EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA
IMÓVEL
NUA PROPRIEDADE
USUFRUTO
REGISTO PREDIAL
Sumário

I – O proprietário de raiz de um bem imóvel pode embargar de terceiro em execução movida contra o usufrutuário desse imóvel se o mesmo foi penhorado em tal execução como se pertencesse, em propriedade plena, ao executado.
II – A tanto não obsta o facto de a propriedade do mesmo imóvel se mostrar ainda inscrita no registo predial a favor do transmitente daquele bem ao proprietário de raiz.
III – O registo predial, no nosso ordenamento jurídico, tem eficácia estritamente declarativa.
IV – O direito de usufruto pode ser penhorado e vendido no âmbito de execução movida contra o usufrutuário.
V – Quando há direitos reais de gozo sobrepostos, a penhora de um ou de outro processa-se em moldes diferentes, em conformidade com a diversidade da natureza dos correspondentes direitos.
(Pela relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
1.1. AAA, BBB, CCC e DDD afirmando-se proprietários do bem imóvel penhorado no processo n.º 5276/15.6T8SNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Trabalho de Sintra, em que é exequente EEE e executada FFF vieram por apenso deduzir embargos de terceiro à referida penhora.
No seu requerimento inicial alegaram, em síntese, que são proprietários, em regime de compropriedade, da fracção autónoma penhorada, detendo a executada tão só o usufruto do imóvel, e que a penhora ofende o seu direito de propriedade, podendo opor o seu direito à exequente não obstante não terem procedido ao registo da propriedade na Conservatória do Registo Predial. Juntaram a escritura pública de compra e venda do imóvel, datada de 6 de Dezembro de 1994, muito antes da realização da penhora.
Admitidos os embargos e suspensos os termos do processo executivo, foram notificadas as embargadas para contestar, vindo apenas a exequente a fls. 16 e ss. apresentar contestação  alegando, em suma: que os embargantes não articularam factos demonstrativos da ameaça da posse sobre o imóvel penhorado, posse que não exercem; que, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 1, do Código do Registo Predial, qualquer facto sujeito a registo é inoponível a terceiro antes de registado; que, porque a propriedade não se mostra registada a favor dos embargantes, o direito destes não pode ser oponível a si que, como exequente, assume a posição de terceiro e que a fracção foi vendida à executada que é quem consta como titular na respectiva Repartição de Finanças. Em reconvenção, a exequente pede se declare que a executada adquiriu o imóvel penhorado, por usucapião, pelo decurso do prazo de vinte anos de posse ininterrupta.
Os embargantes apresentaram a resposta de fls. 31 e ss., defendendo a improcedência da reconvenção.
Proferido despacho saneador, a Mma. Juiz a quo entendeu que os autos continham todos os elementos essenciais ao conhecimento da questão suscitada, e conheceu do mérito dos embargos, terminando a sua decisão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo totalmente procedentes, por provados, os presentes Embargos de Terceiro e, em consequência, julgando inadmissível a penhora efetivada sobre a fração autónoma designada pela letra (…), do prédio urbano sito na freguesia de (…), descrita na CRP de Lisboa sob o nº (…), e inscrita na matriz sob artigo (…), determino o seu levantamento.
Fixo à ação o valor de €11.522,02 (onze mil quinhentos e vinte e dois euros e dois cêntimos).
[…]»
1.2. A exequente, ora embargada, inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1- No âmbito da execução foi penhorada a fração autónoma designada pela letra (…), do prédio urbano sito na freguesia de (…), descrito na CRP de Lisboa sob o n.º (...) e inscrito na matriz sob o artigo (...).
2- A exequente que obteve o registo de penhora da fração e os adquirentes do direito de nua propriedade da mesma são terceiros para efeito do registo predial.
3- No caso presente prevalece a penhora registada a favor da recorrente, com prioridade de inscrição no registo predial.
4- Os embargantes como alegam e consta dos autos só adquiriram por escritura pública a nua propriedade da fração.
5- O usufruto pertence à executada e tal direito de uso e fruição é um bem penhorável que está contido e integrado na penhora efetuada e registada.
6- Os embargos deduzidos nunca podiam determinar a inadmissibilidade da penhora efetivada, na sua totalidade, quando muito no que à nua propriedade da fração diz respeito.
 7- O tribunal recorrido decidiu mal e pode e está em tempo de corrigir a decisão proferida pois esta foi lavrada em erro por ter desconsiderado que o usufruto da fração penhorada é propriedade exclusiva da executada, logo o direito de propriedade na parte do usufruto tem que ser e foi bem penhorado.
8- Impõe-se a revogação da sentença recorrida substituindo-a por outra que :
a) Julgue os embargos improcedentes ou, se assim se não entender;
b) Julgue os embargos procedentes só na medida do direito à nua propriedade da fração penhorada
9 – A sentença recorrida violou entre outros os seguintes preceitos legais – Artºs 5.º, 6.º e 7.º, do C.R.P. , artºs 601º e 819º do C.C. e Artº 735º nº 1 do CPC”
1.3. Os embargantes apresentaram contra-alegações defendendo a improcedência do recurso. Concluíram do seguinte modo:
“A- Foram dados como provados pelo douto tribunal A Quo os seguintes factos: (…)
B- Nas suas alegações a recorrente alegou que o tribunal A Quo, deveria ter considerado que o usufruto da fração ora em causa poderia ser penhorado já não o podendo ser a nua propriedade.
C. Salvo o devido respeito não assiste razão á apelante uma vez que nos presentes autos, foi dado como provado pelo tribunal A Quo que foi penhorada a propriedade plena da fração ora em causa, e não o seu usufruto.
D- Não podendo assim a apelante formular agora em sede de recurso um pedido diferente daquele que formulou junto do tribunal A Quo, visto que com o recurso não se visa a realização de um novo julgamento, mas no limite a reapreciação da matéria de facto.
E- A recorrente nas suas alegações de recurso não pediu a reapreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido considerando-se esta definitivamente assente.
F- Em nenhum momento durante o julgamento feito no tribunal de 1ª instância foi alegado e provado que a executada, FFF, é usufrutuaria da fração ora em causa. Ao invés,
G- Foi dado como provado pelo tribunal A Quo, que a propriedade plena da fracção ora em causa pertence aos ora apelados em compropriedade.
H- Mais se diga, conforme referido supra, que o pedido elaborado pela recorrente foi a penhora da propriedade plena da fração ora em causa e não do seu usufruto.
I- A recorrida chegou mesmo a afirmar, pasme-se! que a executada tinha adquirido a propriedade da fração por usucapião pelo facto de habitar a casa há mais de 20 anos, o que não é manifestamente o caso.
J- Tem aplicação plena em direito do trabalho o princípio da vinculação do juiz ao pedido formulado pelas partes previsto no artigo 609º nº 1 do CPC.
K- Se o tribunal A QUO tivesse condenado os ora recorridos em pedido diverso do formulado pelos recorrentes a sentença seria nula nos termos do artigo 615.º al. e) do CPC.
L- Nulidade essa que teria de ser invocada pela recorrente em sede de recurso, o que não aconteceu.
M- A propriedade foi transferida para os recorridos por mero efeito da escritura pública datada de 06 de Dezembro de 1994.
N- Tal facto foi dado como provado pelo tribunal de que se recorre.
O- Ao contrário do que afirma a ora recorrente (titular de uma penhora sobre a fração em causa nos presentes autos), não é incluída no conceito de terceiros para efeitos do artigo 5ºnº4 do CRP, uma vez que não se tendo ainda concretizado a venda judicial do imóvel, não se verifica a existência de um mesmo transmitente comum.
P- Sendo também esse o entendimento do tribunal A Quo.”
1.4. O recurso foi admitido como de apelação por despacho de 03 de Março de 2020.
1.5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento. Após notificadas as partes, apenas a executada respondeu a este Parecer, dele discordando.
1.6. Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com saber:
1.º - se deve manter-se a penhora da fracção autónoma do bem imóvel de que são proprietários de raiz os embargantes;
2.º - em caso negativo, se é possível o levantamento da penhora apenas na medida do direito à nua propriedade de tal fracção.
3. Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a decisão são os seguintes:
3.1. Na instância executiva de que estes embargos são um apenso foi penhorada em 24 de Abril de 2018[1] a fracção autónoma designada pela letra (…), do prédio urbano sito na freguesia (…), descrito na CRP de Lisboa sob o nº (…) e inscrito na matriz sob artigo (…).
3.2. A aquisição da fracção mostra-se registada desde 16 de Fevereiro de 1982[2] a favor da sociedade (…).
3.3. Cumprido na acção executiva o disposto no artigo 119º, nº 1 do CRP, a referida sociedade declarou em 22 de Maio de 2018[3] que a fracção não lhe pertence.
3.4. Por escritura pública realizada no dia 06 de Dezembro de 1994, a sociedade (…) transmitiu à FFF o usufruto da fracção penhorada e aos Embargantes a nua propriedade, pelo preço de um milhão e oitocentos mil escudos.
Fundamentação de direito
4.1. Não sofre neste momento contestação que os embargos de terceiro não se destinam apenas à defesa da posse lesada pela diligência judicial mas, também, à defesa de “qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência” (cfr. o artigo 342.º, n.º1 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que seguiu a opção legislativa da reforma de 1995, alargando o âmbito dos embargos de terceiro face ao que estabelecia o art.1037.º, n.º 1 do Código de Processo Civil até então em vigor).
Como se justificou no preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12, “permite-se, deste modo, que os direitos “substanciais” atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação – por esta via se obstando, no caso de a oposição do embargante se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência de reivindicação”.
Cabe, pois, aferir se os embargantes são titulares de um direito incompatível com a realização da penhora, no processo de execução, da fracção autónoma designada pela letra (…), do prédio urbano sito na freguesia de (…), descrito na CRP de Lisboa sob o nº (…), e inscrito na matriz sob artigo (…), caso em que a mesma não poderá manter-se.
Conforme resulta dos factos dados como provados a fracção penhorada nos autos de execução encontra-se registada em nome da sociedade (...), à qual não pertence, uma vez que a referida sociedade, por escritura pública outorgada no dia 06 de Dezembro de 1994, transmitiu à executada o usufruto da fracção e aos embargantes a nua propriedade da mesma, pelo preço de um milhão e oitocentos mil escudos (factos 3.2. a 3.4.).
O registo desta transmissão verificada em 1994 não foi então realizado, mas esta situação – que se mantinha quando foi efectuada a penhora do bem imóvel, já no ano de 2018 – não impede a afirmação da aquisição do direito de propriedade de raiz a favor dos embargantes ora recorridos na medida em que o registo predial, no nosso ordenamento jurídico, não tem natureza constitutiva mas eficácia estritamente declarativa. Os direitos a registar constituem-se fora do registo e este limita-se a dar-lhes publicidade[4]
Na verdade, nos termos do preceituado no artigo 1.º do Código do Registo Predial, o registo “destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”. E, de acordo com o artigo 7º do mesmo Código do Registo Predial, que estabelece a presunção do registo, o registo “constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Esta constitui uma presunção legal “iuris tantum” ilidível por prova em contrário nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil. Ou seja, a inscrição não garante a efectiva existência do direito inscrito a favor de quem figura como seu titular, apenas criando a presunção de que, a ter existido efectivamente alguma vez o direito, ele ainda pertence a quem figura no registo como seu titular e não foi transmitido por este a um terceiro. Na lapidar expressão de Vaz Serra, “o registo predial não serve para sanar a falta ou os vícios do direito do transmitente: conserva, não cria direitos"[5].
De acordo com o artigo 408.º, n.º 1 do Código Civil, a transmissão da propriedade sobre determinado bem dá-se por mero efeito do contrato, pelo que a transmissão da nua propriedade do bem penhorado a favor dos embargantes se deu por efeito do contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública de 6 de Dezembro de 1994 entre a anterior proprietária inscrita no registo e os embargantes ora recorridos – cfr. os artigos 875.º e 879.º, alínea a) do Código Civil.
Pelo que a penhora do prédio verificada 24 de Abril de 2018 em processo executivo onde não são parte é incompatível com o direito que através daquela escritura adquiriram e ilegal (cfr. o artigo 735.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
A recorrente invoca ainda neste âmbito que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo nos termos do nº 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial e que ela própria e os embargantes são terceiros para efeito do registo predial, aí radicando a afirmação de que, no caso presente, prevalece a penhora registada a seu favor.
Não cremos que num caso com os contornos da vertente tenha qualquer pertinência a invocação deste argumento. Nem a exequente – que obteve o registo da penhora efectuada em 2018 em execução instaurada contra a embargada que não figura no registo – nem os embargantes – que em 1994 adquiriram a propriedade de raiz de tal fracção ao titular registado – podem considerar-se terceiros para efeitos de registo, atenta a definição actualmente constante do n.º 4 do artigo 5.º do CRP, pois que nenhum deles adquiriu “de um autor comum direitos incompatíveis entre si” sobre o mesmo objecto.
Acresce que a proprietária primitivamente inscrita – que, não se esqueça, não era a executada – foi notificada nos termos do artigo 119.º, n.º 1, do CRP e deu notícia nos autos, após a penhora, de que tal bem não lhe pertencia apesar da inscrição registral, o que é suficiente para desencadear o mecanismo previsto no n.º 3 do mesmos preceito, segundo o qual “[s]e o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, o tribunal ou o agente de execução comunica o facto ao serviço de registo para conversão oficiosa do registo”.
Em suma, da escritura pública de compra e venda documentada nos autos resulta a aquisição pelos embargantes (em compropriedade) da nua propriedade da fracção, direito este que naturalmente é incompatível com a realização e o âmbito da diligência da penhora da mesma fracção em execução que não foi instaurada contra si, pelo que se mostra preenchida a fattispecie do nº 1 do artigo 342º do CPC, segundo o qual “[s]e a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Não pode, assim, manter-se a penhora da fracção autónoma do bem imóvel de que são proprietários de raiz os embargantes.
4.2. Numa via subsidiária, a recorrente rebela-se contra a sentença por considerar que, pertencendo o usufruto da fracção à executada, tal direito de uso e fruição é um bem penhorável que está contido e integrado na penhora registada, pelo que os embargos deduzidos nunca podiam determinar a inadmissibilidade da totalidade da penhora efectivada deviam proceder só na medida do direito à nua propriedade da fracção penhorada.
Esta pretensão não pode proceder.
Senão vejamos.
O usufruto, na palavra da lei é o “direito de gozar temporária plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância”. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, constitui nota essencial do direito de usufruto a de que “é um direito sobre coisa (ou direito) alheia”. O usufrutuário, “a despeito da plenitude do seu direito de gozo, não é o proprietário da coisa” e, no caso mais vulgar do usufruto de coisas, “dá-se a esse outro titular o nome de nu proprietário ou proprietário da raiz[6].
Estamos assim perante dois direitos reais distintos e com conteúdo e natureza diversos, sobre a mesma coisa: o direito de usufruto (que não é um direito pleno ou exclusivo sobre uma coisa, mas um “ius in re aliena” que sem o direito do proprietário, não poderá existir), e o direito de propriedade de raiz (que é um direito, limitado, do proprietário).
É indiscutível que o direito de usufruto é passível de ser penhorado e judicialmente vendido no âmbito de execução movida contra o usufrutuário[7].
Mas, neste caso, é naturalmente diferente o objecto da penhora: o direito de usufruto sobre um prédio não se confunde com a propriedade de raiz e, muito menos, com a propriedade plena sobre o mesmo, sendo certo que o auto de penhora lavrado no processo de execução movido pela ora recorrente contra a executada se reporta a esta propriedade plena.
Além disso, quando há direitos reais de gozo sobrepostos, a penhora de um ou de outro processa-se em moldes diferentes[8], em conformidade com aquela diversidade de natureza.
Se o objecto da penhora for o direito onerado (a nua propriedade), o executado seu titular tem gozo partilhado da coisa e uma posse não exclusiva, pelo que a coisa não pode ser apreendida (tal implicaria retirar o gozo da coisa ao usufrutuário, titular do direito real menor). Aplica-se neste caso o disposto no artigo 781.º, n.º 5, segundo o qual se aplicam as regras da penhora de direito a bens indivisos e de quotas em sociedades, com as necessárias adaptações, à penhora do direito real de habitação periódica “e de outros direitos reais cujo objeto não deva ser apreendido, nos termos previstos na subsecção anterior”. Tratando-se de direito de propriedade de raiz sobre bem sujeito a registo, a penhora é feita com a comunicação electrónica ao serviço de registo (artigos 783.º e 755.º) e sucessivamente é feita a notificação por força do n.º 5 do artigo 781.º ao usufrutuário (terceiro titular do direito sobreposto).
Se o objecto da penhora for o usufruto – direito onerador pelo qual a coisa está a ser efectivamente gozada – de um bem sujeito a registo, a penhora é realizada por comunicação electrónica ao serviço de registo nos termos dos artigos 755.º e 768.º, ex vi do artigo 783.º e o terceiro titular da propriedade de raiz – direito maior – deve ser notificado nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 a 4 do artigo 781.º.
Trata-se, pois, de actos de penhora diferentes e que obedecem a distintos requisitos.
Destas considerações se retira, à evidência, que o direito de usufruto não está contido e integrado na penhora efectuada nos autos de execução instaurados pela exequente contra a executada, como alega a recorrente, pelo que nunca os embargos poderiam obter a procedência parcial por que esta propugna nas suas alegações.
Não merece provimento a apelação.
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As custas do recurso interposto ficariam a cargo da recorrente, por nele ter ficado vencida - artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a sua responsabilidade é restrita às custas de parte. Deverá, contudo, atender-se a que beneficia de apoio judiciário
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5. Decisão
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Em face do exposto, acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, nos termos assinalados, atendendo-se, contudo, a que beneficia de apoio judiciário.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 13 de Julho de 2020
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
Sérgio Almeida
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[1] Cfr. auto de penhora documentado no histórico electrónico do processo de execução a que os presentes autos se mostram apensos.
[2] Cfr. certidão do registo predial a fls. 9-11.
[3]Cfr. comunicação da notificanda documentada a fls. 23 destes autos e no histórico electrónico do processo de execução a que os mesmos se mostram apensos.
[4] Maria Clara Sottomayor, in Invalidade e Registo, a Protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, Almedina, Coimbra, 2010, p. 720.
[5] In Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 97º, 1964-1965, n.º 3265, p. 57, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1963. Vide também Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Facto Jurídico em especial Negócio Jurídico, Reimpressão, Coimbra, 1992, p. 20.
[6] In Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., Coimbra, pp. 457 e ss.
[7] Vide o Acórdão da Relação do Porto de 2019.09.26, processo n.º 6062/12.0YYPRT-A.P1, in www.dgsi.pt.
[8] Vide Rui Pinto, in “A Acção Executiva”, Reimpressão, Lisboa, 2019, pp. 615 e ss., cuja exposição, pela sua clareza, seguiremos.