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CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CONSUMIDOR
BENS NÃO CONFORMES COM O CONTRATO
ÓNUS DE PROVA
Sumário
I - No âmbito de uma relação contratual de consumo, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato. Isto é, bens que tenham as qualidades indicadas pelo vendedor, que sejam adequados ao uso específico e às utilizações habitualmente dadas a outros do mesmo género e que apresentem as qualidades e desempenho habituais do tipo a que pertencem. II - Se assim não for, isto é, se faltar alguma destas características, pode concluir-se que tais bens não são conformes com o contrato. III - Para responsabilizar o vendedor pelas desconformidades encontradas nesses bens, o comprador tem o ónus de as alegar e comprovar. Por sua vez, ao vendedor cabe o ónus de comprovar o cumprimento da sua obrigação de garantia de conformidade. IV - Apurando-se alguma dessas desconformidades, o consumidor tem direito, para além do mais, à reparação ou substituição do bem viciado, bem como, provando-se os respetivos pressupostos, à indemnização pelos danos não patrimoniais daí decorrentes.
Texto Integral
Processo n.º 2441/19.0T8PRT.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto,
I- Relatório 1- AA, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., SA, alegando, em breve resumo, que, no dia 05/06/2015, adquiriu a esta sociedade uma fração autónoma, que identifica, para sua habitação própria e permanente, tendo nela, no entanto, vindo a surgir diversos defeitos que discrimina e de que deu oportuno conhecimento à Ré, que não os eliminou, tendo resultado de toda esta situação danos pelos quais quer ser compensada.
Pede, assim, que seja declarado e reconhecido que entre ela (A.) e a Ré foi celebrado o contrato de compra e venda que indica (nos artigos 1.º a 5.º da petição inicial) e que a Ré seja condenada a proceder à eliminação dos defeitos que refere (nos artigos 6.º, 8.º e 12.º da petição inicial), no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que o determine, a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 20.000,00€, acrescida dos juros de mora à taxa legal prevista para as obrigações de natureza civil, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, bem como a pagar-lhe as quantias a apurar em liquidação de sentença, que a A. venha a suportar com a deslocação, depósito e guarda das mobílias existentes na sua fração e, ainda, com a sua estadia e do seu agregado familiar em hotel ou casa a arrendar durante o período de tempo durante o qual decorrerem as obras, acrescida dos juros de mora à taxa legal prevista para as obrigações de natureza civil, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. 2- Contestou a Ré reconhecendo apenas como certa a venda alegada, mas, no mais, refutando os indicados pedidos, uma vez que tudo fez, desde o início do ano de 2016 até hoje, para que fossem corrigidos todos os pretensos defeitos que a A. lhe foi comunicando. E tal só não sucedeu por falta de colaboração desta última.
De qualquer modo, nunca reconheceu esses defeitos, nem a extensão que a A. lhe assinala.
Impugna ainda os danos invocados.
Em suma, pede a improcedência desta ação e a intervenção da sociedade, B..., S.A., que foi a construtora do edifício onde se situa a fração autónoma da A. 3- A intervenção acessória desta sociedade foi admitida. 4- No decurso do processo, entretanto, a A. veio, em articulados supervenientes, alegar a existência de outros defeitos na mesma fração autónoma, cuja eliminação requereu nos mesmos termos da petição inicial, o que a Ré e a Chamada impugnaram, além da primeira ter invocado ainda a caducidade do direito à reclamação dos defeitos alegadamente existentes no interior das paredes, referidos pela A., no articulado superveniente apresentado no dia 29/01/2021, o que esta última refutou. 5- Instruída e julgada a causa, foi proferida finalmente sentença na qual se:
a) Declarou que entre a A. e a Ré foi celebrado o contrato de compra e venda descrito no ponto 1 dos factos provados;
b) Condenou a Ré a reparar as deficiências existentes na fração da A. e enumeradas nas al.ªs a), b), c), d), e), f), g), i), k), m) e n) do ponto 14 dos factos provados, devendo diligenciar pela execução dos trabalhos necessários no prazo de 30 dias após o trânsito de tal sentença;
c) Condenou a Ré a pagar à A. a quantia de 1.200,00€, a título de indemnização pela privação do uso da fração durante uma semana, acrescida dos juros de mora que se vencerem após o trânsito em julgado da mesma sentença, contabilizados à taxa legal, que se situa em 4% até integral pagamento. 6- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“A) Nos termos da alínea b) da Sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo condenou «a Ré a reparar as deficiências existentes na fração da A. e enumeradas nas al.ªs a), b), c), d), e), f), g), i), k), m) e n) do ponto 14 dos factos provados, devendo diligenciar pela execução dos trabalhos necessários no prazo de 30 dias após o trânsito da presente sentença»;
B) No entanto, a Ré não se pode conformar com tal Sentença, no que respeita à referida alínea b) da Decisão, na parte em que condena a Ré a reparar as deficiências existentes na fração da A. enumeradas na alínea g) do ponto 14 dos factos provados e a diligenciar pela execução dos trabalhos necessários no prazo de 30 dias após o trânsito da Sentença;
C) Aliás, se atentarmos a fls. … da referida Decisão, o Tribunal a quo faz uma distinção entre defeitos e desconformidades, integrando-os, contudo, no conceito amplo de “deficiências”, e inserindo-os na “presuntiva deficiência construtiva” decorrente do n.º 1 do art. 1225.º do Código Civil;
D) No entanto, o Tribunal a quo faz depender a verificação de desconformidades (i) da demonstração da sua existência, e (ii) da demonstração de que essa desconformidade diminui ou impede o gozo do bem na sua plenitude;
E) E, conforme resulta da Sentença, no que respeita às caixilharias, não foi demonstrado e muito menos provado que a alegada desconformidade diminui ou impede o gozo do bem na sua plenitude;
F) Aliás, somente os vãos envidraçados inseridos na fachada Oeste não têm corte térmico, que correspondem aos vidros da fachada Poente (sala, cozinha e lavandaria);
G) Contudo, dos factos provados não resulta ter sido provada qualquer consequência decorrente da falta de corte térmico nas referidas janelas;
H) Acresce que, ao analisar a pretensão indemnizatória da A. pelos alegados danos não patrimoniais, o Tribunal a quo concluiu pela sua improcedência, por considerar que «pese embora as anomalias de que padece o imóvel, compulsada a matéria dada como provada concluímos que a A. não viu as condições de salubridade e de habitabilidade do imóvel comprometidas, nem mesmo o seu conforto. (…)
Por tudo isto, concluímos pela improcedência da pretensão indemnizatória da A..»;
I) De referir ainda que o facto de as referidas janelas não terem corte térmico também não configura um incumprimento legal. Aliás, da prova pericial resulta que o grau térmico do imóvel, de acordo com o Certificado Energético, é Classe A;
J) Resulta ainda do relatório pericial que não há nenhuma informação no Certificado Energético que indicie que os caixilhos não cumprem com o estipulado legalmente, aliás, encontram-se dentro dos parâmetros regulamentares, porquanto “(…) o factor solar da solução dos caixilhos é de 0.39, sendo o máximo regulamentar 0.56.”;
K) Por tudo quanto se deixa exposto, é entendimento da Ré que o Tribunal a quo não podia concluir que a alegada desconformidade descrita na alínea g) do ponto 14 dos factos provados, ou seja, “as caixilharias aplicadas não têm corte térmico quando mapa de acabamentos e a ficha técnica o preveem” consubstancia uma deficiência, pois o Tribunal considerou que não ficou demonstrado que essa “desconformidade” diminuiu ou impediu o gozo do bem na sua plenitude, tendo concluído pela inexistência de qualquer desconforto térmico ou qualquer outra consequência para a A. desde a compra do imóvel;
L) Aliás, não resulta dos autos que as caixilharias aplicadas são piores do que as contratadas, até porque a fração tem classe energética A, o que explica a inexistência de desconforto térmico;
M) Também não se compreende por que motivo o Tribunal a quo, quando se debruçou sobre o tema “caixilharias”, não utilizou o mesmo raciocínio que usou para analisar a desconformidade entre a máquina da louça e exaustor, tendo entendido que, nesse caso «(…) não foi demonstrado, e tal impunha-se à A. (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), que não cumpram cabalmente o fim a que se destinam e com a eficiência expetável.» Assim, quanto a este ponto a pretensão da A. terá de improceder»;
N) Ou seja, se, in casu, não ficou demonstrado, como se impunha à A., nos termos do n.º 1 do art.342.º do Código Civil, que as caixilharias colocadas na fachada Oeste colocam em causa o direito de propriedade da A., nem o lesam, comprimem, diminuem, ou desvalorizam, e se também não foi demonstrado que não cumprem cabalmente o fim a que se destinam e com a eficiência expetável, a Ré não deve ser condenada a repará-las (reparação que, neste caso, implica a sua substituição);
O) Refira-se ainda que, não obstante somente as caixilharias das janelas da fachada Oeste estarem alegadamente desconformes com a Ficha Técnica de Habitação e o Mapa de Acabamentos, o Tribunal a quo não restringiu a substituição apenas a essas janelas, pelo que se depreende que a substituição, a existir, seria total, o que não se pode aceitar, dado que as caixilharias das janelas da fachada Este estão conformes com a Ficha Técnica de Habitação e o Mapa de Acabamentos;
P) Além disso, mesmo que as caixilharias das janelas da fachada Oeste estivessem desconformes, não resulta dos autos que as caixilharias aplicadas são piores do que as contratadas;
Q) Pelo contrário, ficou provado que a fração tem classe energética A e que inexiste desconforto térmico ou qualquer outra consequência para a A. desde a aquisição do imóvel;
R) Atento o exposto, o Tribunal a quo não podia ter decidido como decidiu, no que à substituição das caixilharias diz respeito, pois se não há consequências, jurídicas ou de outra natureza, para a alegada desconformidade, também não há lugar a qualquer reparação ou substituição das alegadas “deficiências”;
S) Assim, a decisão de condenar a Ré a reparar as “deficiências” existentes na fração da A. e enumeradas na alínea g) do ponto 14 dos factos dados como provados conduz à nulidade parcial da Sentença, por oposição dos seus fundamentos com a decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código do Processo Civil;
T) Termos em que, e nos demais de Direito, deve a Sentença recorrida ser declarada parcialmente nula, na parte em que condena a Ré a reparar as “deficiências” existentes na fração da A., enumeradas na alínea g) do ponto 14 dos factos provados, e substituída por outra que absolva a Ré desse pedido;
U) Se assim não se entender, sem conceder, deve a Sentença ser parcialmente revogada, por erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, devendo ser substituída por outra que absolva a Ré de reparar as “deficiências” existentes na fração da A. e enumeradas na alínea g) do ponto 14 dos factos provados”.
É o que pede. 7- Também inconformada com a mesma sentença, dela recorre igualmente a A., que finaliza a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“1. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 16/02/2023, nas partes em que absolveu a Ré do pedido de reparação dos defeitos elencados nas alíneas j) e l) do ponto 14 dos factos provados, dos defeitos descritos em 16 a 19 dos factos provados, da ampliação do pedido de 29/01/2021 e do pedido de condenação da Ré no pagamento à A. de indemnização para reparação dos danos não patrimoniais;
2. Com recurso à reapreciação da prova gravada, a A. impugna a decisão da matéria de facto relativa ao ponto 13 dos factos provados e aos pontos 2, 6, 19, 20, e 21 dos factos julgados não provados, por entender que a prova produzida e as regras relativas ao ónus da prova impunham a seguinte decisão:
13. PROVADO APENAS QUE as anomalias aceites no email referido em 7 não foram reparadas, quer pela Ré, quer pela Interveniente acessória.
PROVADO QUE:
2. Nos quartos existe desconforto térmico.
6. Os vidros estão desconformes com o mapa de acabamentos e a FTH.
19. Com a redução das temperaturas, a situação tornou-se insuportável, impedindo o sono, descanso e repouso da A. e seu agregado familiar.
20. Para poder continuar a utilizar a suite com o indispensável conforto térmico, a A. não teve outra alternativa, senão contratar com urgência os trabalhos necessários à reparação do mencionado defeito:
- Realização de trabalhos para remoção de gesso cartonado e de lã de rocha existente na parede interior voltada a nascente (Rua ...) da suite;
- Realização de trabalhos para conformação da parede intervencionada com o projeto (Parede PE 03), mediante correção de defeitos (buracos e fendas), colocação de poliestireno expandido extrudido, de gesso cartonado, pinturas e acabamentos
21. No que despendeu a quantia de €1.599,00.
3. Relativamente ao ponto 13 dos factos provados, funda a discordância nos seguintes meios de prova:
a. Depoimento de BB, que contrariamente ao vertido na motivação nada disse sobre a matéria;
b. Depoimento da testemunha CC, que contrariamente ao vertido na motivação, a preceito desta matéria, limitou-se a prestar depoimento indireto, iminentemente abstrato, sem qualquer concretização das datas dos alegados “impedimentos” e das reparações que se pretendiam fazer;
c. No julgado provado no ponto 7, de onde emana que a Ré apenas se predispõe a efetuar a reparação na condição de a A. dar por boa e final a solução apresentar e não mais reclamar sobre os temas em análise, assinando acordo nesse sentido, isto é, desde que a A. abdicasse dos demais defeitos reclamados e, ainda, reconhecesse como boa e final a solução apresentada.
d. No depoimento de DD, que vivendo com a A. garantiu que nunca impediram a Ré de efetuar qualquer tipo de reparação.
4. Relativamente aos pontos 2, 19, 20, e 21 dos factos não provados, funda a discordância:
a. No relatório pericial, que em subsequentes esclarecimentos, depois de efetuado o ensaio destrutivo à parede de um dos quartos, conclui que junto ao aro da janela verifica-se algum ar, proveniente do modesto fecho e obturação da janela, como é referido no Relatório da Marca ... a págs. 1 a 3. “Folga considerável entre a folha móvel e o aro fixo”.
b. Ainda no relatório pericial, que em esclarecimento aos quesitos formulados no articulado superveniente de 29/01/2021, concluiu que o isolamento das paredes previsto em projeto não foi minimamente respeitado, o que ocasiona a movimentação do ar no interior da caixa de ar, entre a parede exterior e a parede de pladur;
c. No relatório da C... junto aos autos;
d. Nos depoimentos se DD e EE, que ambos confirmaram o desconforto térmico sentido nos quartos, com entrada de ar frio provinda do exterior através das paredes da fachada e da caixilharia de alumínio;
5. Relativamente ao ponto 6 dos factos não provados, funda a discordância:
a. No relatório datado de Março de 2018, da autoria da Eng. FF, junto aos autos em 31/01/2019, documento assinado e elaborado por engenheira civil inscrita na despectiva ordem, de onde emana que “a medição dos envidraçados foi realizada com o medidor a laser de vidros duplos, triplos e laminados da «…»”
b. Na inexistência de impugnação do documento suficientemente concretizada e motivada, suscetível de afastar a credibilidade deste relatório, especialmente porque, tendo a sido a construtora e promotora imobiliária do imóvel, dispunha de toda a documentação relativa aos envidraçados aplicados em obra para poder refutar as conclusões do aludido relatório;
c. No relatório pericial do colégio de peritos, que não levanta qualquer dúvida acerca do rigor do aludido relatório e respetivas conclusões;
d. No relatório da FEUP, que também não levanta qualquer dúvida acerca do rigor do aludido relatório e respetivas conclusões;
6. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar aplicável ao caso dos autos o regime legal do art.º 1225.º do Código Civil, posto que da factualidade apurada dimana estarmos diante um contrato de compra e venda de consumo, tendo por objeto um imóvel destinado a longa duração, destinado à habitação própria e permanente da A. (ponto 1 dos factos provados);
7. Destarte, tendo o imóvel sido adquirido pela A. à Ré em 05/06/2015, é aplicável aos presentes autos o DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, na redação introduzida pelo DL 84/2008, de 21/05.
8. Andou mal o Tribunal a quo ao absolver a Ré do pedido quanto à reparação do defeito descrito no ponto 14, alínea j) dos factos provados, posto que, a A. não tinha de alegar e nem provar a causa concreta do mencionado defeito, mas pelo contrário a Ré é que tem de afastar a presunção legal da falta de conformidade;
9. Andou mal o Tribunal a quo ao absolver a Ré do pedido quanto à reparação do defeito descrito no ponto 14, alínea l) dos factos provados, posto que:
a. Não sendo o vidro laminado, atendendo à sua altura e à falta de projeção interior ou exterior, o seu risco de quebra é considerável, o que significa que, ainda que em abstrato a Norma NP 4491 não fosse obrigatória – o que não se concebe e nem concede –, a falta do resguardo consubstancia para a A. e para o seu agregado familiar (composto por 2 crianças) uma situação objetiva de perigo;
b. A afirmação de que “a A. visitou a fração antes de adquirir já tendo a mesma a parede / janela instalada e tal não a impediu de adquirir o imóvel” não tem respalde nos factos provados.
c. Na realidade, ainda que se tratasse de uma mera “opção construtiva”, o certo é que a A., como qualquer consumidor, quando adquire um imóvel destinado a habitação própria e permanente, espera que este seja seguro e apresente a qualidade e desempenho habitual em casas de habitação;
d. Se um vidro funciona como parede, mas não tem a resistência espectável de uma parede, de modo que uma criança ou um adulto pode provocar a sua quebra, com o inerente risco para a saúde e vida de quem habita na casa da A., afigura-se-nos linear que o bem vendido não possui as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar; e que tal vidro, sem resguardo de segurança, não é adequado ao uso específico para o qual o consumidor destina uma casa de habitação.
10.Andou mal o Tribunal a quo ao absolver a Ré da ampliação do pedido de 29/01/2021, na parte em que é peticionada a condenação desta na quantia de €1.599,00, em virtude da necessidade da A. em avançar com a reparação dos defeitos que ocasionavam o desconforto térmico sentido nos quartos, porquanto:
a. Dispõe o art.º 4.º, n.º 2 do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, na redação introduzida pelo DL 84/2008, de 21/05, que tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
b. Decorre ainda do ponto 4 dos factos provados que a A. concedeu à Ré prazo razoável para o fazer (ponto 5 da carta datada de 05/03/2018).
c. Não tendo a Ré eliminado o defeito em prazo razoável, dada a urgência em resolver o desconforto térmico sentido nos quartos onde a A. e os seus filhos dormem, a A. viu-se na contingência de contratar terceiros para a tarefa de eliminar os defeitos, cuja obrigação recaía sobre a Ré e que esta definitivamente incumpriu;
d. Dispõe o art.º 4.º, n.º 1 do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, na redação introduzida pelo DL 84/2008, de 21/05 que, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
e. Nos termos do n.º 5, o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
11.Andou mal o Tribunal a quo ao absolver a Ré da ampliação do pedido de reparação dos defeitos descritos em 16 a 19 dos factos provados, porquanto:
a. O isolamento previsto em projeto é (do exterior para o interior) parede de alvenaria de granito com 40cm de espessura, placa de XPS com 6cm de espessura e placa de gesso cartonado.
b. Mas em obra verifica-se:
i. A parede de pedra original tem duas espessuras diferentes, com cerca de 40cm na generalidade e 25cm na zona dos vãos;
ii. A zona da parede de pedra com 25cm foi «engrossada» com uma parede de tijolo cerâmico por forma a garantir a espessura de 40cm em toda a parede exterior;
iii. O isolamento existente nas paredes é composto por lã de rocha, de baixa densidade, com cerca de 40mm de espessura;
iv. O revestimento da parede exterior, no seu interior, é realizado através de placas de pladur.
c. Existe movimentação de ar no interior da caixa de ar entre a parede exterior e a parede em pladur, sendo que em alguns locais provoca correntes de ar.
d. Existe uma presunção de falta de conformidade, o que significa que, a A. só tem de alegar e provar a desconformidade do bem, o que fez.
e. É a Ré que tinha de alegar e provar que tais correntes de ar, geradas pela desconformidade do isolamento não são a causa do desconforto térmico;
f. Era também a Ré que tinha de alegar e provar que o isolamento aplicado tem qualidade idêntica ao previsto.
12.Andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 20.000,00, a título de reparação pelos danos não patrimoniais, porquanto:
a. A afirmação de que a A. recusava reunir e negociar é totalmente infundada, sem respalde em nenhum dos factos provados.
b. A afirmação de que a A. só aceitava que a Ré realizasse aquilo que entendia dever ser feito não tem suporte factual:
i. Não houve por parte da A. qualquer impedimento à realização das reparações.
ii. A Ré apenas se predispunha a efetuar a reparação na condição de a A. dar por boa e final a solução apresentada e não mais reclamar sobre os temas em análise, assinando acordo nesse sentido.
iii. A A. tinha razão: existiam muitos mais defeitos do que os reconhecidos pela Ré (ponto 7).
c. Contrariamente ao vertido na douta sentença recorrida, os defeitos existentes no imóvel adquirido pela A. à Ré comprometem sobremaneira o conforto e ambiente de vida sadio que os bens de idêntica qualidade (com um valor de €255.000,00) deveriam proporcionar:
i. Ee entre os elencados defeitos, verificamos a existência de humidades;
ii. Desconforto térmico e correntes de ar frio vindas do exterior através da caixilharia e caixa de ar, com isolamento desconforme o previsto, que comprometem a utilização dos quartos, o sono e um repouso reparador, obrigando a uma intervenção urgente com um custo de €1.599,00; e
iii. Situação de perigo proporcionada pela janela fixa da sala, que não tem resguardo, numa habitação onde habitam duas crianças menores.
d. Tudo considerado, verificando-se que a situação se arrasta há 6 anos, que a A. tinha razão em não aceitar a proposta condicionada da Ré e que esta, independentemente da sua aceitação, podia e devia ter efetuado as correções que ela própria reconheceu, justificam os incómodos e desgaste da A. vertidos no ponto 21 dos factos provados.
e. Estes danos são relevantes e merecem a tutela do direito, especialmente quando a A. faz um grande esforço financeiro para adquirir uma casa nova, despendendo €255.000,00 e teve entretanto dois filhos, cujo conforto e segurança tem de garantir e não consegue, atenta a situação supra descrita.
f. Como tal, a quantia peticionada de €20.000,00 não se mostra desproporcional.
13.A douta sentença recorrida viola os art.ºs 2.º, n.º 2, 3.º, n.º 2 e 4.º, n.ºs 1, 2 e 5 do DL 67/2003, de 08 de Abril, na redação introduzida pelo DL 84/2008, de 21/05, e os art.ºs 342.º, n.º 2, 349.º, 350.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil”.
Termina pedindo que se julgue o presente recurso procedente e, revogando parcialmente a sentença recorrida, se condene a Ré:
a. A proceder à reparação dos defeitos descritos no ponto 14, alíneas k) e l), e nos pontos 16 a 19;
b. A pagar-lhe a quantia de € 1.599,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde 29/01/2021 até efetivo pagamento; e
c. A pagar-lhe a quantia de € 20.000,00, a título de reparação pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde a citação até efetivo pagamento. 8- Cada uma das partes respondeu ao recurso da contraparte, sustentando, em suma, que não há fundamento para a alteração da matéria de facto ou da solução jurídica aí requerida. 9- Recebidos os recursos e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito dos recursos
A- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto destes recursos, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações das recorrentes [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC)], cinge-se a saber se: a) A sentença recorrida padece da nulidade que a Ré lhe imputa; b) Deve haver lugar à modificação da matéria de facto requerida pela A; c) A A. tem direito às prestações que reclama e à Ré não deve ser imposta a reparação pela mesma questionada no seu recurso.
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B- Fundamentação
a) Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada em 5/6/2015, a Ré declarou vender e a A. declarou comprar, pelo preço global de 255.000,00€ a fração autónoma “designada pela letra “H”, correspondente ao primeiro andar esquerdo – Piso 1, com entrada pela Rua ..., n.º ..., com dois lugares de estacionamento n.ºs … e … e uma arrecadação n.º …, todos no piso menos 1, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal (…), sito em ..., na Rua ..., ... e Rua ..., ... (…), concelho do Porto, descrito na conservatória do registo predial do Porto, sob o número ... (…)”, destinada à “habitação própria e permanente” da A..
2. A Ré foi a promotora imobiliária da construção e venda do imóvel onde se insere a fração autónoma descrita em 1., encarregando a interveniente acessória da sua construção.
3. Na data referida em 1., a Ré entregou à A. a ficha técnica do imóvel a qual consta dos autos junta com a petição inicial, sob a designação “doc.2” e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, o comprovativo do seu depósito na CM... e o certificado energético que integrou o imóvel no nível A da classe energética.
4. Por carta datada de 5/3/2018, remetida nessa mesma data e recebida pela Ré a 6/3, a A., por intermédio do seu advogado, comunicou à Ré o seguinte “(…) Sucede que apesar de todas as vossas tentativas de reparação (…) subsistem (…) os vícios e defeitos que passamos a enunciar:
1. Fissuras em várias paredes do imóvel;
2. Soalho com problemas em vários pontos do pavimento do imóvel;
3. pavimento da varanda com defeitos originados por intervenções de V.as Exas.;
4. Detetor de gases existente na cozinha apresenta funcionamento deficiente;
5. Desconforto térmico sentido nos quartos, com entrada de ar pelos vãos das janelas, mesmo após intervenções anteriores de V.as. Exas;
6. Blcakout’s da sala com manchas de sujidade provocadas por intervenções anteriores de V.ªs Exas e que não saem mediante limpeza convencional;
7. Odor a esgoto no interior do imóvel, concentrado no hall de entrada da cozinha mesmo após intervenções anteriores de V.ªs Exas.;
8. Odor a humidade na suite;
9. Caixilharia e vidros desconforme com o mapa de acabamentos e ficha técnica da habitação;
10. Eletrodomésticos não concordantes com o mapa de acabamentos.
Assim, pela presente notificamos V.as Exas para procederem à eliminação e reparação dos vícios e defeitos supra descritos, o que devem fazer no prazo de 30 dias contados da receção desta carta, findo o qual e não o tendo feito aquela n/constituinte recorrerá às vias judiciais.
5. Por email datado de 3/5/2018, remetido por DD (companheiro da A. e residente no imóvel) solicitou à Ré que a verificação a realizar pela interveniente acessória no dia 11/5 contemplasse “(…) dois novos defeitos/vícios que adiante descrevemos (…):
1. Infiltração na parede adjacente/contígua ao vão da janela fixa da sala, (esta parede já havia sido objeto de intervenção pela D... devido a infiltração),
2. Infiltração em parede do wc da suite (por cima do espelho).”
6. A Ré recebeu as várias comunicações da A. e por diversas vezes a interveniente acessória e a Ré deslocaram-se ao imóvel.
7. Por email datado de 7/5/2018 a Ré comunicou à A., na pessoa do seu advogado, em resposta à carta referida em 4., que “Recebemos a carta acima identificada à qual passamos a responder após reunião tida para o efeito com a D....
Diz-nos a experiência da relação com a V/ constituinte que por muito que procedamos a reparações/alterações/afinações e afins nunca a mesma se irá dar por satisfeita. É neste contexto que abaixo apresentamos uma proposta de resolução dos itens que aponta na carta em resposta. Merecendo a V/ concordância assinar-se-ia um acordo em que a V/constituinte daria por boa e final a solução ora apresentada aceitando não mais reclamar sobre os temas em análise (sem prejuízo evidentemente de a reparação não ficar conforme).
Tomando então posição sobre os pontos:
1. Fissuras em várias partes do imóvel: aceita-se retificar em semana a programar;
2. Soalho com problemas em vários pontos do pavimento do imóvel: em reunião prévia no local a A..., a D... e a V/constituinte verificariam concretamente quais as queixas reduzia-se a escrito as que eventualmente venham a ser consideradas patologias cuja reparação avoquemos;
3. Problemas da varanda com defeitos originados por intervenções anteriores de V.as Exas.: aceita-se retificar em semana a programar;
4. Detetor de gases existente na cozinha apresenta funcionamento deficiente: situação que já foi retificada;
5. Desconforto térmico sentido nos quartos, com entrada de ar pelos vãos das janelas, mesmo após intervenções anteriores de V.as. Exas: D... e fiscalização não detetam esta situação: Não aceite;
6. Blackout’s da sala com manchas de sujidade provocadas por intervenções anteriores de V.as Exas e que não saem mediante limpeza convencional: situação nunca antes reportada: em reunião prévia no local a A..., a D... e a V/constituinte verificariam concretamente quais as queixas reduzia-se a escrito as que eventualmente venham a ser consideradas patologias cuja reparação avoquemos;
7. Odor a esgoto no interior do imóvel, concentrado no hall de entrada da cozinha mesmo após intervenções anteriores de V.as Exas.: aceita-se retificar em semana a programar;
8. Odor a humidade na suite: já terá sido medida com um aparelho e não foram detetados valores anormais: não aceite;
9. Caixilharia e vidros desconforme com o mapa de acabamentos e ficha técnica da habitação: estão ambos conformes com mapa de acabamentos e ficha técnica de habitação atualmente depositados na Câmara: não aceite;
10.Eletrodomésticos não concordantes com o mapa de acabamentos: os eletrodomésticos montados são de gama superior (ou pelo menos idêntica) aos identificados no mapa de acabamentos: não aceite.”.
8. A A., por si ou por intermédio de advogado, não deu resposta ao email de remetido pela Ré a 22/5/2018.
9. Por carta datada de 27/11/2018 e recebida pela Ré a 28/11, a A., por intermédio do seu advogado, comunicou à Ré o seguinte: “(…) apesar de todas as vossas tentativas de eliminação defeitos, aquela n/constituinte ainda constatou que subsistiam naquela fração autónoma outros diversos vícios e defeitos, que entretanto se tornaram visíveis.
Pelo que por carta registada datada de 05/03/20118 denunciamos (…). E em 03/05/2015, através de email forma denunciados (…).
Apesar de V.as Exas reconhecerem a existência de vícios e defeitos denunciados por aquela (…), através de email de 07/05/2018, nada fizeram no sentido da sua eliminação, apesar do lapso de temporal entretanto decorrido.
Pelo que, a nossa constituinte solicitou a realização de uma peritagem técnica, tendo o perito elaborado relatório pericial no qual foram detalhados e documentados os vícios e defeitos ainda existentes na fração, nos termos que passamos a enunciar:
1) Manchas de humidade na zona das janelas voltadas aos espaços comuns;
2) Soalho de madeira, sobretudo na sala e no hall dos quartos, ondulado, com réguas desfasadas entre si e descolorado em vários locais;
3) Na instalação sanitária completa, da zona dos quartos constata-se o desencontro das peças do pavimentos da zona do chuveiro, sendo também muito difícil a manutenção daquele pavimento no caso de entupimento por via do inexistente acesso ao ralo de esgoto, e mesmo para limpeza do espaço, pois a base de apoio é rugosa e não escoa devidamente. A este nível o material da base é inadequado à perfeita utilização daquele duche, pois a sua rugosidade condiciona acumulação de agentes microbianos;
4) A porta de acesso a esta instalação sanitária não possui batente ou fim do curso adequado, pelo que o puxador fica inserido no interior da parede quando está totalmente aberta, não permitindo assim a normal operação de fecho da porta.
5) Na instalação sanitária da suite é visível eflorescência da pintura por via da humidade;
6) Na zona da varanda não existe desnível adequado entre o pavimento interior e a própria varanda, além do facto de a própria pendente da mesma ser ineficaz, causando empoçamento de água;
7) Apesar da varanda ter sido já objeto de eliminação de vícios certo é que esse trabalho não foi bem executado, pelo que causou depreciação estética daquele espaço;
8) O teto da varanda encontra-se fissurado e as uniões do betão contém manchas de infiltração ou humidade;
9) As janelas dos quartos, voltados para o arruamento público têm dificuldades de abertura, sendo necessário utilizar um escadote para aceder ao mecanismo de abertura. Estes mecanismos encontram-se avariados e desapoiados do suporte. Os apainelados têm defeitos de lacagem e de ligação entre a parede de suporte;
10) Algumas paredes interiores apresentam micro-fissuração, fundamentalmente nas zonas dos quartos, corredor dos quartos e nas paredes da sala.
11) Divergência entre o descrito na Ficha Técnica da Habitação (FHT) e o Certificado Energético (CE) ao nível do tipo de caixilharia aplicada e de categoria dos vidros aplicados.
- A FHT refere a instalação de janelas duplas com vidro duplo com corte térmico, ao passo que no local apenas está instalada uma janela simples com vidro duplo.
- Verifica-se também considerável discrepância entre o que se refere no CE ao nível de espessura dos vidros aplicados na fachada nascente (zona dos quartos) e a espessura que realmente foi aplicada (menor espessura e consequentemente menor eficiência energética).
- Os vidros da fachada poente (sala, cozinha e lavandaria) não coincidem com os descritos na FHT, uma vez não possuírem corte térmico e consequentemente são menos eficazes termicamente.
12) A janela fixa da sala com a dimensão 1.52 metros de largura e 2.45m de altura não possui resguardo de segurança contra uma eventual quebra do envidraçado. Nem sequer é vidro laminado o que prejudica a segurança da fração.
13) Odor a esgoto no interior do imóvel concentrado no hall da entrada da cozinha;
14) Os eletrodomésticos (forno, combinado e máquina de lavar louça) são de uma gama inferior à garantida à n/ constituinte no momento da aquisição do imóvel.
Assim, pela presente notificamos V.as Exas para procederem à eliminação e reparação dos vícios e defeitos supra descritos, o que devem fazer no prazo de 30 dias contados da receção desta carta, findo o qual não o tendo feito aquela n/constituinte recorrerá às vias judiciais.”.
10. A Ré respondeu à carta remetida por email datado de 14/12/2008 afirmando “recebemos mais esta sua ultima carta de 22 de novembro, em tudo quase idêntica à que nos remeteu já a 5 de março, bem como acusamos também a receção do email intercalar que nos foi enviado diretamente pelo V/cliente. Porque a carta que agora respondemos e que mereceu o nosso email de 22 de maio (até à data sem resposta) pouco traz de novo à situação, vimos insistir por uma resposta ao n/referido mail de 22 de maio.”
11. A Ré foi desde sempre levando a cabo correções das anomalias que iam sendo comunicadas pela A., começando por indagar o que lhe era comunicado, clarificando as situações que lhe eram apresentadas, agendando datas para reuniões no local e retificando o que fosse entendido ser de retificar, tendo sido ao longo dos anos de 2017 e 2018 trocados vários emails entre a Ré, a A. e DD (companheiro da A. e residente no imóvel), a comunicar situações a resolver, a agendar reuniões e intervenções.
12. A Ré foi sempre transmitindo à interveniente acessória as reclamações apresentadas pela A..
13. As anomalias aceites no email referido em 7., não foram reparadas quer pela Ré quer pela interveniente acessória por não ter sido recebida autorização da A. nesse sentido.
14. Na fração autónoma descrita verifica-se:
a) uma microfissura numa parede da sala com 20cm de comprimento, uma microfissura, numa parede de um dos quartos, com cerca de 15cm de comprimento, uma microfissura, numa das paredes de outro dos quartos com 50cm de comprimento;
b) em zonas localizadas do pavimento existem juntas entre as tábuas do soalho que não se encontram refechadas com material de enchimento, o que se verifica com maior incidência na sala e num dos quartos;
c) no hall dos quartos o soalho está ondulado;
d) no pavimento da varanda junto ao guarda corpos existe rugosidade na superfície de acabamento da varanda que não se verifica na restante superfície e é decorrente de falta de qualidade na reparação;
e) no aro das janelas verifica-se alguma entrada de ar proveniente do fecho e obturação da janela por existência de folga entre a folha móvel e o aro fixo;
f) numa zona horizontal com cerca de 10cm de altura, ao longo do comprimento de uma das cortinas de enrolar da sala existe um tom ligeiramente mais escuro do que o tom da restante cortina, causado pelas intervenções anteriores da Ré;
g) as caixilharias aplicadas não têm corte térmico quando mapa de acabamentos e a ficha técnica o preveem;
h) a máquina da louça e o exaustor instalados são da marca Siemens, com a referências ... e ..., estando no mapa de acabamentos previstos esses eletrodomésticos com a mesma marca, mas referências ... e ...;
i) no canto inferior esquerdo do vão fixo da sala existe um empolamento da tinta, compatível com a existência de humidade cuja presença não se verifica;
j) na parede por cima do espelho junto ao teto do wc existe empolamento da tinta e fungos na parede;
k) na varanda na face inferior da varanda existem manchas de humidade resultantes de escorrência de águas devido à falta de pingadeira na testa da laje apenas existindo microfissuras superfície de betão;
l) a janela fixa da sala, com uma altura de 2,45m e 1,52m de largura, não possui resguardo de segurança e o vidro não é temperado, mas duplo com um vidro simples e outro temperado;
m) a parte frontal do armário do wc que serve o 1.º e 2.º quartos, que acompanha a totalidade da bancada de mármore do wc, descaiu e soltou-se do silicone aplicado entre o perfil frontal da bancada e do armário, sendo visível uma fenda e rasgão entre a bancada de mármore e o armário, o que compromete o nivelamento das portas e a sua utilização plena;
n) a lâmpada e a respetiva calha do wc dos quartos 1 e 2 caiu sobre a bancada do móvel do lavatório por falta de gancho de fixação da lâmpada ao teto falso pois estava pousada no bordo livre do teto falso, o que compromete a segurança dos utilizadores daquele espaço.
15. A A., em data anterior a 4/12/2020, levou a cabo a realização de trabalhos para remoção de gesso cartonado e de lã de rocha existente na parede interior voltada a nascente (Rua ...) da suite para colocação de XPS, novo gesso cartonado, pintura e acabamentos.
16. O isolamento previsto em projeto é (do exterior para o interior) parede de alvenaria de granito com 40cm de espessura, placa de XPS com 6cm de espessura e placa de gesso cartonado.
17. Ao executar o referido em 15, a A. tomou conhecimento que no imóvel a parede de pedra original tem duas espessuras diferentes, cerca de 40cm na generalidade e de 25 cm na zona dos vãos.
18. E que existe movimentação de ar no interior da caixa de ar entre a parede exterior e a parede em pladur, sendo que em alguns locais provoca correntes de ar.
19. A zona da parede de pedra com 25cm foi “engrossada” com uma parede de tijolo cerâmico por forma a garantir a espessura de 40cm em toda a parede exterior; o isolamento existente nas paredes é composto por lã de rocha, de baixa densidade, com cerca de 40mm de espessura; o revestimento da parede exterior, no seu interior, é realizado através de placas de pladur.
20. A reparação do descrito demorará cerca de 2 semanas, implicando a desocupação do imóvel pela A. e seu agregado familiar pelo período de 1 semana.
21. A A. encontra-se incomodada e desgastada com a situação vivida na relação contratual com a Ré.
*
b) Na mesma sentença não se julgou provado que:
1. O detetor de gases existente na cozinha apresenta funcionamento deficiente.
2. Nos quartos existe desconforto térmico.
3. Existência de odor a esgoto no interior do imóvel concentrado no hall da entrada da cozinha.
4. O referido no ponto 14, al.ª f) dos factos provados não se elimina através de uma limpeza convencional.
5. Existência de odor a humidade na suite.
6. Os vidros estão desconformes com o mapa de acabamentos e a FTH.
7. O facto alegado no ponto j) do art.º 6.º da petição inicial pois nem todos os eletrodomésticos instalados são discordantes.
8. O facto alegado no ponto a) do art.º 8.º da petição inicial no que excede o dado como provado na al.ª i) do ponto 14.º dos factos provados, por inexistirem infiltrações.
9. O facto alegado no ponto b) do art.º 8.º da petição inicial no que excede o dado como provado na al.ª j) do ponto 14.º dos factos provados, por inexistirem infiltrações.
10. O facto alegado no ponto a) do art.º 12.º da petição inicial no que excede o dado como provado na al.ª i) do ponto 14.º dos factos provados.
11. As réguas do solho estão desfasadas entre si e este está descolorado em vários locais.
12. Os factos alegados nos pontos c), d), e), f), i), k) (exceto quanto ao vidro laminado), m), n) do art.º 12.º da petição inicial.
13. O facto alegado no ponto g) do art.º 12.º da petição inicial no que excede o dado como provado na al.ª d) do ponto 14.º dos factos provados.
14. O facto alegado no ponto h) do art.º 12.º da petição inicial no que excede o dado como provado na al.ª k) do ponto 14.º dos factos provados.
15. Os factos alegados nos art.ºs 20.º.21.º, 22.º, 24.º, 27.º, 25.º e 28.º (estes dois últimos quanto ao pagamento de uma renda ou estadia em hotel) da petição inicial.
16. O facto alegado no art.º 23.º da petição inicial no que excede o dado como provado no ponto 17. dos factos provados.
17. O facto alegado na al.ª l) do art.º 14.º da petição inicial quanto ao vidro ser laminado.
18. O facto alegado no art.º 5.º do articulado superveniente apresentado em 18/7/2019.
19. Os factos alegados nos art.ºs 2.º e 3.º do articulado superveniente apresentado em 29/1/2021.
20. O facto alegado no art.º 4.º do articulado superveniente apresentado em 29/1/2021 desde “(…) para poder (…)” até “(…) com urgência(…)”.
21. Para a realização dos trabalhos referidos no ponto 15 dos factos provados a A. despendeu a quantia de 1.599,00 euros.
22. O forno e o combinado instalados são diferentes dos previstos no mapa de acabamentos, sendo que estes e a máquina de lavar louça e o exaustor são de uma gama inferior.
*
c) Análise dos fundamentos dos recursos
Ambas as partes se mostram inconformadas com a sentença recorrida. A A. porque não aceita a absolvição da Ré do “pedido de reparação dos defeitos elencados nas alíneas j) e l) do ponto 14 dos factos provados, dos defeitos descritos em 16 a 19 dos factos provados, da ampliação do pedido de 29/01/2021 e do pedido de condenação da Ré no pagamento à A. de indemnização para reparação dos danos não patrimoniais”; e a Ré, por seu turno, porque também não aceita ter sido condenada a “reparar as deficiências existentes na fração da Autora enumeradas na alínea g) do ponto 14 dos factos provados”.
Será, portanto, em torno destas problemáticas que desenvolveremos a nossa exposição.
Comecemos pelas queixas da A. E, em particular, pelos erros de julgamento que a mesma imputa à matéria de facto.
Nesse capítulo, alega a A. que a afirmação constante do ponto 13 dos Factos Provados não corresponde à realidade; ou seja, sendo embora certo, como aí se refere, que “as anomalias aceites no email referido em 7., não foram reparadas quer pela ré quer pela interveniente acessória”, já não é verdade que isso se tenha ficado a dever à falta de autorização da sua parte, como aí se consignou.
E, a nosso ver, a A. tem razão.
Efetivamente, embora a mesma não tenha respondido ao e-mail em questão (datado de 07/05/2018, que lhe foi enviado pela Ré), já não consideramos como seguro que a falta de reparação das ditas anomalias se tenha ficado a dever a qualquer recusa ou falta de autorização da sua parte, para que essa reparação fosse feita.
É que, em bom rigor, nenhuma prova o atesta de modo direto. E, em relação à prova indireta, a mesma é particularmente difusa. Referimo-nos, por exemplo, ao depoimento do representante da Ré, GG, que, embora tenha dito em julgamento que respondiam sempre a todas as comunicações da A. (e-mails, cartas e telefonemas), já não circunstanciou as ocasiões em que alegadamente lhe foi vedado o acesso ao imóvel em questão ou a alguém a seu mando.
E o mesmo se diga do depoimento da testemunha, CC, engenheiro civil, que, à época, trabalhava para a construtora deste imóvel, a interveniente, B..., SA, que apenas aludiu aos alegados “feed backs” que tinha das equipas que mandava ao local para fazer reparações, mas, depois, a A. não lhes permitia o acesso à sua fração. Quando instado, porém, a especificar datas ou outro circunstancialismo em que tal teria ocorrido, disse não o poder fazer por pretensamente não o ter presente. Até porque, segundo disse, em nova instância do mandatário da Ré, tinham de acompanhar dezenas de imóveis em Portugal. Ora, esta explicação, a nosso ver, não colhe, na medida em que não foi referenciada nenhuma outra recusa de reparação, por parte de outro cliente qualquer e, a ser assim, facilmente poderiam ter sido arroladas como testemunhas as pessoas que presenciaram a dita recusa.
É verdade que perpassou do teor destes depoimentos e mesmo do testemunho do companheiro da A., DD, de resto, confirmado também pelo teor da correspondência trocada entre as partes e designadamente o e-mail em questão (datado de 07/05/2018), que a relação entre elas (leia-se, A. e Ré) não era amistosa. Mas daí concluir que as reparações aceites pela Ré só não foram levadas a cabo porque a A. não o autorizou, é deveras arriscado, sob o ponto de vista probatório. Até porque a A. tinha, como é da experiência comum, interesse em que essas reparações fossem feitas. E não se diga que a A. tinha esse interesse, mas não queria que essa reparação fosse levada a cabo pela Ré. Na verdade, a A. pede nestes autos justamente o contrário; isto é, que a Ré seja condenada a fazer tais reparações. Logo, o referido argumento não é válido, sob o ponto de vista que estamos agora a tratar.
Em resumo, entendemos que a A. tem razão e, assim, o ponto 13, dos Factos Provados ficará doravante redigido nestes termos:
“As anomalias aceites no email referido em 7., não foram reparadas quer pela Ré quer pela interveniente acessória”.
Passemos à análise dos pontos seguidamente questionados pela A.; isto é, os pontos 2, 19, 20 e 21, do capítulo dos Factos não Provados.
Refere-se no primeiro deles (2) que “[n]os quartos existe desconforto térmico”. O que a A. quer ver comprovado.
Mas, não pode ser assim.
Efetivamente, o desconforto térmico é uma sensação subjetiva que resulta de outros dados objetivos, como seja, por exemplo, a temperatura e/ou humidade ambiente, a reação de cada pessoa a essas ou outras condicionantes, em razão da sua própria condição física e psicológica e do modo como está preparada para lidar com elas. Não é, portanto, um facto objetivo. É, antes, um facto conclusivo que não se pode generalizar a toda e qualquer pessoa, sem atender às referidas condicionantes.
Ora, no caso, essas condicionantes não estão demonstradas. Não se sabe, por exemplo, qual era a temperatura e humidade ambiente no apartamento em questão, nem em que momentos temporais concretos.
Por conseguinte, não se pode concluir, sem mais, que nos quartos havia desconforto térmico.
E não se podendo retirar essa conclusão, também não se pode confirmar a afirmação da A., produzida no articulado superveniente apresentado no dia 29/01/2021, que, “com a redução das temperaturas nos últimos meses, a situação tornou-se insuportável, especialmente na parede interior voltada a nascente (Rua ...) da suite”, impedindo o seu sono, descanso e repouso, o que, no fundo, a obrigou a realizar, com urgência, as obras pelas quais quer ser ressarcida pela Ré [artigos 3.º e 4.º do referido articulado, referidos nos pontos 19 e 20.º dos Factos não Provados].
Na verdade, repetimos, não há dados objetivos que o confirmem.
Não ignoramos com isto que já está demonstrado que houve uma discrepância, por exemplo, entre o isolamento previsto no projeto e aquele que foi concretamente executado. Naquele foi previsto, por exemplo, que haveria uma parede de alvenaria exterior em granito com 40 cm de espessura, placa de XPS com 6 cms de espessura e placa de gesso cartonado e, ao executar as obras (em data anterior a 04/12/2020), a A. deparou-se com uma parede exterior em pedra, de facto, mas com duas espessuras diferentes: cerca de 40cm na generalidade e de 25 cm na zona dos vãos, zona que foi “engrossada” com uma parede de tijolo cerâmico, por forma a garantir a espessura de 40cm em toda a parede exterior. Além disso, o isolamento existente nas paredes era composto por lã de rocha, de baixa densidade, com cerca de 40mm de espessura, e não com as ditas placas de XPS.
Por outro lado, também está provado que a A. se apercebeu, nessa altura, da “movimentação de ar no interior da caixa de ar entre a parede exterior e a parede em pladur, sendo que em alguns locais provoca correntes de ar” (pontos 16 a 19 dos Factos Provados).
A questão que se mantém em aberto, no entanto, é a de saber qual o real impacto destas desconformidades no conforto térmico sentido nos quartos do apartamento em questão. Se, no fundo, daí resultava um desconforto térmico tal que, como alega a A., se tornou insuportável o uso de tais quartos e a mesma se viu, por isso, obrigada a realizar obras com urgência. Insuportável, obviamente, em termos objetivos, ou melhor, em termos tais que para um qualquer outro cidadão normal se tornasse inexigível o uso desses quartos.
Ora, como já adiantámos, não temos outros dados objetivos que o confirmem. Designadamente, como também dissemos, as temperaturas e níveis de humidade concretos então aí sentidos. De modo que não se pode dar por certo o aludido desconforto térmico e as implicações daí resultantes alegadas pela A.
É verdade que o seu companheiro, DD, e pai, EE, tentaram defender essa tese ao longo dos respetivos depoimentos, em julgamento. Mas, além de se tratar de pessoas emocionalmente comprometidas com a A., o que nalguma medida impõe maior ponderação na avaliação do seu crédito, a verdade é que estamos a lidar também com realidades (desconforto térmico e respetivas implicações subjetivas) que, para se poderem conferir, têm de estar apoiadas, como já referimos, em dados objetivos que as confirmem. E isso, já o dissemos, não existe nestes autos.
De modo que não pode ser acolhida a pretensão da A. em ver julgados demonstradas as afirmações relacionadas com estes aspetos; ou seja, com o alegado desconforto térmico nos quartos e as consequências que a A. lhe associa, no plano da necessidade de realização de obras urgentes para lhe pôr cobro.
Resta, no âmbito da factualidade impugnada que estamos a analisar, o custo dessas obras (artigo 4.º do articulado superveniente apresentado no dia 29/01/2021 e ponto 21 dos Factos não Provados).
Sabemos, pelo que já consta da factualidade provada (ponto 15), que tais obras se traduziram em “trabalhos para remoção de gesso cartonado e de lã de rocha existente na parede interior voltada a nascente (Rua ...) da suite para colocação de XPS, novo gesso cartonado, pintura e acabamentos”. Aliás, como a A. havia alegado naquele articulado (artigo 4.º).
O que discute, agora, é, como vimos, a questão de saber qual o custo destas obras.
A A. alegou que nelas despendeu 1.599,00€. Aliás, como consta da fatura junta aos autos, no dia 29/01/2021 (doc.1). Porém, a pessoa que por elas foi responsável, ou seja, a testemunha, HH, declarou em julgamento que esse valor dizia respeito a obras realizadas em dois quartos e não apenas na suite. O que levou o Tribunal recorrido a julgar indemonstrado tal valor. Fê-lo com esta fundamentação: “A não prova do facto descrito no ponto 20 resultou da circunstância da testemunha HH, autor das obras ter referido de forma clara que o valor cobrado correspondeu a trabalhos executados na parede de dois quartos e não apenas na parede da suite, sendo que tivesse sido só neste o valor reduziria sensivelmente para metade”.
Ora, partindo justamente deste critério, podemos concluir que as obras em causa, ou seja, as realizadas na suite, mencionadas no ponto 15 dos Factos Provados, custaram à A., pelo menos, 799,50€. Até porque por regra, a suite de uma casa de habitação corresponde, como é da experiência comum, ao quarto maior. Será, portanto, esta a realidade a retratar. Ou seja, aditar-se-á à factualidade provada um novo número com a seguinte denominação e teor:
“21- Nas obras mencionadas no ponto 15), a A., despendeu, pelo menos, 799,50€”.
Finalmente, na sua impugnação da matéria de facto, questiona a A. o destino probatório que foi dado à afirmação contida no ponto 6, dos Factos não Provados.
Sustenta a mesma, em resumo, que essa afirmação, ou seja, que “os vidros estão desconformes com o mapa de acabamentos e a FTH” [leia-se, a Ficha Técnica da Habitação], deve ser julgada comprovada. Isto porque, no essencial, é isso que resulta do relatório por si junto aos autos no dia 31/01/2019, subscrito pela Engenheira, FF, no dia 08/03/2018, que não foi expressamente impugnado pela Ré e que serviu, no fundo, de base de trabalho aos relatórios periciais subsequentemente apresentados.
Acontece que, além de, mais uma vez, estarmos perante uma afirmação de carácter nitidamente conclusivo, inapta para ser usada, nesta sede, devido à coincidência da sua terminologia com aquela que é usada por lei para solucionar conflitos deste tipo (como veremos mais adiante), são justamente os referidos relatórios que não permitem julgar demonstrado o seu teor.
Com efeito, logo no primeiro relatório apresentado pelos peritos (no dia 26/12/2019), refere-se na resposta ao quesito i), que “[o]s vidros são duplos, não estando assim desconformes com a FTH e MA”. E nas respostas ao quesito w) (pontos 1 e 3), referem que os vidros são duplos, tendo assim “corte térmico”. Quanto à espessura dos vidros, dizem não ter sido possível verifica-la. Isto sem prejuízo do perito indicado pela A., logo de seguida, ter referido que deveria ser analisado o relatório de inspeção aos vidros junto aos autos e de, na resposta ao ponto 3, ter acrescentado, em aparente contradição com o anteriormente afirmado, que “[h]á divergência entre o descrito na TTH e Mapa de Acabamentos e o que existe no local”.
A Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, no entanto, mais tarde, veio esclarecer alguns destes aspetos (cfr. informação apresentada no dia 12/10/2020).
Assim, começa logo por afirmar que “[o]s diferentes documentos apensos ao contrato de compra e venda (FTH, CE e Mapa de Acabamentos) apresentam descrições distintas para os envidraçados. O mapa de acabamentos refere-se às caixilharias como sendo: “Perfil de Alumínio ... com corte térmico e vidro duplo”. A FTH refere a existência de janelas duplas em perfil de alumínio ..., com vidro duplo e com corte térmico. Já no CE os vãos são descritos do modo seguinte: “vãos envidraçados inseridos na fachada Oeste com sombreamento, constituídos por vidro duplo (8mm + 8mm + 6mm) colocados em caixilharia metálica fixa e de abrir sem corte térmico, sem classificação de permeabilidade ao ar, e com proteção solar interior constituída por cortina opaca clara”.
Todos os documentos, no entanto, se referem à existência de vidros duplos.
E a falta desse tipo de vidros não aparece detetada neste relatório. O que se refere estar em falta é o corte térmico do perfil de alumínio utilizado, matéria que não está em causa neste ponto.
Já em relação à espessura dos vidros colocados na fachada nascente, o mesmo relatório admite que exista “divergência entre as espessuras dos vidros medidas, expressas no relatório técnico dos vidros (documento 7), e as espessuras referidas no CE” [Certificado Energético]. No entanto, conclui que, conforme demonstrado pelos cálculos aí apresentados (tabela 1), “essas diferenças refletem-se num desempenho térmico semelhante. Ou seja, tendo em atenção apenas a frações envidraçada do vão, negligenciando a presença do caixilho, ambas as soluções apresentam um desempenho térmico aproximado”. Mas – note-se- nem se diz que foram conferidas essas espessuras em obra, nem se refere que se teve por comparação os elementos constantes do mapa de acabamentos e a Ficha Técnica da Habitação, que são os elementos de referência mencionados no ponto de facto em análise (ponto 6).
Logo, perante todos estes dados, julgamos não poder concluir que esteja demonstrado que, ao nível dos vidros, haja alguma desconformidade relevante em relação àqueles elementos. Mantem-se, assim, inalterado o destino probatório da afirmação contida no referido ponto de facto.
Esgotada, pois, a análise da matéria de facto impugnada, é altura de aquilatar se a A. tem direito às prestações que reclama neste recurso; ou seja, em síntese, à eliminação do empolamento da tinta e fungos na parede da casa de banho [al. j), dos Factos Provados], à colocação de um resguardo de segurança e outro vidro na janela fixa da sala [al.l), dos Factos Provados], à correção do isolamento da parede exterior dos quartos [pontos 17 a 19 dos Factos Provados], ao reembolso do custo das obras que realizou e à indemnização pelos danos não patrimoniais que invoca.
Vejamos, então.
O primeiro dado a ter em conta é que todos estes alegados direitos são ancorados pela A. numa relação contratual que a mesma tem por incumprida pela Ré. Mais concretamente, num contrato de compra e venda entre ambas celebrado no dia 05/06/2015, nos termos do qual a última vendeu à primeira uma fração autónoma (inserida num prédio constituído em regime de propriedade horizontal) destinada à sua habitação própria e permanente, fração essa de que aquela havia sido a promotora do processo construtivo.
Estamos, assim, nitidamente, perante uma relação contratual de consumo, a que é aplicável o regime que resulta, designadamente, do disposto na Lei n.º 24/96, de 31 de julho [Lei de Defesa do Consumidor (LDC)], em articulação com o que consta do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela relativas), que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio[1].
O referido regime, com efeito, é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre um profissional e um consumidor, ou seja, entre, por um lado, uma pessoa singular ou coletiva que, ao abrigo de um contrato, venda bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional e, por outro lado, uma pessoa singular que os adquira para um uso não profissional ou empresarial (artigos 1.º-A e 1.º-B, als. a), b) e c), do referido Decreto-Lei n.º 67/2003)[2], e, no caso, tendo em conta as qualidades em que cada uma das partes interveio no citado contrato e o destino que a A. pretendia dar ao citado imóvel, cuja construção fora promovida pela Ré, é inegável que aquele regime tem aqui inteira aplicação.
Ora, dentro desse regime, o vendedor tem “o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda” (artigo 2.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei n.º 67/2003). Isto é, bens que tenham as qualidades indicadas pelo vendedor, que sejam adequados ao uso específico e às utilizações habitualmente dadas a outros do mesmo género e que apresentem as qualidades e desempenho habituais do tipo a que pertencem (artigo 2.º-2 da Diretiva 1999/44/CE)[3].
Se assim não for, isto é, se faltar alguma destas características, pode concluir-se que tais bens não são conformes com o contrato[4].
Assim, “[p]resume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem” (artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003).
E, se assim for, “[o] vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue”, sendo que “[a]s faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade” (artigo 3.º do mesmo diploma legal).
Por outro lado, “[s]e o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador” (artigo 921.º, n.º 1, do Código Civil).
Pressuposto, assim, da responsabilidade do vendedor, em qualquer uma das suas dimensões, é a falta de conformidade da coisa vendida com o contrato. E essa falta, como vimos, pode resultar da ausência de apenas um dos referidos requisitos; ou seja, a falta de conformidade com a descrição feita pelo vendedor; a falta de conformidade com uma amostra ou um modelo; a falta de adequação às utilizações habituais; a falta de adequação a uma utilização específica; e, a falta de conformidade com as qualidades e o desempenho habituais. Verificada, repetimos, alguma destas faltas, tal é bastante para concluir pela não conformidade da coisa vendida com o contrato, uma vez que enquanto a conformidade pressupõe a ocorrência de várias qualidades do bem, a desconformidade, pelo contrário, basta-se com a falta de alguma dessas qualidades[5].
E esta circunstância não é irrelevante. Com efeito, neste regime, o comprador, como assinala Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[6], não tem de se assegurar, aquando da celebração do contrato, que a coisa adquirida não tem defeitos e é idónea para o fim a que se destina. Pelo contrário, essa averiguação deixa de ser imposta ao consumidor para ser objeto de uma garantia específica, prestada pelo vendedor, ao qual cabe o ónus da prova, segundo as regras gerais, de ter cumprido a obrigação de garantia de conformidade.
Ao comprador, por sua vez, basta alegar e provar alguma das referidas faltas de conformidade[7].
Ora, tendo presente este enquadramento, verificamos, em primeiro lugar, que a A., ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, tem direito a que a Ré repare, a expensas suas, o empolamento de tinta e fungos existentes na parede da casa de banho [al. j), dos Factos Provados].
Com efeito, tratando-se, manifestamente, de uma desconformidade em relação àquilo que é necessário e adequado para a utilização normal de um espaço desse tipo (WC) e não tendo a Ré demonstrado que tal desconformidade seja alheia à sua esfera de responsabilidades, tem a mesma de ser compelida a repará-la. Isto porque a lei confere à A. esse direito (artigo 4.º, n.ºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 67/2003).
É verdade que na sentença recorrida se raciocinou ao contrário. Ou seja, que era à A., e não à Ré, que competia demonstrar a causa de tal desconformidade. Mas, como vimos, não é assim. Ao comprador basta alegar e comprovar a falta de conformidade e, verificada esta, é sobre o vendedor que recai o ónus de demonstrar que a coisa vendida reúne todas as qualidades por si indicadas, bem como as que sejam adequados ao uso específico e às utilizações habitualmente dadas a outros do mesmo género e ainda as qualidades e desempenho habituais do tipo a que pertencem.
Ora, a Ré não logrou fazer essa prova, em relação a esta desconformidade concreta. De modo que não pode deixar de ser condenada a erradicá-la.
Pretende, depois, a A. que a Ré seja condenada a colocar, na janela fixa da sala, um resguardo de segurança e outro vidro que ofereça também maior segurança aos utilizadores do seu apartamento.
A aludida janela, de facto (com uma altura de 2,45m e 1,52m de largura) - provou-se-, não tem resguardo de segurança. E o vidro que tem é duplo, com um vidro simples e outro temperado.
Não se pode, assim, afirmar, cremos nós, como se afirma na al. l) do ponto 14 dos Factos Provados, que o vidro da janela em questão “não é temperado”. O que se pretendia dizer, ao que julgamos, é que este vidro não é laminado. Aliás, em consonância com o alegado pela A. no artigo 12.º, al. k), da petição inicial, o “relatório de peritagem” (datado de 08/03/2018), junto com a petição inicial, e os pontos 12 e 17, dos Factos não Provados, quando exceciona da factualidade aí indicada o vidro laminado, bem como o declarado pela testemunha, BB, arquiteto e autor do projeto deste edifício. O pai da A., EE, de resto, também disse em julgamento que o vidro desta abertura de luz não era laminado, embora não se lhe reconheçam especiais conhecimentos na matéria, porque não os invocou.
O que se pode, todavia, julgar comprovado pelos restantes elementos indicados é que o vidro em questão não é laminado e não, como se refere na dita alínea, “não é temperado.
Como tal, usando da faculdade prevista no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, altera-se a redação da al. l) do ponto 14 dos Factos Provados, que, doravante, passará a ser a seguinte:
“l) a janela fixa da sala, com uma altura de 2,45m e 1,52m de largura, não possui resguardo de segurança e o vidro não é laminado, mas duplo com um vidro simples e outro temperado;”.
E é, justamente, perante esta descrição que nos devemos interrogar sobre a questão de saber se a Ré deve ser obrigada a colocar nesta abertura um outro vidro que ofereça maior segurança, em caso de rutura por impacto, e um resguardo de proteção.
Pois bem, o primeiro elemento a ter em conta é o que decorre do disposto no artigo 15.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), segundo o qual “[t]odas as edificações, seja qual for a sua natureza, deverão ser construídas com perfeita observância das melhores normas da arte de construir e com todos os requisitos necessários para que lhes fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança, salubridade e estética mais adequadas à sua utilização e às funções educativas que devem exercer”.
No caso em análise, a opção estética assumida quanto à abertura de que estamos a tratar foi a de lhe colocar uma estrutura fixa que, por sua vez, suporta um vidro duplo; ou melhor, como se provou, um vidro simples e outro temperado. Não se trata, portanto, de uma janela com abertura, que possa ser ultrapassada mediante uma passagem espontânea. Só forçada. Seja mediante a retirada dos elementos que a compõem, seja mediante rutura forçada desses elementos.
Ora, neste contexto, não temos como líquido que a Ré possa ser compelida a colocar à frente de tal abertura, no exterior do edifício, uma guarda de proteção.
Em primeiro lugar, porque a norma invocada pela A. (Norma Portuguesa de Guardas para Edifícios - NP 4491), se reconduz, no fundo, a um conjunto de regras que definem as exigências mínimas de qualidade, no que concerne às características dimensionais, das guardas de proteção aplicadas no exterior de edifícios, escadas e rampas, bem como os métodos de ensaio a realizar, e não, estritamente, à obrigatoriedade de colocar ou não essas guardas, matéria que há-de ser encontrada também noutros domínios normativos, em função da solução construtiva adotada.
E, em segundo lugar, porque a proteção pretendida pela A. pode ser obtida por outras vias, sem interferir com a aludida opção estética. Seja colocando, por exemplo, uma barreira no interior do prédio da A., que impeça o acesso a tal abertura, seja (ainda que simultaneamente) reforçando os vidros e a estrutura em que os mesmos estão apoiados, de forma a que, como diz a lei, “fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança, salubridade e estética mais adequadas à sua utilização”.
O que é importante é que estes objetivos fiquem garantidos. Designadamente, quanto aos vidros usados. Isto porque esses vidros, devem resistir ao impacto sem se quebrarem ou, se se quebrarem, terem características tais que não causem ferimentos a ninguém.
Ora, no caso, sendo um dos vidros aplicados simples (não temperado, nem laminado, portanto), se se quebrar pode, como é da experiência comum, causar ferimentos a quem se encontre por perto. Seja quem estiver na habitação da A., seja, quem estiver no seu exterior, mas em lugar em que os pedaços desse vidro lhe possam cair em cima. Riscos que, é manifesto, não podem manter-se, porque, no fundo, correspondem a desconformidades em relação, designadamente, às qualidades que devem ter esse tipo de produtos, nesta aplicação concreta.
Logo, a Ré não pode deixar de ser obrigada a corrigir esta situação colocando na janela fixa da sala vidros que cumpram todas as exigências de segurança; seja, em termos de ampla resistência ao choque, seja em termos de não resultarem da sua eventual rutura quaisquer ferimentos para quem estiver por perto (dentro ou fora da habitação).
Num outro plano, pretende também a A. que a Ré seja condenada a eliminar as desconformidades que detetou nas paredes dos quartos, que ainda não corrigiu.
E, de facto, apuraram-se essas desconformidades.
Como se provou, o isolamento previsto em projeto é (do exterior para o interior) parede de alvenaria de granito com 40cm de espessura, placa de XPS com 6cm de espessura e placa de gesso cartonado, mas a A. veio a verificar que a parede de pedra original tem duas espessuras diferentes, cerca de 40cm na generalidade e de 25 cm na zona dos vãos, que existe movimentação de ar no interior da caixa de ar entre a parede exterior e a parede em pladur, sendo que em alguns locais provoca correntes de ar, e ainda que a zona da parede de pedra com 25cm foi “engrossada” com uma parede de tijolo cerâmico por forma a garantir a espessura de 40cm em toda a parede exterior, o isolamento existente nas paredes é composto por lã de rocha, de baixa densidade, com cerca de 40mm de espessura e o revestimento da parede exterior, no seu interior, é realizado através de placas de pladur.
Nessa medida, porque estas desconformidades também constituem desvios em relação ao que estava previsto e que é necessário e adequado para a utilização de uma casa de habitação em condições de saúde e conforto, a Ré deve igualmente ser obrigada a eliminá-las.
Anote-se que, neste âmbito, como resulta do já acima referido e ao contrário do sustentado na sentença recorrida, a A. não estava obrigada a demonstrar que “a movimentação de ar no interior da caixa de ar e as correntes de ar geradas em alguns pontos causem desconforte térmico no interior do imóvel”. Ou mesmo que “o isolamento colocado, distinto do indicado no projeto, provoque o alegado desconforto térmico e que possua menor eficiência em termos de isolamento”. Bastava-lhe alegar e demonstrar, como alegou e demonstrou, designadamente, a falta de conformidade com a descrição feita pelo vendedor e a falta de conformidade com as qualidades que são habituais numa casa de habitação do tipo por ela adquirido, para que a mesma tenha direito à correção dos desvios detetados. É que, como dissemos, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda; ou seja, bens que tenham as qualidades por ele indicadas e ainda que sejam adequados ao uso específico e às utilizações habitualmente dadas a outros do mesmo género e que apresentem as qualidades e desempenho habituais do tipo a que pertencem. Não o fazendo, como não fez a Ré, nesta situação concreta, tem de ser obrigada a corrigir a sua prestação, como decorre, uma vez mais, do disposto no citado artigo 4.º, n.ºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 67/2003.
Como tal, também esta pretensão da A. é de acolher.
Pretende ainda a A. ser reembolsada do custo das obras que ela própria teve de fazer diretamente. Isto porque se trataram de obras urgentes, na medida em que o desconforto térmico sentido na suite da sua habitação, nos meses que antecederam o dia 29/01/2021, impôs a realização de tais obras.
Acontece que, como já vimos, não se provaram esses pressupostos. Não se provou o dito desconforto térmico (que, repetimos mais uma vez, é nitidamente, um facto conclusivo), nem a alegada inevitabilidade de realização dessas obras e o seu carácter premente.
Por conseguinte, a Ré não pode ser obrigada a suportar o custo das mesmas, ainda que só no limite quantitativo apurado. Até porque as desconformidades concretas que visaram corrigir, ao nível da parede interior voltada a nascente da suite (ponto 15 dos Factos Provados), nunca antes lhe tinham sido comunicadas.
Não se tratando, pois, de obras urgentes, a Ré, tal como qualquer outro vendedor, tinha o direito de as realizar, por si ou por pessoa por si contratada para o efeito, não podendo ficar sujeita ao preço cobrado por terceiro contratado pela compradora, uma vez que bem podia suceder que tivesse meios próprios para as levar a cabo de modo mais barato[8].
Daí que, em suma, soçobre este pedido.
Por fim, a A. pretende ainda que a Ré seja condenada a ressarci-la pelos danos não patrimoniais que sofreu. Isto, num montante de 20.000,00€.
Na sentença recorrida não se atribuiu à A. qualquer valor, a este título. No essencial porque, pesem embora as anomalias de que padece o imóvel, da análise da matéria de facto provada, se concluiu que a A. “não viu as condições de salubridade e de habitabilidade do imóvel comprometidas, nem mesmo o seu conforto. Os cerca de 6 anos que dura esta contenda entre a autora e a ré causarem desgaste e incómodo, mas também porque a autora recusou várias vezes as intervenções da ré, recusou reunir, negociar, apenas aceitando que a ré realizasse aquilo que a autora entendia ser o que deveria ser feito, quando, como vimos, não era totalmente assim”.
Ora, como começámos por referir, no âmbito da análise da factualidade impugnada, não se provou semelhante atitude da parte da A.; ou seja, não se provou que a falta de reparação das anomalias existentes e aceites pela Ré se tivesse ficado a dever a qualquer recusa ou falta de autorização da parte daquela, para que essa reparação fosse feita.
E é inegável que não só são muitas e de variados tipos as desconformidades de que padece o imóvel que a A. adquiriu à Ré, como resulta bem evidente, a nosso ver, que tais desconformidades contendem com as condições de salubridade e de habitabilidade desse mesmo. Basta atentar na descrição constante dos pontos 14 e 15 a 19, dos Factos Provados.
Por outro lado, como também resulta dos factos provados, longo tem sido o percurso da A. para obter junto da Ré a reparação por esta última das ditas desconformidades. Desconformidades que, note-se, nunca deviam existir, posto que a Ré estava obrigada a proporcionar à A. um bem perfeitamente conforme com o contrato.
Ora todas estas circunstâncias, como se provou, fazem com que a A. se encontre “incomodada e desgastada com a situação vivida na relação contratual com a Ré”. A A., repetimos, que tinha direito a que a Ré lhe entregasse um imóvel com as características contratadas e adequado ao fim a que se destinava (habitação própria e permanente da A.), acabou por receber um bem com diversos defeitos que têm, ao longo de todos estes anos (desde 2015), comprometido esse uso de modo pleno. Aliás, continuarão ainda a compromete-lo, uma vez que persistem por fazer diversas reparações que, inclusive, como se provou, irão implicar a desocupação do imóvel, por parte da A. e do respetivo agregado familiar, pelo período de uma semana, embora este último aspeto não possa aqui ser valorizado, por já o ter sido, em termos indemnizatórios, na sentença recorrida.
Certo é, no entanto, que o demais apurado configura danos não patrimoniais sofridos pela A. que não podem deixar de se considerar relevantes. Não tanto, obviamente, como a mesma considera, sobretudo se tivermos em conta o montante da indemnização que peticiona, mas, ainda assim relevantes, para serem ressarcidos, nesta sede e a este título[9]. Até porque se trata de danos direta e necessariamente originados por uma conduta ilícita da Ré, que se presume culposa (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil).
Como tal, estando preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil e levando em consideração todo o circunstancialismo apurado, bem como o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil e artigo 12.º, n.º 4, da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31 de Julho), julga-se equitativo o montante de 2.500,00€, o qual será acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde esta data, como resulta do prescrito no artigo 566.º, n.º 2, do referido Código, até integral pagamento.
Passemos, agora, à análise do recurso da Ré.
Nele o que está em causa é unicamente a condenação de que aquela foi alvo quanto à reparação da divergência que na al. g), do ponto 14 dos Factos Provados se refere existir nas caixilharias aplicadas. Ou seja, “as caixilharias aplicadas não têm corte térmico quando mapa de acabamentos e a ficha técnica o preveem”.
Defende a Ré, que a sentença recorrida é nula por haver oposição entre os seus fundamentos e a decisão tomada, a este propósito. Mais concretamente, por afirmar que para a verificação de desconformidades é necessário, por um lado, a demonstração da sua existência, e, por outro lado, que essa desconformidade diminui ou impede o gozo do bem na sua plenitude e, não obstante se ter considerado na mesma sentença que, “no que respeita às caixilharias, não foi demonstrado e muito menos provado que a alegada desconformidade diminui ou impede o gozo do bem na sua plenitude”, ainda assim, foi-lhe imposta a sua reparação.
Ora, lida a sentença em causa, não se deteta nela semelhante contradição. Sobretudo, quanto a esta última afirmação, que nela não se encontra. É que, sendo embora verdade que nessa sentença se assinalou a diferença entre defeitos e desconformidades[10], no final acabou por aí se considerar que todas as realidades descritas no ponto 14 dos Factos Provados constituíam “vícios” “que impedem que a autora possa usufruir do imóvel de modo pleno e cabal” e, por isso mesmo se condenou a Ré a eliminá-los.
Não cremos, portanto, que a sentença recorrida padeça da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, que lhe é assacada pela Ré.
Nem cremos que a Ré se possa eximir à eliminação da dita divergência.
Com efeito, como já vimos, o vendedor de bens de consumo, como é o caso, está obrigado a entregar ao comprador bens conformes com o contrato. E essa conformidade afere-se, entre outros aspetos, pelas características e qualidades dos bens indicados pelo vendedor. Este, de facto, está obrigado, na sua relação contratual, a falar com verdade e a agir de boa fé. E agir de boa fé implica, entre o mais, a obrigação de realizar pontualmente a prestação a que se vinculou (artigo 762.º, do Código Civil). Ora, “[a] descrição feita pelo vendedor integra o conteúdo do contrato, devendo a prestação recair sobre o objeto acordado, ou seja, sobre o objeto que tem as características descritas e que cumpre os objetivos referidos pelo vendedor, devendo a correspondência ser absoluta”[11].
Ora, no caso, não há, como vimos, essa correspondência. As caixilharias aplicadas, de facto, como se provou, não têm corte térmico, quando mapa de acabamentos e a ficha técnica o preveem. Isto – note-se – sem qualquer distinção de fachadas. De resto, para além da Ré não ter pedido a modificação da matéria de facto em conformidade com os requisitos previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, al.a), do CPC, a perícia realizada nestes autos (datada de 23/12/2019), também não a faz. E à A., aquando da celebração do contrato de compra e venda, foi-lhe entregue pela Ré a referida ficha técnica (ponto 2 dos Factos Provados). Sinal, portanto, de que a mesma se comprometeu a cumprir todo o programa contratual aí previsto.
Nessa medida, não podia, nem pode deixar de o observar na sua prestação.
O recurso da Ré, assim, é de julgar improcedente.
Em resumo: o recurso da A. deve ser julgado parcialmente procedente e a Ré condenada a reparar o empolamento de tinta e fungos existentes na parede da casa de banho; a colocar na janela fixa da sala vidros que cumpram todas as exigências de segurança, seja em termos de resistência ao choque, seja em termos de prevenir que da sua eventual rutura não resultem quaisquer ferimentos para quem estiver por perto (isto, sem prejuízo de serem adotadas outras medidas de segurança complementares se estas se mostrarem insuficientes); a eliminar as desconformidades existentes nas paredes dos quartos, ainda não corrigidas (cfr. pontos 15 a 19 dos Factos Provados); e, a pagar à A. o montante de 2.500,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde esta data até integral pagamento.
No mais improcede a sua pretensão, assim como improcede o recurso da Ré.
*
III- Dispositivo
Pelas razões apontadas, acorda-se em: 1- Conceder parcial provimento ao recurso da A. e, consequentemente, revogando também parcialmente a sentença recorrida, condena-se a Ré a, no prazo estabelecido em tal sentença, reparar o empolamento de tinta e fungos existentes na parede da casa de banho, a colocar na janela fixa da sala vidros que cumpram todas as exigências de segurança, seja em termos de resistência ao choque, seja em termos de prevenir que da sua eventual rutura não resultem quaisquer ferimentos para quem estiver por perto e a eliminar as desconformidades existentes nas paredes dos quartos, ainda não corrigidas. Mais se condena a Ré a pagar à A. o montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde esta data até integral pagamento. 2- Quanto ao mais, nega-se provimento ao aludido recurso (da A.), bem como ao da Ré, absolvendo a Ré do que aí era pedido.
*
- Em função deste resultado, as custas do recurso da A. serão pagas por A. e Ré, na proporção do respetivo decaimento, e as custas do recurso da Ré serão pagas, na totalidade, por ela própria- artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Porto, 12/7/2023
João Diogo Rodrigues
Anabela Dias da Silva
Rodrigues Pires
_____________ [1] Estes dois últimos diplomas foram, entretanto, revogados, respetivamente, pelo artigo 54.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, e artigo 23.º, da Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2019, mas, como resulta do disposto no artigo 53.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 84/2021, o respetivo regime só se aplica às relações contratuais estabelecidas após a sua entrada em vigor, o que não é o caso, uma vez que, como vimos, a aquisição que qui está em causa é anterior. [2] Cfr., para maiores desenvolvimentos sobre estas noções, João Sérgio Teles de Menezes Correia Leitão, “Contratos Civis, Comerciais e de Consumo – Uma Inquirição de Taxinomia”, in Estudos de Direito do Consumo, Vol. I, Almedina, págs601 a 626 e Nuno Manuel Pinto Oliveira, O Conceito de Consumidor, Estudos de Direito do Consumo, Vol. I, Almedina, págs. 473 a 514. [3] Neste sentido, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 7ª edição, Almedina, pág. 286. [4] Há, no entanto, uma “pequena grande diferença de estilo” entre a previsão do artigo 2.º-2 da Diretiva 1999/44/CE e o artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 67/2003. “a Diretiva presume a conformidade, se coexistirem todas as circunstâncias elencadas; o Decreto-lei presume a não conformidade, se se verificar alguma dessas circunstâncias” – João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, Comentário, 3ª edição, Almedina, pág.60. [5] Neste sentido, Jorge Morais Carvalho, ob. cit., pág. 286. No mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 12ª edição, Contratos em Especial, Almedina, pág.143. [6] Ob cit., pág. 142. [7] Neste sentido, Ac. STJ de 20/03/2014, Processo n.º 783/11.2TBMGR.C1.S1, Ac. STJ de 26/04/2012, Processo n.º 1386/06.9TBLRA.C1.S1, e Ac. RC de 20/11/2012, Processo n.º 6646/05.3TBLRA.C1, consultáveis em www.dgsi.pt, referindo-se neste último que “[s]egundo a “teoria da norma” e porque facto constitutivo do direito, compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art.342º, nº 1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor”. Ainda Ac. RG de 13/05/2021, Processo n.º 2927/18.4T8VCT.G1, consultável no mesmo endereço eletrónico. No mesmo sentido se pronunciou também, João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, Comentário, 3ª edição, Almedina, pág. 74, quando refere que “[a] prova da falta de conformidade, vale dizer, a não correspondência do bem recebido ao bem convencionado, cabe ao comprador, com a ajuda, na falta de cláusulas específicas, das presunções do n.º 2 do art. 2º [do Decreto Lei n.º 67/2003], demonstrando as qualidades ou características que as ditaram para se considerarem devidas”. [8] Neste sentido, por exemplo, Jorge Morais Carvalho, ob. cit., pág. 331. [9] Cfr. no sentido da admissibilidade de cumulação da indemnização por danos não patrimoniais com o direito à reparação, por exemplo, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, 2ª edição, Almedina, pág. 148 e, na jurisprudência, o Ac.RC de 25/10/2011, Processo n.º 351/10.6TBPCV.C1, consultável em www.dgsi.pt. [10] Nestes termos: “Defeitos constituem deficiências, deformidades, vícios de que uma coisa padece, fazendo com que esta não cumpra cabalmente o fim a que se destina, estando a sua gravidade relacionada com o grau de deficiência, a sua importância e dimensão. Ao lado dos defeitos assim descritos podem surgir desconformidades. Ou seja, o bem entregue não está conforme o bem que se tinha acordado, no caso concreto, vender. Aqui necessário para além da demonstração da sua existência, impõe-se a demonstração de que essa desconformidade diminui ou impede o gozo do bem na sua plenitude, sendo, portanto, muito semelhante aos defeitos”. [11] Neste sentido, por exemplo, Jorge Morais Carvalho, ob. cit., pág. 289.