CRIME DE AMEAÇA AGRAVADA
CRIME DE NATUREZA PÚBLICA
Sumário

I- Sendo o legislador quem define, de modo explícito, quais são os crimes de natureza particular (referindo, expressamente, que o impulso processual depende de queixa e de acusação particular) e os crimes de natureza semi-pública (mencionando, explicitamente, que o procedimento depende de queixa), na aplicação da aludida regra, o legislador é preciso e criterioso, dizendo expressamente, quanto a cada tipo legal de crime, se o mesmo depende de queixa, ou de acusação particular, ou, então, nada diz. E nada dizendo, o crime é de natureza pública;
II- O crime de ameaça simples depende do direito de queixa, conforme prevê, expressamente, o n.º 2, do artigo 153.º, do Código Penal.
No que respeita ao artigo 155.º do C.P., nada é dito a tal respeito, pelo que, a conclusão a tirar será, inevitavelmente, de que estamos, neste caso, perante um crime de natureza pública;
III- De facto, no artigo 153.º, n.º 1, permaneceu o tipo simples, tendo sido mantida a natureza semi-pública, no n.º 2 do referido normativo. E o tipo qualificado passou a estar previsto no artigo 155.º, onde se preveem as circunstâncias e os resultados que qualificam, tanto o tipo simples de ameaça, como o tipo simples de coacção e as penas que cabem a cada um dos tipos, em função da sua verificação;
IV- Acontece que, o artigo 155.º do C.P. não contém uma norma que estabeleça a natureza semi-pública dos tipos qualificados de ameaça e de coacção, pelo que, na falta dessa expressa consagração, e em face do que supra se expendeu, é forçoso concluir que os crimes de ameaça e de coacção qualificados, em função das circunstâncias elencadas nas alíneas do n.º 1 ou em função do resultado previsto no n.º 2, têm a natureza de crimes públicos;
V- Não existindo disposição que preveja de forma expressa a necessidade da queixa para o crime agravado previsto no artigo 155.º, do Código Penal, o silêncio da lei - consubstanciado na ausência de disposição que preveja a necessidade de queixa - aponta, indubitavelmente, no sentido de que, actualmente, o crime de ameaça na forma agravada tem natureza pública.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO:
No nuipc 478/15.8PBLRS.L1, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 1, foi, a “17.01.2020”, proferido “despacho homologatório”, pelo qual, considerando-se “a natureza do crime em causa, a tempestividade da desistência da queixa, bem como a não oposição por parte do arguido”, AA, se “julgou válida e juridicamente relevante a desistência da queixa apresentada por BB”.
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Inconformado, recorreu o Ministério Público formulando as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos foi proferida sentença homologatória, que julgou válida e juridicamente relevante a desistência da queixa apresentada pelo ofendido, homologando-a e declarando extinto o procedimento criminal relativamente ao crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.°1 e 155.º n.º 1, alínea a), do Código Penal, imputado ao arguido.
2. O elemento interpretativo literal, sistemático e histórico leva-nos a considerar que o crime de ameaça agravada assume natureza pública.
3. A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro autonomizou o crime até aí previsto no artigo 153.º, n.º 2, do Código Penal, inserindo-o no n.º 1 do artigo 155.º, n.º 1, do mesmo diploma - até então referente apenas ao crime de coacção -, unificando quer os fundamentos da agravação das penas dos crimes de ameaça e de coacção, quer procedimentos por tais crimes.
4. Os crimes qualificados ou agravados, à semelhança dos privilegiados, são crimes autónomos, ainda que conformados pelo tipo-base.
5. No crime de ameaça qualificado - previsto agora no artigo 155.º - não se faz qualquer referência à dependência de queixa para o procedimento criminal.
6. Na falta de norma expressa a indicar que o procedimento criminal depende de queixa (e acusação particular), tal significa que o crime tem natureza pública. É esta a técnica legislativa adoptada desde a redacção inicial do Código Penal.
7. É o legislador quem, de forma precisa e criteriosa, define, de modo explícito, quais são os crimes de natureza particular, (referindo, expressamente, que o impulso processual depende de queixa e de acusação particular) e os crimes de natureza semi-pública (mencionando, explicitamente, que o procedimento depende de queixa).
8. No silêncio do legislador quanto à legitimidade para o respectivo procedimento, o crime é de natureza pública.
9. Não existindo disposição que preveja de forma expressa a necessidade da queixa para o crime agravado previsto no artigo 155.º, do Código Penal, o silêncio da lei - consubstanciado na ausência de disposição que preveja a necessidade de queixa - aponta, indubitavelmente, no sentido de que, actualmente, o crime de ameaça na forma agravada tem natureza pública.
10. No Código Penal são inúmeros os exemplos de tipos de crime que, na forma simples, a lei penal faz depender de queixa o procedimento criminal, e que, quando qualificados ou agravados, passam a ter natureza pública.
11. O legislador, quando confere natureza pública a determinado tipo de crimes, nomeadamente quando são qualificados, tem precisamente em vista acautelar interesses públicos que se prendem, nomeadamente, com a segurança da sociedade e com a paz pública e que não podem depender da vontade de particulares apresentarem ou não queixa.
12. In casu, não estamos apenas perante uma agravação da pena, mas sim do crime, qualificado ao nível do tipo de ilícito, sendo que o n.º 1, do artigo 155.º elenca circunstâncias que revelam um desvalor mais acentuado da acção do agente e o n.º 2, do referido preceito legal prevê a agravação pelo resultado.
13. O artigo 155.º, do Código Penal não se trata apenas de uma diferente arrumação sistemática de circunstâncias agravantes, mas um verdadeiro tipo qualificado, com diferente natureza relativamente ao tipo-base.
14. A natureza semi-pública de qualquer crime não se presume. Tem que resultar expressamente da lei. É isso que sucede em relação a todos os crimes que dependem de queixa ou acusação particular.
15. Ao colocar todas as circunstâncias agravantes no artigo 155.º, o legislador quis, intencionalmente, assumir que naqueles casos não existe necessidade de apresentação de queixa.
16. Não se pode concluir que, pelo simples facto de a ameaça agravada ter, na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, natureza semi-pública, continua a manter tal natureza.
17. A natureza das agravantes que qualificam o crime, fundamenta a desnecessidade da queixa para o crime agravado, ao contrário do crime simples.
18. O legislador, ao prever numa só norma os crimes agravados de coacção e de ameaça, não fazendo qualquer alusão à necessidade de queixa, quis conferir-lhes natureza pública.
19. O crime de ameaça agravada tem natureza pública, sendo a desistência constante dos autos ineficaz, estando legalmente vedada a sua homologação, ao abrigo do disposto no artigo 155.º, do Código Penal, assim como dos artigos 49.º e 51.º, a contrário, do Código de Processo Penal.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir com a realização de audiência de discussão e julgamento”.
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Não se observa resposta.
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Neste Tribunal, a Ex.ª Procuradora-geral Adjunta teve vista dos autos, aderindo, em “15.6.2020à “fundada e distinta argumentaçãoconstante da “motivação” do recurso interposto pelo “Ministério Público do despacho homologatório da desistência de queixa proferido a 17 de Janeiro de 2020”, aditando, “aos aí citados, os mais recentes acórdãos da Relação de Lisboa, de 13 de novembro de 2019, no Proc. 841/17.0PBPDL.L1-3, e de 18 de dezembro de 2019, no Proc. 1325/18.4PBPDL.P1-3, ambos no sentido da natureza pública do crime de ameaças agradava previsto e punido pelos art.º 153º, nº 1 e 155º, nº 1, a), do Código Penal”.
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Dado cumprimento ao disposto pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os necessários vistos, tendo lugar a conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
1. Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos submetidos à apreciação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No presente caso, a questão suscitada pelo recorrente e submetida à apreciação deste Tribunal resume-se a saber se o crime de ameaça agravada tem ou não natureza semi-pública.
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2. Cumpre observar o despacho recorrido, do seguinte teor:
Não obstante a ponderação dos argumentos aduzidos pela Digna Magistrada do Ministério Público, considera o Tribunal ser de manter o entendimento que tem sido seguido desde que chegámos a esta comarca (em Setembro de 2014), o qual também tem sido secundado pelas Dignas Magistradas do Ministério público que exerceram funções neste Juízo Local Criminal - J1, até finais de Dezembro de 2019.
Comecemos por afirmar, salvo melhor opinião, que o douto A.U.J. do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/2013, não se aplicará ao caso sub judice, uma vez que no mesmo não se discutiu o carácter público ou semi-público do crime de ameaça agravado.
O mesmo já não se pode dizer acerca do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13/11/2013 (processo n.º 335/11.7GCSTS.P1, consultável em www.dgsi.pt), o qual propugnou, expressamente, que:
 “I - O crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art.ºs 153º e 155º do C. Penal, é de natureza semi-pública.
II - Essa natureza mantém-se inalterada, após a revisão de 2007, que se limitou a aglutinar no art. 155º as circunstâncias agravantes dos crimes de ameaça e coacção.”
Do teor do mesmo aresto resultam três ordens de razão para que se considere o crime de ameaça agravado como um crime de natureza semi-pública. São elas:
“Perante a actual previsão e a evolução que a ela conduziu, não é defensável que o art.º 155º constitua um tipo autónomo relativamente à previsão típica do crime de ameaça do art.º 153º - premissa de que parte o recorrente para atribuir natureza pública ao crime de ameaça agravada.
Com efeito, a previsão que contém a descrição da conduta ilícita, dolosa, tipificada como crime, encontra-se, inequivocamente, no art.º 153º, acrescentando o art.º 155º circunstâncias que representam uma agravação do limite máximo da pena.
(...)
Permanecendo na evolução histórica da Lei, e juntando-lhe a intenção dos revisores de 2007, verificamos que o crime de ameaça, desde a redacção originária do Código Penal de 1982, sempre revestiu natureza semi-pública (mesmo - e este reparo reveste especial significado - se verificada a circunstância agravante, que é, no caso, imputada ao arguido).
Nesta última revisão foram “aglutinadas” no art.º 155º as circunstâncias agravantes dos crimes de ameaça e coacção, cujas previsões típicas se encontram, respectivamente, nos art.ºs 153º e 154º, colhendo-se da Exposição de Motivos da Proposta de Lei de alteração do Código Penal ter-se pretendido que o crime de ameaça passasse “a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção grave”.
Foram, pois, razões de utilitarismo sistemático - evitando-se a repetição de normas contendo circunstâncias agravantes idênticas - que ditaram essas alterações.
Daí não se pode extrair qualquer intenção do Legislador em alterar a pré-existente natureza semi-pública do crime de ameaça (incluindo a sua - apenas ampliada - forma agravada), ou pública do crime de coacção (com as excepções previstas no nº 4 do art.º 154º), decorrente do respectivo tipo-base.
(...)
Por último, e recorrendo ao elemento racional ou teleológico e à unidade do sistema jurídico-penal, a razão de ser da distinção entre crimes públicos, semi-públicos e particulares, situa-se na graduação da respectiva gravidade, tendo-se em conta os interesses jurídicos violados e a necessidade de ordem pública e colectiva em os proteger. (...)
No tipo em causa, os bens jurídicos protegidos são a liberdade de decisão e de acção; a estes, secundária e reflexamente, entendemos ser de acrescentar a integridade psíquica da pessoa, nas suas componentes do direito à tranquilidade e segurança.
Tratam-se, em todo o caso, de bens integrantes da esfera estritamente individual da pessoa ameaçada (ofendida), inexistindo - mesmo quando estes se mostrem violados sob a forma agravada - razões de ordem pública e colectiva que imponham ao ofendido o início ou continuação do procedimento penal, quando este o não queira.
Como bem se assinala no estudo citado na decisão sob reexame, publicado na revista Julgar - Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, de Jan.-Abr. de 2010, p. 40 a 44, apelando à unidade e congruência do sistema penal, a sanção aplicável à violação dos interesses jurídicos protegidos (prisão até 2 anos ou multa até 240 dias) é congruente - em termos comparativos com outras estatuições do Código Penal, exemplificando com o crime de ofensas corporais simples, que em regra carece de queixa - com a atribuição de relevância à vontade do ofendido.
Não se vislumbram, com efeito, razões de política criminal para a desconsiderar, por completo.
Para além do douto acórdão, ora em análise e ao qual tomamos a liberdade de aderir, veja-se, no mesmo sentido, Pedro Daniel dos Anjos Frias, no estudo «Por quem dobram os sinos?» A perseguição pelo crime de ameaça contra a vontade expressa do ofendido?! Um silêncio ruidoso” (inhttp://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/039-057-Crime-de-amea%C3%A7a.pdf).
Por todo o acima exposto, considerando-se que o crime pelo qual o arguido vem acusado (cfr. fls. 56 e ss.) tem natureza semi-pública, passa a proferir-se o seguinte:
DESPACHO HOMOLOGATÓRIO
O arguido AA encontra-se acusado pelo perpetrar de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art.ºs 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.
Tal crime, pelas razões supra aduzidas, reveste natureza procedimental semi-pública.
O art.º 116º, n.º 2, do C.P., estabelece a admissibilidade de desistência de queixa até à publicação da sentença em 1ª instância, contanto que não haja oposição do arguido.
Considerando, assim, a natureza do crime em causa, a tempestividade da desistência da queixa, bem como a não oposição por parte do arguido, impõe-se julgar válida e juridicamente relevante a desistência da queixa apresentada e homologando-a, declarando extinto o procedimento criminal que sobre o arguido impendia - cfr. art.º 51º, n.º 2, do C.P.P.
Sem custas criminais.
Notifique e deposite.
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3. Apreciação dos fundamentos do recurso:
Como se observa, o “Ministério Público não concorda com o despacho homologatório proferido nos autos em epígrafe”, no âmbito dos quais, tendo sido o “arguido AA acusado de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal”, foi, “em sede de audiência de discussão e julgamento, apresentada desistência de queixa por parte do ofendido BB, à qual o arguido declarou não se opor”.
Logo em sede de audiência, e diversamente do “preconizado entendimento do Mm.º Juiz a quo, segundo o qual o crime de ameaça agravado tem natureza semi-pública”, o Ministério Público, como da acta consta, se “opôs à desistência da queixa apresentada, por entender que o crime de ameaça previsto no artigo 153.º, do Código Penal, qualificado nos termos do artigo 155º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na redacção decorrente da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, assume natureza pública, sendo tal desistência inoperante”, pugnando para que os autos prosseguissem “com a produção de prova”.
Invoca-se, agora, com adequação, o seguinte:
Na redacção original do Código Penal, o crime de ameaça tinha o seguinte recorte:
“Artigo 155.º (Ameaças)
1- Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe receio, medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.
2- No caso de se tratar de ameaça com a prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos, poderá a prisão elevar-se até 2 anos e a multa até 180 dias.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.”
Esta norma manteve-se intocada até à revisão realizada em 1995, nos termos da qual, por força do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, passou-se a dispor:
“Artigo 153.º (Ameaça)
1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.”
Ora, na sequência da reforma penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, actualmente em vigor, passou o crime em causa a estar previsto nestes termos:
“Artigo 153.º (Ameaça)
1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.”
“Artigo 155.º Agravação
1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154.º-C forem realizados:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou
b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;
c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas;
d) Por funcionário com grave abuso de autoridade;
e) Por determinação da circunstância prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º; o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153.º e 154.º-C, com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos casos dos n.º 1 do artigo 154.º e do artigo 154.º-A, e com pena de prisão de 1 a 8 anos, no caso do artigo 154.º-B.
2 - As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça, da coação, da perseguição ou do casamento forçado, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se.”
Como se verifica, face às disposições anteriores, houve algumas alterações, e uma delas foi a transferência do anterior n.º 2, do artigo 153.º para a alínea a) do novo n.º 1, do artigo 155.º do Código Penal.
Por outro lado, o anterior n.º 3 que dispunha “O procedimento criminal depende de queixa” passa a figurar como n.º 2, do artigo 153.º, do Código Penal.
Em face das aludidas alterações, levanta-se a questão de saber se o crime de ameaça agravada do artigo 155.º tem agora natureza pública.
Não se trata de uma questão pacífica, na medida em que vozes existem - embora minoritárias - no sentido de que este ilícito mantém a natureza semi-pública.
Ora, apelando ao elemento interpretativo literal, sistemático e histórico, não podemos deixar de considerar que este crime assume natureza pública.
Com efeito, antes da reforma aprovada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a forma qualificada do crime de ameaça (que consistia na circunstância de a ameaça ser com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos) estava prevista na mesma norma que previa a forma simples ou base do tipo legal.
No entanto, com a reforma introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o legislador entendeu alterar a natureza do crime de ameaça agravado ou qualificado.
Isso mesmo se deduz comparando o disposto nos artigos 153.º e 155.º, do Código Penal, na versão de 2007, com as anteriores redacções das normas que previam o crime de ameaça (quer na versão original, quer na versão revista em 1995).
A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro autonomizou o crime até aí previsto no artigo 153.º, n.º 2, do Código Penal, inserindo-o no n.º 1 do artigo 155.º, n.º 1, do mesmo diploma - até então referente apenas ao crime de coacção -, unificando quer os fundamentos da agravação das penas dos crimes de ameaça e de coacção, quer procedimentos por tais crimes. Como nem o próprio artigo, nem qualquer outra norma, estabelece que o crime de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal depende de queixa, temos, iniludivelmente, de concluir que o referido crime reveste natureza pública.
Os crimes qualificados ou agravados, à semelhança dos privilegiados, são crimes autónomos, ainda que conformados pelo tipo-base.
A remissão feita pelo artigo 155.º, n.º 1, para o artigo 153.º, não abrange o seu n.º 2, que contém a disposição “o procedimento criminal depende de queixa”, antes se cinge, tão só, aos “factos previstos” no citado preceito, ou seja, à previsão do n.º 1, onde se descrevem “factos”.
Com efeito, enquanto o crime base manteve a natureza semi-pública (artigo 153º, n.º 2, do Código Penal), o mesmo já não sucedeu com o crime agravado - previsto agora no artigo 155.º, onde não se faz qualquer referência à dependência de queixa para o procedimento criminal.
Assim, não se dizendo que o procedimento criminal depende de queixa, é, congruente e forçosa a conclusão que o crime de ameaça agravado tem natureza de crime público.
Isto porque, na falta de norma expressa a indicar que o procedimento criminal depende de queixa (e acusação particular), tal significa que o crime tem natureza pública.
É esta a técnica legislativa adoptada desde a redacção inicial do Código Penal.
Conforme ficou exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Julho de 2016: “A técnica legislativa seguida no C. Penal para definir a natureza dos crimes, sempre que há um crime simples e um crime qualificado ou agravado, tem sido, a) quando os crimes, simples e qualificado, se encontram descritos no mesmo artigo, colocar a menção «O procedimento criminal depende de queixa» logo a seguir à definição do crime base, do crime simples, e antes da definição do crime agravado ou qualificado, assim definindo a natureza semi-pública do primeiro e a natureza pública do segundo [como acontece com o abuso de confiança ou com a burla relativa a seguros, entre outros], b) quando o crime simples e o crime qualificado são descritos em artigos diferentes, só no preceito que define o crime base consta a referida menção, assim definindo a natureza semi-pública deste e a natureza publica do crime agravado [como acontece com a ofensa à integridade física, com o furto, com a burla, entre outros].
Assim, a opção do legislador de fazer constar do art.º 153º do C. Penal, na redacção em vigor, o crime de ameaça simples, a quem manteve a natureza de crime semi-público, e de ‘transportar’ o crime de ameaça agravado ou qualificado, para um outro preceito, o art.º 155º do mesmo código, do qual não consta a menção “O procedimento criminal depende de queixa», juntando-o, para mais, a um crime, o de coacção agravada ou qualificada que, como dissemos, sempre teve, fosse na forma simples, fosse na forma agravada, salvo a excepção referida, a natureza de crime público, tem o inequívoco sentido de ter sido sua intenção atribuir ao crime de ameaça agravada ou qualificada a natureza de crime público.” (negritos nossos).
A este propósito, citamos, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Abril de 2015: “Com efeito, neste particular aspecto, a técnica legislativa é constante e de absoluta clareza. Para expressar a natureza semipública de um tipo legal, o legislador usa a fórmula ritual “o procedimento criminal depende de queixa” e fá-la constar de um número autónomo do da descrição típica, após essa descrição, integrando o mesmo artigo, ou em artigo autónomo, de um capítulo, reportado aos artigos precedentes, que o integram, especificando aqueles relativamente aos quais o procedimento criminal depende de queixa.” (negritos nossos).
Na mesma esteira, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Maio de 2015 (todos disponíveis em www.dgsi.pt): “(...)Ao longo do Código Penal o legislador usa a técnica de dizer expressamente em que situações faz depender o procedimento criminal de queixa ou acusação particular. Condiciona o procedimento a existência de queixa ou acusação particular naquelas situações em que há um reduzido alarme social e/ou naqueles em que a intervenção do Estado sem essa manifestação da vontade do ofendido pode não ter vantagens que o justifiquem ou ate trazer mais inconvenientes do que vantagens. Naquelas situações em que o alarme social não é reduzido, normalmente naqueles em que a conduta criminosa é agravada por determinadas circunstâncias, o legislador não estabelece condição para o procedimento criminal. A regra é o procedimento criminal não depender de queixa ou acusação particular. Portanto, o legislador limita-se a dizer expressamente em que casos o procedimento criminal depende de queixa ou acusação particular. É o que podemos ver, por exemplo, no capítulo dos crimes contra a integridade física (artigos 143.º a 152. º-B), no dos crimes contra a reserva da vida privada (artigos 190. º a 198.º) ou no dos crimes contra a propriedade (artigo 202.º a 226.º).” (negritos nossos).
É, pois, o legislador quem define, de modo explícito, quais são os crimes de natureza particular (referindo, expressamente, que o impulso processual depende de queixa e de acusação particular) e os crimes de natureza semi-pública (mencionando, explicitamente, que o procedimento depende de queixa).
Na aplicação da aludida regra, o legislador é preciso e criterioso, dizendo expressamente, quanto a cada tipo legal de crime, se o mesmo depende de queixa, ou de acusação particular, ou, então, nada diz. E nada dizendo, o crime é de natureza pública.
Revertendo ao caso concreto, o crime de ameaça simples depende do direito de queixa, conforme prevê, expressamente, o n.º 2, do artigo 153.º, do Código Penal.
No que respeita ao artigo 155.º, nada é dito a tal respeito, pelo que, levando em consideração o que se acabou de expor, a conclusão a tirar será, inevitavelmente, de que estamos, neste caso, perante um crime de natureza pública.
De facto, no artigo 153.º, n.º 1, permaneceu o tipo simples, tendo sido mantida a natureza semi-pública, no n.º 2 do referido normativo. E o tipo qualificado passou a estar previsto no artigo 155.º, onde se preveem as circunstâncias e os resultados que qualificam, tanto o tipo simples de ameaça, como o tipo simples de coacção e as penas que cabem a cada um dos tipos, em função da sua verificação.
Sucede que, o artigo 155.º não contém uma norma que estabeleça a natureza semi-pública dos tipos qualificados de ameaça e de coacção, pelo que, na falta dessa expressa consagração, e em face do que supra se expendeu, é forçoso concluir que os crimes de ameaça e de coacção qualificados, em função das circunstâncias elencadas nas alíneas do n.º 1 ou em função do resultado previsto no n.º 2, têm a natureza de crimes públicos.
Não existindo disposição que preveja de forma expressa a necessidade da queixa para o crime agravado previsto no artigo 155.º, do Código Penal, o silêncio da lei - consubstanciado na ausência de disposição que preveja a necessidade de queixa - aponta, indubitavelmente, no sentido de que, actualmente, o crime de ameaça na forma agravada tem natureza pública.
Há, assim, que partir da presunção de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento - artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil.
Tratando-se de crime qualificado, obviamente que é distinto do tipo fundamental, percebendo-se que o legislador lhe confira diferente natureza, à semelhança do que sucede com outros tipos legais, como é o caso, entre muitos outros, dos artigos 203.º e 204.º, 205.º, n.º 1 e n.º 4 e 5, 212.º e 213.º, todos do Código Penal.
Nesta ordem de ideias, tudo parece indicar que o regime procedimental do crime de ameaça se inscreverá na mesma tendência, isto é, de semi-publicidade, quanto ao crime simples, e de publicidade, relativamente ao crime qualificado ou agravado.
Por outro lado, o legislador, quando confere natureza pública a determinado tipo de crimes, nomeadamente quando são qualificados, tem precisamente em vista acautelar interesses públicos que se prendem, nomeadamente, com a segurança da sociedade e com a paz pública e que não podem depender da vontade de particulares apresentarem ou não queixa.
A exigência legal da queixa ou da acusação particular traduz uma opção de política criminal determinada, ou pela diminuta gravidade da infracção penal, ou pela especial natureza dos valores criminalmente em causa.
Assim, em relação a pequenos delitos, compreende-se que só se ponham em funcionamento as onerosas instituições jurisdicionais, se as pessoas directamente ofendidas manifestarem expressa vontade nesse sentido. E, por outro lado, em relação a certo tipo de crimes, que atingem valores relativamente aos quais se impõe uma particular discrição, seja porque afectam a honra das pessoas, seja porque perturbam a paz e harmonia familiares, é duvidoso que a perseguição criminal-processual, com a publicidade que acarreta, tenha em muitos casos, mais benefícios do que inconvenientes.
Daí que se atribua aos particulares especialmente implicados nesses casos, e que podem ser afectados pelos inconvenientes da intervenção penal, a faculdade de ponderarem eles próprios da oportunidade da acção penal - cf. CASTANHEIRA NEVES, Sumários de Processo Criminal, páginas 122 e 123. 
Assim, a par do fundamento formal, existe também uma razão material para esta opção - a natureza das agravantes que qualificam o crime, fundamenta a desnecessidade da queixa para o crime agravado, ao contrário do crime simples.
A este propósito, veja-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2013: “A previsão de crime agravado pela al. a) do art.º 155º, do CP tem de dirigir-se àqueles casos em que a descrição dos meios mediante os quais a ameaça - no caso, contra a vida - se poderá vir a concretizar, configura um crime da previsão do art.º 155º, nº 1, al. a), do CP. No caso poderiam ser expressões do tipo: "Eu espeto-te uma faca, quando estiveres a dormir, e mato-te"; ou: "Quando mal te precates, ponho-te veneno na bebida e mato-te". Esta agravação, não é propriamente resultado da gravidade do "crime meio da ameaça" - não se pode pretender punir um crime meramente conjecturado, ainda que por conjectura verbalmente expressa - mas pelo potencial de agravamento da ameaça, que a invocação do crime concreto pode provocar no ânimo do ofendido, aumentando-lhe o medo ou instilando-lhe apreensão, ansiedade e tensão. É a própria ameaça, na sua capacidade de provocar medo e insegurança, que cresce com a antecipação, na consciência do ameaçado, do que será o meio criminoso de a levar a cabo.” (negritos nossos).
Poder-se-á questionar a bondade da opção legislativa em determinados casos concretos (tal como sucede em muitas outras situações), contudo a lei aplica-se, indistintamente, a todos os casos nela previstos.
In casu, não estamos apenas perante uma agravação da pena, mas sim do crime, qualificado ao nível do tipo de ilícito, sendo que o n.º 1, do artigo 155.º elenca circunstâncias que revelam um desvalor mais acentuado da acção do agente e o n.º 2, do referido preceito legal prevê a agravação pelo resultado.
(…)
Entendemos, pois, que não se trata apenas de uma diferente arrumação sistemática de circunstâncias agravantes, mas um verdadeiro tipo qualificado, com diferente natureza relativamente ao tipo legal base. Tal como sucede com inúmeros tipos de crime no Código Penal, como supra indicámos, a título exemplificativo.
A natureza semi-pública de qualquer crime não se presume. Tem que resultar expressamente da lei. É isso que sucede em relação a todos os crimes que dependem de queixa ou acusação particular.  Não compete ao intérprete encontrar distinções onde o legislador as não fez.
Como refere Figueiredo Dias - Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, página 28 -, “O princípio da legalidade impõe que o texto da lei constitua o limite absoluto a toda a tarefa de aplicação, por só desse modo poder cumprir a função de garantia que lhe cabe no Estado de Direito”.
Por outro lado, se o legislador agregou a agravação dos crimes de ameaça e de coacção na mesma disposição legal, não pode deixar de daí retirar todas as consequências. Entre elas, as inerentes à desnecessidade da apresentação de queixa para o crime agravado.
Ao colocar todas as circunstâncias agravantes no artigo 155.º, o legislador quis, intencionalmente, assumir que naqueles casos não existe necessidade de apresentação de queixa.
E também não pode colher a argumentação vertida no despacho recorrido de que “Permanecendo na evolução histórica da Lei, e juntando-lhe a intenção dos revisores de 2007, verificamos que o crime de ameaça, desde a redacção originária do Código Penal de 1982, sempre revestiu natureza semi-pública (mesmo - e este reparo reveste especial significado - se verificada a circunstância agravante, que é, no caso, imputada ao arguido).”(…) e de que “Daí não se pode extrair qualquer intenção do Legislador em alterar a pré-existente natureza semi-pública do crime de ameaça (incluindo a sua – apenas ampliada – forma agravada), ou pública do crime de coacção (com as excepções previstas no nº 4 do art.º 154º), decorrente do respectivo tipo-base”.
Isto porque não se pode concluir que pelo simples facto de a ameaça agravada ter nas redacções anteriores à Lei n.º 59/2007 natureza semi-pública continua a manter tal natureza.  A ser assim, nunca se teria alterado a natureza de determinados crimes, como tem vindo, naturalmente, a ocorrer, na medida em que a sociedade e os tempos vão evoluindo, e com eles, os bens jurídicos e valores a proteger. Refira-se a título de exemplo o crime de violência doméstica que possuía natureza semi-pública até 2.000 e passou a ter natureza pública, desde então, devido às nefastas consequências que tem causado na vida das pessoas.
Por alguma razão se prevê uma periodicidade bienal para a definição dos objectivos, prioridades e orientações de política criminal, precisamente, para se poder acompanhar as mutações que se registam em matéria de criminalidade. O Direito Penal e o Processo Penal não podem, de forma alguma, ser vistos como compartimentos estanques.
(…)
Em suma, entendemos, pois, - a par da jurisprudência maioritária - que o legislador, ao prever numa só norma os crimes agravados de coacção e de ameaça, não fazendo qualquer alusão à necessidade de queixa, quis conferir natureza pública a ambos.
Nesta conformidade, entendendo que o crime de ameaça agravada tem natureza pública, a desistência constante dos autos é ineficaz, estando legalmente vedada a sua homologação, ao abrigo do disposto no artigo 155.º e 116.º, do Código Penal, assim como dos artigos 49.º e 51.º, a contrário, do Código de Processo Penal”.
Rigorosamente, o que se evidencia é que o normativo do artigo 155.º, do Código Penal, na redacção decorrente da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, não consagra, no tocante ao crime de ameaça prevenido no antecedente artigo 153.º, mera regra da medida da pena, antes se manifesta por ali cláusula de extensão da tipicidade, com autonomia do crime na, inerente, eficácia exclusiva, o que de lege lata estrutura a natureza do (agravado) tipo legal in judice.
Trata-se, afinal, de o legislador (que, como se assinala no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, nuipc 467/13.7GASEI-A.C1, de 2016.07.06, supra referenciado pelo recorrente, “não ignorava a natureza dos crimes, ambos tutelares do mesmo bem jurídico, a liberdade de decisão e de acção - embora, bem entendido, sejam estruturalmente distintos e assumam diferentes graus de gravidade -, como também não ignorava que a técnica legislativa seguida no C. Penal para definir a natureza dos crimes, sempre que há um crime simples e um crime qualificado ou agravado”) ter querido, na revisão legislativa de 2007, conferir maior severidade punitiva ao tratamento de condutas que, por força da natureza dos comportamentos expressamente tipificados como integradores da agravação epigrafada no artigo 155.º, do Código Penal, não justificam que se dê relevo à declaração de desistência dos ofendidos, com manifesta prevalência de exigências de prevenção geral, no alusivo a situações, por um lado, de maior ilicitude da acção (como previsto nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do artigo 155.º, do Código Penal) e, por outro, de maior culpa do agente (como inserto na alínea d), do mesmo preceito legal).
Não se trata, sequer, de situação integradora de caso omisso, dado que, para lá dos elementos literal e sistemático, a razão de ser (elemento teleológico) de ambas as situações não justifica que se transponha a regra determinada, de forma expressa, pelo artigo 153.º, do Código Penal, para o âmbito do, subsequente, artigo 155.º. É que não se consubstancia, ab initio, qualquer lacuna, mesmo que oculta, não se tratando de hipótese análoga não prevista ou não prevista de forma completa na letra da lei.
De resto, este tem sido, como se anota na motivação, o entendimento dominante (em sentido diverso, cf. acórdão de 2013.11.13, no nuipc 335/11.7GCSTS.P1, da Relação do Porto, e, na doutrina, Pedro Daniel dos Anjos Frias, inPor quem dobram os sinos? A perseguição pelo crime de ameaça contra a vontade expressa do ofendido?! Um silêncio ruidoso”, “Julgar”, n.º 10, Janeiro-Abril de 2010, pg. 39 a 57), com sublinhado, na jurisprudência publicada, v.g. para os acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto, nuipc 968/07.6PBVLG.P1, de 2009.07.01, da Relação de Guimarães, nuipc 59/13.OGVCT.G1, de 2015.01.12, da Relação de Évora, nuipc 517/12.4PAOLH.E1, de 2015.04.07, da Relação de Coimbra, nuipc 45/14.3GEACB.C1, de 2015.05.20, e da Relação de Lisboa, nuipc 178/13.3PASCR.L1-5, de 2015.11.03, todos em www.dgsi.pt.
Aliás, a, boa, interpretação de que, após a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o crime de ameaça agravada passou a ter a natureza de crime público é sufragada, também, pela doutrina expressa por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, à luz da Constituição…”, 3.ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pg. 614, e por Taipa de Carvalho, inComentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo I, 2.ª edição, 2012, Coimbra Editora, pg. 593, §21 (não obstante a proposta deste último autor no sentido de uma interpretação “abrogante” da circunstância inserta na alínea a), do n.º 1, do artigo 155.º, do Código Penal, por alusão à dissonância dos critérios - “quantitativo” e “qualitativo” - utilizados pela, criticada, técnica legislativa da incriminação in judice - cf. notas 14.ª a 16.ª ao artigo 153.º, e nota 5.ª ao artigo 155.º, in, aludido supra, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo I, 2.ª edição, 2012, Coimbra Editora, pg. 588/589).
Deste modo, visto o circunstancialismo processual em referência nos autos, observa-se suporte fáctico-legal em ordem à pretensão jurisdicional formulada pelo Ministério Público, a qual, e sem outras, por desnecessárias, considerações, deve ser deferida.
*
III - DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso in judice e, assim, em revogar o despacho recorrido, a dever ser substituído por outro que, considerando irrelevante a desistência de queixa apresentada por BB quanto ao crime de ameaça agravado em referência nos autos, determine o prosseguimento do processo para julgamento do arguido AA.
Notifique.
(Texto elaborado e revisto pelo relator, primeiro signatário).

Lisboa, 2020.07.09.
Guilherme Castanheira
Calheiros da Gama