
- Estudo do Processo
- Elaboração da contestação aos embargos
… num total de 4 horas de trabalho
d. Proc. 11077/10.0T2SNT-B (Processo de inventário – ativos superiores a 500.000,00€):
- Estudo da relação de bens (Processo tinha-se iniciado 24/11/2010) e no aludido processo a Requerente já era o terceiro mandatário.
- Requerimento no processo – solicitar a marcação de audiência dos interessados;
- Conferência dos interessados 19/12/2016 (Sintra);
- Requerimento Processo – Saldos Bancários;
- Resposta à reclamação da ex-cônjuge – saldos bancários;
- Requerimento Processo – Junção prova suplementar - Ouro;
- Estudo da Resposta da ex-cônjuge ao requerido;
- Conferência dos interessados (Mafra);
- Elaboração de nova relação de bens (com mais de 700 itens).
- … num total de 37 horas de trabalho
e. Proc. 31490/12.8T2SNT (venda executiva imóvel)
- Estudo das alegações de recurso (Novo Banco, S.A.)
- Proposta de transação - Novo Banco, S.A.
- Estudo do Acórdão do TRL
- Requerimento no Processo – valor da venda
- Nova proposta de transação - Novo Banco, S.A.
- Requerimento no Processo – Direito de remição
- Requerimento no Processo – Pagamento IMI e IS
- Comunicação Agente de Execução - Direito de remição
- Comunicação Agente de Execução - Pagamento IMI e IS
- Reclamação da nota de liquidação
- Estudo da Reclamação da Executada (ex-cônjuge) – nulidade de citação
- Resposta às nulidades arguidas e requerimento da redução da penhora
- … num total de 7 horas e 30 minutos de trabalho
f. Proc. 17/16.3T8MFR (responsabilidade contratual – RE):
- Requerimento de Injunção
- Petição inicial
- Resposta à contestação – impugnação de documentos
- Tentativa de conciliação (Mafra)
- Receção da Sentença (estudo)
- Reclamação da Sentença
- Alegações de Recurso
… num total de 15 horas e 30 minutos de trabalho
2. Em 26-04-2017 a autora enviou ao réu a mensagem de correio eletrónico de fls. 9 e 10, nos termos da qual lhe apresentou nota de honorários com as menções referidas em 2., no valor de €7.600,00 acrescido de IVA, perfazendo o valor global de €9.348,00;
3. … e, com vista à satisfação deste montante, emitiu e enviou ao réu as faturas com os nºs:
- 29/2015A, no montante de €615,00, emitida em 30-01-2015;
- 27/2017A, no montante de €307,50 emitida em 24-01-2017;
- 28/2017A, no montante de €615,00 emitida em 24-01-2017;
- 333/2017A, no montante de €922,50€, emitida em 03-10-2017;
- 357/2017A, no montante de €6.888,00, emitida em 13-10-2017.
4. O réu entregou à autora as quantias a que se reportam as faturas com os n.ºs 29/2015A e 28/2017A.
5. O réu também entregou ao Sr. Dr. DO as seguintes quantias, por meio de transferência bancária:
a. Em 20-03-2015, a quantia de €500,00;
b. Em 16-08-2016, a quantia de €550,00.

Factos não provados:
a) Que as quantias referidas em 5. se destinassem a satisfazer os honorários referidos em 2.
b) Que autora e réu tenham acordado fixar o montante dos honorários relativos a cada um dos processos mencionados em 1. em €500,00, acrescido de impostos, ou em qualquer outro montante.
3.2.6. Dos honorários devidos à autora
Da factualidade provada flui com evidência que a autora, nomeadamente através do Sr. Dr. DO, prestou ao réu serviços de advocacia, traduzidos no patrocínio do mesmo em diversos processos de judiciais, em que este foi parte[24].
Tal relação jurídica consubstanciou-se, pois, no essencial, num (ou vários) contrato(s) de mandato forense.
A esta figura alude o art.º 67º do EOA nos seguintes termos:
“1 — Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, considera-se mandato forense:
a) O mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;
b) O exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas;
c) O exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas colectivas públicas ou respectivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.
2 — O mandato forense não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.”
Idêntica formulação tem o art.º 2º da Lei nº 49/2004, de 24 de agosto, diploma que delimita o sentido e alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores, bem como a tipificação do crime de procuradoria ilícita, e define mandato forense como “o mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz”.
O mandato forense é, pois, um mandato especial, que se rege pelas normas que lhe são próprias e, subsidiariamente, pelas regras gerais sobre o mandato, desde logo os art.ºs 1157º e segs. do CC.
Tratando-se de um mandato exercido por quem faz de tal exercício a sua profissão, o mandato forense presume-se oneroso – art.º 1158º, nº 1, 2ª parte do CC.
A remuneração devida ao advogado pelo exercício do mandato forense designa-se honorários.
Nos termos do disposto no nº 2 do último preceito citado, a quantificação da remuneração do mandato oneroso faz-se recorrendo sucessivamente aos seguintes critérios: acordo das partes; tarifas profissionais; usos; equidade.
No caso em apreço não resultou provado qualquer acordo de fixação de honorários.
Acresce que ainda que se considerasse que a mensagem de correio eletrónico de fls. 7-8 deve ser qualificada como proposta de acordo quanto à fixação de honorários, e que se verificou aceitação tácita do réu, a verdade é que um tal acordo se reportaria a um único processo, a saber o processo relativo à promoção do réu a tenente-coronel, sendo certo que na nota de honorários que apresentou ao réu a autora imputou a este processo nove horas de trabalho, a um valor unitário de €100,00[25], perfazendo €900,00, pelo que um tal acordo não teria sido desrespeitado.
Por outro lado, quanto aos demais processos, inexiste nos autos qualquer prova documental que permita concluir ter sido celebrado acordo escrito de fixação e honorários.
Também não foi invocado, nem se apurou que existam quaisquer tarifas profissionais ou usos que permitam quantificar os honorários devidos pelos serviços prestados pela autora ao réu.
Nesta conformidade, a determinação do valor a que a autora tem direito a título de honorários pelos serviços prestados ao réu deverá ser feita de acordo com o critério da equidade – art.º 1158º, nº 2 do CC.
Na concretização da aplicação deste critério deve atender-se ao disposto no art.º 105º do EOA.
Nos termos do disposto no nº 1 deste preceito, tais honorários devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços prestados, devendo ser fixada em dinheiro.
Por outro lado, estabelece o nº 3 do mesmo preceito que na quantificação do montante dos honorários se deve atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades assumidas e aos demais usos profissionais.
CUNHA GONÇALVES [26] sustentava que o tempo de estudo se reveste de menor importância, por depender da ciência e da inteligência do advogado.
Diferentemente, para ANTÓNIO ARNAUT[27] o papel preponderante cabe precisamente ao tempo despendido.
MOITINHO DE ALMEIDA[28] salienta que a atividade profissional do advogado se traduz essencialmente numa relação de meios e não tanto de resultado, embora o resultado obtido assuma relevância para o cliente, pelo que deverá igualmente ser sopesado.
Já ORLANDO GUEDES DA COSTA[29] sublinha os critérios legais (consagrados no art.º 1158º do CC e 105º do EOA) não são taxativos, mas meramente exemplificativos; e advoga que se deve compensar o esforço e a urgência do serviço, a reputação do profissional forense e o local e o tempo da prestação do serviço (nomeadamente quando este implique deslocações ou seja prestado durante as férias judiciais, ou em fins-de-semana].
Seja como for, como sublinhou o ac. STJ 02-10-2008 (Pereira da Silva), p. 08B2337, a fixação judicial dos honorários de advogado é sempre marcada por um elemento de discricionariedade “não no sentido que se dá à palavra no contencioso administrativo (…), antes no sentido civilístico que muito tem a ver com a boa-fé que impregna toda a relação contratual e com os inevitáveis poderes do juiz no procedimento das normas contendo conceitos indeterminados pois, para além da ponderação dos fatores aludidos no Estatuto da Ordem dos Advogados, impõe que se atente no laudo da Ordem, se o houver, e se considerem juízos de equidade”.
E como sublinha o ac. RE 02-05-2019 (Tomé de Carvalho), p. 819/08.4TBLGS-B.E1,“Nesta equação devem ser sopesados os custos fixos de manutenção e funcionamento do escritório do advogado e a remuneração justa do trabalho diretamente investido pelo jurista no assunto que lhe está confiado, em conexão com a complexidade do caso tratado.”
Finalmente, estabelece o art.º 2º do Regulamento dos laudos de honorários, emitido pela Ordem dos Advogados no âmbito do poder regulamentar que lhe é conferido pelo art.º 43º, nº 1, al. i) do EOA que “o laudo de honorários constitui parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos advogados, tendo em atenção as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, a demais legislação aplicável e o presente regulamento”.
Em sentido convergente com esta disposição, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem salientado a relevância do laudo de honorários emitido pela Ordem dos Advogados, ao qual atribui o valor de parecer técnico, ou prova pericial, e como tal sujeito à livre apreciação do Tribunal – vd. acs. STJ 20-01-2010 (Silva Salazar), p. 2173/06.0TVPRT.P1.S1RC 07-02-2012 (Teles Pereira), p. 897/07.3TBCTB-A.C2; STJ 22-05-2014 (Mª dos Prazeres Beleza), p. 2264/06.7TVLSB.L1.S1; e STJ 12-07-2018 (Maria do Rosário Morgado), p. 701/14.6TVLSB.L1.S1.
No caso vertente, resultou provado que a autora prestou serviços forenses ao réu, através de advogado, que se consubstanciou em intervenções em seis processos judiciais, dos quais um do foro administrativo e os demais em ações declarativas e uma executiva do foro cível.
Emerge igualmente da factualidade provada que tal atividade envolveu o estudo dos processos e a preparação e elaboração de diversos articulados, tendo sido contabilizadas 76 horas de trabalho.
No laudo pericial emitido nos presentes autos, sustentou a Ordem dos Advogados:
“DA APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS:
15. No que diz respeito ao grau de importância dos assuntos confiados á sociedade de advogados, extrai-se dos autos que a mesma, pelo menos em relação ao processo impugnação administrativa, ao inventário e ã venda executiva, é alta, pois, no primeiro estava em causa a promoção do cliente de Major a Tenente-Coronel e no segundo e terceiro os valores em causa eram elevados. Quanto os restantes processos o grau de importância dos assuntos confiados á sociedade de advogados é média baixa atendendo aos valores em causa.
16. Em matéria de dificuldade e responsabilidades assumidas, temos para nós que, embora os serviços prestados pela sociedade de advogados obrigassem à mobilização de conhecimentos técnico-jurídicos para o enquadramento adequado das questões em causa, não fugia à rotina daquilo que é o trabalho comum de um advogado ou sociedade de advogados, pelo que, sempre teremos que considerar o nível de dificuldade e das responsabilidades assumidas como moderado/alto;
17. Quanto ao grau de criatividade intelectual, tendo em conta os elementos constantes dos autos designadamente dos documentos juntos pela requerida, o mesmo terá de ser considerado alto para o processo impugnação administrativa e moderado/baixo para os restantes, 
18. No que concerne à urgência, nada nos é revelado nos autos que nos permita avaliar com base em tal critério.
19. Em relação ao resultado obtido, uma vez a sociedade requerida terminou o seu mandato em quase todos os processos sem que tenha havido decisão final, não dispomos de elementos que nos permita quantificar ou qualificar através deste critério quanto a estes processos. Em relação ao processo da venda executiva o resultado obtido poderá ser qualificado de razoável, pois o direto de remição exercido pelo filho menor do cliente através deste foi alcançado.
20. Reportando-nos agora ao tempo despendido verificamos que, após análise dos elementos constantes dos autos, nomeadamente a nota de honorários, a sociedade requerida indica ter despendido 76 horas de trabalho com todos os processos que lhe foram confiados pelo Sr. B, fixando o valor/hora em 100€. A este propósito entendemos, tendo em conta a experiência comum para o tipo de serviços em causa, até modesto o número de horas apresentado e módico valor aplicado tendo em conta a localização do escritório da sociedade requerida.
21. Por último, reportando-nos ao critério dos demais usos profissionais, nomeadamente quanto á situação económica do cliente, nada nos é revelado nos autos.”
Ponderando todos os apontados critérios, nos termos expostos concluiu a Ordem dos Advogados que “é de conceder laudo ao valor reclamado no montante de 7.600€, valor a que acresce IVA à taxa legal.”
Considerando a factualidade provada, cremos que nenhum facto relevante se apurou no sentido de concluir em sentido diverso do exposto pela Ordem dos Advogados, seja no tocante às considerações expendidas, seja quanto ao juízo de adequação dos honorários liquidados pela autora, que veio a formular.
Nesta conformidade, conclui-se ser adequada a fixação dos honorários no montante peticionado de €7.600,00, quantia a que acresce IVA (que a autora liquidou à taxa legal de 23%, no valor de e €1.748,00), perfazendo assim um valor global de €9.348,00.
Resulta da factualidade provada que o réu pagou duas das faturas emitidas para pagamento deste montante, no valor de €615,00 cada, totalizando a quantia de €1.230,00 [30], valor esse que, como se afere da leitura do requerimento de injunção, a autora imputou no capital devido (cfr. art.º 786º, nº 2, parte final, do CC), reclamando por isso o montante relativo à diferença - €8.118,00.
Para além destes dois pagamentos, o réu invocou ter efetuado outros dois, que efectivamente resultaram provados[31]; contudo soçobrou na demonstração de que tais pagamentos se reportavam aos serviços forenses cujo pagamento a autora reclama nestes autos[32], sendo certo que o ónus da prova respeitante a tal imputação lhe competia – art.º 342º, nº 2 do CC.
Nesta conformidade, deve o réu ser condenado a pagar à autora a quantia de €8.118,00.
A mora constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor, correspondendo tal indemnização aos juros legais – art.ºs 804º, nº 1, 805º, nº 1, 806º, nºs 1 e 2, 559º, todos do CC, e Portaria nº 291/2003, de 08-04 (esta última fixa a taxa de juros aplicável em 4% ao ano).
Quanto ao momento da constituição em mora, a jurisprudência tem entendido que no tocante aos créditos emergentes de honorários de advogado não tem aplicação o nº 3 do art.º 805º do CC, porque com a apresentação da nota de honorários o crédito de honorários se torna líquido.
Assim, são devidos juros de mora desde a apresentação da nota de honorários, que configura a interpelação do devedor, nos termos previstos no art.º 805º, nº 1 do CC.
Neste sentido cfr. acs. STJ 17-02-2005 (Pires da Rosa), ECLI:PT:STJ:2005:04B3048.EC; RL 19-06-2012 (Mª do Rosário Morgado), p. 2344/09.7YXLSB.L1-7; RL 27-05-2014 (Orlando Nascimento), p. 419/09.1 TVLSB-B.L1-7;  e RL 11-07-2019 (Carlos Marinho), p. 10303/17.0T8SNT.L1-6.
No caso em apreço resultou provado que o réu recebeu a nota de honorários em 26-04-2017[33], pelo que se considera em mora desde 27-04-2017.
Os juros vencidos até à data da propositura da injunção (24-01-2018), contados à taxa legal de 4% ao ano, sobre €8.118,00 totalizam €242,87 [34].
Tal montante excede a quantia peticionada pela autora a título de juros de mora vencidos (€177,57), sendo certo que nos termos do disposto no art.º 609º, nº 1 do CPC, a sentença não pode condenar em montante superior ao pedido, razão pela qual importa limitar e decisão condenatória recorrida aos limites do pedido.
3.2.7. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.
No caso em apreço, é manifesto que quer o apelante, quer a apelada decaíram.
4. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
i. Declarar a nula a sentença recorrida;
ii. Julgar o presente recurso parcialmente procedente e, em consequência:
a. Alterar a decisão sobre matéria de facto, nos termos expostos no ponto 3.2.5. do presente acórdão;
b. Alterar o decidido em primeira instância, condenando o réu a pagar à autora a quantia de €8.118,00, acrescida de €117,57 a título de juros de mora vencidos até 24-01-2018, bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais que eventualmente lhe sucedam, desde 25-01-2018 até efetivo e integral pagamento;
iii. No mais, confirmar o decidido em primeira instância, julgando o recurso improcedente.
Custas por apelante e apelada, na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 30 de junho de 2020 [35]
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa (vencida, conforme voto que segue)

Conforme sustentei no acórdão proferido em 13-11-2018, no processo n.º 775/10.9T2SNT-AB.L1, de que fui relatora, teria entendido que o ajuste prévio, ainda que deva ser reduzido a escrito, não constitui formalidade ad substantiam, de tal modo que a sanção imposta por lei para a falta de redução a escrito é a necessidade de o advogado apresentar ao cliente uma conta por escrito – cf. a art.º 220º do Código Civil e art.º 105º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Nesse sentido, importaria apreciar toda a prova produzida para efeitos de aferição sobre a verificação ou não do acordo. A demonstrar-se a sua não verificação, como fez vencimento, votaria o acórdão.
Micaela Sousa
_______________________________________________________
[1] Vd. despacho com a refª 15753317, de 03-06-2020, constante de fls. 116 a 119.
[2] Cfr. Requerimento com a refª 486817 / 35771955, de 15-06-2020, constante de fls. 126 a 129.
[3] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[4] Ob. Cit., V Vol., pp. 67-68
[5] Ob. cit., pp. 372-373
[6] Cfr. arts. 804º, 806º, nºs 1 e 2, 559º do CC, e Portaria nº 291/2003, de 08-04.
[7] Consideramos a taxa de Iva de 23%.
7.600x1,23=9.348,00€
9348x4:100:365x273=279,671=279,67€
[8] “Recursos no novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 335.
[9] Ob. cit., p. 119.
[10] “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2.ª Ed., Almedina, 2019, p. 468.
[11] “O Recurso Civil. Uma Teoria Geral”, AAFDL, 2017, p. 69.
[12] Aprovado pelo DL nº 269/98, de 01-09, retificado pela Dec. Retif. nº 16-A/98, de 30-09 e alterado pelos DLs 383/99, de 23-09; 183/2000, de 10-08; 323/2001, de 17-12; 32/2003, de 17-02; 38/2003, de 08-03; e 324/2003, de 27-12, este retificado pela Decl. Retif. 26/2004, de 24-02; pelo DL 107/2005, de 01-07, retificado pela Dec. Retif. 63/2005, de 19-08; pela Lei n.º 14/2006, de 26-04; DL n.º 303/2007, de 24-08; pela Lei n.º 67-A/2007, de 31-12; pelo DLs 34/2008, de 26/02, e 226/2008, de 20-11, e pela Lei 117/2019, de 13-09. As alterações decorrentes do último diploma citado não se aplicam ao caso dos autos, visto que os factos a que o mesmo se reporta são anteriores à publicação do mesmo.
[13] “A injunção e as conexas acção e execução”, 6ª ed., Almedina, 2008, pp. 208-2010. O autor reporta-se ao CPC 1961, mas as considerações tecidas no trecho citado são inteiramente aplicáveis ao CPC2013.
[14] Aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09-09, e adiante designado pela sigla “EOA”.
[15] Ob. cit., p. 286.
[16] Ob. Cit., pp. 165-166.
[17] Todos os arestos citados sem indicação de proveniência se encontram disponíveis em http://www.dgsi.pt e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt. Para facilitar a sua consulta, a versão digital deste acórdão contém hiperligações para tais arestos.
[18] “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 370, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf
[19] Cfr. art.ºs 9º e 10º do articulado de oposição.
[20] É esse o sentido que retiramos do teor do último parágrafo da pág. 5 da sentença recorrida.
[21] O aresto citado aplicou o Estatuto da Ordem dos advogados de 2005. Não obstante, o art.º 100º, nº 2 do EOA2005 tem redação idêntica ao art.º 105º, nº 2 do EOA vigente.
[22] Que outorga o presente acórdão, na qualidade de 2ª adjunta.
[23]“Contrato de honorários”, 2013, disponível em:
https://www.verbojuridico.net/ficheiros/forenses/advogados/carlosmateus_contratohonorarios.pdf
[24] Ponto 1. dos factos provados.
[25] Vd. pontos 1. e 2. dos factos provados.
[26] “Tratado de Direito Civil”, volume III, Coimbra Editora, 1930, p. 204
[27] “Iniciação à Advocacia”, 11ª edição (reimpressão), 2014, pp. 151-153
[28] “Responsabilidade Civil dos Advogados”, 1985, p. 23
[29] “Direito Profissional do Advogado“, 8ª edição, Almedina, 2015, p. 253
[30] Cfr. ponto 4. dos factos provados.
[31] Ponto 5. dos factos provados.
[32] Al. a) dos factos não provados.
[33] Ponto 2. dos factos provados.
[34] 8.118,00 x 4 : 100 : 365 x 273 = 242,872 = €242,87.
[35] O presente acórdão foi assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.