DECISÃO SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REQUISITOS
VALOR DA CAUSA
SUCUMBÊNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
INADMISSIBILIDADE
Sumário


A admissibilidade de um recurso com o fundamento especial previsto na al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, não prescinde (ao contrário do que sucede com as situações configuradas nas demais alíneas que a antecedem) da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade em função do valor da causa e da medida de sucumbência, pelo que só é admissível recurso de revista para o Supremo com esse fundamento especial quando, desde logo e independentemente do demais ali previsto, o mesmo esteja vedado por motivo exclusivamente alheio à alçada do tribunal recorrido e, cumulativamente, quando o valor da causa e a medida da sucumbência o permitem nos termos gerais.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

A - AA e BB exerceram o contraditório ao despacho convite que se reproduz de seguida, defendendo que:

- o recurso de revista normal apenas se encontra vedado nos casos em que o acórdão da Relação confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em Primeira Instância, o que não ocorre nos autos (cfr. art.º 671.º, n.º 3 do CPC);

- No caso “sub judice”, o acórdão recorrido veio, por um lado, pôr fim ao incidente de arguição de nulidade / invalidade do título executivo suscitado pelos Recorrentes nos autos de Primeira Instância;

- Mostrando-se, por esta via, preenchida a exigência de eficácia extintiva do acórdão recorrido, prevista no art.º 671.º, n.º 1 do CPC, para a admissibilidade do recurso de revista normal; e

- Por outro lado, o acórdão recorrido de rejeição do recurso de apelação mostra- se discordante da decisão de admissão do recurso proferida pelo Tribunal de Primeira Instância em 16/10/2021 e não consubstancia nenhuma decisão confirmativa da decisão recorrida proferida em Primeira Instância,

- Mostrando, por esta via e “a contrario”, afastada a situação legal de não admissibilidade do recurso de revista normal, prevista no art.º 671.º, n.º 3 do CPC (não sendo despiciendo referir que, mesmo neste caso, sempre deveria ser ponderada a admissibilidade de revista excecional prevista no art.º 672.º do CPC);

- Não se ignora que a Exma. Juiz Conselheira Relatora se reporte ao valor da causa fixado em apenas € 7.500,00 para justificar a pretensa falta de um pressuposto geral de recorribilidade;

- Sucede que, ainda que assim se entendesse – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio –, o presente recurso de revista sempre continuaria a ter admissibilidade ao abrigo do artigo 671.º, n.º 2, alínea a) do CPC.

- Ora, resulta precisamente do art.º 671.º, n.º 2 do CPC a recorribilidade dos acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, nos seguintes casos:

- nos casos em que o recurso é sempre admissível (cfr. art.º 671.º, n.º 2, al. a) do CPC); e

- quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (cfr. art.º 671.º, n.º 2, al. b) do CPC).

- Por sua vez, no que diz respeito aos casos em que o recurso é sempre admissível (ex vi art.º 671.º, n.º 2, al. a) do CPC), estabelece o art.º 629.º, n.º 2 do CPC que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

(…)

- do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (cr. art.º 629.º, n.º 2, al. d) do CPC).

- No caso “sub judice”, na hipótese de se entender não caber recurso de revista nos termos do art.º 671.º, n.º 1 do CPC – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio –, constata-se que o acórdão, do qual ora se recorre, sempre estaria, salvo melhor opinião, em contradição com outros da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme ao acórdão recorrido (cfr. art.º 629.º, n.º 2, al. d) ex vi art.º 671.º, n.º 2, al. a) do CPC).

- No caso da referida hipótese, o legislador não fez depender a admissibilidade do recurso do preenchimento dos pressupostos relacionados com o valor da causa e/ou com o valor da sucumbência.

- A subordinação do recurso por via do pressuposto da “oposição de julgados” ao valor da ação colocaria em causa os princípios de segurança jurídica e da igualdade dos cidadãos perante a Lei, uma vez que, em tal caso, apenas os cidadãos que fossem parte de uma causa com valor superior à alçada do Tribunal da Relação poderiam lançar mão deste recurso

- Mais se diga que o próprio Tribunal da Relação, ora recorrido, considerou que, apesar de o valor da ação ser inferior à alçada da Relação, estavam preenchidos os pressupostos gerais de recurso, podendo ler-se a respeito no respetivo despacho de 11/05/2023: (…)

- Entre os acórdãos que decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, indicou-se, em sede de recurso de revista, a título meramente exemplificativo, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 13/01/2022, no âmbito do processo n.º 608/08.6TBPTM-B.E1 (doravante, “acórdão fundamento”, cuja cópia foi junta em anexo ao recurso de revista como Doc. n.º 1), bem como o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n.º 400/20.0T8CHV-C.G1.S1.

- Logo, da referida contradição sempre decorreria, subsidiariamente, a admissibilidade de revista por via do disposto no art.º 629.º, n.º 2, al. d) ex vi art.º 671.º, n.º 2, al. a) do CPC.

B – O despacho convite tinha o seguinte teor:

(transcrição)

Despacho

1. AA e BB, executados nos autos nos autos de execução sumária, que lhe move CC, e à qual foi atribuído o valor de € 7500,00, não se conformando com o despacho de 12.09.2019 «na parte em que o Tribunal “a quo” indeferiu o pedido de reconhecimento da nulidade do despacho de 07/06/2018, decidindo “não se verificar qualquer das circunstâncias que poderiam conduzir ao indeferimento liminar ou à rejeição do requerimento executivo – cfr. Artigos 726.º, n.º 2 e 734.º, ambos do Código de Processo Civil (…)», dele interpuseram recurso de apelação.

2. No Tribunal da Relação foi proferido o seguinte despacho: «Os executados apresentam-se a recorrer do “despacho datado de 12-09-2019, que indefere o pedido de reconhecimento da nulidade do Despacho proferido com a Ref.ª: .......68, datado de 07-06-2018, por omissão de pronúncia, bem como do indeferimento do reconhecimento da nulidade do despacho liminar, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 726.º, n.º 2, al. a) e 734.º, ambos do Código de Processo Civil”. Considerando o objecto do recurso, entendo que não se verifica nenhum dos casos que permitissem aos executados recorrer, autonomamente, nos termos do art. 644.º n.º 2 do CPC ex vi dos artigos 852.º e 853.º, n.º 2, do mesmo diploma. Assim, determino a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 10 dias, sobre a eventual inadmissibilidade de recurso autónomo ou justificar os recorrentes em que preceito alicerçam tal recurso – cfr. art. 655.º do CPC».

3. Os recorrentes pronunciaram-se, defendendo a admissibilidade do recurso, e acrescentando, para além do mais, que:

- «a nulidade do despacho de 07/06/2018 e, consequentemente, também do despacho 12/09/2019, objeto do recurso – resultante da falta de declaração de nulidade do despacho liminar com base na falta de requisitos essenciais do título executivo dado à execução – pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer interessado, assim como pode (e deve) ser declarada oficiosamente pelo Tribunal (cfr. art.º 286.º do Código Civil)»;

- «Por sua vez, a nulidade do despacho 12/09/2019, objeto do recurso, resultante da acima mencionada omissão de pronúncia, consubstancia, em si mesmo, um fundamento de recurso (cfr. art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 ex vi art.º 852.º, todos do CPC)»;

- «Acresce ainda que, no caso dos autos, a impugnação do despacho objeto de recurso apenas com a decisão final seria absolutamente inútil (cfr. art.º 644.º, n.º 2, al. h) do CPC)».

- «Por isso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos supra referidos e bem assim do artigo 644.º, n.º 2, al. h) ex vi art.º 852.º e 853.º, n.º 2, al. a), interpuseram, em tempo, os Recorrentes o presente recurso autónomo».

4. Por despacho singular o TR decidiu, dizendo:

“Está em causa a admissibilidade de um recurso em processo executivo, pelo que releva o disposto nos arts. 852.º e 853.º, ambos do CPC.

De acordo com o primeiro artigo referido, «aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes».

Já o segundo artigo mencionado dispõe, no seu n.º 1, sobre os recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da acção executiva, sendo que os respectivos n.ºs 2 e 3 definem, taxativamente, as decisões suceptíveis de recurso de apelação proferidas no âmbito do processo executivo stricto sensu.

É, portanto, inequívoco que não cabe apelação de decisões que não possam subsumir-se na previsão dos n.ºs 2 e 3 do art. 853.º.

No caso dos autos, estamos perante uma decisão proferida na tramitação do processo executivo em sentido próprio, tendo os recorrentes invocado o disposto no art. 644.º, n.º 2 al. h) (na verdade, os recorrentes escrevem “n.º 1” mas terá sido lapso de escrita), aplicável ex vi do art. 853.º, n.º 2 al. a).

Já o despacho que admitiu o recurso, socorreu-se do art. 853.º, n.º 1 e 644.º, n.º 1 al. a) do CPC.

Antes de mais, importa ter presente que o despacho de 06.07.2018 só poderia ser atacado por via de recurso e não mediante reclamação, como o fizeram os executados, atento o disposto no art. 615.º, n.º 4 do CPC.

Contrariamente ao que os executados defendem no seu requerimento de 09.12.2022, as nulidades processuais não estão, como é óbvio, sujeitas ao regime das nulidades dos negócios jurídicos, nomeadamente, o previsto no art. 286.º do CC, antes seguindo um regime próprio, previsto na lei adjectiva.

Desta forma, a reclamação deduzida pelos executados no dia 31.08.2018 nem sequer deveria ter sido apreciada.

Não é esse, no entanto, o fundamento do recurso, o que nos impede de conhecer desta questão (como é consabido, do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, decorre que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial) e nos compele a verificar se a decisão que recaiu sobre essa reclamação é recorrível.

Ora, a decisão em crise limitou-se a conhecer da arguição de uma nulidade do processo executivo, o que não constitui uma decisão proferida em “procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da acção executiva”, pelo que não se enquadra na previsão do referido n.º 1 do art. 853.º.

Designadamente, a nulidade arguida pelos executados não constitui um incidente da instância e a decisão sobre a mesma proferida não se traduz numa decisão que ponha termo a um incidente, mas sim numa decisão que se insere no regular andamento do processo e no controlo da legalidade dos actos nele praticados.

Tal foi, por exemplo, o entendimento seguido no acórdão da Relação de Évora, de 13.02.2012, disponível em www.dgsi.pt, onde se sumariou «As decisões intercalares que não estejam abrangidas por alguma das previsões das diversas alíneas do n.º 2 do art. 691º do CPC, como acontece, entre outros, com o despacho que defira ou indefira a nulidade da citação, são decisões que não admitem recurso imediato, embora, reunindo os pressupostos gerais da recorribilidade, possam ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão final. A decisão sobre a validade ou invalidade da citação, de iniciativa oficiosa ou suscitada por requerimento do réu, não constitui uma decisão que ponha termo a um incidente, para os efeitos da al. j) do n.º 2 do art. 691º do CPC, por não estarmos perante nenhum incidente da instância, mas sim perante o normal exercício dos poderes do julgador tendentes a assegurar o regular andamento do processo e o pleno respeito pela legalidade nos actos nele praticados».

Também no que concerne ao disposto no art. 644.º, n.º 2 al. h) - onde se dispõe caber recurso de apelação das «decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil» - carecem os recorrentes e o tribunal a quo de razão.

Tem-se entendido que o recurso cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil é, apenas, aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à impugnação apenas com o recurso da decisão final, já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns actos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos.

Conforme ensina Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª ed., 2022, p. 256 e segs., «com este preceito o legislador abriu a possibilidade de interposição de recursos intercalares quando a sujeição à regra geral do diferimento da impugnação para o recurso da decisão final, nos termos do n.º 3, importe absoluta inutilidade de uma decisão favorável que eventualmente venha a ser obtida. O advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art. 734.º, n.º 1, al. c), do CPC de 1961, para efeitos de determinar, ou não, a subida imediata do agravo. Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisão interlocutória não passará de uma "vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado».

No caso em apreço, não se verifica, manifestamente, o pressuposto exigido pela alínea h) do n.º 2 do art. 644.º, posto que, no eventual recurso da decisão final, pode ser colocado em causa o despacho que conheceu da nulidade arguida pelos executados, sem que se verifique qualquer inutilidade do mesmo, nos termos supra mencionados.

De resto, é, também, manifesto que a decisão em causa - que, repete-se, conheceu de uma nulidade processual - não se enquadra em nenhuma outra alínea do n.º 2, nem no n.º 3 do art. 853.º e, menos ainda, no art. 644.º, n.º 1 al a) citado pelo tribunal recorrido, pelo que só pode concluir-se pela inadmissibilidade de recurso autónomo.

6. Destarte, ao abrigo do preceituado nos arts. 652.º, n.º 1, al. b) do CPC, decide- se rejeitar o recurso interposto pelos executados em 19.12.2019, por a decisão de 12.09.2019, não ser recorrível.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique e, oportunamente, devolva à 1.ª Instância, dando baixa.”

5. Os recorrentes não se conformaram com a decisão indicada e foi pedida a intervenção da conferência.

6. Por acórdão, o TR confirmou o despacho reclamado, pelos fundamentos nele indicados.

7. Inconformados, AA e BB, justificando que tem direito ao recurso por via do art.º 854.º, art.º 671.º, n.º 1 e, subsidiariamente, do art.º 671.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), apresentaram recurso de revista, que obteve o seguinte despacho de admissão no tribunal recorrido:

“Os apelantes AA e BB interpõem recurso de revista do acórdão desta Relação proferido em 23.02.2023, que desatendeu a reclamação para a conferência, apresentada pelos mesmos, da decisão sumária proferida pelo relator, que rejeitou o recurso de apelação pelos mesmos interposto em 19.12.2019, por ter entendido que a decisão impugnada não era recorrível.

Dizem que o fazem nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC, e, subsidiariamente, do art. 671.º, n.º 2, al. a) do mesmo diploma.

O referido acórdão de 23.02.2023 não foi proferido sobre decisão da 1.ª instância que tivesse conhecido do mérito da causa ou posto termo ao processo, antes se tendo limitado a apreciar uma questão interlocutória que recaia, unicamente, sobre a relação processual.

Por isso, e salvo melhor opinião, dele não cabe revista para o STJ ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 671.º do CPC.

Sucede que os recorrentes invocam, subsidiariamente, a existência de contradição do referido acórdão com outros dois acórdãos de outras Relações, o que torna a revista admissível, de acordo com o estatuído nos arts. 629.º, n.º 2 al. d), e 671.º, n.º 2 al. a), do CPC (cfr., ainda, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª ed., 2022, p. 63 e segs. e 414 e segs.).

Segundo cremos, compete ao relator, na Relação, apreciar a verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade da revista (art. 641.º do CPC), cabendo, depois, ao STJ aferir do preenchimento dos requisitos específicos que condicionam a admissibilidade da revista, nomeadamente, a alegada contradição entre acórdãos (art. 671.º, n.º 2 al. a) do CPC).

Assim sendo, considerando que o sobredito acórdão desta Relação é desfavorável aos recorrentes, não obstante o valor da causa e da sucumbência ser inferior à alçada da Relação (art. 629.º, n.º 2 do CPC), que o recurso de revista foi interposto em tempo (art. 638.º, n.º 1 do CPC), que os recorrentes têm legitimidade (art. 631.º, n.º 1 do CPC) e que apresentaram alegações (art. 639.º do CPC), será de admitir o recurso de revista.

Pelo exposto, admite-se o recurso de revista, no que tange aos seus pressupostos

gerais, que subirá imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (art. 675.º e 676.º do CPC).

Notifique.

Desentranhe as antecedentes alegações de recurso de revista e forme um apenso de revista em separado, instruído com a certidão requerida pelos recorrentes, bem como com certidão do presente despacho, após o que remeta o apenso assim formado ao STJ.”

8. O acórdão do Tribunal da Relação de que vem apresentado recurso de revista foi proferido no âmbito de um processo cujo valor de causa é de 7.500 euros, inferior ao valor da alçada do Tribunal de que se recorre.

O recurso de revista pretendido não é de decisão que se enquadre no art.º 671.º, n.º1 do CPC, não pondo termo à causa através de decisão de mérito ou nas situações elencadas na lei, por absolvição da instância.

A decisão recorrida enquadra-se no art.º 671.º, n.º2 do CPC.

Com ela se conjuga o art.º 864.º do CPC, que limita os recursos que podem ser apresentados para o STJ em processos executivos.

Esta norma não prescinde da verificação dos requisitos gerais de admissão da revista, nomeadamente quanto ao valor da causa, nem mesmo nas situações em que a aplicação dessa norma convoca o regime do art.º 629.º, n.º2, alínea d) do CPC, de acordo com o entendimento do STJ sobre o sentido da norma em questão, no quadro da sua interpretação comparada com as situações elencadas no art.º 629.º, n.º2, al. a) a c).

Assim, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (corpo do nº2 do artigo 629º do Código de Processo Civil): do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (alínea d) do nº2 do artigo 629º do Código de Processo Civil).

Como vem sendo entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça (cfr, por exemplo, a decisão de 11 de novembro de 2014, in www.dgsi.pt), esta possibilidade de recurso depende dos seguintes pressupostos:

- é necessário que o acesso não esteja vedado por razões relacionadas com a alçada da Relação;

- que se verifique uma relação de identidade entre a questão que foi objeto de um e de outro acórdão;

- que exista uma efetiva contradição de decisões;

- que se verifique num quadro normativo substancialmente idêntico.

Em primeiro lugar, para que se possa invocar esta alínea d) do Código de Processo Civil, é necessário que o valor do processo seja superior à alçada da Relação (o que vimos que não é).

Como refere Abrantes Geraldes “Ao invés do que faria supor a integração da alínea no proémio do nº2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pois só assim se compreende o segmento normativo referente ao “motivo estranho à alçada do tribunal”” (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág.57)

- Neste sentido, Ac. do STJ, 26 março de 2015, consultável in www.dgsi.pt e Prof. Miguel Teixeira de Sousa, consultável em blogippc.blogspot.pt, em comentário ao Ac. do STJ, de 16 de junho de 2015 -

Cf. ainda os seguintes arestos do STJ, mais recentes (sumários do STJ, na página do Tribunal):

I - A admissibilidade de um recurso com o fundamento especial previsto na al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, não prescinde (ao contrário do que sucede com as situações configuradas nas demais alíneas que a antecedem) da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade em função do valor da causa e da medida de sucumbência, pelo que só é admissível recurso de revista para o Supremo com esse fundamento especial quando, desde logo e independentemente do demais ali previsto, o mesmo esteja vedado por motivo exclusivamente alheio à alçada do tribunal recorrido e, cumulativamente, quando o valor da causa e a medida da sucumbência o permitem nos termos gerais.

II - Interpretação essa que resulta da conjugação extraída da razão teleológica subjacente a tal específico normativo legal, da unidade do sistema recursório de uniformização, do fator histórico evolutivo do instituto ali em referência e do próprio elemento literal do preceito.

Ac. de 02-02-2022

Revista n.º 8268/21.2T8SNT.L1.S1 - 1.ª Secção

Isaías Pádua (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Maria Clara Sottomayor

A admissibilidade do recurso de revista extraordinária baseada na al. d) do art. 629.º, n.º 2, do CPC, para acórdão da Relação “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”, circunscreve-se (numa lógica de cumulação de requisitos) aos casos em que se pretende recorrer de acórdão proferido no âmbito de acção cujo valor excede a alçada da Relação, sem desrespeitar o valor mínimo de sucumbência (âmbito de recorribilidade delimitada pelo art. 629.º, n.º 1, do CPC), e relativamente ao qual, de acordo com o objecto recursivo ou a sua natureza temática, esteja excluído, por regra, o recurso de revista por motivo de ordem legal (impedimento ou restrição) alheio à conjugação do valor do processo com o valor da alçada da Relação.

Ac. de 15-03-2022

Revista n.º 17315/16.9T8PRT.P3.S1 - 6.ª Secção

Ricardo Costa (Relator)

A. Barateiro Martins

Luís Espírito Santo

Neste último aresto explicita-se melhor o entendimento formulado, dizendo (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b54629621f70bbb8802588070033d2c9?OpenDocument):

“3. O art. 629º, 2, d), do CPC, fundamento do recurso interposto pela Recorrente, circunscreve-se aos casos em que se pretende recorrer de acórdão da Relação proferido no âmbito de acção cujo valor excede a alçada da Relação, sem desrespeitar o valor mínimo de sucumbência, e relativamente ao qual, de acordo com o objecto recursivo ou a sua natureza temática, esteja excluído, por regra, o recurso de revista por motivo de ordem legal alheio à conjugação do valor do processo com o valor da alçada da Relação – requisitos cumulativos, desdobrados do pressuposto legal: recurso do acórdão da Relação «do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal».

Na verdade, a al. d) do art. 629º, 2, encontra-se reservada para as situações em que o obstáculo único para a admissibilidade da revista resulta de motivo que transcende a alçada (e a conjugação com a alçada) do tribunal recorrido. Assim, esse pressuposto negativo (e excludente da regra de admissibilidade prevista no proémio do n.º 2 do art. 629º, 2, CPC) implica que o recurso assim fundamentado está circunscrito aos casos em que se pretende recorrer de acórdão da Relação no âmbito de recorribilidade delimitada pelo art. 629º, 1, do CPC mas relativamente ao qual está excluído por princípio o recurso ao STJ por outra motivação legal (impedimento ou restrição) e, sendo esse o caso, em razão da natureza do processo (como sucede, por exemplo, com os procedimentos cautelares, nos termos do art. 370º, 2, e dos processos de jurisdição voluntária, de acordo com o art. 988º, 2, sempre do CPC).

Por outras palavras, a contradição jurisprudencial pugnada pelo art. 629º, 2, d), está apenas prevista para os casos em que, por um lado, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça está vedado e, por outro lado, está vedado por razões diversas da alçada da Relação, de modo que o impedimento do ou a restrição ao recurso não residem no facto de o valor da acção ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do nº 1 do art. 629º. Ampliaram-se deste modo as possibilidades de serem levadas à cognição do STJ contradições jurisprudenciais em 2.ª instância que, de outro modo, poderiam persistir, pelo facto de, em regra, surgirem em acções em que, apesar de apresentarem valor processual superior à alçada da Relação, não se admite recurso de revista.[2]

Veja-se o que sustenta autorizada doutrina processualista (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA) sobre o art. 629º, 2, d): “O preceito não tem, de modo algum, o sentido de admitir a revista sempre que haja oposição entre dois acórdãos da Relação, ou seja, não permite a interposição da revista de qualquer acórdão da Relação que esteja em oposição com qualquer outro acórdão da Relação; pressuposto (aliás explícito) da aplicação daquele preceito é que a revista, que seria admissível pela conjugação do valor da causa com a alçada da Relação, não seja afinal admitida “por motivo estranho à alçada do tribunal”, isto é, por um impedimento legal distinto do funcionamento da regra da alçada. Quer dizer: o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível.(…) Há uma (boa) razão de ordem sistemática para se entender que o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não pode dispensar a admissibilidade da revista nos termos gerais (sendo nomeadamente necessário, para a admissibilidade da revista, que o valor da causa exceda a alçada da Relação). O argumento é muito simples: se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista “ordinária” nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excepcional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações, seria admissível uma revista “ordinária”, não havendo nenhuma necessidade de prever para a mesma situação uma revista excepcional. (…) Visto pela perspectiva contrária: a admissibilidade de uma revista "ordinária" sempre que se verifique uma contradição entre acórdãos das Relações retira qualquer espaço para uma revista excepcional baseada nessa mesma contradição. Assim, a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excepcional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista “ordinária” não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição. Só nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.(…) (…) o regime instituído no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar de a revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida pela lei. Se se quiser resumir numa fórmula o estabelecido no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, pode dizer-se que este preceito estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal.
Atendendo à exclusão da revista por um critério legal independente da relação do valor da causa com a alçada do tribunal, há que instituir um regime que permita que o STJ possa pronunciar-se (e, nomeadamente, uniformizar jurisprudência) sobre matérias relativas aos procedimentos cautelares e aos processos de jurisdição voluntária. É precisamente essa a função do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC”.
[3] E ainda mais é acrescentado pelo Autor numa outra oportunidade: “O estabelecido no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC corresponde, no essencial, ao disposto no art. 678.º, n.º 4, aCPC (versão do DL 180/96, de 25/9 e do DL 38/2003, de 8/3), preceito que, algo estranhamente, foi revogado pelo DL 303/2007, de 24/8.
Em relação àquele art. 678.º, n.º 4, aCPC escreveu-se o seguinte: "No caso que examinamos [art. 678.º, n.º 4], existe um verdadeiro recurso de uniformização de jurisprudência das Relações, excepcionalmente admitido porque, por razões estranhas à alçada do tribunal, nunca seria admissível o acesso ao STJ (é o caso, por exemplo, das situações que caem sob a alçada dos arts. 111-4, 800 ou 1411-2 [= 988.º, n.º 2, nCPC], ou, por via do art. 66-5 CExpr., do acórdão da Relação sobre a indemnização em caso de expropriação por utilidade pública)" (Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado III (2003), 13). Está assim claro que o antigo art. 678.º, n.º 4, aCPC só era aplicável quando, apesar de o valor da causa o permitir, havia uma exclusão legal da revista. Não é facilmente compreensível, por isso, que o actual art. 629.º, n.º 2, al. d), nCPC possa ter um sentido diferente do seu directo antecessor.”
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Tal foi o entendimento acolhido pelo Tribunal Constitucional quando, no acórdão n.º 253/2018, proferido no processo n.º 699/2017 em 17/5/2018, decidiu, expressamente sobre essa questão processual, “[n]ão julgar inconstitucional a alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que o recurso aí previsto só é admissível se o valor da causa exceder a alçada do Tribunal da Relação e o valor da sucumbência exceder metade dessa alçada[6].”

Face ao exposto, nos termos conjugados do art.º 652.º e 655.º do CPC, prefigurando-se que o recurso não é admissível, convidam-se as partes e emitir a sua posição, após o que se decidirá.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Maio de 2023

(fim de transcrição)

II. Fundamentação

A situação dos presentes autos de recurso foi analisada pela relatora, nos termos do despacho convite, tendo as partes tido oportunidade de contraditar.

O recorrente limitou-se a dizer que o recurso devia ser admitido, repetindo a argumentação apresentada outrora, sem lograr sucesso no convencimento da posição que apresenta.

No despacho convite o tribunal teve oportunidade de expor as razões que justificavam a não admissão do recurso – e que não se encontram contraditadas ou ultrapassadas em face do requerimento do recorrente – estando aí expostas, com detalhe e fundamentação, a que este colectivo adere na integra, dando-se aqui por reproduzida a motivação supra transcrita e que também fundamenta a decisão de não tomar conhecimento do objecto do recurso e a não inconstitucionalidade da decisão, recurso que vai assim não admitido.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, não se toma conhecimento do objecto do recurso

Custas pelo recorrente (3 uc).

Lisboa, 14 de Setembro de 2023

Relatora: Fátima Gomes

1º adjunto: Dr Manuel Capelo (1º);

2ª adjunta: Dra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, com declaração de voto:

“Votei o acórdão porque entendo que não é admissível o recurso de revista, interposto de uma decisão de não admissão da apelação, seja por não caber no n.º 1 do artigo 671.º, seja por não ocorrer a contradição exigida pela al.d)) do n.º 2 do artigo 629.º. Não acompanho, no entanto, a interpretação perfilhada para esta al. d). Entendo que a letra, a história e a função do preceito impõem uma interpretação que não exija que o valor da causa na qual foi proferida a decisão recorrida seja superior à alçada da Relação; desde logo, porque um dos pressupostos expressamente exigidos para a admissibilidade do recurso é a de que o motivo da impossibilidade de revista seja “estranho à alçada do tribunal”».