CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
PACTO COMISSÓRIO
NULIDADE DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Sumário


I - A locação financeira na modalidade restitutiva (sale and lease back), é admissível à luz do DL nº 149/95 de 224.06, que contém o regime jurídico do contrato de locação financeira;
II – A locação financeira restitutiva é compatível com o princípio da proibição do pacto comissório, prevista no art. 694º do Cód. Civil.
III – Tendo o autor celebrado com uma instituição financeira dois contratos de locação financeira sucessivos sobre o mesmo imóvel, que vigoraram por mais de 10 anos, a invocação da nulidade do primeiro dos contratos, por pretensamente encerrar um pacto comissório, cinco anos depois do locador ter resolvido o contrato por incumprimento, consubstancia um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, separado judicialmente, e BB, Interveniente (admitida nos autos e que fez seus o articulado do A.), intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra:

1. Montepio Investimentos, S.A. (anteriormente denominada FINIBANCO, S.A.);

2. Caixa Económica Montepio Geral, SA, com sede na Rua Áurea, nºs 219 a 241 - 1100-062 -Lisboa;

3. Sociedade de Empreendimentos Turísticos Central de Matosinhos, Lda, com sede na Rua Brito Capelo, 167, Matosinhos, pedindo que a presente ação seja julgada provada e procedente e por via disso:

1. Ser declarado nulo o contrato de compra e venda do imóvel descrito no artº 1º da petição inicial, formalizado na escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de ... em 18 de Novembro de 2002, bem como, os contratos de locação financeira que na sua base foram celebrados.

Consequentemente;

2. Serem as Rés condenadas a restituírem o imóvel descrito no artº 1º da petição inicial, livre de pessoas e bens.

3. Ser a 1ª Ré condenada a restituir a quantia de 52.120,80€, correspondente ao valor do Imposto Municipal de SISA acrescidos dos juros e encargos suportados pelo Autor, com juros à taxa legal a contar da citação.

Sem prescindir e por mera cautela;

4. Ser a 1ª Ré condenada a pagar ao Autor e a sua ex-esposa, nos termos do enriquecimento sem causa, a quantia de 180.000,00€ com juros à taxa legal a contar da citação.

Para tanto, e em suma, o A. alega que o contrato de compra e venda e os contratos de leasing enfermam de nulidade, por fraude à lei, quanto à proibição de pacto comissório, por entender que os mesmos correspondem a “mútuos encapotados”, sendo que em consequência dos mesmos, a 1ª R conseguiu vantagem de fazer seu o bem onerado, ao arrepio da lei, o que configura um puro pacto comissório, proibido nos termos do disposto no Art. 694º do CC, constituindo fraude à lei conducente à nulidade daqueles contratos, ao abrigo do Art. 294º do C.C..

Os RR contestaram entendendo a 2ª Ré que a invalidade invocada pelos AA. não lhe é oponível, por aplicação do disposto nos Art.s 291º do C.C. e 17º, nº 2 do C.R.P., pelo que a acção deve improceder e eles absolvidos dos pedidos.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente com a consequente absolvição dos RR dos pedidos.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de revista per saltum para o STJ, no qual formula as seguintes conclusões:

1ª. É nula a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir- artigo 694º do C. Civil;

2ª. A proibição estatuída no artigo 694º do C. Civil estende-se a todos os esquemas negociais por via dos quais se vise alcançar, ou se alcance, por via indirecta, o mesmo resultado (fim) proibido por lei.

3ª. No contrato de locação financeira restitutiva a locadora não adquire o bem com a finalidade de consolidar definitivamente no seu património a propriedade do mesmo, e dele colher o rendimento susceptível de ser produzido,...

4ª. ... nem a renda mensalmente paga pelo locatário corresponde ao rendimento do imóvel, mas ao valor da prestação mensal de amortização do financiamento.

5ª. O bem alienado, e depois locado assume uma mera função de garantia. Assim sendo;

6ª. Nenhuma razão justifica que o seu valor à data do incumprimento não seja imputado ao pagamento da dívida e o remanescente, se a ele houver lugar, restituído ao locatário.

7ª. No contrato de locação financeira restitutiva em que a locadora, no caso de incumprimento por parte do locatário, fica com o direito de fazer seu o bem locado, sem que o valor do bem à data da resolução possa ser imputado ao pagamento do remanescente da dívida, viola o disposto no artigo 694º do C,Civil.

Mesmo que não assim não se entenda;

8ª. Pretendendo o Autor a concessão de um empréstimo no montante de 350.000,00€ e a 1ª Ré uma garantia real do cumprimento das obrigações daí emergentes, o esquema negocial adequado à vontade de ambas as partes seria o mútuo com hipoteca.

9ª. Se se tratasse de um contrato de locação financeira numa ou noutra modalidade, a Ré teria de pagar ao terceiro a quem adquirisse o imóvel a quantia de 557.000,00€, correspondente ao valor do prédio resultada da avaliação que fez, ou de entregar o mesmo valor aos Autores.

10ª. A desproporção entre o preço da alienação e o valor do imóvel é um facto revelador da utilização do contrato locação financeira restitutiva como forma de defraudar a proibição estatuída no artigo 694°- do C.P.Civil.

11ª. Como também é revelador desse propósito, facto de o imóvel não estar a ser utilizado pelos Autores no âmbito de actividade empresarial, que de facto não a tinham.

12ª. Citando o Prof. Dr. Júlio Gomes, a proibição do pacto comissório é um mecanismo preventivo da usura, de carácter geral, e cuja especial vantagem estaria precisamente no carácter drástico da sanção (a nulidade) e na circunstância de o devedor estar dispensado de provar a existência em concreto de um negócio usurário."

13ª. No caso em apreço, para além de pagarem à 1ª Ré a quantia de 593.119,91€ (montante superior ao total das rendas durante a vigência do contrato), os Autores ficaram despojados de um prédio urbano sito na cidade de ... o qual, 12 anos antes já tinha sido avaliado por 557.00,00€.

14ª. O resultado a que se chegou afronta os valores e interesses que se pretendem salvaguardados com consagração legal da proibição absoluta;

15ª. A nulidade tem efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

16ª. Face aos efeitos da nulidade dos negócios celebrados 18/11/2002, o contrato de locação financeira celebrado em 26/10/2009 não pode produzir qualquer efeito. De todo o modo;

17ª. Na definição do artigo do Dec-Lei n9 149/95, de 24 de Junho, o contrato de
locação financeira, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

18ª. O contrato de locação financeira outorgado em 26/10/2009 não passa de uma realidade meramente formal sustentada numa venda (alienação) ficcionada.

19ª. A sua celebração foi determinada pelo facto de a 1ª Ré pretender incluir no seu objeto uma dívida completamente estranha à relação locatícia e fazer seu o imóvel no caso de os Autores incumprirem com o seu pagamento, violando desse modo a proibição do pacto comissório;

20ª. Tendo a ação sido proposta e registada nos 3 anos subsequentes aos negócios celebrados entre a l9 e a 2ã Ré e entre esta e a 33 Ré, os direitos destas não são reconhecidos.

21ª. Foi violado o disposto no artigo 694º do C.Civil.

22ª. Verificados as condições previstas nas diversas alíneas do n0- 1 do artigo 678°. do C.P.Civil, os Autores requerem que o presente recurso suba directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.


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A Caixa Económica Montepio Geral SA, contra alegou, sem apresentar conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

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Montepio Investimentos contra alegou também no sentido da improcedência do recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. Assenta o recurso apresentado no pedido de pedido de reapreciação da matéria de direito, efetuada por primeira instância, alegando que a sentença recorrida, julgando improcedentes os pedidos deduzidos pelo A. na ação, e por via de uma “realidade meramente formal” alcançou um “resultado desequilibrado e desproporcionado”.

2. Volvidos mais de:

a) 17 anos i) do exercício antecipado do direito de opção e compra do mesmo imóvel a I.........; ii) da celebração do contrato de compra e venda/ primeiro contrato de locação financeira com o Finibanco

b. 10 anos da celebração do segundo contrato de locação com o Montepio Investimento (anterior Finibanco) -resolvido por incumprimento, há maisdesete anos.

Vem, agora, o recorrente invocar a nulidade destes contratos cujos termos solicitou, negociou e aceitou, tendo inclusivamente pago rendas (num e noutro caso) – o que faz, no momento em que tem os herdeiros dos avalistas a acioná-lo, em sede de direito de regresso, porquanto pagaram a divida à recorrida, no processo executivo nº 2988/15.8... – factos provados 39, 40, 41, 42.

3. Sem discutir o incumprimento dos contratos de locação financeira, vem o recorrente alegar que os contratos em causa são nulos pelo facto de:

a. A primeira Ré ter feito seu o imóvel dado em garantia de cumprimento das obrigações do empréstimo que contraiu,

b. O que, configura um verdadeiro “pacto comissório”, proibido nos termosdoart.º 694.º do C.C., constituindo uma situação de fraude à lei.

B1- Da impossibilidade dos AA terem assumido que lhes havia sido concedido um empréstimo (mútuo com hipoteca) e não um financiamento sob a forma de locação financeira.

4. Os A. não conseguiram provar, que o imóvel, em causa tenha sido dado em garantia de cumprimento das obrigações de um empréstimo que tenha contraído.

5. Dos factos dados como não provados resulta que o recorrente não conseguiu demonstrar que lhe foi dito, ou prometido pela recorrida, ou mesmo que ele e a sua ex-mulher estivessem convictos que o imóvel em causa, constituía uma garantia real das obrigações emergentes dos contratos que celebraram com a Ré - sendo certo que tal ónus lhe competia (art. 342.º).

6. Ficou provado o contrário: Factos 14, 15, 71, 79.

7. O imóvel em questão, já antes da celebração do primeiro contrato de locação financeira com a aqui recorrida, era alvo de locação entre a I......... (locadora) e o aqui A. (locatário) - o que estranhamente o recorrente omitiu na petição inicial!

8. Demonstram os factos provados a 1.ª R, que só passou a intervir “a posteriori”, pelo que não foi um elemento incentivador e manipulador do contrato de compra e venda e de uma locação financeira, que inclusivamente já existia, relativamente ao mesmo imóvel, tendo diferente entidade por locadora.

9. O recorrente durante:

a) Quase sete anos cumpriu com o primeiro contrato de locação financeira,

b). Quase cinco anos cumpriu com o segundo contrato de locação financeira,

c) Mais de 12 anos nunca colocou quaisquer dúvidas ou interrogações a propósito dos contratos de locação financeira que celebrara.

Assim criando na 1.ª R a expectativa e confiança indiscutíveis de que a validade destes contratos eram ponto assente e inquestionável.

10. Como bem sustentam os factos dados como provados, os AA sempre tiveram conhecimento que estavam a contratar um Contrato de Locação Financeira, tal como n passado o haviam feito, para o mesmo imóvel, junto de outra Instituição de Crédito. E, necessariamente, melhor o souberam quando celebraram o 2º contrato,

11. Em dois momentos diferentes, espaçados por 7 anos, o A marido, que é homem de negócios, vulgo empresário, não teve dúvidas nenhumas quanto ao teor e consequências do negócio que,pela 3ª vez,celebrava relativamentea ummesmoimóvel. Sempre quis ser financiado. Sempre teve consciência dos negócios que celebrava. Não existe, nem nunca existiu, erro no objetodo contrato. Aeste propósito sublinha-se oqueconsta da sentença, nomeadamente quando refere que ao longo do tempo os AA refletiram e interiorizaram os contratos que celebraram- o 1º, o 2º e o 3º.

12. Não é, assim, crível – para ninguém – que pudessem confundir um leasing com uma hipoteca. E por mais inexperientes que fossem (e não o são) no domínio da obtenção de financiamentos/empréstimos.

Da utilização do imóvel pelos AA em actividade comercial

13. Cingimo-nos aos factos provados: não corresponde à verdade que os AA não utilizassem o imóvel, pois que certamente o fizeram para dele obter um rendimento e, isso, éutilizar para uma atividade que não deixa de ser comercial - o subarrendamento.

14. Conforme resulta dos factos provados em 45 e 46, em 18/11/2002, o imóvel em causa era ocupado pela empresa F..., Lda, que ali tinha instalado um estabelecimento afeto ao armazenamento e comércio de calçado, pagando aos AA. em contrapartida por essa ocupação, uma renda mensal.

Do invocado pacto comissório e da alegada nulidade dos contratos celebrados.

15. A locação financeira seja ela restitutiva, ou não, pela sua natureza pressupõe um financiamento: a obtenção de liquidez por via da alienação de um bem, conservando o gozo e a disponibilidade material do bem, e assistindo ao locatário a faculdade de readquirir a propriedade do bem no fim do contrato. A sua validade é genérica e pacificamenteadmitida pela doutrina ejurisprudência,como bem desenvolvea sentença recorrida.

16. A razão de ser da proibição do pacto comissório, prende-se com a proteção do devedor em situação de fragilidade, face a eventuais extorsões por parte do credor -identificando-se com a “ratio” do art. 1146° que pune a usura, bem como com o pensamento subjacente à condenação dos negócios usurários (art. 282°).

17. Se a 1.ª Ré era e é, uma sociedade comercial que atua no mercado visando o lucro, o A. era e é, um empresário experiente e conhecedor, ele próprio sócio de empresas, ligado à representação e comercialização de várias marcas de calçado, já tinha celebrado contratos de locação financeira, com outras instituições financeiras, inclusivamente sobre o mesmo imóvel e durante anos, como se referiu, cumpriu com os contratos de locação financeira (primeiro e segundo) – factos provados em 85 e 86.

Acresce que,

18. Está ferida de inverdade, a afirmação de que a aqui recorrida fez seu o imóvel depois de ter recebido do recorrente a quantia de €593.948,91:

a. Primeiro - porque como bem sabe o recorrente o imóvel já era propriedade da R. desde 18/11/2002, data em que o recorrente o declarou vender à recorrida,

b. Segundo –Porque osA. nãopagaramaquantiade €593.948,91 –oqueéreferido em 53 dos factos provados é que, no total, a R recebeu €593.948,91 já computando naquele somatório os €180.000,00, pagos a destempo pelos avalistas, no âmbito da execução n.º 2988/15.8..., refletindo por isso, este valor a respetiva moratória, (cf 52 dos factos provados).

19. O específico fim do contrato de locação financeira é o de propiciar um financiamento à utilização e, eventual, aquisição de um bem.

20. Trata-se de uma forma de financiamento, visando o contrato ressarcir o locador do investimento feito (amortização do preço do bem pago no início pelo financiador), dos custos da operação de financiamento (fiscais, administrativos e o próprio custo do dinheiro - €100.000,00 adiantados/financiados em 2002, não são €100.000,00 no final do contrato) e da margem de lucro deste.

21. Raciocínio que também se aplica à previsão contratual do pagamento do “Capital Financeiro em Dívida”, para o caso de incumprimento do contrato, calculado em função das rendas vincendas, do valor residual indexados à taxa do contrato.

22. É absolutamente infundada, a conclusão de que o banco obteve “ab initio” uma mais valia de €207.000,00!

23. O preço que consta da escritura como pago e recebido pelos recorrentes é de €394.507,54, montante que incluía 39.450,75€ correspondentes a encargos, designadamente do Imposto Municipal de SISA (facto provado em15) – que o banco teve de suportar para, depois, poder dar o imóvel de locação ao recorrente.

24. A seguir a argumentação da recorrente, se a recorrida tivesse comprado o bem pelo valor da avaliação, de duas uma:

a) Ou fazia corresponder as rendas do contrato ao valor da compra - e teria prejuízo com a operação, o que não era viável dado o seu escopo lucrativo e até a obrigação legal a que se encontra adstrita de uma gestão sã e prudente,

b) Ou fixava as rendas do contrato por um valor muito, muito, superior ao valor de mercado do imóvel - tornando o custo da operação de financiamento extremamente onerosa para o locatário, pois para alem do custo da aquisição do bem, como se disse, o locador tem de refletir nas rendas todos os encargos da operação (sejam eles fiscais, amortização do financiamento no tempo, etc) e o lucro da operação.

25. No caso concreto, o que a recorrida fez em 2002, foi:

a. Estabelecer um montante máximo financiado correspondente ao valor da compra (cl. IV das condições particulares do contrato -doc8 junto com a pi) -€394.507,53 – facto 68;

b. Fixando depois 120 rendas de €4.359,33, acrescidas do valor residual de €7.890,15, tudo no valor de €531.009,75 – acomodando no valor global do contrato o custo da aquisição do bem, os encargos da locação (fiscais, administrativos, financeiros, etc) e o lucro da operação.

Permitindo ao locatário, a final, exercer o direito de opção, e adquirir o bem por preço aproximado ao valor da avaliação (€531.009,75 vs €557.000,00).

26. O que só não aconteceu, porque o mesmo não cumpriu com os termos do contrato.

27. Não deixando de se sublinhar que as rendas pagas pelo recorrente foram a contrapartida que a recorrida recebeu, pelo facto de ter disponibilizado um imóvel que lhe pertencia, cujo uso efruição lheficaram vedados,tendo sofrido arespetiva desvalorização, ao longo de todo o tempo em que os contratos estiveram em vigor.

Sem prescindir,

28. Como se refere na douta sentença recorrida, “em 2002 foi celebrado entre as partes um contrato de locação financeira restitutiva; em 2009, as partes, após renegociação entre si, celebraram novo contrato de locação financeira. Aqueles dois contratos de locação, celebradosentre AA.e R.,foram contratossucessivosnotempo,um celebradoem2002 e o outro em 2009, sendo que o segundo entronca na vontade das partes de substituir o primeiro após renegociação.”

29. O primeiro contrato de locação financeira (restitutiva) celebrado em 2002, entre o recorrente e recorrida não foi celebrado para contornar a proibição de pacto comissório.

30. Como bem refere a sentença recorrida:

31. Não deixando de ser certo que, efetivamente, o segundo contrato de locação financeira é puro, na medida em que o bem dado de locação era à data propriedade da recorrida e nessa medida, efetivamente, está afastada a necessidade da análise de verificação dos factos índice.

32. Nada - na redação do art. 1.º do DL n.º 149/95, de 24 de junho - impede que o locador possa dar em locação um bem que é da sua propriedade.

33. O fim deste segundo contrato de locação financeira não deixou de ser o de propiciar um financiamento que permitisse a utilização e, eventual, aquisição do imóvel em causa.

34. Imóvel que, como o recorrente bem sabe - porque o vendeu e recebeu o respetivo preço em 2002 - nunca foi garantia de satisfação de nenhum crédito.

35. O banco, por via deste segundo contrato, nunca quis fazer seu um imóvel de que já era proprietário, desde 2002.

36. À data da celebração do segundo contrato de locaçãofinanceira, sempreestaria afastada a restruturação do crédito do recorrente num mutuo com hipoteca, pois tal solução sempre implicaria que os AA. recomprassem o imóvel vendido ao banco em 2002, numa altura em que nem as rendas do primeiro contrato conseguiam pagar.

37. A razão de ser deste segundo contrato, celebrado em 2009, prendeu-se exclusivamente com a situação de mora verificada no primeiro contrato celebrado.

38. O recorrente tinha rendas em atraso e não tinha dinheiro para proceder de uma só vez ao seu pagamento – 22 dos factos provados

39. Como decorre dos factos provados, das regras da experiência comum e da normalidade das coisas, o segundo contrato de locação nunca teria sido celebrado, caso o ora recorrente tivesse cumprido pontualmente com as obrigações que decorriam do primeiro contrato de locação financeira.

40. Este segundo contrato de locação financeira, configurou uma segunda operação de financiamento, que permitia ao recorrente conservar o gozo e a disponibilidade material do bem, assim como a possibilidade de readquirir a sua propriedade, mediante o pagamento das rendas e exercício do direito de opção de compra – à semelhança do que já tinha feito no caso da I........., relativamente ao mesmo imóvel.

41. O recorrente é empresário e negociador experiente, soube sempre conduzir as negociações com o banco, por forma a delas retirar beneficio, bem sabendo que o incumprimento das suas obrigações implicava a perda do imóvel locado e a manutenção da dívida perante a 1.ª R. Porem, as negociações têm limites, não sendo exigível que o banco suporte indefinidamente a sua exposição a um cliente sistematicamente incumpridor.

Em resumo:

42. Cumprissem os AA. o primeiro contrato e no final adquiririam o imóvel mediante o pagamento do valor residual. Ou seja, o preço de aquisição corresponderia ao somatório das rendas, acrescidas do valor residual, o que a final, importaria um valor próximo do da avaliação (até ligeiramente inferior). Se o preço da venda fosse “ab initio” igual ao da avaliação, necessariamente que o valor das rendas seria bastante superior, assim como o seria o valor residual e o correspondente IMT, pelo que o preço final ultrapassaria e em muito o valor da avaliação, pelo que a taxa de esforço seria bastante superior - e mesmo inferior resultou em incumprimento.

43. De qualquer forma o preço foi negociado, livremente e de boa fé, aceite entre as partes, não tendo os AA logrado provar o contrário.

B4. – Dos negócios celebrados entre a 1ª e a 2ª Ré e entre esta e a 3ª Ré.

44. Com relação aos negócios celebrados entre a 1.ª e a 2.ª Ré e entre esta e a 3.ª Ré, referir que em 23/01/2020, veio o A. requerer a ampliação do pedido, formulado na petição inicial, no sentido de vir também a ser declarada a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª e a 2ª Rés.

45. Sucede que, por despacho ref. citius .......99, já transitado em julgado, decidiu o tribunal de primeira instância indeferir, na totalidade, o requerimento de ampliação do pedido apresentado pelo A. em 23/01/2020,

46. Pelo que, “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…).” – art. 3.º n.º 1 do CPC

47. Em face do exposto, e relativamente aos negócios celebrados entre a 1.ª e a 2.ª Ré e entre esta e a 3.ª Ré está vedada a pronúncia doTribunal de recurso, porquanto nenhum pedido foi formulado na ação a respeito nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª e a 2ª Rés e sob pena de violação do principio do dispositivo.

B5 – Do pedido de extinção de contratos por motivo de nulidade já extintos por motivo de resolução por motivo de incumprimento definitivo.

48. Como decorre de factos provados 22, 23, 34, 37, 39 o primeiro contrato de locação financeira foi substituído pelo segundo contrato de locação financeira, cujaresolução por incumprimento definitivo foi declarada em 11/08/2014, tendo o recorrente sido citado para os termos da execução nº 2988/15.8..., no ano de 2015, tendo o Montepio acordado com os herdeiros de CC, avalista da livrança, também demandados na execução, o pagamento da quantia de 180.000,00€ para liquidação total das obrigações decorrentes do contrato de locação financeira garantidas pela livrança dada à execução.

49. Ou seja, há mais de 7 anos que o último contrato foi resolvido por incumprimento definitivo do recorrente.

50. Como ensina o Prof Antunes varela: “A resolução do contrato consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes”.

51. Carece de fundamento de facto e direito o pedido o pedido de extinção de contrato, por motivo de nulidade, quando tal contrato, há anos se encontram extinto na ordem jurídica, em face da sua resolução por incumprimento definitivo.

52. Termos em que, não podemos deixar de sufragar o entendimento acolhido na douta sentença de primeira instância, porque perfeitamente alinhado com a prova recolhida nos autos e o direito que lhe é subsumível, devendo improceder o pedido do recorrente.


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O objecto do recurso:

Saber se o contrato de locação financeira, celebrado em 18 de Novembro de 2022, entre o Autor e a 1ª Ré é nulo, por encerrar um pacto comissório proibido pelo art. 694º do CCivil.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação de facto.

1. O Autor e a Interveniente foram dono e legítimos proprietários de um prédio urbano composto por casa de dois pavimentos destinados a comércio, dependência e quintal sito, na ... na cidade de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 934/19910716 e inscrito na matriz predial sob o artigo 4393.

2. Em princípios de 2002, o Autor contactou a 1ª Ré (então FINIBANCO, S.A.) com vista à concessão de um empréstimo no montante de 350.000,00€.

3. Como garantias reais que podia oferecer, o Autor indicou o prédio descrito no artº 1º da petição.

4. Por solicitação do funcionário da 1ª Ré entregou todos elementos de identificação do imóvel.

5. A 1ª Ré contratou os serviços de uma empresa de peritagem para avaliar o imóvel.

6. O resultado da avaliação foi de 557.000,00€.

7. A 1ª Ré propôs-se conceder o empréstimo na condição de o imóvel ser dado em garantia do reembolso do capital, juros e demais encargos.

8. O Autor entregou os seus elementos de identificação e da sua então esposa, ora Interveniente.

9. No dia 18 de Novembro de 2002, o Autor, na Repartição de Finanças de ..., procedeu ao pagamento do Imposto Municipal de SISA.

10. Desde há alguns anos que o Autor tinha relações comerciais com a Ré,…

11. … e uma relação de confiança com os funcionários com quem contactava no balcão de S. João da Madeira.

12. Eram esses funcionários que o aconselhavam a adquirir produtos financeiros do Banco ou indicavam a melhor forma de aplicar dinheiro que tivesse disponível.

13. O Autor deslocou-se à Repartição de Finanças de ... e, na qualidade de gestor de negócios da 1ª Ré (então denominada FINIBANCO, S.A.), procedeu ao pagamento do Imposto Municipal de SISA no montante de 39.450,75€, emitindo para o efeito um cheque da sua conta bancária.

14. Nesse mesmo dia 18 de Novembro de 2002, no Cartório Notarial de ... foi outorgada a escritura de compra e venda, na qual, o Autor e a sua então esposa declararam vender à 1ª Ré o mencionado prédio.

15. O preço declarado na escritura foi de 394.507,53€, montante que incluía o valor do Imposto Municipal de SISA.

16. Todos os actos tendentes à concretização do empréstimo, designadamente, marcação e termos da escritura de compra e venda foram praticados por funcionário da 1ª Ré.

17. Nessa altura o Autor assinou um contrato de locação financeira do imóvel pelo prazo de 120 meses (10 anos) mediante o pagamento da renda mensal de 4.359,33€, susceptível de pequenas alterações em função das variações da taxa Euribor a 6 meses.

18. O total das rendas ao longo de 120 meses ascendia ao montante de 523.119,60€, correspondente ao valor do empréstimo, valor do Imposto Municipal de SISA, juros e demais encargos.

19. O pagamento era efectuado por débito na conta nº 16835688.10.001 quando a 1ª Ré era denominada FINIBANCO, S.A, passando a ter o nº 10.500058-5 depois da 1ª Ré passar a denominar-se MONTEPIO INVESTIMENTOS, S.A.

20. No ano 2009, em razão de algumas dificuldades económicas decorrentes de situações relacionadas com a sua vida privada, o A. tinha algumas rendas em atraso.

21. Para além das rendas em atraso, o Autor tinha ainda outras responsabilidades decorrentes de operações de desconto de cheques, através de conta bancária.

22. O A. não tinha dinheiro para proceder de uma só vez ao pagamento das rendas em atraso.

23. Então entre as partes foi celebrado novo contrato de locação financeira em 2009 cujo objecto era o mesmo imóvel, onde, para além das rendas em atraso e o valor das rendas vincendas até ao termo do contrato de locação financeira, incluiu valor daquelas responsabilidades que ascendiam a cerca de 150.000,00€.

24. O novo contrato de locação financeira foi assinado em 26 de Outubro de 2009.

25. Nos termos do novo contrato de locação financeira foi fixado um capital de 317.012,00€, correspondente ao montante de 218.226,66€ relativo às rendas vencidas e vincendas relativamente ao contrato de locação celebrado em Novembro de 2002, e 152,785,34€ relativo às responsabilidades aludidas no ponto 27 da petição.

26. O pagamento desse capital acrescido de juros e demais encargos seria pago em 96 rendas mensais no montante de 4.702,54€ cada uma, susceptível de pequenas alterações em função das variações da taxa Euribor a 3 meses. ( cfr. doc. 8 já reproduzido).

27. Conjuntamente com a celebração do contrato, a 1ª Ré exigiu ao Autor a subscrição de uma livrança em branco conjuntamente com a sua então esposa, e avalizada por CC. (cfr. doc. 9 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

28. Após a assinatura do novo contrato de locação financeira, a 1ª Ré, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artº 119º do CIRS e artº 128º do CIRC, comunicou à Repartição de Finanças que pagou ao Autor rendimentos no montante de 218.236,66€,…

29. …declarando a quantia de 28.464,35€ como “Total do imposto retido”.

30. Tal facto determinou a liquidação de um imposto sobre o rendimento a cargo do Autor no montante total de mais a quantia de 56.089,01€. (cfr. doc. 11 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido)

31. O Autor comunicou o facto à Provedoria do Cliente. (cfr. doc.12 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

32. No ano de 2014 por virtude de dificuldades económicas, o Autor tinha rendas em atraso.

33. Em 8 de Julho de 2014, a 1ª Ré remeteu cartas para o Autor e para a sua ex-esposa, para o endereço Rua de S. ..., ..., ..., S. João da Madeira, interpelando-os para proceder ao pagamento da quantia de 154.276,93€, relativa a rendas e juros vencidos até àquela data no prazo de 30 dias.

34. Não tendo o pagamento sido efectuado, através de cartas registadas com A/R datadas de 11 de Agosto de 2014 remetidas para a mesma morada, e cujo teor aqui se reproduz integralmente, a 1ª Ré declarava a resolução do contrato de locação financeira. (docs. 15 e 16 juntos com a petição inicial para os quais se remete e aqui se dão por reproduzidos na íntegra).

35. O Autor e sua ex-esposa não receberam as referidas cartas.

36. As mesmas foram devolvidas com a menção, não atendeu. (docs. 17, 18, 19, 20, 21 e 22 juntos com a petição inicial para os quais se remete e aqui se dão por reproduzidos na íntegra).

37. No ano de 2015 o Autor e sua esposa foram citados para os termos da Execução nº 2988/15.8... (doc. 23 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

38. O Autor deduziu Oposição por Embargos à Execução.

39. Na pendência da Oposição por Embargos, o Réu acordou com os herdeiros de CC, avalista da livrança, também demandados na execução, o pagamento da quantia de 180.000,00€ para liquidação total das obrigações decorrentes do contrato de locação financeira garantidas pela livrança dada à execução.

40. Na sequência desse pagamento a execução foi extinta.

41. Depois do pagamento os herdeiros de CC instauraram contra o Autor e sua ex-esposa a Acção Declarativa em Processo Comum nº 3344/16.6... que correu termos no Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Comarca de Aveiro, na qual, por via do direito de regresso, pediam a condenação do Autor no pagamento da quantia de 180.000,00€, acrescida dos juros à taxa legal de 4%.

42. Foi proferida sentença de condenação, confirmada em última instância por Acordão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2017. (doc. 24 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

43. O imóvel id. em 1 não estava a ser utilizado pelo Autor e pela sua esposa no exercício de qualquer actividade comercial ou industrial.

44. A então ex-esposa do Autora era professora de....

45. Em 18/11/2002, o imóvel em causa era ocupado pela empresa F..., Lda, que ali tinha instalado um estabelecimento afecto ao armazenamento e comércio de calçado, relativamente ao qual, nem o Autor nem a sua ex-esposa tinham qualquer ligação ou interesse económico na actividade ali exercida,...

46. …e que pagavam uma renda mensal ao Autor.

47. Com vista à celebração do contrato de compra e venda, o Autor procedeu à liquidação do Imposto Municipal de SISA no montante de 39.450,75€.

48. Tal valor foi incluído no montante do capital financiado.

49. No primeiro contrato de locação financeira celebrado em Novembro de 2002 a prestação (renda) mensal era de 4.359,33€2.

50. A partir de Outubro de 2009, a renda mensal passou a ser de 4.702,54€.

51. O Autor e sua ex-esposa, desde Outubro de 2009 até Junho de 2014, pagaram a quantia de 109.065,31€ = (4.702,54€ x 56 meses ), sendo até 8/7/2024 o montante em divida de 154.276,93€.

52. No âmbito da Execução nº 2988/15.8... mencionada no ponto 50 da p.i., a 1ª Ré recebeu a quantia de 180.000,00€.

53. No total, a 1ª Ré recebeu o total de 593.948,91€.

54. Em 27 de Março de 2018 a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o imóvel descrito no artº 1º desta p.i.

55. Na mesma data, relativamente ao mesmo imóvel, a 2ª Ré celebrou a um contrato de locação financeira com a 3ª Ré.

56. Aquelas cláusulas estavam integradas em Condições Gerais previamente elaboradas e reproduzidas num formulário utilizado pela 1ª Ré em contratos de locação financeira que celebrava com clientes seus.

57. Quer o Autor quer a sua ex-esposa não tiveram qualquer intervenção na formulação das cláusulas.

58. O imóvel em causa não estava nem nunca foi afecto a qualquer actividade comercial ou industrial do Autor ou da sua ex-esposa.

59. O Autor, desde alguns anos tinha relações comerciais com a 1.ª R.

60. O A. era vendedor de ....

61. E sócio na Fábrica de ..., Lda,

62. A cônjuge exercia a profissão de professora.

63. Por volta de Abril de 2002, junto do balcão de ... (hoje Montepio Investimento) alegou que precisava de liquidez.

64. O A. naquela data, era locatário de prédio urbano, sito na rua ..., n.º 152, destinado a comércio, registado na CRP de ... com o n.º 934, de que era locadora a sociedade I..........

65. Exerceu antecipadamente o direito residual de opção, naquele contrato de leasing,

66. Conseguindo por via do exercício desse direito, adquirir o imóvel à I.........,

67. O Finibanco, em simultâneo, comprou-lhe o mesmo prédio

68. E deu-lho em locação. - pelo valor de €394.507,51 – cfr. Doc. 1

69. O A. exerceu antecipadamente o direito de opção no contrato de locação que tinha celebrado com a I......... e enviou toda a documentação a ele respeitante, ao Finibanco S.A. – ( cfr. DOCS 2, 3, 4, 5, 6 juntos pela 1ª R. com a contestação).

70. O A. declarou também no contrato de locação que aquele foi emitido em três exemplares, de igual valor, que o leu, e que o assinou por aquele estar inteiramente

conforme com a sua vontade, tendo ficado com uma cópia em sua posse – cfr Doc 8 junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra.

71. A sua assinatura, feita na mesma página dos dizeres acima referidos, foi reconhecida presencialmente, no Cartório notarial, na data de celebração do contrato – cfr Doc 8 citado.

72. Para garantia do bom e pontual pagamento das obrigações assumidas neste primeiro contrato de locação financeira, subscreveu também uma livrança em branco, avalizada por BB, CC e DD – cfr. Doc 8 citado.

73. E deu inúmeras autorizações de débito em conta para pagamento das rendas e despesas relacionadas com o imóvel objeto da locação financeira, designadamente de índole fiscal.

74. O A. deixou de ter capacidade de pagar as rendas deste contrato de leasing e fazer face ao pagamento de outras responsabilidades que, ao tempo tinha no Finibanco, SA.

75. Tendo sido esse o motivo que o levou a pedir ao Finibanco, que fosse negociada uma solução para os seus créditos, enquadrada na sua capacidade financeira,

76. Termos em que o banco acordou com o A. celebrar um novo contrato de locação financeira, destarte pelo montante de € 371.012,00 – DOCS.12 e 13 juntos com o articulado, para os quais se remete e aqui se dão por reproduzidos na íntegra.

77. Tendo mais uma vez, assumido o pagamento de todos os impostos e taxas de natureza predial, ou outra, incluindo os autárquicos a que o prédio objeto de locação possa estar sujeito (cl. 17.ª das condições gerais), sendo que neste caso não houve lugar a pagamento de SISA.

78. Mais declarou juntamente com a locatária BB que o contrato foi emitido em três exemplares, de igual valor, que o leram e que o assinaram por estar inteiramente conforme com a sua vontade, tendo ficado com uma cópia em sua posse.

79. A sua assinatura, bem como da outorgante BB, foi reconhecida presencialmente, pelo Ilustre Advogado o Dr. EE, na mesma data de celebração do contrato.

80. Para garantir o bom e pontual pagamento das obrigações assumidas neste segundo contrato de locação financeira, subscreveram também uma livrança em branco, avalizada por CC

81. E deram inúmeras autorizações de débito em conta, para pagamento das rendas e despesas relacionadas com o imóvel objeto da locação financeira, designadamente de índole fiscal.

82. Em 2014 já tinha novamente rendas em atraso.

83. O imóvel em questão, já antes da celebração do primeiro contrato de locação financeira com a aqui 1º ré, era alvo de locação entre a I......... (locadora) e o aqui A. (locatário).

84. A 1ª R. exigiu para garantia do contrato a entrega de uma livrança.

85. A 1.ª Ré era e é, uma sociedade comercial que atua no mercado visando o lucro, e o A. era um empresário, ele próprio sócio de empresas, ligado à representação e comercialização de calçado.

86. Já tinha celebrado contratos de locação financeira, com outras instituições financeiras, inclusivamente sobre o mesmo imóvel e durante anos, cumpriu com os contratos de locação financeira (primeiro e segundo).

87. A Ré CEMG tem por objecto social a realização de todas as operações permitidas por Lei aos Bancos, nelas se inserindo a de locação financeira mobiliária, (nos termos do disposto no art. 4º, al. b) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro na redacção dada pelo DL 285/2001 de 3 de Novembro).

88. No exercício dessa sua actividade, a aqui Ré CEMG, a solicitação da sua cliente e co-Ré nos presentes autos, Sociedade de Empreendimentos Turísticos Central de Matosinhos, Lda, e para que para que fosse possível a celebração de um contrato de locação financeira, adquiriu o prédio identificado pelo Autor no artigo 1º da p.i. por contrato de compra e venda celebrado em 27/03/2018, como se infere e prova pelas cópias dos aludidos contratos que adiante se juntam. – Docs. nº 1 e 2 com a contestação da R. CEMG, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos.

89. Mostrando-se tal aquisição devidamente registada na competente conservatória do registo Predial sob a inscrição Ap. 4033 de 27/03/2018.

90. A 3ª Ré celebrou o contrato de locação financeira identificado no art. 94 da PI, sem conhecer nenhum dos factos alegados pelo Autor e está a cumpri-lo.

Fundamentação de direito.

A questão essencial a decidir consiste em saber se os contratos celebrados em 18.11.2002 entre o Recorrente e a 1ª Ré – uma compra e venda e um contrato de locação financeira - estão feridos de nulidade, por encobrirem um pacto comissório que a lei proíbe, (art. 694º do Código Civil (CC)).

A proibição do pacto comissório consta do art. 694º do CCivil, que estabelece “é nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.”

A razão de ser desta proibição, segundo Vaz Serra (BMJ, nº 58, pag. 217), está em que tal pode representar um benefício injustificado para o credor (que adquire uma coisa muito mais valiosa do que o crédito), sobretudo quando obtido do devedor que, levado pela necessidade, facilmente consentiria nele.”

No mesmo sentido, Antunes Varela e Pires de Lima, em anotação ao art. 694º, escrevem que “a proibição do pacto comissório aparece na generalidade das legislações e funda-se no prejuízo que do pacto comissório pode resultar para o devedor, que seria facilmente convencido, dado o seu estado de necessidade, a aceitar cláusulas lesivas dos seus interesses. O fundamento é paralelo ao da proibição da usura.” (Código Civil anotado, I, pag. 718).

Embora inserido nas disposições do Cód. Civil relativas à hipoteca, da proibição do pacto comissório pode razoavelmente retirar-se que são também nulos os acordos de efeito similar ao pacto comissório, no âmbito dos negócios fiduciários (Rui Pinto Duarte, in Código Civil Anotado, Almedina, pag.880, Luís M. Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 2ª edição, pa. 215, e o Acórdão do STJ de 21.12.2005, P. 04B4479).

Posto isto, recordemos o que de relevante emerge da matéria de facto:

- Em princípios de 2002, o Autor contactou a 1ª Ré (então FINIBANCO, S.A.) com vista à concessão de um empréstimo no montante de 350.000,00€;

- Como garantias reais que podia oferecer, o Autor indicou o prédio descrito no artº 1º da petição;

- A 1ª Ré contratou os serviços de uma empresa de peritagem para avaliar o imóvel.

- O resultado da avaliação foi de 557.000,00€.

- A 1ª Ré propôs-se conceder o empréstimo na condição de o imóvel ser dado em garantia do reembolso do capital, juros e demais encargos;

- No dia 18.11.2002, no Cartório Notarial de ... foi outorgada a escritura de compra e venda, na qual, o Autor e a sua então esposa declararam vender à 1ª Ré o mencionado prédio.

- O preço declarado na escritura foi de 394.507,53€, montante que incluía o valor do Imposto Municipal de SISA.

- Nessa altura o Autor assinou um contrato de locação financeira do imóvel pelo prazo de 120 meses (10 anos) mediante o pagamento da renda mensal de 4.359,33€, susceptível de pequenas alterações em função das variações da taxa Euribor a 6 meses. (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

- O total das rendas ao longo de 120 meses ascendia ao montante de 523.119,60€, correspondente ao valor do empréstimo, valor do Imposto Municipal de SISA, juros e demais encargos.

- No ano 2009, em razão de algumas dificuldades económicas decorrentes de situações relacionadas com a sua vida privada, o A. tinha algumas rendas em atraso.

- Para além das rendas em atraso, o Autor tinha ainda outras responsabilidades decorrentes de operações de desconto de cheques, através de conta bancária.

- Então entre as partes foi celebrado novo contrato de locação financeira em 2009 cujo objecto era o mesmo imóvel, onde, para além das rendas em atraso e o valor das rendas vincendas até ao termo do contrato de locação financeira, incluiu valor daquelas responsabilidades que ascendiam a cerca de 150.000,00€.

A locação financeira, face ao art. 1º do DL nº 149/95 de 24.06, constitui o contrato pelo qual uma partes – o locador – se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo de temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

Na modalidade mais vulgar, a locação financeira tem natureza trilateral: o locador financeiro não é inicialmente proprietário do bem que é escolhido pelo locatário junto de um terceiro a quem o primeiro, de seguida o compra, entregando-o depois, no âmbito da locação financeira, ao locador para que este o goze.

Assim não sucede na locação financeira restitutiva (sale and lease back): nesta modalidade, o locatário vende ao locador financeiro um bem seu que este de imediato lhe dá em locação.

Foi um contrato deste tipo o celebrado entre Autora e Ré em Novembro de 2002.

A locação financeira restitutiva é aceite na doutrina e jurisprudência nacionais.

Segundo Januário Gomes (Contratos Comerciais, Almedina, 2012, pag. 354), a modalidade de locação financeira restitutiva assume grande importância na praxis ou mercado do leasing, e a sua admissibilidade não suscita dúvidas à luz do DL nº 149/95 na doutrina e jurisprudência (Diogo Leite de Campos, Nota sobre a admissibilidade da locação financeira restitutiva (“lease back”) no direito português, pag. 72), Calvão da Silva, Direito Bancário, p. 420), Ana Filipa Morais Antunes, “O contrato de locação financeira restitutiva”, Miguel Pestana de Vasconcelos, (Direito das Garantias, 2ª edição, pag. 500), e na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do STJ de 25.01.1999, P. 99B635 e da Relação de Lisboa de 05.06.2014, P. 18434/13, in www.dgsi.pt).

Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, escreve a este propósito:

“Do prisma estrutural, estamos perante dois contratos ligados por forma à obtenção de um determinado resultado. Temos aqui uma coligação externa, uma vez que os contratos são celebrados ao mesmo tempo, uma coligação genética – pela locação financeira as partes obrigam-se a celebrar a compra e venda, executada ao mesmo tempo – e, principalmente, uma dependência bilateral, no sentido, aqui, de a invalidade de um dos contratos afectar o outro. Este último aspecto é bastante claro no que toca à invalidade do contrato de locação financeira, que atinge a compra e venda do bem.”

(…).

O fim visado pela celebração conjunta e articulada destes dois contratos, ainda de uma forma mais acentuada do que na locação financeira em que a coisa é adquirida a um terceiro (aquela que assenta numa relação trilateral), é o financiamento do vendedor, que se consubstancia no preço acordado para a compra do bem que este último continuará a usar, agora como locatário.

A propriedade do bem, transmitida ao locador/creditante através da venda, funciona como garantia.”

Refere ainda o Autor que vimos seguindo, obra citada, pag. 503:

“A locação financeira restitutiva aproxima-se bastante da alienação em garantia e constitui um negócio fiduciário típico. De facto, estamos perante uma estrutura marcada pela transmissão da propriedade sobre o bem de uma parte à outra (a parte sale da operação), estando o exercício do direito transmitido limitado (ou, melhor dizendo, delimitado) obrigacionalmente, e que o adquirente estará vinculado a retransmitir (revender pelo valor residual), se o locatário financeiro assim o quiser escoado o prazo contratual.”

O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de que a alienação fiduciária em garantia é compatível com o princípio da proibição do pacto comissório e, em consequência válida. (Cf., entre outros, os Acórdãos de 16.03.2011, CJ/STJ, t.1, pag. 123, de 28.11.2013, P. 873/05, de 26.04.2018, P. 2037/13, e de 30.06.2021, P. 456/15).

No primeiro dos acórdãos citados, de que foi relator o Conselheiro Lopes do Rego, lê-se que “a doutrina portuguese corrente é hoje favorável, em termos gerais, á admissibilidade da figura do negócio fiduciário com o credor, o qual terá, em princípio, de se considerar válido, enquanto emanação do princípio fundamental da autonomia da vontade dos contraentes.”

No que tange à locação financeira restitutiva, adverte Luís Pestana de Vasconcelos, obra citada, que “uma aplicação apressada da proibição do pacto promissório, sem se ter em conta o conteúdo da relação fiduciária que se estabelece entre as partes e o papel que a boa fé, nesse âmbito, e mesmo depois da extinção desse negócio jurídico, desempenha, prejudicaria fortemente os interesses da economia em geral e dos comerciantes em particular.”

Daí que só na hipótese de utilização anómala da locação financeira restitutiva, na medida em que se demonstre que foi celebrada para contornar a proibição do pacto comissório, deverá o mesmo ser sancionado com a nulidade.

Dito isto, importa verificar se no caso a locação financeira restitutiva foi usada para camuflar, em fraude à lei, um pacto comissório, como defende o Recorrente.

Retomando o já citado acórdão da Relação de Lisboa de 05.06.2014, com apoio na monografia que Ana Filipa Morais Antunes dedicou a este tema, são indicados os factos-índices da utilização do contrato de lease back para um fim ilícito, a saber: em primeiro lugar a preexistência de uma relação creditícia entre as partes; em segundo lugar, a circunstância de o utilizador se encontrar numa situação de grave dificuldade económico-financeira; em terceiro lugar, o facto de o locador ser ocupada por um sujeito que não exerça, habitualmente, a actividade de locação financeira; em quarto lugar, a existência de uma desproporção entre o montante do bem dado em garantia o do débito.

Factos-índice que não se revelam no caso dos autos.

Com efeito,

Não se provou que à data da celebração dos contratos a 1ª Ré fosse titular de qualquer crédito sobre o Autor/Recorrente. Apenas se provou que antes de Novembro de 2002, o Autor tinha “relações comerciais” com a Ré, “cujos funcionários o aconselhavam na aquisição de produtos financeiros”.

Nada na matéria de facto permite concluir que o Autor se encontrava em “grave dificuldade económico-financeira”. Apenas se provou que se deslocou ao balcão da Ré, “alegando que precisava de liquidez”, para solicitar a concessão de um empréstimo de €350.000,00.

Também não se verifica terceiro facto-índice, dado que uma das actividades a que se dedica a Recorrida é a financeira.

E quanto à disparidade entre o valor por que foi avaliado o imóvel (557.000,00), e o montante do débito, €523.119,60€ (ponto 18 da matéria de facto), visto os valores envolvidos e à natureza da Recorrida, instituição financeira que actua no mercado visando o lucro, aquela desproporção de valores não se apresenta como chocante.

Em suma, não se mostram preenchidos nenhum dos pressupostos que poderiam levar à conclusão da existência de um pacto comissório, conforme decidiu a sentença, improcedendo, assim a revista.

Ainda que assim não se entendesse, a pretensão do Recorrente constitui um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, como defende a Recorrida.

De harmonia com o estatuído no art. 334º do CCivil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito.”

O exercício de um direito só poderá ser ilegítimo, pois, quando houver manifesto abuso, ou seja, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 299).

A boa fé significa as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.

Uma das modalidades do abuso de direito é a chamada conduta contraditória (“venire contra factum proprium), em combinação com o princípio da tutela da confiança.

A este propósito, refere o Professor Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª edição, pag. 279:

“O direito deve ser exercido sem frustrar expectativas criadas pelo seu titular. No exercício do direito o seu titular deve respeitar a fé (fides servare), deve evitar frustrar a confiança que tenha suscitado em outrem. Se por qualquer razão o titular do direito tiver agido ativa e passivamente de modo a criar em outrem uma confiança legítima relativa ao exercício do direito, não poderá frustrar essa confiança que tenha criado ou contribuído para criar. A frustração de expectativas criadas corresponde ao tipo doutrinário de má fé designado como venire contra factum proprium. Este tipo de má fé assenta na inadmissibilidade de comportamentos contraditórios.”

O Supremo Tribunal vem reiteradamente decidindo neste sentido, considerando ilegítima, por constituir uma conduta eticamente censurável, o exercício de um direito em contradição com a prática passada reiterada e com frustração das expectativas legítimas e razoáveis suscitadas na parte a quem o direito é oposto ou contra quem é exercido.

Veja-se por exemplo o Acórdão do STJ de 21.01.2003, CJSTJ, I, pag. 31, onde se escreveu:

“Um caso típico de abuso de comportamento abusivo no exercício de um direito é a proibição do venire contra factum proprium.

Factum proprium pode ser qualquer eventualidade que, constituindo a base da imputação, a uma pessoa, de certas consequências, lhe seja própria (Menezes Cordeiro, “Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, pag. 813).

Esta variante do abuso de direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé.”

Mais recentemente, o Acórdão de 10.01.2023, desta 7ª sessão, relatado pela Conselheira Fátima Gomes, decidiu:

“O abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, emerge de o devedor convencer o invocante que ele actuaria, ou não actuaria, no futuro de certo modo, e, depois, assuma uma conduta em sentido inverso ao que manifestou, de uma maneira contraditória chocante e, assim ético-juridicamente censurável e inadmissível, violando a confiança que naquela conduta o invocante depositou, sem motivo para desconfiar.”

No caso vertente, o Recorrente:

Cumpriu durante vários anos o contrato de locação financeira;

Passados cerca de 6 anos, por estar em situação de incumprimento do pagamento das rendas, acordou com a Ré a celebração de um novo contrato de locação financeira sobre o mesmo imóvel, agora pelo período de 96 meses (8 anos);

Em 2014, por incumprimento do Autor e tendo-se revelado infrutífera a interpelação admonitória, a Ré resolveu o contrato;

O Autor é um empresário, sócio de empresas, ligado à representação e comercialização de calçado;

Celebrou livremente os contratos em causa, sendo certo que já antes tinha celebrado contratos de locação financeira com outras instituições;

A forma como agiu ao longo de todos aqueles anos foi de molde a criar na Ré a confiança de que os contratos eram válidos, celebrados ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art 405º do CCivil), nas suas vertentes de liberdade de celebração e de estipulação.

Neste quadro, a propositura da presente acção, 5 anos depois da declaração de resolução, tendo como fundamento a nulidade de um contrato que livremente celebrou há 17 anos e que cumpriu durante anos, configura abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

Também por esta razão a revista não merece provimento.

Sumário, (art. 663º, nº7 do CPCivil):

I - A locação financeira na modalidade restitutiva (sale and lease back), é admissível à luz do DL nº 149/95 de 224.06, que contém o regime jurídico do contrato de locação financeira;

II – A locação financeira restitutiva é compatível com o princípio da proibição do pacto comissório, prevista no art. 694º do Cód. Civil.

III – Tendo o autor celebrado com uma instituição financeira dois contratos de locação financeira sucessivos sobre o mesmo imóvel, que vigoraram por mais de 10 anos, a invocação da nulidade do primeiro dos contratos, por pretensamente encerrar um pacto comissório, cinco anos depois do locador ter resolvido o contrato por incumprimento, consubstancia um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 14 de Setembro de 2014


Relator: Cons. Ferreira Lopes

1ª Adjunto: Conselheiro Manuel Capelo

2º Adjunto: Conselheiro Nuno Ataíde das Neves