Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ENFERMEIROS
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
PARIDADE FUNCIONAL
PRINCÍPIO DE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
Sumário
Para efeitos de aplicação do princípio “a trabalho igual, salário igual” a ponderação a efetuar radica na paridade funcional. Decorrendo dos autos que os trabalhadores, enfermeiros contratados sob o regime do contrato individual de trabalho, prestavam exatamente o mesmo tipo de cuidados diretos aos doentes que os demais enfermeiros da Ré, sujeitos a vinculação pública, sem que se invoque diferenciação na qualidade e quantidade do trabalho prestado – esta superior, ali, e decorrendo da lei a paridade funcional entre uns e outros, não há como não reconhecer a violação daquele princípio.
(Elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO LISBOA NORTE E.P.E., Réu nos autos à margem identificados, não se conformando com a sentença, vem interpor recurso de apelação.
Pede a respetiva procedência com todas as com sequências legais.
Formulou as seguintes conclusões: 1.–Vem o presente recurso interposto da sentença de 10/11/2022 do Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 4, que, julgando a ação parcialmente procedente condenou o ora Recorrente no pagamento de diversas quantias a título de vencimentos no âmbito de ação de processo comum proposta pelos Autores, ora Recorridos, por violação do princípio trabalho igual salário igual. 2.–Não se conformando o Recorrente com a sentença, por entender que nela se faz uma errada interpretação e aplicação da Lei, designadamente do princípio trabalho igual salário igual vem dela interpor o competente recurso. 3.–Os Recorridos na ação reclamam o direito à remuneração fixada no Dec. Lei nº 122/2010, de 11 de novembro, aplicado desde 1 de janeiro de 2013 aos enfermeiros com vínculo público e um período normal de trabalho de 35 horas, que assim passaram a auferir o vencimento base de €1201,48, enquanto os Recorridos (excluindo o 7º, 8º e 9º Autor) a exercer funções nos serviços do Recorrente ao abrigo de contrato individual de trabalho, com um horário de 40 horas, mantiveram a situação remuneratória (à data correspondente a €1165,79) até outubro de 2015 (data em que entrou em vigor o ACT aplicável).
4.– Por outro lado, em diferente período temporal (de agosto de 2016 a Junho de 2018) os Recorridos, apesar de prestarem 40 horas semanais de trabalho, auferiram o mesmo vencimento-base que os enfermeiros em funções públicas que exerciam as suas funções no âmbito de horário de 35 horas semanais. 5.–De acordo com a sentença recorrida essa diferenciação remuneratória traduz uma violação do princípio da igualdade, na sua vertente do trabalho igual salário igual. 6.–No entanto, os Autores, a quem, de acordo com as regras da prova, competia fazer essa prova, não provaram nem alegaram a aludida desigualdade pois não individualizaram nem concretizaram as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu, por forma a aferir objetiva e efetivamente da igualdade de funções invocada. 7.–A matéria fáctica apurada e dada como provada, não permite retirar essa conclusão, muito menos que, com base nela, se construa toda uma decisão no sentido da igualdade remuneratória entre os enfermeiros Autores, a exercerem funções ao abrigo de contrato individual de trabalho e os outros enfermeiros que exercem funções nos serviços do Recorrente com contrato de trabalho em funções públicas. 8.–Colocando-se a questão da alegada desigualdade remuneratória apenas por referência à diferença de natureza jurídica dos vínculos em presença e da quantidade de horas trabalhadas, impõe-se avaliar se a alegada diferença remuneratória não será objetivamente atendível e legalmente justificada. 9.–Na realidade, o regime jurídico de trabalho em funções públicas contem normativos legais específicos respeitantes a formação e extinção do vínculo, garantias de imparcialidade, acumulação de funções, período experimental, mobilidade, férias, faltas e licenças, estatuto disciplinar, entre muitas outras. 10.– Estes normativos, densificadores dos princípios específicos aplicáveis ao exercício de funções públicas (prossecução do interesse público, legalidade, imparcialidade, responsabilidade, etc.) são próprios do exercício de funções públicas e conformam a respetiva prestação de trabalho. 11.–Assim, e apesar de existirem pontos comuns às duas carreiras (funções materialmente idênticas, progressão e formação idênticas) o conjunto de deveres e direitos dos enfermeiros em funções públicas é substancialmente distinto daquele que recai sobre os enfermeiros com contrato individual de trabalho. 12.–Esta diferenciação de regimes foi imposta pelo legislador e ignorá-la poderia ter múltiplos efeitos e distorções no sistema, desconsiderando, entre outras, as razões que estão na base da dualidade de regimes laborais no âmbito dos hospitais EPE com o objetivo de obter ganhos de eficiência e eficácia na respetiva gestão. 13.–Concluindo-se que a diferenciação de regimes e remuneração em causa não é materialmente infundada, antes existindo para a mesma um fundamento razoável, objetivo e racional. 14.–Dela não resultando a alegada violação do princípio do princípio trabalho igual, salário igual, ou qualquer outra inconstitucionalidade. 15.– A douta sentença recorrida, com todo o respeito, não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos e, consequentemente, não administrou boa justiça.
AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF. GGG, HHH e III Apelados no processo em epígrafe, apresentaram Contra-Alegações debatendo-se pela manutenção da sentença.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
*
Segue-se um breve resumo dos autos:
AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF. GGG, HHH e III intentaram a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra Centro Hospitalar Lisboa Norte EPE, pedindo que seja condenado a pagar-lhes as diferenças salariais (exceto aos 8ª, 9º e 10 AA) relativas ao vencimento e horas de qualidade no período entre Janeiro de 2013 e dezembro de 2015. Mais pede que seja condenada a R. a pagar as horas extra (5 horas por semana) de Julho de 2016 a Julho de 2018.
Para tanto alega, em síntese, que foram contratados pela R. para prestar serviço como enfermeiros com contrato individual de trabalho com um horário 40 horas semanais e que auferem €1.201,48, o mesmo valor que colegas seus que efetuam o mesmo trabalho mas que têm uma carga horária de 35 horas semanais.
Na prossecução dos autos a R. apresentou contestação, sustentando que inexistiu qualquer violação do princípio da igualdade pois existem diferenças entre os enfermeiros do sector público e os do sector privado a nível de impedimentos e incompatibilidades, pugnando por esse motivo que o trabalho a desempenhar também não é, por esse motivo, igual.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, em que todos os factos foram considerados assentes por acordo, anuindo as partes em que fosse proferida decisão com o enquadramento jurídico destes.
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência: a)-Condenou a R. a pagar aos AA. (com exceção do 8º, 9ª e 10ªAA) as diferenças salariais por força da violação do princípio da igualdade, relativa ao vencimento de horas de qualidade, de Janeiro de 2013 a Dezembro de 2015, face aos enfermeiros de contrato de trabalho na função pública; b)-Condenou a R. a pagar aos AA. a quantia mensal de €171,6 a título de diferenças salariais devidas por força da violação do princípio da igualdade relativas à diferença entre a retribuição devida e a paga nos anos de Agosto de 2016 a Junho de 2018.
Declarou que as mencionadas quantias são acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Foi subsequentemente, e na sequência de requerimento dos AA., proferido despacho a retificar a sentença, despacho esse que tem o seguinte conteúdo:
“No ponto 8 e 9 dos factos provados menciona-se o valor de €1021,48, quando na verdade o valor aceite pelas partes é €1201,48, como resulta aliás dos demais artigos provados. Donde se retifica a factualidade nesse sentido. A sentença tem uma omissão quanto à 10ªR. Sónia Patrícia Tomás, aditando-se a mesma no relatório (na condenação a mesma surge abrangida), e no facto assente em 10 onde se lê 1ªA deve ler-se 10A., lapso que se retifica, pois a 1ªA surge mencionada no ponto 1 do factos provados. Por outro lado dado que a alteração salarial foi efetuada em 1/10/2015, retifica-se o decisório condenando-se a pagar as diferenças salariais até 30/09/2015, posto que a 1/10/2015 estas deixaram de existir.”
Interposto recurso da sentença, foi proferida decisão sumária que decidiu ordenar a ampliação do acervo fático.
Já na 1ª instância, em sede de audiência de discussão e julgamento, realizou-se novo acordo quanto à matéria fática, vindo a ser proferida nova sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência: a)-Condenou a R. a pagar aos AA. (com exceção do 8º, 9ª e 10ªAA) as diferenças salariais por força da violação do princípio da igualdade, relativa ao vencimento de horas de qualidade, de Janeiro de 2013 a 30/9/2015, face aos enfermeiros de contrato de trabalho na função pública; b)-Condenou a R. a pagar aos AA. a quantia mensal de €171,6 a título de diferenças salariais devidas por força da violação do princípio da igualdade relativas à diferença entre a retribuição devida e a paga nos anos de Agosto de 2016 a Junho de 2018.
As mencionadas quantias são acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: 1ª-Os Autores, a quem, de acordo com as regras da prova, competia fazer essa prova, não provaram nem alegaram a aludida desigualdade pois não individualizaram nem concretizaram as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu, por forma a aferir objetiva e efetivamente da igualdade de funções invocada? 2ª-A diferenciação de regimes e remuneração em causa não é materialmente infundada, antes existindo para a mesma um fundamento razoável, objetivo e racional?
***
FUNDAMENTAÇÃO:
DE FACTO:
Factos Provados:
Em face do acordo da matéria de facto considero assentes os seguintes factos: 1.–A 1ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho a termo certo em 01 de Outubro de 2008, o qual foi objeto de renovação, tendo celebrado em 12 de Março de 2009, contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, exercendo ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo em Abril de 2013 a título de vencimento, o valor de 1.165,79€ (mil cento e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação (docs. n.ºs 1, 2 e 3); 2.– A 2.ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho a termo certo em 15 de Setembro 2008, o qual foi objeto de renovação, tendo celebrado em 15 de Março de 2009, contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, exercendo ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo em Abril de 2013 a título de vencimento, o valor de 1.165,79€ (mil cento e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 3.–A 3.ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho por tempo indeterminado em 14 de Outubro de 2009, exercendo desde essa data ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo em Março de 2013 a título de vencimento, o valor de 1.165,79€ (mil cento e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 4.–A 4.ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho a termo certo em 11 de Maio de 2006, o qual foi alterado para contrato individual de trabalho por tempo indeterminado em 06 de Junho de 2007, exercendo desde essa data ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo em Abril de 2013 a título de vencimento, o valor de 1.165,79€ (mil cento e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 5.–O 5.º A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho por tempo indeterminado em 06 de Janeiro de 2011, exercendo desde essa data ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo em Fevereiro de 2013 a título de vencimento, o valor de 1.165,79€ (mil cento e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 6.–A 6.ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho por tempo indeterminado em 10 de Agosto de 2009, exercendo desde essa data ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo em Março de 2013 a título de vencimento, o valor de 1.165,79€ (mil cento e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 7.–A 7.ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho a termo certo em 09 de Outubro de 2006, o qual foi objeto de renovação, tendo celebrado em 11 de Maio de 2007, contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, exercendo ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos auferindo em Março de 2013 a título de vencimento, o valor de 1.165,79€ (mil cento e setenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 8.–A 8.ª A. celebrou com o R. em 28 de abril de 2015 contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, e desde essa data que exerce ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais (8 horas diárias), em regime de turnos, auferindo a título de retribuição o valor mensal de 1.201,48 (mil e vinte e um euros e quarenta e oito cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 9.–A 9.ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho por tempo indeterminado em 10 de Julho de 2015, exercendo desde essa data ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo a título de vencimento, o valor de 1.201,48 (mil e vinte e um euros e quarenta e oito cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 10.–A 10ª A. celebrou com o R. contrato individual de trabalho por tempo indeterminado em 28 de abril de 2015, exercendo desde essa data ininterruptamente as funções de enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, num horário de 40 horas semanais, em regime de turnos, auferindo a título de vencimento, o valor de 1.201,48€ (mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos), acrescido de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) de subsídio de alimentação; 11.–O R. é uma pessoa coletiva de direito público, com natureza de entidade pública empresarial, criada pelo D.L. 27/2009, de 27 de Janeiro e submetida aos estatutos, constantes do Anexo II do D.L. n.º 233/2005, de 29 de Dezembro; 12.–Enquanto E.P.E, o R. tem enfermeiros que laboram em regime de contrato individual de trabalho (CIT) e enfermeiros a laborar em regime de contrato de trabalho em funções públicas (RCTFP); 13.–Em 01 de Janeiro de 2013 houve lugar a um reposicionamento remuneratório dos enfermeiros que culminou com a colocação dos enfermeiros em RCTFP anteriormente posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro na primeira posição remuneratória da nova categoria, que, correspondendo ao nível 15 da tabela remuneratória única (constante do anexo à Portaria nº 1553-C/2008, de 31 de Dezembro), se traduz numa remuneração de 1.201,48 € (mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos); 14.–Os AA. laboravam 40 horas semanais, com os vencimentos base supra referidos e em cujo valor já se encontravam incluídas as 5 horas semanais que laboravam a mais do que os seus colegas com contrato de trabalho em funções públicas; 15.–Os enfermeiros que trabalham na Ré com contrato de trabalho em função pública e que têm um horário de 35 horas, auferem mensalmente a remuneração de € 1.201,48; 16.–Os enfermeiros que trabalham na Ré com contrato de trabalho em função pública sempre tiveram um horário de 35 horas, exceto de Setembro de 2013 a Julho de 2016, altura em que tiveram um horário de 40 horas semanais, mas auferiram sempre a mesma remuneração mensal; 17.–Até 30-09-2015, os Autores auferiram de retribuição mensal pelas 40 horas de trabalho semanal a retribuição de € 1.165,79 e a partir de 01-10-2015 auferiram a quantia de € 1.201,48, em virtude da entrada em vigor do ACT; 18.–As Autoras passaram ao horário semanal de 35 horas a partir de 01-07-2018. 19.–As AA. prestavam exatamente o mesmo tipo de cuidados diretos aos doentes que os demais enfermeiros da Ré.
***
O DIREITO:
A 1ª questão a que importa responder prende-se com a insuficiência da matéria de facto. Questão que já abordámos na decisão sumária conducente à determinação da ampliação respetiva. Ponderou-se, então:
“Invoca o Apelante que os Autores, a quem, de acordo com as regras da prova, competia fazer essa prova, não provaram nem alegaram a aludida desigualdade pois não individualizaram nem concretizaram as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu, por forma a aferir objetiva e efetivamente da igualdade de funções invocada.
A sentença focou-se na análise de duas questões, a saber: 1.–Prova-se que os AA. trabalham 40 horas semanais, em regime de contrato individual de trabalho e auferem o mesmo que os colegas com a mesma categoria e funções que, igualmente em regime de contrato individual de trabalho, trabalham menos horas, ou seja 35 horas. 2.–Prova-se ainda que os A.A. em 2013 auferiam um valor inferior aos colegas, com a mesma categoria e funções, mas a desempenhar funções no regime de trabalho em funções públicas mas que trabalhavam menos horas que ele.
E abordou tais questões com enfoque na violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de “a trabalho igual, salário igual”.
Ponderou-se que “De acordo com as regras do ónus de alegação e prova, é ao trabalhador, ora A., que cabe alegar e provar os factos que permitam concluir que o seu trabalho é igual em quantidade, qualidade e natureza aos trabalhadores a que se compara e a cuja retribuição pretende ser equiparado, já que são esses os factos constitutivos do direito que se arroga”. Prossegue, afirmando que “cremos que em causa está sobretudo analisar as funções desempenhadas, a quantidade, qualidade e responsabilidade inerente e tentar estabelecer critérios de igualdade para poder então constatar se o trabalho efetivamente prestado é igual entre o trabalho prestado como enfermeiro na função pública e o dos AA. com contrato individual de trabalho.”
Continuando na sua análise a sentença consigna ainda: “prova-se que a R. paga com o mesmo valor situações absolutamente iguais: de enfermeiros com contrato individual de trabalho com uma carga semanal de 35 horas e com uma carga semanal como os AA. de 40 horas. E esta última situação é claramente demonstrativa de uma discriminação e de uma violação do princípio da igualdade. De salientar como ponto prévio que nunca foi alegado ou provado que as funções exercidas por uns e outros sejam de algum modo diferentes na sua natureza ou qualidade. Só na quantidade, superior, dos AA..”
Desta argumentação resulta que não é apenas o princípio acima mencionado que está em causa. Antes o que a sentença constatou foi uma violação clara do princípio da igualdade por existirem trabalhadores enfermeiros a realizar 40 horas semanais ganhando menos do que aqueles que perfazem 35 horas semanais, concluindo que “tal é um modo claro de discriminação”.
Pretende o Apelante que os AA. não provaram nem alegaram a aludida desigualdade pois não individualizaram nem concretizaram as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu.
Alegou-se na petição inicial e não foi refletido na matéria de facto que:
Artº 35º
Os AA. e os trabalhadores em RCTFP, tinham a mesma categoria profissional, exerciam a mesma atividade, porquanto prestavam exatamente o mesmo tipo de cuidados diretos aos doentes, recebiam o mesmo vencimento, no entanto, trabalhavam mais 5 horas por semana, as quais não lhes foram pagas…
Esta matéria, impugnada na contestação, afigura-se-nos como relevante para a decisão da causa, pois, tratando-se de apurar a efetiva desigualdade é absolutamente relevante aquilatar da mesma através das funções concretamente exercidas.
Verificada a ata de audiência de discussão e julgamento constatamos que, embora tendo sido realizado acordo quanto à matéria de facto, não se prescindiu de qualquer prova.
A matéria que enforma o referido Artº 35º da PI configura-se como essencial à decisão, conforme, aliás, a apelação denota ao argumentar-se sobre a necessidade de concretização das situações funcionais. Razão pela qual é essencial a ampliação da matéria de facto com decisão sobre aquele concreto ponto de facto.
Verificando-se, em presença da apelação, a necessidade de ampliação do acervo fático, decide-se, ao abrigo do disposto no Artº 662º/2-c) do CPC, anular a sentença de modo a que se conheça daquele ponto de facto. Com observância do disposto no Artº 663º/3-c) do CPC.”
Na sequência desta decisão, ambas as partes consignaram o respetivo acordo em matéria fática vindo a aditar-se à sentença o ponto de facto 19, assumindo-se, em ata, “que a mais factualidade deste Artº (35º) já se encontra nos factos assentes”.
Reconheceram, pois, ambas, que as AA. prestavam exatamente o mesmo tipo de cuidados diretos aos doentes que os demais enfermeiros da Ré.
Com tal reconhecimento consideramos ultrapassada esta insuficiência fática porquanto se mostra provada a aludida desigualdade, sendo, em face do acervo assim acordado, dispensável individualizar ou concretizar as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu. Está assumido por ambas as partes que as AA., efetuavam exatamente o mesmo tipo de cuidados que os demais, tinham a mesma categoria profissional e trabalhavam mais 5 horas por semana, ganhando menos.
De notar que não foi invocado qualquer dos fatores de discriminação consignados no Artº 24º/1 do CT, circunstância que imporia a quem os alegasse indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado conforme Artº 25º/5.
Improcede, assim, a questão em apreciação, sem prejuízo de voltarmos à insuficiência, agora por força da necessidade de concretização dos pressupostos que enformam o princípio, também invocado, “a trabalho igual, salário igual”.
*
Passamos a analisar a 2ª questão - A diferenciação de regimes e remuneração em causa não é materialmente infundada, antes existindo para a mesma um fundamento razoável, objetivo e racional?
Conforme exposto acima a sentença: a)-Condenou a R. a pagar aos AA. (com exceção do 8º, 9ª e 10ªAA) as diferenças salariais por força da violação do princípio da igualdade, relativa ao vencimento de horas de qualidade, de Janeiro de 2013 a Dezembro de 2015, face aos enfermeiros de contrato de trabalho na função pública; b)-Condenou a R. a pagar aos AA. a quantia mensal de €171,6 a título de diferenças salariais devidas por força da violação do princípio da igualdade relativas à diferença entre a retribuição devida e a paga nos anos de Agosto de 2016 a Junho de 2018.
Os Recorridos na ação, reclamam o direito à remuneração base de 1201,48€ paga as colegas em regime de função pública, porquanto (excluindo o 7º, 8º e 9º Autor) exerceram funções nos serviços do Recorrente ao abrigo de contrato individual de trabalho, com um horário de 40 horas, mantendo a situação remuneratória correspondente a €1165,79 até outubro de 2015 (data em que entrou em vigor o ACT aplicável).
Por outro lado, em diferente período temporal (de agosto de 2016 a Junho de 2018) os Recorridos, apesar de prestarem 40 horas semanais de trabalho, auferiram o mesmo vencimento-base que os enfermeiros em funções públicas que exerciam as suas funções no âmbito de horário de 35 horas semanais.
Argumenta o Apelante que colocando-se a questão da alegada desigualdade remuneratória apenas por referência à diferença de natureza jurídica dos vínculos em presença e da quantidade de horas trabalhadas, impõe-se avaliar se a alegada diferença remuneratória não será objetivamente atendível e legalmente justificada. E defende que o regime jurídico de trabalho em funções públicas contem normativos legais específicos respeitantes a formação e extinção do vínculo, garantias de imparcialidade, acumulação de funções, período experimental, mobilidade, férias, faltas e licenças, estatuto disciplinar, entre muitas outras. Estes normativos, densificadores dos princípios específicos aplicáveis ao exercício de funções públicas (prossecução do interesse público, legalidade, imparcialidade, responsabilidade, etc.) são próprios do exercício de funções públicas e conformam a respetiva prestação de trabalho. Assim, e apesar de existirem pontos comuns às duas carreiras (funções materialmente idênticas, progressão e formação idênticas) o conjunto de deveres e direitos dos enfermeiros em funções públicas é substancialmente distinto daquele que recai sobre os enfermeiros com contrato individual de trabalho. Esta diferenciação de regimes foi imposta pelo legislador e ignorá-la poderia ter múltiplos efeitos e distorções no sistema, desconsiderando, entre outras, as razões que estão na base da dualidade de regimes laborais no âmbito dos hospitais EPE com o objetivo de obter ganhos de eficiência e eficácia na respetiva gestão.
Contrapõem as Apeladas que independentemente do vínculo contratual, não pode ser esquecido pelo Apelante que os Apelados, apesar de estarem em regime de contrato individual de trabalho, desempenham as mesmas funções dos seus colegas em regime de contrato de trabalho em funções públicas, não podendo descurar que a natureza, qualidade e quantidade do trabalho desempenhado por ambos os enfermeiros é a mesma. E se a natureza, qualidade e quantidade das funções é a mesma, então não pode haver desigualdade remuneratória entre os vários enfermeiros cuja diferença assenta no vínculo contratual com o Apelante. Portanto estão a ser observadas meramente diferenças burocráticas/administrativas e que em nada devem afetar os trabalhadores, que não têm funções ou formação distintas entre eles até porque na deslocação de qualquer utente a um Hospital é do conhecimento generalizado dos cidadãos, que as tarefas desempenhadas por qualquer enfermeiro são as mesmas, sendo certo que o utente jamais se apercebe de qual o vínculo contratual do profissional que o assiste. Os Apelados exercem as funções de enfermeiros em cuidados diretos aos doentes exatamente iguais às que são desempenhadas, também para o Apelante, pelos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, em qualidade, natureza e quantidade. A prestação de trabalho dos Apelados relativamente à dos demais enfermeiros vinculados ao Apelante por contrato de trabalho em funções públicas desenvolve-se em condições de igualdade quanto à natureza, ou seja, a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, qualidade, ou seja, a mesma responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, quantidade, ou seja, a mesma duração (que no caso concreto e ao longo de dois anos se verificou superior por parte dos Apelados) e intensidade, o que deveria determinar igualdade de retribuição.
Refletiu-se na sentença que:
“Como refere Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., pág. 447, «o sentido geral do princípio é este: uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização (ou seja, sob as ordens de uma mesma entidade empregadora) ocupem postos de trabalho iguais, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica quantidade (duração). Por outras palavras: salário igual em paridade de funções, o que implica, simultaneamente, identidade de natureza da atividade e igualdade do tempo de trabalho. Assim, a retribuição aparece diretamente conexionada à posição funcional do trabalhador na organização: o modo por que ele se insere na concreta organização de meios através da qual a empresa funciona confere-lhe um certo posicionamento relativo na escala de salários.» Isto significa que para trabalho igual, para este efeito, será o que for prestado na mesma quantidade, ou seja, com a mesma duração, seja da mesma natureza, isto é, com a mesma ou idêntica dificuldade ou penosidade e perigosidade; e que seja da mesma qualidade, isto é, que exija as mesmas ou equivalentes habilitações profissionais, envolvendo um idêntico grau de responsabilidade. …cumpre mencionar o acórdão do tribunal constitucional nº 313/89, de 9/3/89 no qual se refere que aquele princípio proíbe as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objetivos então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias. Posto o que afirmamos cremos que em causa está sobretudo analisar as funções desempenhadas, a quantidade, qualidade e responsabilidade inerente e tentar estabelecer critérios de igualdade para poder então constatar se o trabalho efetivamente prestado é igual entre o trabalho prestado como enfermeiro na função publica e o dos AA. com contrato individual de trabalho. Mas note-se. Para além da eventual diferença que possa resultar (ou não) do desempenho de funções de enfermeiro em regime de contrato individual de trabalho e em regime de trabalho em funções públicas, prova-se que a R. paga com o mesmo valor situações absolutamente iguais: de enfermeiros com contrato individual de trabalho com uma carga semanal de 35 horas e com uma carga semanal como os AA. de 40 horas. E esta última situação é claramente demonstrativa de uma discriminação e de uma violação do princípio da igualdade. De salientar que se provou após a ampliação da matéria de facto que as funções exercidas por uns e outros são iguais na sua natureza ou qualidade existindo uma diferença na quantidade, superior, dos A.A.. … Ora, é sabido (não obstante sempre citamos as palavras do acórdão do STJ 14/12/2016, in dgsi.pt) que “o princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes”. E o que se prova é que o trabalho é de facto igual em natureza e qualidade quanto aos enfermeiros do sector privado, tal como os próprios AA., em maior quantidade quanto a este, e nenhum motivo, nenhum fundamento objetivo existe para que seja pago de forma discriminatória. … Na presente ação prova-se mais do que o exposto. Prova-se que desde 2013 que a R. paga aos enfermeiros do regime da função pública, com uma carga horária inferior à das A.A., de 35 horas semanais, o mesmo valor que lhe paga a ele que exerce o seu trabalho em regime de contrato individual de trabalho mas em 40 horas semanais. E aqui a situação não é tão linear pois a identidade de situações não é total. Vejamos. E aqui cumpre ponderar o que tem decidido o tribunal constitucional a este respeito (veja-se os acórdãos 313/89, de 303/90) no sentido de não se tratar de uma igualdade formal e uniformizadora mas sim de proibir que se pague de maneira diferente sem justificação e fundamento material bastante. No caso em apreço não se discute que as funções concretamente exercidas pelos A.A. sejam materialmente distintas das dos demais enfermeiros que as exercem embora em regime da função pública (pois sabemos que assim não sucede). Em causa está apenas saber se o diferente regime jurídico de uma e outra situação tem por si mesmo distintas repercussões no trabalho a ponto de permitir um tratamento diferenciado dos dois trabalhadores, dos que exercem funções em contrato individual de trabalho e dos que o fazem em regime de função pública que possa justificar diferenças remuneratórias. E aqui acompanhamos o que foi dito em situação exatamente idêntica pelo douto acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 17/5/2017, no âmbito do processo 10032/16.1T9LSB deste tribunal de trabalho de Lisboa. “Os dados factuais de que dispomos de forma alguma permitem afirmar que o modo de prestação de atividade de enfermeiro divirja, no que quer que seja, do modo de prestação da mesma atividade pelos enfermeiros vinculados por contrato de trabalho em funções públicas, embora seja inequívoco que estejam sujeitos a regimes jurídicos distintos”. E apesar dos constrangimentos a que se encontram sujeitos os enfermeiros na função pública serem mais apertados, acompanhamos o douto acórdão supra referido, e não nos parece que tal seja suficiente para justificar a diferenciação salarial, pois se assim fosse não se justificaria que desde 1 de outubro de 2015 sejam aplicados os mesmos índices remuneratórios a uns e outros enfermeiros, por força do DL 122/2010. E a própria R. atualmente paga a todos os seus enfermeiros o mesmo valor, e todos têm o mesmo horário. … A única diferença existente entre o trabalho prestado pelas A.A. e os colegas remunerados inicialmente de forma superior à sua, apenas por estarem em regime de trabalho em funções públicas era precisamente um diferente enquadramento jurídico do seu contrato de trabalho. Mas materialmente o trabalho desenvolvido era o mesmo na sua natureza, qualidade e quantidade (sendo aliás em quantidade superior o desenvolvido pelas A.A.). E nessa medida, por esse fundamento que deixámos expresso assiste direito às AA. a receber as diferenças retributivas entre a remuneração que lhe foi fixada supra como sendo devida, de mais €171,6 mensais, que é devido no período de Agosto de 2016 a Julho de 2018, pois os demais enfermeiros trabalharam de setembro de 2013 até Julho de 2016, 40 horas semanais.”
Esta (longa) transcrição tem por objetivo revelar que a sentença equacionou as diversas posições em confronto.
Afigura-se-nos que acertadamente.
Em causa o princípio “a trabalho igual, salário igual”. Princípio com assento constitucional (Artº 59º/1-a) da CRP) e com desenvolvimento infra constitucional no Artº 270º do CT.
Dispõe-se aqui que na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual, salário igual.
Quando se fala em condições de igualdade salarial quanto à natureza compreende-se a dificuldade, penosidade e perigosidade do trabalho; quanto à qualidade, o grau de responsabilização, de exigência técnica, de conhecimento, capacidade, prática, experiência…; e no que se refere á quantidade, o conceito abrange a duração e intensidade do trabalho prestado.
Um princípio que se reporta à paridade funcional, sendo dela que se deve partir para equacionar a respetiva violação.
Monteiro Fernandes assim o vem ensinando: “o sentido geral do princípio é este: uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização (ou seja, sob as ordens de uma mesma entidade empregadora) ocupem postos de trabalho iguais, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica quantidade (duração). Por outras palavras: salário igual em paridade de funções, o que implica, simultaneamente, identidade de natureza da atividade e igualdade do tempo de trabalho. Assim, a retribuição aparece diretamente conexionada à posição funcional do trabalhador na organização: o modo por que ele se insere na concreta organização de meios através da qual a empresa funciona confere-lhe um certo posicionamento relativo na escala de salários” (Direito do Trabalho, 13.ª Ed., 447).
Maria do Rosário Palma Ramalho salienta que “a aplicação deste princípio passa pela conjugação de várias ideias-chave: a afinação dos critérios de avaliação de funções, que permitem qualificá-las como “trabalho igual” ou “trabalho de valor igual”; a afinação do conceito de remuneração a ter em conta para este efeito; a aplicação precisa dos conceitos de discriminação direta e indireta; e a definição rigorosa das justificações objetivas para o tratamento remuneratório diferenciado, uma vez que apenas estas são admissíveis” (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 6ª Ed., Almedina, 518).
A alegação do Apelante centra-se exatamente na invocação das ditas justificações objetivas. No caso, os distintos regimes jurídicos aplicáveis à contratação.
E efetivamente são distintos. Como bem lembra o Ministério Público no seu parecer, e citamos, “os autores, e os demais colegas enfermeiros contratados em regime de contrato individual de trabalho, exercem funções como enfermeiros e prestam o seu trabalho no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, EPE, ao abrigo das normas previstas no seu contrato de trabalho, nas convenções coletivas de trabalho e no Código do Trabalho, situação que não se confunde com a contratação pública.
Com efeito, dispunha o art.º 14.º, n.1, do DL 233/2005, de 29-12 que:
“1–Os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.”
E, com a redação dada pelo art.º 19.º do DL 176/2009, de 04-08:
“1-Os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, bem como ao regime disposto em diplomas que definam o regime legal de carreira de profissões da saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.”
Por sua vez, o art.º 27.º, n.º 1, DL n.º 18/2017, de 10 de Fevereiro (regula o Regime Jurídico e os Estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de Entidades Públicas Empresariais, bem como as integradas no Setor Público Administrativo), que revogou e substituiu o art.º 14.º do DL 233/2005, tem a seguinte redação:
“1-Os trabalhadores das E. P. E., integradas no SNS estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, bem como ao regime constante dos diplomas que definem o regime legal de carreira de profissões da saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.”
Acresce, ainda, que o Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22/09 veio definir o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros vinculados em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnica.
E o art.º 13.º deste diploma dispõe que: “As posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem são fixadas em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.”
Diversamente, no que respeita à administração pública, isto é, aos enfermeiros em regime de contrato de trabalho em funções públicas, o legislador através do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/09, regulou a respetiva carreira especial de enfermagem, enquanto carreira especial da Administração Pública. O regime desta carreira especial de enfermagem carateriza-se pela atribuição ao trabalhador de uma situação estatutária e regulamentar própria, aplicável a todos os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas. Nos termos do disposto nos artigos 14.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, os níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias que integram a carreira especial de enfermagem no sector público - enfermeiro e enfermeiro principal – são identificados e efetuados em diploma próprio.
Ora, esse diploma é o Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, o qual veio estabelecer, por categoria, o número de posições remuneratórias da carreira especial de enfermagem, bem como identificar os correspondentes níveis salariais.
Nesta sequência, dispõe o art.º 5º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 122/2010 que “sem prejuízo do disposto no número anterior, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os posicionados no escalão 1 da categoria de enfermeiro graduado, mantêm o direito à remuneração base que vêm auferindo, sendo reposicionados na primeira posição remuneratória da tabela remuneratória constante do anexo ao presente diploma, nos seguintes termos: a)-A 1 de Janeiro de 2011, os enfermeiros graduados com avaliação positiva que, pelo menos, desde 2004, se encontrassem posicionados no escalão 1 daquela categoria; b)-A 1 de Janeiro de 2012, os restantes enfermeiros graduados com avaliação positiva; c)-A 1 de Janeiro de 2013, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os enfermeiros graduados que não tenham sido abrangidos pelas alíneas anteriores.”
Por via do reposicionamento remuneratório previsto no nº 2 al. c) do art.º 5º do Decreto-Lei 122/2010, de 11 de novembro, os enfermeiros em regime de contrato de trabalho em funções públicas (que ainda não tinham sido reposicionados por força das alíneas a) e b) do art.º 5º do mesmo diploma) passaram a auferir 1.201,48 € por mês, a partir de 01.01.2013.
Ora, do confronto entre o disposto no Decreto-Lei 122/2010 e no Decreto-Lei n.º 248/2009 com o consagrado no Decreto-Lei n.º 247/2009, resulta de forma inequívoca que o referido reposicionamento remuneratório (previsto no nº 2 do art.º 5º do Decreto-Lei 122/2010, de 11 de novembro) visou apenas e tão só abranger os enfermeiros em regime de contrato de trabalho em funções públicas, excluindo da sua aplicação os enfermeiros com vínculo de natureza privada. Com efeito, dispõe o art.º 1º do Decreto-Lei 122/2010 que o objeto desse decreto-lei abrange apenas as posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem (da função pública). Tal interpretação é corroborada pelo próprio preâmbulo do referido Decreto-Lei 122/2010, no qual se pode ler que “o Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro, definiu o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os requisitos de habilitação profissional, relativamente aos enfermeiros com relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas. Nos termos dos seus artigos 14.º e 15.º, os níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias que integram a carreira especial de enfermagem - enfermeiro e enfermeiro principal - são identificados por diploma próprio. Assim, e em conformidade com os princípios e regras consagrados na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o presente decreto-lei estabelece, por categoria, o número de posições remuneratórias da carreira especial de enfermagem, bem como identifica os correspondentes níveis remuneratórios”.
Por sua vez, o art.º 13º do Decreto-Lei n.º 247/2009 (diploma especifico que regula o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde), estabelece, como acima se disse, que as posições remuneratórias e as remunerações dos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho são fixadas em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.”
Também concordamos com o Apelante quando lembra que são distintos os regimes de vinculação e, por via deles, diferentes também alguns direitos e garantias[1].
Contudo, conforme salientado no Ac. desta RLx. de 27/04/2022, Proc.º 7848/20.8T8LSB-L1-4[2], “ pese embora os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, sejam integrados naquilo que o legislador apelida de carreira especial, o essencial dessa carreira e do que integra a sua estrutura, constitui uma réplica do que se encontra previsto para a carreira dos enfermeiros com contrato individual de trabalho.
…
Nos dois regimes, apenas não existe paralelismo no que se refere à matéria da remuneração que, segundo o DL 247/2009, é fixada em “instrumento de regulamentação coletiva de trabalho” (art.º 13.º) e no DL 248/2009, em “diploma próprio”, o DL 122/2010, de 11-11 (art.º 14.º), para além do período normal de trabalho ser de 35 horas semanais para os enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem (art.º 17.º do DL 248/2009), e de 40 horas semanais para os enfermeiros com contrato individual de trabalho (art.º 203.º n.º 1, do Código do Trabalho). Isto sem prejuízo do previsto na Lei 35/2014, de 20 de junho (Lei do Contrato de Trabalho em Funções Públicas), nomeadamente no que concerne a férias (art.º 126.º) e faltas (art.º 133.º a 135.º) para os trabalhadores da administração pública – e que não altera o conteúdo funcional das categorias de enfermeiros em questão. Sendo certo, para além do mais, que é a própria Lei 35/2014, a determinar a aplicação do Código de Trabalho ao vínculo de emprego público, num conjunto alargado de matérias (art.º 4.º), também daqui resultando a similitude e circularidade de regimes.
Nesse contexto legal, para a economia da presente decisão, entre uns e outros trabalhadores, pese embora se verifique diferente natureza jurídica (formal) dos vínculos em questão, não existe diversidade de conteúdos funcionais[3].”
Ora, diremos nós, o mote decisório no caso sub-júdice situa-se exatamente e apenas ao nível funcional.
É inequívoco que o conteúdo funcional da categoria de enfermeiro é, para ambos os regimes, exatamente o mesmo – confrontem-se os respetivos Artº 9º dos DL 247/2009 e 248/2009.
É inequívoco que por força do disposto no DL 247/2009 a remuneração dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho é fixada por IRC e em presença do DL 249/2009 as remunerações dos trabalhadores funcionários públicos depende de estatuição em diploma legal (que, no caso, foi o DL 122/2010 que fixou a remuneração mensal em 1.201,48€).
Resulta do acervo fático que em 01 de Janeiro de 2013 houve lugar a um reposicionamento remuneratório dos enfermeiros que culminou com a colocação dos enfermeiros em RCTFP anteriormente posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro na primeira posição remuneratória da nova categoria, que, correspondendo ao nível 15 da tabela remuneratória única (constante do anexo à Portaria nº 1553-C/2008, de 31 de Dezembro), se traduz numa remuneração de 1.201,48 €. Os AA. laboravam 40 horas semanais, com os vencimentos base de 1.165,79€.
Ou seja, trabalhavam mais 5 horas semanais do que os respetivos colegas sujeitos ao regime de contratação pública e ganhavam menos.
Tendo, a partir de 01-10-2015 passado a auferir a quantia de € 1.201,48, em virtude da entrada em vigor do ACT, o respetivo período normal de trabalho apenas em 1/07/2018 passou a ser de 35 horas. Significa isto que a necessidade de igualar as carreiras, também do ponto de vista remuneratório e do da medida do período normal de trabalho foi absolutamente reconhecida em 1/07/2018. A partir daqui deixou de ser importante o regime jurídico de contratação que se invoca como sendo justificativo da diferenciação.
Pergunta-se: o que mudou?
Sabendo nós que a CRP acautela e protege a igualdade salarial quando exista paridade funcional, e sabendo nós que os trabalhadores contratados em regime de contrato individual de trabalho ficam sujeitas às normas do Código do Trabalho – entre as quais o Artº 270º- então a aplicação da distinção remuneratória em função do regime legal subjacente à contratação tem de ter-se como discriminatória e violadora da CRP. Ou seja, interpretando os regimes jurídicos em presença permitindo que deles possa decorrer uma diferenciação salarial que não encontra respaldo ao nível das funções concretamente exigidas, compreendendo-se aqui a dificuldade, penosidade e perigosidade do trabalho, o grau de responsabilização, de exigência técnica, de conhecimento, capacidade, prática, experiência, bem como a intensidade do trabalho prestado, só poderemos concluir que uma tal interpretação é contrária à CRP.
Tal como se decidiu no Ac. desta RLx. de 4/06/2014, Proc.º 3424/14.4TTLSB.L1-4 a diferenciação retributiva decorrente da qualidade de funcionário público relativamente a outros, “(…), não tendo o fator em apreço qualquer influência na quantidade, natureza e qualidade do trabalho, o principio da igualdade de tratamento determinante de que o trabalho igual, salário igual, na mencionada vertente positiva, exige da ré uma atitude ativa de equiparação substantiva dos seus Educadores de Infância em matéria retributiva, e, por inerência, em matéria de promoção profissional derivada do aludido diploma legal”. Ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-05-2017, Proc. n.º 10032/16.1T8LSB.L1-4, no qual consta: “Coexistindo num hospital EPE (pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial) pessoal de enfermagem sujeito ao regime do contrato individual de trabalho comum, ou seja de acordo com o Código do Trabalho, com outro da mesma profissão sujeito a contrato de trabalho em funções públicas, embora o reposicionamento remuneratório das categorias da carreira especial de enfermagem efetuada pelo DL n.º 122/2010 de 11/11, concluído em 1/1/2013, seja aplicável apenas aos enfermeiros com vínculo de emprego público, se assente que o trabalho exercido por uns e por outros ao mesmo empregador é igual em qualidade, natureza e quantidade, impõe-se, por aplicação direta do princípio “a trabalho igual, salário igual”, que sejam pagas àqueles (sujeitos a contrato de trabalho comum) remunerações idênticas às que são pagas a estes (sujeitos a CTFP).”[4]
Ou seja, a valorização a efetuar nesta avaliação é a das funções efetivamente exercidas; não o regime jurídico subjacente às contratações. Funções que, conforme já dito, a própria lei não distingue, isto é, resulta da lei que os conteúdos funcionais em ambas as carreiras são os mesmos. Com o que se não subscreve o decidido pelo TC no Ac. n.º 131/2018, de 13-03-2018, aliás contrariado pela materialidade fática apurada nestes autos: “para efeitos de aplicação do princípio trabalho igual, salário igual, há que determinar se o trabalho em causa é, efetivamente, igual e que, por regra, não é igual (por natureza) o trabalho prestado ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas, face ao trabalho prestado ao abrigo de um contrato individual de trabalho”.
Tendo as partes aqui em litígio reconhecido expressamente, e depois de ter sido suscitada insuficiência fática[5], que as AA. prestavam exatamente o mesmo tipo de cuidados diretos aos doentes que os demais enfermeiros da Ré, não há como sustentar diferenciação funcional. Não se vendo razão para, em presença da demais factualidade, designadamente da retribuição auferida e do número de horas a que as prestações se sujeitavam, não nos considerarmos esclarecidos quanto à similitude da qualidade e quantidade do trabalho prestado, aliás, não postas em causa[6] e legalmente assumidas. E, assim, deve reconhecer-se o direito reclamado.
Termos em que improcede a apelação e se confirma a sentença.
<>
As custas da presente apelação constituem encargo do Apelante (Artº 527º do CPC).
*
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
Lisboa, 2023-09-27
MANUELA FIALHO ALBERTINA PEREIRA
MARIA JOSÉ COSTA PINTO
(Vencida, com os fundamentos exarados nos Acórdãos da Relação de Lisboa enunciados na nota 5 do presente aresto, de que fui relatora)
[1]O mesmo acontecendo aliás, entre trabalhadores contratados a tempo indeterminado e a termo. E, nem por isso, uns e outros podem estar sujeitos a uma distinta remuneração do mesmo trabalho [2]Relatado pela ora 1ª Adjunta, onde também se reflete: “Assim resulta, com efeito, do que se dispõe, em ambos diplomas, nos artigos 3.º (natureza do nível habilitacional), 4.º (qualificação de enfermagem), 5.º (utilização do título), 6.º (áreas de exercício profissional), 7.º (categorias), 8.º (deveres funcionais), 9.º (conteúdo funcional da categoria de enfermeiro), 10.º (conteúdo funcional da categoria de enfermeiro principal), sendo também idêntica a redação do art.º 11.º (Condições de Admissão) do DL 247/2009 e do art.º 14.º do DL 248/2009, o mesmo sucedendo com a redação do art.º 14.º (Reconhecimento de títulos e categorias) do DL 247/2009 e do art.º 16.º do DL 248/2009.” [3]Sublinhado nosso [4]Em sentido oposto os Ac. desta RLx. de 29/09/2021, Procº 5126/20.1T8LSB.L1-4 e de 13/10/2021 e 24/11/2021, respetivamente, nos Proc.º n.º 5758/20.8T8LSB.L1 e 652/20.5T8LSB.L1, relatados pela ora 2ª Adjunta [5]Circunstância que sustenta a diferenciação entre a posição aqui tomada e a exarada pela ora Relatora no âmbito dos Ac. prolatados em 13/10/2021 e 24/11/2021, respetivamente nos Proc.º n.º 5758/20.8T8LSB.L1 e 652/20.5T8LSB.L1, relatados pela ora 2ª Adjunta [6]Também deste ponto de vista revendo aquela posição