LIBERDADE CONDICIONAL
TUTELA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO
Sumário

Nas penas mais longas, que corresponderão aos crimes mais graves, a liberdade condicional e a execução antecipada da expulsão só em casos excepcionais devem ser concedidos a meio da pena, porque a sua concessão generalizada poderia pôr seriamente em causa as exigências de tutela do ordenamento jurídico.

Texto Integral

Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, por decisão de 27/02/2020, foi ao Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos, negada a execução antecipada da pena acessória de expulsão nos seguintes termos:
“… Relatório
Nos presentes autos procede-se à apreciação do pedido de antecipação da execução da pena acessória de expulsão (art.º 188.º-A, n.º 2, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, doravante CEPMPL) do recluso RR.
O Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional emitiu parecer favorável (art.º 188.º - A, n.º 3, do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento para a execução antecipada da pena acessória de expulsão (art.º 188.0 -B, n.º 2, do CEPMPL).
O Ministério Público emitiu parecer favorável à antecipação, tendo o Ilustre defensor do recluso pugnado igualmente no sentido da concessão de tal antecipação (art.º 188.º-B, n.º 3, do CEPMPL).
Fundamentação de Facto
Matéria de facto provada.
Com interesse para a decisão da causa, encontra-se apurada a seguinte factualidade:
1. O recluso foi condenado no âmbito do processo n.º 330/14.4JELSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 6), na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, e, bem assim, na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos, pela prática em autoria material de um crime tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, al. c), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, por referência à respetiva Tabela .Anexa I-B;
2. Deu-se como provado nesses mesmos autos, que o arguido, e ora recluso, agindo de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína lhe eram proibidos e punidos por lei, transportou por via marítima, no interior do veleiro de sua pertença, com origem em local não concretamente apurado, através das águas territoriais portuguesas e com destino final Itália, cocaína com o peso líquido total de 661.449,682 g. Mais se provou que a quantidade de cocaína apreendida e referida supra permitia alcançar um total de 2.265.483 doses individuais;
3. De harmonia com a liquidação efetuada e homologada pelo tribunal da condenação, o meio da pena ocorreu em 14/01/2020, os dois terços ocorrerão cm 14/10/2021, os cinco sextos em 14.07.2023, e o termo da pena será em 14/04/2025.
4. Ao recluso não são conhecidas outras condenações criminais.
5. AA é natural e nacional da Ucrânia, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em território nacional para transportar a cocaína;
6. Completou dez anos de escolaridade, tendo concluído cursos técnicos, designadamente de motorista. Casou e teve dois filhos;
7. Afirma ter refletido sobre os factos que o trouxeram à prisão e diz reconhecer a prática do crime e saber que foi grave, considerando justa a pena. Porém, desculpabiliza-se com terceiros envolvidos no projeto de transporte transcontinental da cocaína, afirmando que se soubesse antecipadamente todos os contornos do projeto criminoso em que participou, não tinha aderido a esse projeto, acrescentando que lhe propuseram que fizesse o transporte das malas corno forma de pagar o restauro do seu iate e resolveu aceitar, porque não dispunha de dinheiro para pagar;
8. No seu regresso à Ucrânia, tenciona 'trabalhar, tendo já contrato que poderá assinar assim que chegue. Tenciona regressar para junto da sua família e tomar conta dos seus filhos;
9. Quanto ao seu percurso prisional, trabalhou corno soldador durante um ano e meio. Depois de transferido para o EP Funchal ainda não beneficiou de colocação laboral. Faz ginásio e vai à biblioteca.
Motivação da matéria de facto.
A convicção do tribunal no que respeita à matéria de facto provada resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica do recluso e do seu certificado de registo criminal, do parecer do Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional e das declarações do recluso.
Fundamentação de Direito
O tribunal pode determinar a antecipação da execução da pena acessória de expulsão desde que verificados os seguintes requisitos:
a) De ordem formal:
i. o tempo de cumprimento da pena, a saber metade da pena, porque se trata in casu de condenação em pena superior a 5 anos [art.º 188.0 -A, n.º 2, ai. b), do CEPMPL];
ii. o consentimento do recluso na antecipação da expulsão.
b) De ordem substantiva:
i. revelar-se a expulsão compatível com a defesa da ordem e da paz social;
ii. ser de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [art.º 188.º -B, n.º 3, do CEPMPL].
RR atingiu já o cumprimento de metade da pena de prisão (em 14.01.2020) e consentiu na antecipação da expulsão, pelo que resta analisar se estão verificados os requisitos de ordem substantiva acima enunciados.
Tal como referido, o legislador exige que a antecipação se revele compatível com a defesa da ordem e paz social. Pretendesse, pois, dar ênfase à prevenção geral, traduzida na proteção dos bens jurídicos e na expectativa que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal. Não estando assegurado este requisito, não poderá ser concedida a antecipação, ainda que o condenado revele bom prognóstico de recuperação.
Este prognóstico de recuperação, consubstancia outro dos referidos pressupostos materiais. O legislador apenas permite a antecipação caso haja fundada expectativa de que, em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida responsavelmente, sem cometer crimes. Apela-se, em suma, à prevenção especial, na perspetiva de ressocialização e prevenção da reincidência. Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo de prognose sobre a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
Debruçando-nos sobre o caso concreto, importa sublinhar que o crime de tráfico de estupefacientes assume grande relevância e alarme social, considerando os bens jurídicos em causa. Não seria, pois, compreensível  para a sociedade civil que o agente  de um ilícito  deste género - perpetrado num contexto de tráfico transnacional (transporte de droga por via marítima, num veleiro, atravessando as águas territoriais portuguesas e com destino final em Itália), envolvendo uma quantidade muito considerável de cocaína, suficientes para alcançar um total de 2.265.483 doses individuais - fosse libertado, ainda que para antecipação da expulsão, com referência ao meio da pena. Efetivamente, tal libertação transmitiria não só ao próprio, como à comunidade no seu todo, um sinal errado quanto aos valores tutelados pela ordem jurídica e defraudaria a expectativa da sociedade no funcionamento do sistema penal.
Assim, pese embora o recluso evidencie uma postura de assunção do crime, com algum sentido crítico, denotando que interiorizou a gravidade da infração (mas tentando ainda desculpabilizar-se com terceiros envolvidos no projeto), revelando também um percurso prisional isento de reparos (comportamento institucional adequado), as razões de prevenção geral, pelo sinal negativo que se pretende evitar emanar para a sociedade, impedem em absoluto o deferimento da pretensão do recluso.
Como se assinala no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de maio de 2019 (acessível em www.dgsi.pt), integrando a cocaína as denominadas drogas duras de elevado poder destrutivo, essa circunstância potencia, "aumentando, as exigências de prevenção geral, as quais não resultam atenuadas pelo facto de o ora recorrente ter agido como "correio de droga": Efetivamente,(.:.) um correio de droga não é elemento despiciendo ou menor na máquina que permite manter em funcionamento o mercado de tais produtos, uma vez que a cocaína é produzida fora de Portugal, (especialmente na América do Sul) e a actividade prosseguida pelo arguido é um dos meios para a tornar disponível quer no nosso pais, quer em outros países europeus."
E prossegue esse Acórdão com a afirmação de que "Já constitui lugar-comum, mas nem por isso devemos deixar de o enfatizar, dizer que o crime em questão integra o lote daqueles que mais nefastas consequências traz para a paz social, já enquanto destrói o indivíduo; já enquanto delapida a família em que se insere, destruturando-a, comprometendo, significativamente, por lhe falhar a capacidade, o seu contributo para o bem comum; já enquanto potencia o cometimento de um considerável leque de outro tipo de crimes (criminalidade associada); já enquanto acarreta graves problemas de saúde pública, problemas estes que se projetam sobre toda a sociedade.".
Como se escreveu no igualmente douto Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de junho de. 2018 (também acessível em www.dgsi.pt): "(...) a antecipação da expulsão para quem praticou um crime particularmente grave, face aos danos que causa na sociedade actual, frustraria, inquestionavelmente o sentimento geral de vigência das normas violadas. E tais razões de prevenção geral não podem deixar de ser ponderadas também na fase de execução da pena de prisão (...). Assim, tratando-se de um crime de tráfico de estupefacientes, não se verificando - como não se verificam - razões ponderosas ou excepcionais para conceder nesta fase da execução da pena liberdade antecipada (que necessariamente decorreria da antecipação da pena acessória) seria atentatório das necessidades estratégicas de combate a este tipo de crimes e 'faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral (... ). E que, não pode o tribunal ser alheio à realidade de estarmos perante actos de tráfico de estupefacientes de ordem internacional, de quantidades significativas de drogas duras e cometido no âmbito de uma estrutura organizada, com acções planeadas, em que cada um dos intervenientes tem uma função específica, assumindo os chamados correios de droga como era o caso do recluso, um papel de particular relevo. Tratando-se de um crime de grande alarme social, tendo em conta os níveis de toxicodependência que assolam a Sociedade moderna, muitas vezes associados à prática de outros crimes particularmente graves, com inúmeras consequências negativas para os cidadãos, o tráfico de estupefacientes é dos crimes que maior censura gera na sociedade, a qual reclama que seja combatido de modo eficaz e dissuasor, até por forma a evitar que Portugal se torne uma 'porta de fácil entrada para o tráfico  internacional de droga, com todas as consequências nefastas daí decorrentes.".
Assim, pese embora o parecer do Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional, mas aderindo à posição desfavorável do Ministério Público, entende-se dever concluir no sentido de que não estão reunidas condições para antecipar a expulsão do recluso.
Decisão
Em face de tudo o exposto, não sé concede a antecipação da execução da pena acessória de expulsão ao recluso RR, mantendo-se o cumprimento da pena nos seus exatos termos. …”.
*
Inconformado, veio o Recluso interpor recurso, concluindo a motivação da seguinte forma:
“... 1. O condenado foi condenado na pena de prisão de 10 anos e 6 meses, pela prática de um crime de estupefacientes, e na pena acessória de expulsão;
2. A 14.01.20, o condenado cumpriu metade da pena, ou seja, 5 anos e três meses;
3. Assim, requereu a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, tendo dado o consentimento para o efeito;
4. Por sentença proferida a fls o tribunal a quo decidiu pela não concessão da antecipação da execução da pena acessória de expulsão do condenado;
5. Apesar do tribunal a quo ter considerado encontrarem-se preenchidos os pressupostos formais legalmente previstos, uma vez que já se encontra cumprido pelo recluso metade do tempo da pena a que foi condenado, e deu o seu consentimento para a antecipação dessa pena acessória;
6. E ainda, do que se infere da sentença, um pressuposto de natureza substantiva,  ou seja, da possibilidade de formulação de um juízo de prognose positivo no sentido de ser expectável que o condenado conduza a sua vida de modo socialmente responsável,  sem cometer crimes, entendeu não se revelar a expulsão compatível com a defesa da ordem e da paz social, uma vez que em função do crime pelo qual o recluso foi condenado, as razões de prevenção geral impedem o deferimento da pretensão;
7. O recorrente não pode concordar que resulte, de forma automática em razão do tipo de ilícito penal pelo qual foi condenado, a impossibilidade de verificação da compatibilidade com a defesa da ordem e da paz social para efeitos de antecipação de execução da pena acessória, independentemente do preenchimento dos demais pressupostos;
8. A conclusão que se retira da douta decisão é que face ao tipo de ilícito criminal pelo qual o recluso foi condenado, nos casos em que fosse apreciada a antecipação da pena acessória, seria sempre redundante todos e quaisquer esforços levados a cabo pelos condenados, por mais redobrados e sinceros que fossem, encetados no sentido de interiorizar o desvalor da sua conduta e de arrependimento, de pautar a sua conduta no estabelecimento prisional de acordo com as normas de funcionamento, tudo em função da formulação de um juízo de prognose favorável e de poder assim lança-lo definitivamente no caminho da licitude, já que esbarraria de forma inescapável, às razões de defesa da ordem e da paz social que resultam do tipo de ilícito criminal que é o tráfico de estupefacientes;
Tal entendimento forçaria a concluir que a possibilidade de antecipação da pena acessória de expulsão, estaria sempre necessariamente excluída dos casos em que os condenados foram condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, o que não se coaduna, a nosso ver, com a intenção do legislador, posto que fosse essa efectivamente a sua intenção teria, de forma expressa, excluído a sua aplicação nesses casos;
9. E teria ainda neste tipo de casos, o efeito perverso de não contribuir para que os condenados adoptassem qualquer tipo de esforço no sentido de pugnar pela sua ressocialização, defraudando os fins das penas e do seu intuito ressocializador na comunidade, na medida em que o condenado não teria qualquer incentivo para evoluir, pois apenas beneficiaria da pena acessória de expulsão, de forma obrigatória, uma vez cumpridos os dois terços da pena, sendo indiferente quaisquer esforços adoptados, já que que as razões de defesa da ordem e da paz social que resultam da prática do crime tráfico de estupefacientes, serão sempre as mesmas;
10. Tal interpretação tem por efeito uma aplicação discriminatória do preceito legal, pelo que afigura-se-nos que a sua interpretação, no sentido em que foi a norma aplicada foi contrário à intenção do legislador e assim, violadora da lei;
11. Pelo que o tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do art.º 188º - C do CEMPL
12. Durante a metade da pena que já cumpriu, que na presente data perfaz mais do que 5 anos e 3 meses de pena de prisão, o condenado não regista quaisquer infracções disciplinares no Estabelecimento Prisional;
13. Apresentou ao longo desse tempo, um comportamento aceitação das regras de funcionamento do Estabelecimento Prisional, cumprindo as determinações estabelecidas;
14. Interiorizou a gravidade do crime cometido, aceitando a pena aplicada como justa e adequada;
15. Ocupou o seu tempo no Estabelecimento Prisional através da prática de funções que lhe permitissem diversificar as suas aptidões pessoais e profissionais;
16. Está afastado da sua família e filhos residentes na Ucrânia desde a aplicação da pena de prisão preventiva e início de cumprimento da pena, ou seja, mais de 5 anos;
17. Comprovou, através de documentação apostilada e traduzida, a possibilidade de início de uma actividade laboral remunerada, que o permitirá um início de restabelecimento da sua vida em sociedade;
18. O Director do Estabelecimento Prisional deu parecer favorável à antecipação da pena acessória;
19. Pelo que forçosamente se conclui que encontram-se verificados todos os pressupostos legais de que dependem a antecipação da pena acessória de expulsão, pelo que não o tendo feito, o tribunal errou de direito.
Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, a decisão sobre o qual incide ser revogada, e proferida outra decisão que defira o pedido de antecipação da pena acessória de expulsão do país. ...”.
*
A Exm.ª Magistrada do MP[2] respondeu ao recurso, para além do mais, nos seguintes termos:
“… No nosso entender, é manifesto não se poder concluir, como o faz o recorrente, de que na decisão se perfilha a tese que “resulte, de forma automática em razão do tipo de ilícito penal pelo qual foi condenado, a impossibilidade de verificação da compatibilidade com a defesa da ordem e da paz social para efeitos de antecipação de execução da pena acessória, independentemente do preenchimento dos demais pressupostos”.
Na verdade, a leitura da decisão impugnada permite com clareza observar o processo de formação da convicção do julgador, sendo que este baseou-se em elementos fácticos/probatórios para decidir pela não antecipação da execução da pena acessória de expulsão, estando a sua convicção inscrita na sentença e, portanto, motivada, alicerçando-se em razões objetivas, impregnadas de lógica e racionalidade, como se pode constatar nos factos que acima elencámos.
Com efeito, foi com base na decisão condenatória junta aos autos, na ficha biográfica do recluso e no seu certificado de registo criminal, no parecer do Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional e nas declarações do recluso que o Mm.º Juiz fixou a factualidade que se encontra elencada na sentença e que o levou às considerações de direito, em relação ao caso concreto, que observamos na sentença.
Cumpre salientar, no que se refere à prevenção especial, que se nos afigura que o caso presente não deixa de suscitar, muito embora o recluso revele globalmente comportamento institucional normativo (o que não sendo de desvalorizar não deixa de ser expectável e exigível a qualquer recluso) também, preocupações no domínio da prevenção especial – sendo certo que o recluso assume o crime, mas tentando ainda desculpabilizar-se com terceiros envolvidos no projeto, como se realça na sentença, e manifesta compreender a censurabilidade dos seus atos, não podemos esquecer que os praticou impelido, como afirmou, por dificuldades económicas que, num futuro próximo poderá voltar a experienciar. Não será, efetivamente, difícil que o recluso se veja confrontado com fases de instabilidade económica, com dificuldades em custear as suas despesas e, de novo, perante tentadoras ofertas de vantagens económicas associadas ao comércio de estupefacientes. Importa assegurar que o recluso consolida o juízo de autocensura do seu comportamento e das suas consequências para terceiros. Nesta fase, constata-se um discurso algo desculpabilizante, com terceiros envolvidos no projeto e com invocação das dificuldades financeiras que atravessava na altura. Efetivamente, a verdadeira assunção dos factos sem desculpabilização e a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências, mormente para as vítimas, são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos.
Por outro lado, não se pode olvidar que um dos pressupostos de ordem substantiva da antecipação da execução da pena acessória de expulsão é a de que a expulsão se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social.
De facto, um dos fins visados com a aplicação das penas é a protecção de bens jurídicos, entendida como a tutela da confiança da comunidade na ordem jurídico-penal, ou seja, a prevenção geral positiva. Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo, à uma, como dissuasor da prática de crimes, através da intimidação dos outros perante o sofrimento que a pena inflige ao delinquente – prevenção geral negativa – quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela dos bens jurídicos, e, dessa forma, no ordenamento jurídico penal – prevenção geral positiva. Nesse sentido, J. Figueiredo Dias, in “Actas e Projecto da Comissão de Revisão” (MJ-1993, acta nº 7, de 17/04/1989).
É evidente a necessidade de harmonização entre essa dicotomia, em que as pressões da prevenção geral não podem obrigar a passar os limites dos juízos de censura personalizados, de forma a preterindo a análise da situação concreta, só por si se decida da manutenção da reclusão.
Contudo, o conflito entre essas forças – prevenção geral vs. prevenção especial – não permite, sem mais a dominância da segunda sobre a primeira, antes pelo contrário, como já foi decidido em vários arrestos dos nossos Tribunais Superiores.
Na situação em concreto, a dimensão da necessidade de prevenção geral positiva e negativa, tendo em conta o tipo de ilícito, a forma de lesão de bens jurídicos, é elevadíssima.
As exigências de prevenção geral que ao caso assistem são fortíssimas, tendo em conta o tipo de ilícito e a forma como este ocorreu. O alarme social associado a este tipo de criminalidade é por demais evidente.
Na verdade, quer a intensidade quer o tipo de dolo em causa, bem como as especiais necessidades quer de prevenção geral quer especial, estão devidamente realçados na douta decisão condenatória.
E de tudo isto dá conta a decisão agora posta em crise, para seguir o entendimento de que, não se verificando - como não se verificam - razões ponderosas ou excecionais, não estão reunidas condições para antecipar a expulsão do recluso, que, adiante-se, levaria obrigatoriamente, a que a pena de prisão fosse declarada extinta - artigo 138º, nº 4, al. e) do CEPMPL- “tratamento de favor” de que não aproveitam os outros condenados pelos mesmos factos e aos quais não é aplicada a referida pena acessória e que só poderão beneficiar de liberdade condicional.
Como se refere no acórdão do STJ que confirmou a medida da pena cominada ao recluso (10 anos e 6 meses de prisão) “se se considerar a elevadíssima quantidade de produto envolvido, e a já mencionada complexidade de meios envolvidos, bem como a sua sofisticação, terá de concluir-se que as exigências de prevenção geral são elevadíssimas (como se disse no Ac.STJ de 2008.12.06 proc.08P3456:«tão evidentes que não é necessário enfatizá-las») quer se pondere a vertente da prevenção geral positiva ou de integração quer a da prevenção geral negativa ou prevenção de intimidação.”
Pelo que considerou, e bem, o Mm.º Juiz a quo no sentido de que não estão reunidas condições para antecipar a expulsão do recluso.
Assim e concluindo
Pelo, sumariamente, exposto, entende-se não se verificar qualquer violação do disposto no artigo 188.º-B, n.º 3, do CEPMPL, sendo de negar provimento ao recurso interposto pelo recluso RR, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida. …”.
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Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, em suma, subscrevendo a resposta do MP na 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[3] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[4], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Por outro lado, o objecto dos recursos das decisões relativas à execução das penas acessórias de expulsão está legalmente limitado nos termos do disposto no art.º 188º-C/4 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade[5] (CEP), com o seguinte teor: “O recurso interposto da decisão que decrete ou rejeite a execução da pena acessória de expulsão é limitado à questão da concessão ou recusa da execução da pena acessória de expulsão.”.
Assim, é a seguinte a questão a apreciar neste recurso:
Verificação dos requisitos para a concessão ao Recorrente, nesta fase, da execução antecipada da pena acessória de expulsão.
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Cumpre decidir.
Não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP, que são de conhecimento oficioso[6] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum[7].
*
Para o caso em apreço, o art.º 188º-A/2-b) do CEP dispõe que o juiz pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas.
Esta norma foi aditada ao CEP pela Lei n.º 21/2013, de 21/02, cuja proposta teve, para além do mais, a seguinte explicação de motivos:
“... O sistema punitivo do nosso ordenamento jurídico assenta na ideia fundamental de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
É exigência constitucional, derivada da necessidade e da subsidiariedade da intervenção jurídico-penal, que só as necessidades de prevenção geral e especial possam justificar e conferir fundamento e sentido às sanções criminais.
A pena privativa de liberdade só encontra fundamento quando é o único meio adequado à satisfação e estabilização do sentimento de segurança da comunidade, alcançando simultaneamente a socialização do condenado.
Os conhecidos inconvenientes da pena de prisão só podem ser minorados através da sua correta execução.
A possibilidade de saídas precárias, de liberdade condicional, de reintegração no meio familiar ou, no mínimo, a possibilidade de manutenção dos laços familiares e de amizade são fatores fundamentais e determinantes na ressocialização do condenado e na sua reintegração na sociedade, de forma a não cometer novos crimes.
A esmagadora maioria dos reclusos estrangeiros condenados em penas privativas de liberdade e na pena acessória de expulsão não reúne as condições que lhes permitam beneficiar das apontadas situações.
Com a presente iniciativa legislativa, flexibiliza-se a oportunidade de a pena acessória de expulsão ser antecipada, quer através da diminuição do tempo efetivo de cumprimento da pena de prisão necessário à execução da pena de expulsão, quer através da possibilidade de, mediante parecer fundamentado e favorável do diretor da cadeia e da reinserção social, e com a anuência do condenado, a execução da pena de expulsão poder ocorrer mesmo em momento anterior.
Encontrando-se realizada a finalidade da pena na vertente de proteção da sociedade, a alteração permitirá que, relativamente aos reclusos nas condições referidas, a execução da pena possa ser também orientada no sentido da sua reinserção social, através do seu regresso ao país de origem, onde o recluso provavelmente terá laços familiares e afetivos, e onde mais facilmente se integrará. ...”.
Isto é, esta alteração legislativa teve a intenção declarada de proporcionar aos reclusos estrangeiros medidas de flexibilização das penas, que aumentem as probabilidades da sua reintegração na sociedade, de forma a não cometer novos crimes.
A antecipação da execução da pena acessória de expulsão equivaleria, portanto, no presente caso, à concessão da liberdade condicional a meio da pena, com o importantíssimo efeito suplementar de extinguir a pena, como resulta do disposto no art.º 138º/4-e) do CEP[8], assim concedendo um verdadeiro “perdão” do remanescente da pena[9].
Como a concessão da liberdade condicional, também a execução antecipada da expulsão pressupõe que esta seja “... compatível com a defesa da ordem e da paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes ...” (art.º 188º-B/3 do CEP).
Isto é, pressupõe um juízo de prognose positivo de que a restituição do arguido à liberdade o levará a adoptar uma conduta fiel ao direito, integrando-se na sociedade, de forma a não voltar a incorrer na prática de crimes (prevenção especial de ressocialização).
Pressupõe, ainda, um juízo de prevenção geral, de compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social, de exigências de tutela do ordenamento jurídico, ou seja, é necessário que não gore as exigências de tutela do ordenamento jurídico[10] (prevenção geral positiva).
Para tanto, importa verificar a sua “capacidade objectiva de readaptação”, na sugestiva expressão de Jorge Figueiredo Dias, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.
Entendemos que nas penas mais longas, que corresponderão aos crimes mais graves, a liberdade condicional e a execução antecipada da expulsão só em casos excepcionais devem ser concedidos a meio da pena, porque a sua concessão generalizada poderia pôr seriamente em causa as exigências de tutela do ordenamento jurídico.
Neste sentido, veja-se o a Acórdão da RP de 20/01/2010, relatado por Joaquim Gomes, no proc. 2997/09.6TXPRT-A, in www.dgsi.pt, do qual citamos:
“… Por sua vez, de acordo com o segundo requisito acentuam-se as finalidades de execução das penas, que de acordo com o art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, consiste na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral.[11]
As funções de prevenção geral centram-se na manutenção da confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Daí que a concessão da liberdade condicional ao abrigo do disposto no art.º 61.º, n.º 1 do Código Penal, tenha sempre um carácter excepcional e não automático, estando condicionado à personalidade do arguido e fortemente limitado pelas finalidades de execução das penas.
Caso contrário, a comunidade não compreenderia que a execução de uma pena de prisão fosse sempre e simplesmente reduzida a metade.
Por outro lado, o bom comportamento prisional do condenado não poderá ter uma relevância tamanha, porquanto se o mesmo aí não tiver esse tipo de comportamento, não terá certamente em mais nenhum espaço da sociedade. ...”[12].
No presente caso, o Recluso foi condenado pela prática de um crime de tráfico agravado de droga, nos termos dos art.ºs 21º/1, e 24º, al. c) (avultada compensação económica), do DL 15/93, de 22/01, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, e, bem assim, na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos, porque transportou, por via marítima, no interior do veleiro de sua pertença, com origem em local não concretamente apurado, através das águas territoriais portuguesas e com destino final Itália, cocaína com o peso líquido total de 661.449,682 g..
Não lhe são conhecidas outras condenações.
Tem bom comportamento prisional.
Afirma ter refletido sobre os factos que o trouxeram à prisão e diz reconhecer a prática do crime e saber que foi grave, considerando justa a pena. Porém, desculpabiliza-se com terceiros envolvidos no projeto de transporte transcontinental da cocaína, afirmando que se soubesse antecipadamente todos os contornos do projeto criminoso em que participou, não tinha aderido a esse projeto, acrescentando que lhe propuseram que fizesse o transporte das malas corno forma de pagar o restauro do seu iate e resolveu aceitar, porque não dispunha de dinheiro para pagar.”.
Nada nestes factos integra o conceito de circunstâncias excepcionais justificativas da concessão da liberdade condicional/execução da expulsão a meio da pena (idade, doença, colaboração consequente na descoberta de todos os contornos e co-autores do crime praticado, etc.).
Pelo contrário, a gravidade do crime, a não identificação dos restantes co-autores e a atitude auto-desculpabilizante, levam à não formulação do necessário juízo de prognose positivo, quer quanto ao seu comportamento futuro, quer quanto à compatibilidade com as exigências de tutela do ordenamento jurídico.
Assim, desde logo, por razões de prevenção geral, entendemos que o Recorrente não se encontra ainda em condições de beneficiar da execução antecipada da pena acessória de expulsão.
É, pois, improcedente o recurso.
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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidimos julgar não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos a decisão recorrida.
Condenamos o Recorrente nas custas, com taxa de justiça que fixamos em 3 (três) UC, sem prejuízo de se verificar o pressuposto previsto no art.º 4º/1-j) do RCP.
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Notifique.
D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP[13]).
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Lisboa, 9/07/2020
João Abrunhosa
Maria Leonor Botelho
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[1] Arguido/a/s.
[2] Ministério Público.
[3] Supremo Tribunal de Justiça.
[4]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art.º 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art.º 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art.º 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.º 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[5] Aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12/10, que entrou em vigor em 10/04/2010.
[6] Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no citado art.º 410.º/2 CPP.
[7] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art.º 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV- É, portanto, inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[8] Com o seguinte teor: “4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
...
e) Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão;” (sublinhado nosso).
[9] Nesse sentido, vejam-se:
- Artur Vargues, in “A alteração do regime de liberdade condicional”, Revista do CEJ, 1º semestre de 2008, n.º 8 (Especial). a págs. 66, donde citamos: “... Cumprida metade da pena e preenchidos que estejam os pressupostos da concessão da liberdade condicional (em que se inclui o consentimento do condenado) pode o juiz, em substituição desta, determinar a execução da pena acessória de expulsão.
Em qualquer das situações, o cidadão estrangeiro será libertado sem quaisquer regras de conduta ou outras obrigações e sem controlo do TEP para o período que decorrerá entre a data da execução da pena acessória e o termo do tempo de prisão em que foi condenado e em caso algum terá de cumprir este remanescente de pena que lhe falta cumprir. ...”;
- Joaquim Boavida, in “A Flexibilização da Prisão”, Almedina 2018, a págs. 235, donde citamos: “... A efectiva execução da pena acessória de expulsão é causa de extinção da pena de prisão, que carece de ser declarada pelo juiz do tribunal de execução de penas, em conformidade com o disposto no artigo 138º, n.º 4, alínea e), do CEPMPL. ...”.
- o acórdão da RL de 20/02/19, relatado por Conceição Gonçalves, no proc. 410/17.4TXLSB-DL1-3, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “... 3. Na ponderação do juízo de prognose importa considerar, em face da concreta situação do recluso, se serão cumpridos os objectivos de ressocialização com a redução da pena a menos de metade, tendo ainda em conta que a pena acessória de expulsão uma vez executada determina a extinção da restante pena que ainda caberia cumprir ao recluso, mesmo vindo a cometer outro crime após a sua expulsão.”.
[10] Nesse sentido, Jorge de Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», Coimbra Editora, 2ª reimpressão, 2009, p. 540, donde citamos: “... o reingresso do condenado no seu meio social, apenas cumprida metade da pena a que foi condenado, pode perturbar gravemente a paz social e pôr assim em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada.”.
[11] Veja-se a propósito Claus Roxin, em “Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal”, p. 181; Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” (1993), p. 73 e no seu estudo “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na RPCC, ano I (1991), p. 22; Maria Fernanda Palma, no seu estudo sobre “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em “Jornadas sobre a revisão do Código Penal” (1998), p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf).
[12] No mesmo sentido, veja-se, ainda, a seguinte jurisprudência:
- Acórdão da RP de 02/05/2012, relatado por Francisco Marcolino, no proc. 628/07.8TXLSB.P1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “…Corresponderia a uma semi-impunidade que a comunidade não compreenderia, a concessão da liberdade condicional, uma vez cumpridos oito anos de prisão, ao arguido condenado em pena única de quinze anos de prisão pela prática de cinco crimes graves – três de roubo violento e dois de homicídio tentado. …”;
- Acórdão da RP de 31/10/2012, relatado por José Carreto, no proc. 3536/10.1TXPRT-H.P1, com o seguinte sumário: “I - A concessão da liberdade condicional ao meio da pena, para além dos requisitos formais, exige o preenchimento cumulativo da verificação das razões de prevenção especial (reinserção do condenado e prevenção de reincidência – não voltar a delinquir) e de prevenção geral (a pena já cumprida seja sentida pela Comunidade como suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reinserção do condenado, reforçando o sentimento prevalecente de que a norma violada mantém a sua validade). II – Para poder emitir um juízo favorável à concessão da liberdade condicional o juiz de execução das penas tem de ponderar o passado do condenado, avaliando o seu progresso. III – Os pareceres emitidos pelas entidades competentes não são vinculativos, constituindo, apenas, um importante contributo informativo sobre aspectos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projectos futuros de vida, etc., que habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que regem esta matéria. IV – O bom comportamento prisional não equivale a bom comportamento no exterior da prisão e não é o bastante para permitir que o condenado possa sair em liberdade ao meio da pena. V- Não deve ser colocado em liberdade ao meio da pena o condenado que foi condenado pela prática de 7 crimes de roubo agravado, 2 de roubo simples e 1 de falsificação porque a Comunidade não compreenderia tal libertação, ao mesmo tempo que transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de novos delitos e não dissuasor da sua prática, como pretendido”;
- Acórdão da RC de 19/06/2013, relatado por Jorge Dias, no proc. 161/12.6TXCBR-E.C1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…Há pois que fazer um juízo antecipado devidamente fundado, que permita poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, virá a adotar um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal que permita antever que de futuro não voltará a cometer crimes e que, essa situação de liberdade, ainda que condicional e eventualmente condicionada (deveres de conduta) se revela compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Ora tratando-se a concessão da liberdade condicional ao arguido ao meio da pena de uma medida excecional, só fortes razões a podem justificar.
Se assim não fosse tal concessão deixaria de ser facultativa e passaria a integrar a modalidade de obrigatória.
Assim, apesar de se verificar uma evolução positiva em relação ao comportamento do arguido, as exigências de prevenção geral não se mostram satisfeitas.
E, só se se verificar este requisito (sendo necessário verificar-se pela positiva) é que incide sobre o tribunal o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional, um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei.
Como se refere no Ac. da Rel. do Porto de 31-10-2012, no processo 3536/10.1TXPRT-H.P1, “Para poder emitir ou formular um tal juízo, como manda a lei, tem o juiz de execução das penas de ponderar o passado do arguido, pois só assim o pode conhecer e avaliar o seu progresso, para o que necessariamente tem de analisar os dados existentes no processo, como os factos que praticou, e essa analise é necessária para conhecer o arguido, tendo bem presente que este arguido foi condenado numa pena e não em metade dela (…), e que a lei apenas lhe concede o beneficio de sair da prisão antes de cumprir a pena, por o merecer e não ter mais necessidade de ali se encontrar: poder ser útil á sociedade, por ser capaz de conduzir a sua vida sem cometer crimes.
Por outro lado não basta, nem a lei exige, a existência de pareceres favoráveis á concessão da liberdade, não apenas porque “I - Os pareceres emitidos pelas entidades competentes não são vinculativos, constituindo, apenas, um importante contributo informativo sobre aspetos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projetos futuros de vida, etc., que habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que regem esta matéria.” in Ac. R.P. de 22/9/2010 www.dgsi.pt/jtrp Des, Mª Leonor Esteves, mas porque a avaliação a efetuar é uma avaliação global (e não parcelar como a dos pareceres) e a decisão compete apenas ao juiz e não aos autores dos pareceres”.
E no Ac. da Rel. de Lisboa de 28/10/2009, Proc. nº 3394/06.TXLSB-3, em www.dgsi.pt, “em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico”, sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social” in ac. R.P.14.07.2010, no Rec. n.º 2318/10.5TXPRT-C.P1, (v., também, em www.dgsi.pt).
Como se refere na decisão recorrida, tendo sido o arguido condenado pela prática, em autoria material, de dois crimes de tráfico de estupefacientes e um crime de corrupção ativa, nas penas de 5 a., 4 a. e 6 m. e 2 a., em cúmulo jurídico na pena única de 8 a. de prisão, as necessidades de prevenção geral não permitem admitir a libertação do arguido ao fim de metade da pena, por não ser compatível com a ordem jurídica e paz social.
Seria algo incompreensível para a Comunidade e transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de novos delitos e não dissuasor da sua prática.
E no Ac. desta Rel. de 18-04-2012, no proc. 1404/10.6TXCBR-I.C1 se refere que a não ser que se “verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, - seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esses tipos de crimes e faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral” (em causa crime de homicídio e de trafico de estupefacientes).
Face aos crimes cometidos pelo arguido, tráfico (dois) e corrupção ativa, é manifesto que se mostram acentuadas as exigências de prevenção geral que conferem carácter excecional à libertação antecipada, pelo meio da pena.
E, o Ac. desta Rel. de 12-12-2012, citado na resposta do Mº Pº, no proc. 1354/10.6TXCBR-J.C1, “O requisito da defesa da ordem e da paz social que a libertação não pode colocar em crise não se pode analisar simplesmente na possibilidade da ocorrência de tumultos por força da libertação, devendo antes ter interpretação compaginável com o disposto no artigo 40º, nº 1 do Código Penal. Ou seja, o que deve ser ponderado é se a pena já cumprida protege suficientemente o bem jurídico violado, tendo e conta o facto cometido e a personalidade do agente que o cometeu na sua evolução em face da pena sofrida ou se defraudará as expectativas comunitárias na validade da norma. Trata-se sobretudo de uma paz interior que deve ser avaliada, de uma paz jurídica (no dizer de Figueiredo Dias acima citado) entre o cidadão e o seu sentimento de que a norma violada foi suficientemente defendida através da pena já cumprida” …”.
[13] Código de Processo Penal.