I. A força probatória plena (art. 371.º, n.º 1, do CC) tanto dos documentos autênticos que serviram de suporte às inscrições registais a favor dos autores como dos documentos que o certificam não é posta em causa por, com base em meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, ter o acórdão recorrido entendido que o adquirente material das participações sociais dos autos foi o aqui 1.º réu.
II. A presunção registal resultante do art. 11.º do CRCom. é uma presunção iuris tantum, podendo ser ilidida mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2, do CC).
III. Na linha de jurisprudência anterior do STJ, entende-se que: (i) os juízos probatórios podem incluir segmentos de índole conclusiva, desde que estes revistam ainda a natureza de conclusões factuais; (ii) ainda que, na formulação dos juízos probatórios, se deva evitar utilizar terminologia puramente jurídica, é admissível a utilização de termos ou expressões que, no contexto em que se inserem, tenham um significado (factual) consensualizado.
IV. No caso dos autos, a ampla factualidade dada como provada (art. 217.º, n.º 1, segunda parte, do CC) permite, com toda a probabilidade, deduzir a existência de uma relação de mandato sem representação entre o 1.º réu, como mandante, e os autores, seus filhos, como mandatários, no que se refere à titularidade formal das participações sociais dos autos, bem como ao exercício formal das funções de gerentes das mesmas.
V. De acordo com a factualidade dada como provada pela Relação, bem como de acordo com o enquadramento jurídico realizado pela mesma Relação, que não merece censura, constata-se que as cessões de quotas realizadas pelo 1.º R. a favor dos demais réus, ao abrigo dos amplos poderes que lhe foram conferidos pelas procurações dos autos, mais não são do que actos pelos quais aquele, enquanto titular material das participações sociais em causa, passou a titularidade das ditas participações dos autores para terceiros.
1. AA e BB intentaram contra: 1. CC, 2.º DD, 3.º EE e esposa, FF, 4.º Quinta do M..., Lda., 5.º S....; Lda., 6.º P... - Administração de Propriedades, Lda. e 7.º T..., Lda,, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, alegando, em síntese, que os AA. são irmãos e lideram um grupo de empresas, entre as quais as 4ª, 5ª 6ª e 7ª sociedades RR., que investem em imobiliário, sendo os exclusivos titulares das participações sociais destas RR. e seus gerentes e, nesse âmbito, outorgaram duas procurações ao 1.º R., seu pai, uma pessoal e outra na qualidade de gerentes das várias sociedades, com o fim de assegurar que a gestão corrente destas fosse conduzida por alguém da sua confiança numa situação inesperada e de ausência momentânea dos AA.. Outorgaram, nomeadamente os poderes de adquirir ou ceder participações sociais pelos preços que entendesse ser conveniente, poderes estes que constituem actos de gestão corrente em sociedades cujo objecto social se centra na administração de sociedades, tendo o 1.º R., fazendo uso ilegítimo e abusivo destas procurações, cedido todas as quotas de que o 1.º A. é titular nas 4ª e 5ª RR. às 5ª e 4ª RR., respectivamente e as quotas de que é titular nas 6ª e 7ª RR. à 5ª requerida, cedendo também as quotas de que o 2º A. é titular nas 4ª e 5ª RR. à 2ª R. e ao 3º R. marido e as quotas de que o 2º A. é titular na 6ª e 7ª RR. à 5ª R..
Mais alegaram que já revogaram as referidas procurações e que estas cessões de quotas foram feitas em datas em que os AA. se encontravam presentes na sede social das sociedades e à sua revelia, com o propósito de lhes retirar o seu património, em conluio entre os 1º, 2ª e 3º RR., só tendo os AA. tomado conhecimento das cessões quando foram alertados pelo seu gestor de conta sobre uma alteração de gerência nas sociedades, sendo que têm suprimentos relativamente às RR. sociedades, que nunca receberam nada pelas cessões, as quais foram feitas pelos valores nominais, muito inferiores aos valores reais, não tendo sido concretizada a exoneração dos AA. de responsabilidades por garantias prestadas a favor das sociedades, sendo os negócios ineficazes em relação aos AA., ou anuláveis e tendo a última cessão ocorrido já depois de revogadas as procurações.
Concluíram pedindo que:
«a) Seja declarada a ineficácia e a nulidade das cessões de quotas celebradas entre o 1.º R., na qualidade de procurador dos AA., com os 2.ª, 3.º e 5.ª RR. relativamente às quotas que compõem o capital social das 4.ª, 5ª, 6ª e 7ª RR. com base na falta de representação e não ratificação do negócio pelos AA.;
b) Seja anulada a cessão de quotas celebrada entre o 1.º R., na qualidade de procurador do 1.º A., com a 5.ª R. relativamente à quota que compõe o capital social da 4.ª R. com base na celebração de negócio consigo mesmo;
c) Seja anulada a cessão de quotas celebrada entre o 1.º R., na qualidade de procurador do 1.º A., com a 4.ª R. relativamente à quota que compõe o capital social da 5.ª R. com base na celebração de negócio consigo mesmo;
d) Seja anulada a cessão de quotas celebrada entre o 1.º R., na qualidade de procurador dos AA., com a 4.ª e 5.ª RR. relativamente às quotas que compõem o capital social da 6.ª R. com base na celebração de negócio consigo mesmo;
e) Seja anulada a cessão de quotas celebrada entre o 1.º R., na qualidade de procurador dos AA., com a 4.ª e 5.ª RR. relativamente às quotas que compõem o capital social da 7.ª R. com base na celebração de negócio consigo mesmo.
Subsidiariamente, e caso se entenda não terem sido as cessões de quotas celebradas com falta de poderes por parte do Procurador pedem:
f) Seja declarada a ineficácia e a nulidade das cessões de quotas celebradas entre o 1.º R., na qualidade de procurador dos AA., com os 2.ª, 3.º e 5.ª RR. relativamente às quotas que compõem o capital social das 4.ª, 5ª, 6ª e 7ª RR. com base no abuso de representação e não ratificação do negócio pelos AA.».
E, em consequência da declaração de ineficácia e da declaração de nulidade ou anulação das cessões de quotas identificadas supra, pedem:
«g) Seja declarada a ineficácia e a nulidade das alterações aos contratos de sociedade das 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ªRR.;
h) Seja declarada a ineficácia e a nulidade das cessões de quotas relativas às 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ªRR. por falta de consentimento das Sociedades Rés à luz do disposto nos artigos 228.º, n.º 2, e 230.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais;
i) Seja ordenado o cancelamento dos registos das cessões de quotas realizados nas certidões permanentes das 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª RR., respetivamente;
j) Seja ordenado o cancelamento dos registos das renúncias à gerência dos AA., realizados com base nas aludidas cessões de quotas;
k) Seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos ou ónus que sobre as ditas quotas das 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª RR. hajam sido feitos após as ditas cessões de quotas, a favor da 2.ª, 3.º, 4.ª e 5.ª RR. ou de terceiros;
l) Seja ordenado o competente registo da sentença que venha a ser proferida nos presentes autos junto das entidades e autoridades competentes, nomeadamente junto da Conservatória do Registo Comercial;
m) Sejam os AA. dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais; e,
n) Sejam os RR. condenados no pagamento de custas, procuradoria e mais legal [sic]».
Os RR. contestaram alegando, em síntese, que os AA. não contribuíram em nada para a aquisição das sociedades RR., não lhes pertencendo as respectivas quotas e nunca as tendo gerido, tendo sido o 1.º R., seu pai, quem adquiriu as sociedades RR., pagando-as com o seu património e exercendo sempre a gerência de facto em todas elas, sendo os rendimentos dos AA. provenientes das remunerações pagas pelo 1.º R. e pelas suas empresas, mas figurando os AA. como titulares das quotas das sociedades RR. e como seus gerentes devido à existência de processos fiscais intentados contra o 1.º R., como meio de protecção do seu património, sendo essa a razão de ser das procurações em causa, mas, face a actuações dos AA. levadas a cabo sem o conhecimento do 1.º R. e contra os seus interesses, bem como à quebra de confiança deste nos filhos, não lhe restou alternativa senão a de, legitimamente e com a colaboração da 2ª e 3º RR., por serem pessoas da sua confiança, usar as procurações para, no âmbito da sua detenção das respectivas participações sociais, enquanto seu dono material e no âmbito da sua efectiva gerência, dotado dos poderes legais para o efeito, proceder às alterações societárias das 4ª, 5ª, 6ª e 7ª RR., mediante cessões que não sofrem de qualquer invalidade ou ineficácia, nas quais foi declarado que os AA. ficam exonerados de qualquer responsabilidade, resultante nomeadamente de garantias bancárias, não tendo os mesmos qualquer crédito de suprimentos e estando os cheques que constituem o pagamento das cessões em poder do 1.º R., sendo que não foi comunicada ao 1.º R. a revogação das procurações em data anterior à data da celebração das cessões, nomeadamente da última.
Concluíram pedindo a improcedência da acção e a absolvição dos pedidos.
Findo o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido, condenando os AA. nas custas do processo, incluindo o remanescente da taxa de justiça.
Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.
Os RR. contra-alegaram, pedindo a ampliação do objecto do recurso de apelação.
Por acórdão de 21-12-2022 o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
2. Vêm os AA. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por via normal, e, subsidiariamente, por via excepcional, formulando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação que, julgando improcedente o recurso de apelação, confirmou a sentença recorrida.
2. Por não concordarem com o Acórdão Recorrido os Recorrentes vêm interpor Recurso de Revista ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 e n.º 3 a contrario do Código de Processo Civil, e subsidiariamente, caso se entenda pela verificação da existência de dupla conforme entre a decisão proferida pelo Tribunal a quo e o Tribunal de 1.ª instância, vêm interpor Recurso de Revista Excecional ao abrigo do artigo 672.º n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, alíneas a) e b).
3. Ora, encontra-se consagrada, enquanto regra, a restrição ao recurso de revista em caso de dupla conforme – confirmação, sem voto de vencido, da decisão de 1.ª instância.
4. Não obstante, e para a existência de dupla conformidade entre as duas decisões é necessário que seja empregue em ambas as decisões fundamentação substancialmente idêntica, ou seja, para que se encontre vedado o acesso ao recurso de revista segundo as regras gerais, o acórdão da Relação deverá conter-se aos limites da fundamentação substancial empregue pelo tribunal a quo.
5. Nestas situações, como a que estamos aqui perante no caso sub judice, e embora a decisão final seja idêntica, a diversidade do percurso jurídico acaba por revelar duas decisões substancialmente diversas, não se justificando, portanto, a ablação do terceiro grau de jurisdição e restrição ao Supremo Tribunal de Justiça.
6. Ora, no presente caso, e avaliando o conteúdo de ambas as decisões, a fundamentação empregue pelo Tribunal da Relação para julgar a apelação interposta pelos AA. revela-se substancialmente diversa da que foi utilizada pela 1ª instância para declarar a improcedência dos pedidos dos AA.
7. No acórdão recorrido, e como procuraremos salientar, a diferença residiu maioritariamente na argumentação levada acabo pelo Tribunal a quo do instituto da interposição real de pessoa e da existência de um contrato de mandato sem representação.
8. Desde logo, iniciou o Tribunal da Relação a exposição da sua argumentação definindo como ponto de partida que “a primeira questão a apreciar é a de saber a quem pertenciam as quotas aquando da sua transmissão, impugnada nos autos”.
9. De facto, na argumentação levada a cabo pelo Tribunal a quo, é definido, logo à partida, que nas quatro aquisições das participações sociais aqui em questão, figurou como adquirente o 1º R. CC, embora nos respetivos atos jurídicos figurassem como adquirentes os AA., concebendo-se uma situação de interposição de pessoa nos referidos negócios jurídicos.
10. Entendeu, pois, o Tribunal a quo que, no caso dos autos, esta ‘interposição real de pessoa’ se demonstrava por ter sido o 1º R. a custear as aquisições pelos AA. das participações sociais, conclusão que, de facto, o Tribunal de 1.ª instância nunca extraiu dos factos aqui em causa e que determina uma enorme disparidade entre a substância das decisões.
11. Em primeiro lugar, e desde logo, relativamente às conclusões extraídas pelos dois tribunais quanto à análise do vício apontando pelos AA. relativo a invalidade das cessões de quotas por falta de poderes de representação do 1º R. as conclusões extraídas e as respectivas fundamentações foram, na verdade, completamente diferentes.
12. O Tribunal a quo refere que as quotas não pertencem aos AA. e que a relação que existia entre as partes consubstanciava um mandato sem representação, sendo o 1.º R. o mandante e os AA. mandatários e, como tal, cabia aos AA. restituir as participações sociais quando solicitado pelo 1.º R., nos termos dos artigos 1161.º alínea a) e 1181.º n.º 1 do Código Civil.
13. Neste sentido, as procurações constituíram apenas o instrumento para concretizar a devolução das participações, não existindo uma efetiva transmissão destas participações de que os AA. só tinham titularidade formal.
14. Por sua vez, o Tribunal de 1.ª Instância constatou apenas na sua decisão que a procuração atribuía os poderes necessários para a cessão das participações sociais e considerou que a falta de poderes para receber preços, dar quitação, ceder direitos inerentes às participações e renunciar à gerência das sociedades em nome dos AA. não conduz à ineficácia das cessões por falta de poderes, uma vez que tais atos não possuem autonomia.
15. Acrescentou ainda o tribunal de 1ª instância quanto à falta de poderes para representar as sociedades na renúncia ao direito de preferência na aquisição das quotas que tal questão só pode ser suscitada pelas mesmas e que, como tal, os AA. não vêm aos autos na qualidade de representantes das sociedades.
16. De modo oposto, e em total violação do estatuído no Código das Sociedades Comerciais e do Registo Comercial, referiu o Tribunal da Relação quanto à mesma questão, que as sociedades já pertenciam ao 1.º R. e continuaram a pertencer-lhe, sendo o único sócio para deliberar a aceitação e renúncia do direito de preferência, assim como para se autonomear [o 1.º R.] para a respetiva gerência.
17. Quanto à temática do abuso de representação existiu, de igual modo, disparidade entre as conclusões jurídicas das duas instâncias.
18. Entendeu o Tribunal de 1.ª Instância que só perante a relação subjacente da procuração poderia ser decidido o carácter abusivo do agir representativo e que nenhuma das partes tinha logrado em provar a sua versão da factualidade consubstanciadora da função económico-social das procurações, cabendo, contudo, aos AA. o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretendiam invocar.
19. O Tribunal a quo, seguiu, contudo, por outra via de fundamentação e aplicação da lei, totalmente díspar em relação à decisão da 1ª instância, entendendo que “o facto de as cessões terem sido celebradas sem que fosse essa a vontade dos autores apenas ocorre porque, nos desentendimentos existentes entre o 1º réu e os autores, não se afigurava como viável que estes cumprissem a sua obrigação, como mandatários, de restituição ao 1º réu das participações sociais, servindo a procuração em causa precisamente para o 1º réu poder ter autonomia na gestação das participações sociais e tendo a sua utilização nas alterações societárias permitido o seu retorno à esfera jurídica do 1º réu, a quem era devida essa restituição por força dos mencionados artigos 1161º e 1181º do CC.”
20. Quanto à questão do negócio consigo mesmo refira-se ainda que entendeu o Tribunal da Relação que simplesmente inexistia conflito de interesses, uma vez que a procuração foi outorgada a favor do 1.º R. e, como tal, não poderia este extrair benefício que não lhe fosse devido – novamente subsumindo todo o seu raciocínio à volta da “interposição real de pessoa” e da suposta relação de “mandato sem representação” existente entre as partes.
21. No entendimento do Tribunal de 1.ª Instância, tendo em conta a origem das sociedades e as razões pelas quais as participações sociais e a gerência foram registadas em nome dos AA., será de considerar como afastado o conflito de interesses e, deste modo, a possibilidade de dano ou prejuízo com a atuação do 1.º R..
22. Relativamente à simulação da transmissão das quotas, o Acórdão recorrido limita-se a defender que “inexiste um pacto simulatório entre o 1º réu (que se verificaria na sua qualidade de representante, em conformidade com o artigo 259º nº1 do CC), e a 2ª ré e o 3º réu, uma vez que o que teve lugar, como também já acima se expôs, foi um negócio com interposição real de pessoa, em que estes réus agiram em nome próprio, mas por conta e interesse do 1º réu, como mandatários sem representação, na mesma situação em que, antes deles, os autores também o fizeram.”
23. De modo diferente, quanto a este tema sustenta o Tribunal de 1.ª Instância que os AA. não alegaram o facto essencial que é a existência de um acordo simulatório, para além de constatar que não é possível afirmar que se tratou de negócio gratuito e, portanto, que não foi pago o preço.
24. Neste sentido, demonstra-se evidente que a fundamentação de cada uma das decisões é substancialmente diferente: girando a decisão de 1ª instância claramente na falta de evidência apresentada pelos AA. para a admissibilidade dos vícios apontados, enquanto a decisão da Relação, de forma quase antagónica, se respalda tão só e exclusivamente na figura do mandato sem representação e do negócio por interposição real de pessoa para dispensar os vícios apontados pelos AA.
25. Significa isto que estamos perante uma diversidade estrutural e radical, no plano da subsunção e enquadramento normativo da matéria litigiosa adotada no acórdão proferido pela Relação em relação à decisão de 1ª instância.
26. Configura tal situação uma modificação substancial da fundamentação jurídica, sendo de considerar que se encontra preenchido o requisito formulado pela segunda parte do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, dignando-se como admissível o presente recurso de revista, nos termos do artigo 671.º do mesmo diploma legal.
27. Assim sendo, cabe nos termos do artigo 674.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil abordar os erros de interpretação e aplicação do direito constantes das decisões proferidas pelas duas instâncias, com ênfase no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e do qual se interpõe recurso.
28. Ora, o regime do mandato – aqui particularmente em causa um alegado mandato sem representação – é um regime extremamente particular e único que procura assegurar a transmissão dos resultados da interposição do mandatário (sem representação) para a esfera jurídica do mandante, nos termos do artigo 1181.º do Código Civil.
29. Sendo que, o que caracteriza o mandato sem representação é a circunstância de o mandatário agir nomine proprio, tornando-se verdadeiramente titular dos direitos adquiridos no âmbito do mandato, com a respetiva obrigação de, posteriormente, ter de transferir para o mandante a titularidade dos direitos adquiridos.
30. Contudo, e tendo em conta o regime do mandato e o caso sub judice levantam-se aqui várias questões que obstam à existência de mandato neste caso.
31. Em primeiro lugar, o mandato enquanto negócio jurídico pressupõe a existência de uma proposta negocial por parte do mandante, isto é, o interesse de determinada pessoa na realização de um negócio sem intervenção própria, e de uma aceitação por parte dos mandatários, exprimindo uma total concordância com o teor da declaração do mandante.
32. Contudo, nos autos, não ficou provado a existência de uma proposta negocial por parte do 1.º R. para a constituição de um mandato, no âmbito do qual deveriam os AA. adquirir as quotas e suprimentos por sua conta.
33. No mesmo sentido, não ficou, de igual modo, provada a existência de uma aceitação de tal proposta negocial por parte dos AA., ainda que, sendo o mandato um negócio sem exigência de forma, se pudesse induzir da conduta do destinatário a disposição de aceitação.
34. Como tal, e sendo indispensável para a formação do mandato que as partes tenham formado um mútuo consenso para estas se encontrarem vinculadas, não se poderá concluir que existe aqui o vínculo que o mandato pressupõe!
35. Conclui-se, então, que inexiste o acordo de vontades por não ter sido provado que os atos dos AA. foram praticados por conta do 1.º R., inexistindo aqui um mandato sem representação.
36. Não tendo, inclusive o Tribunal de 1.ª Instância feito qualquer referência a tal subsunção da relação entre as partes a esta figura jurídica do mandato sem representação.
37. Saliente-se, ainda, o facto de o Tribunal a quo ter ido contra o princípio da presunção da verdade registal dos documentos de aquisição das participações sociais pelos AA., que consta do artigo 11.º do Código do Registo Comercial.
38. Acrescente-se ainda que, nos termos do artigo 371.º n.º 1 do Código Civil, os documentos aqui em causa fazem prova plena dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.
39. Ora, de facto e apesar da posição do Tribunal a quo para a conclusão da aplicação do regime do mandato se ter sustentado no facto de os AA. não terem feito prova da sua capacidade económica para a aquisição das participações sociais, é de salientar que não lhes cabia o ónus de tal prova, uma vez que gozavam de uma presunção de titularidade constante do artigo 11.º do Código de Registo Comercial.
40. Cabia então aos RR. a ilisão de tal presunção, sendo de admitir que, de facto, não lograram estes em fazê-lo, limitando-se a provar transferências realizadas pelo 1º R. a favor dos AA., sem conseguindo, contudo, provar a ligação de tais transferências a uma declaração negocial nos termos de um contrato de mandato – razão pela qual será de entender pela inexistência do mesmo.
41. Sendo de concluir, portanto, que as poucas transferências que foram realizadas pelo 1º R. para os AA. o foram a título de doação e no espírito de liberalidade do 1.º R., sendo certo que a maioria das participações sociais foi adquirida pelos AA. com recurso a meios próprios, conforme ficou provado nos autos por documento.
42. Todavia, ainda que, de facto, fosse admitida a existência de um contrato de mandato sem representação – o que por mero dever de patrocínio se concebe, mas não se concede – ainda surgem muitas questões às quais o Tribunal a quo não deu provimento e que verdadeiramente abalam as conclusões extraídas por este.
43. Em primeiro lugar e, desde logo, quanto à restituição da propriedade das quotas.
44. Refere, então, o Tribunal a quo que o que sucedeu, de facto, foi ‘simplesmente’ a devida restituição das quotas por força dos artigos 1161º e 1181º do CC
45. Refira-se, desde já, que não ficou provado – não tendo sido sequer alegado nos autos pelos RR. – qualquer pedido de restituição por parte do alegado mandante, ora 1º R., dos direitos adquiridos pelos mandatários. Motivo pelo qual o Tribunal a quo não podia assumir que o 1º R. pretendia tomar posse das referidas participações.
46. Ademais, e neste âmbito, não poderá deixar de se realçar que o que de facto existiu no caso sub judice não foi uma restituição [para o 1º R.], mas antes uma venda das participações sociais pelo 1º R. a terceiros.
47. Aqui chegados, é importante salientar o facto de o mandato ser, presumidamente, de carácter gratuito, nos termos do disposto no artigo 1158.º n.º 1 do Código Civil.
48. Como tal, não tem o menor provimento a argumentação levada a cabo pelo Tribunal a quo de que as cessões de quotas realizadas pelo 1º R. para a 2ª R. e 3º R. tenha consubstanciado a restituição [para si] dos direitos adquiridos pelos mandatários, ora AA. no exercício do mandato.
49. Aliás, esta tese está em total contradição com a decisão do Tribunal da 1.º instância, que deu como provado que: “o preço das cessões – o valor nominal das quotas – não foi entregue pelo 1º R. aos AA. Porém, desse facto não se retira a gratuitidade das cessões, mas apenas e tão só o incumprimento da obrigação do 1º R. de entregar aos AA. o preço. É um problema das relações internas entre ambos.”
50. Ora, entendeu o Tribunal de 1ª Instância que havia uma verdadeira obrigação do 1.º R. de entregar aos AA. o preço das cessões de quotas, obrigação essa que foi incumprida pelo 1º R. – o que afasta, sem dúvida, a tese da existência de um suposto mandato gratuito.
51. As razões acima expostas são a prova cabal de que não estamos in casu perante um mandato sem representação, porquanto este pressupõe uma verdadeira restituição - no sentido de uma cedência para o mandante - e não uma venda!
52. Vai, ainda, sindicado o acórdão recorrido na parte da alegada restituição dos direitos adquiridos pelos mandatários no exercício do seu mandato: porquanto se tratou in casu de uma “restituição” feita para terceiros.
53. Com efeito, a ser verdade, o que não se concede, a tese que o Tribunal a quo pretende sustentar de que os AA. são mandantes e as cessões de quotas impugnadas pelos AA. representam uma restituição, pelo facto de pertencerem ao 1.º R., não se percebe por razão tal restituição foi realizada para a 2ª R. e 3º R, e não para o mandante, o ora 1º R.
54. Considerando que, o propósito da restituição é, de facto, que os direitos adquiridos no âmbito do mandato regressem à esfera jurídica do mandante, não se pode deixar de constatar o óbvio – não regressaram!
55. A verdade é que também neste segmento da decisão recorrida o Tribunal a quo claudicou de forma manifesta, porquanto não conseguiu, nem tão pouco podia conseguir, fundamentar que nos presentes autos se verificou uma verdadeira restituição das quotas para o mandante.
56. Uma última nota a este respeito para salientar que, a conceder-se por mera hipótese de raciocínio a tese do Tribunal a quo, não assistia ao mandante a possibilidade de tomar posse das participações sociais que considerava suas, restando-lhe apenas, face ao suposto incumprimento da obrigação de restituição pelos AA., intentar ação de indemnização por perdas e danos, nos termos do Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça, de 11-05-2000, Processo n.º 00B229 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-01-2020, Processo n.º 238/19.7T8PVZ.P1.
57. Daqui se extrairá então uma e única conclusão: não estava dentro da disposição do 1º R. tomar posse das participações sociais que considerava suas, muito menos por via duma cessão de quotas mediante compra e venda celebrada com terceiros.
58. Em face do exposto, não poderá proceder a fundamentação elaborada pelo Tribunal a quo porquanto não se poderá subsumir, de qualquer forma, a situação aqui presente nos autos à de um mandato sem representação.
59. Perante esta conclusão, reiteramos aqui as conclusões defendidas pelos Ilustres Professores Doutores Menezes Cordeiro e Menezes Leitão a propósito desta mesma temática nos doutos Pareceres juntos pelos AA. aos autos e cujas citações acima mencionadas se dão aqui por integralmente reproduzidas.
60. Sendo certo que, não se podendo, de forma alguma concluir que existiu aqui um mandato sem representação como o Tribunal a quo decidiu, terá de se considerar que o procurador atuou à revelia dos seus representados, aqui AA., que não lhe transmitiram quaisquer instruções no sentido da alienação das referidas quotas – inclusivamente tendo ficado como provado nos autos que a 2ª R. e o 3º R sabiam perfeitamente que tal ia contra o interesse destes.
61. Termos em que se terá de concluir pela ausência de poderes do procurador para a celebração das cessões de quotas em questão.
62. Destarte, e nos termos do artigo 268.º do Código Civil, tal consubstanciará uma representação sem poderes, tornando as cessões realizadas ineficazes perante os AA., mantendo-se as participações sociais em questão na esfera destes.
63. Ora, ainda que se considerasse que o 1.º R. tinha poderes para a prática dos atos no âmbito das procurações outorgadas pelos AA., sempre teria de se considerar que este agiu em manifesto abuso de representação – o qual a 2.ª R. e 3.º R. conheciam, tal como ficou provado nos autos.
64. Motivo pelo qual os negócios praticados são ineficazes em relação aos AA. nos termos do artigo 269.º do Código Civil.
65. Verifica-se ainda que, uma vez que os AA. não receberam qualquer contrapartida pelo negócio, estamos aqui perante doações para as quais o 1.º R. não tinha poderes para a sua celebração, sendo de considerar, novamente, que os negócios de cessão de quotas celebrados são nulos por força do estipulado no artigo 294.º do Código Civil, uma vez que consubstanciam negócios simulados e o negócio simulado não poderia ser realizado.
66. Outra das questões a decidir neste recurso de revista diz respeito à decisão do Tribunal a quo no âmbito da ampliação do recurso apresentada pelos RR. Recorridos, de alteração da matéria de facto dada como provada.
67. Assim, o acórdão recorrido veio alterar a decisão sobre a matéria de facto, decidindo dar como provado o seguinte facto, dado como não provado pelo Tribunal de 1ª Instância:
“3.2.12. A outorga daquelas procurações pretendia conferir ao 1º R. todos os poderes jurídicos necessários para continuar a administrar e a dispor de todo o património imobiliária e mobiliário, como se fosse seu, isto é, em igualdade de condições como se estivesse na sua titularidade formal.”
68. Tendo considerado a este propósito que “As declarações do 1º réu, da 2ª ré e do 3º réu confirmam no essencial este ponto de facto não provado.”
69. Ora, sucede, contudo, que esta alteração da matéria de facto realizada pelo Tribunal a quo padece de profunda errada interpretação, a qual tinha sido decidida – e bem – pelo Tribunal de 1ª Instância ao considerar tal matéria de facto como não provada.
70. A errada decisão do Tribunal a quo é, desde logo, comprovada pelo facto de as procurações usadas pelo 1º R. dizerem respeito a apenas 4 sociedades, das 16 de que os AA. eram titulares.
71. Logo, se a conclusão do Tribunal a quo de que “A outorga daquelas procurações pretendia conferir ao 1º R. todos os poderes jurídicos necessários para continuar a administrar e a dispor de todo o património imobiliária e mobiliário, como se fosse seu” fosse correcta e verdadeira então a procuração englobaria todas as sociedades dos AA. e não apenas quatro das dezasseis de que são [eram] titulares.
72. Por outro lado, analisando esta decisão e fundamentação do Tribunal a quo, não se poderá deixar de referir que a terminologia aqui utilizada de “titularidade formal” consubstancia verdadeiramente uma qualificação jurídica, e não um facto!
73. Qualificação jurídica esta que se revela altamente indiciosa – especificamente uma qualificação jurídica que o Tribunal a quo atribui em decorrência da subsunção da factualidade a um contrato de mandato sem representação.
74.Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28-06-2018, Processo n.º 170/16.6T8MMN.E1: “Como assim, mesmo no âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
75. Neste sentido, está aqui em causa a utilização pelo Tribunal a quo de uma expressão que reconduz, evidentemente, à formulação de um juízo conclusivo: o da aplicação do contrato de mandato sem representação – sendo que tal conclusão deveria ser extraída apenas dos factos materiais que se integram no thema decidendum.
76. De facto, a realidade da factualidade do caso sub judice é outra: a titularidade das participações sociais pelos AA., sendo essa a informação extraída das entidades registais.
77. Neste sentido, e como tal, deverão tais factos dados como provados ser dados como não provados por este douto Supremo Tribunal de Justiça, ou, caso assim não se entenda, ser os mesmos expurgados do conteúdo da decisão, eliminando qualquer tipo de carácter conclusivo da matéria factual dada como provada.
78. Face ao exposto, deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido por estar sustentado numa fundamentação essencialmente diferente da sentença da 1º Instância e, por ademais, não ser admissível in casu a interpretação e fundamentação jurídica seguida pelo Tribunal a quo de existência de um mandato sem representação, por interposição real de pessoa.
[excluem-se as conclusões exclusivamente relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]
86. Neste sentido, verifica-se uma manifesta necessidade de apreciação da questão, dada a sua relevância jurídica, sobre a possibilidade da ilisão de força probatória de documentos autênticos face a outro tipo de provas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.
87. De facto, negou o Tribunal a quo provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes entendendo que existia aqui uma situação de mandato sem representação e interposição real de pessoa, sendo os AA. mandatários sem poderes do 1.º R., tal contrariando a publicidade registal e o instrumento notarial, dos quais decorria que há mais de 10 (dez) anos eram os AA. os sócios-gerentes das sociedades aqui em causa, e ainda a presunção decorrente do artigo 11.º do Código de Registo Comercial.
88. Ora, tendo em conta que as declarações de parte são livremente apreciadas pelo juiz, nos termos do artigo 466.º n.º 3 do Código de Processo Civil, são várias as vias possíveis para o nível de valoração que o Tribunal atribuirá à prova das declarações de parte.
89. De igual modo refira-se que, na nossa doutrina, é defendido por Luís Filipe Pires de Sousa que a ratio assumida nos artigos 393.º a 395.º do Código Civil referente à exclusão da prova testemunhal, deve também ser aplicada à prova por declarações de parte, tendo em conta o grau de segurança jurídica que deve ser exigido às partes.
90. Mas estando perante presunções legais e documentos autênticos que possuem força probatória plena, deveriam as exigências necessárias para a ilisão por prova em contrário ser muito mais exigentes, não estando explicito na nossa jurisprudência qual o grau e tipo de provas capazes de ilidir tais presunções.
91. De facto, e apesar do esforço da jurisprudência neste sentido, ainda surgem muitas questões quanto à possibilidade de provar a existência de mandato sem representação e, consequentemente, ilidir a força probatória de documentos autênticos que sustentam que os mandatários são, de facto, os titulares dos direitos em questão – revestindo tal temática fundamental relevância jurídica, suscetível de exigir a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em prol de uma melhor aplicação do direito.
92. Tal justifica-se uma vez que a possibilidade de comprometer o valor probatório de documentos exarados por autoridade dotada de fé pública pode comprometer gravemente a segurança no tráfego jurídico se não forem colocados limites a tal possibilidade de ilisão por prova em contrário, nomeadamente declarações de parte.
93. Permanece aqui, então, a questão de quais os meios de prova suficientes para afastar a presunção de titularidade imposta pelos artigos 360.º do Código Civil e artigo 11.º do Código do Registo Comercial, especificamente para provar a existência de contrato de mandato sem representação.
94. Questionando-se, nesta sede, se tal ilisão pode ser realizada por qualquer tipo de prova, nomeadamente declarações de parte (interessadas), e qual o grau de convicção e sustentação exigido para o afastamento de uma presunção de um nível destes, possuindo tal questão grande complexidade e novidade, por não estar ainda devidamente abordada pela jurisprudência e doutrina, demonstrando-se uma necessidade de elucidação sobre tal matéria.
[excluem-se as conclusões exclusivamente relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]
96. De facto, havendo registo a favor dos sócios-gerentes e outorgando estes mais de 10 (dez) naos depois da aquisição das quotas procuração notarial a favor do seu pai, ora 1.º R., quanto a 4 das suas 16 sociedades, coloca-se a questão se se poderá sustentar que é este o titular material das participações sociais e seu gerente de facto.
97. Tal questão coloca-se dado que é extremamente comum, no âmbito de sociedades familiares, que se entregue progressivamente o controlo aos descendentes, de modo a assegurar a continuidade e preservação da sociedade após a morte do patriarca e originar detentor, não obstante a manutenção de um papel de gestão ou auxílio.
98. Contudo, o entendimento de que um patriarca da família que detém um grupo de empresas é, na verdade, o titular material de toda e qualquer participação social que os filhos adquiram – quer com fundos próprios quer com fundos doados pelo pai e mesmo tratando-se de quotas de sociedades que integram o grupo económico familiar – constitui uma grave entorse ao efeito presuntivo do registo consignado no artigo 11.º do Código do Registo Comercial.
99. Isto porque, e como importa relembrar, o efeito presuntivo do registo decorrente da fé pública registal é absolutamente essencial para o normal funcionamento do tráfego jurídico-comercial, assentando o tráfego jurídico-comercial na confiança provocada e gerada pela publicidade organizada do registo.
100. Ficando ainda dúbio quais os pressupostos da existência de uma interposição real de pessoas que contrariem o vertido em contratos formais.
[excluem-se as conclusões exclusivamente relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]
106. Entenderam as instâncias como adequado o valor da taxa de justiça a pagar, face à complexidade das questões de facto e de direito suscitadas nos presentes autos, e nomeadamente a extensão dos articulados, a prova documental carreada para os autos e ainda a duração da audiência final.
107. É, pois, de se notar que a taxa de justiça constitui a contrapartida pelo serviço do Tribunal que é suportada pelo particular que realizou um impulso processual e que assenta, nos termos combinados do art.º 6.º, n.º 1, do art.º 11.º e da Tabela I, todos do Regulamento das Custas Processuais, em via de regra, no valor da causa.
108. E que, quando exceder o valor da causa os 275.000 euros leva a que sejam devidas 3 UC por cada 25.000 euros ou fração que excedam tal fasquia, podendo, no entanto, nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, o juiz, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
109. Verifica-se, pois, que não existe uma tipicidade taxativa de fundamentos de dispensa do remanescente da taxa de justiça, sem prejuízo de se dever atender aos fatores supracitados.
110. Sendo, deste modo, de se ter em consideração a concreta alocação de recursos feita aos autos e o valor do remanescente da taxa de justiça a liquidar no caso concreto, tendo-se sempre ainda em mente que o valor da causa pode tão-só indiciar uma maior ou menor complexidade da causa, não existindo causalidade entre ambas.
111. Ora, verifica-se, e ponderados os valores praticados à data da tramitação do processo em 1.ª instância, que o valor do remanescente da taxa de justiça excede largamente os custos da administração da Justiça verificados in casu.
112. É, pois, ponto assente na jurisprudência nacional que deve o remanescente da taxa de justiça ser dispensado sempre que a sua imputação gere uma situação de grave desproporcionalidade entre a atividade judiciária e o montante liquidado – sob pena de, não se procedendo a tal dispensa, se violar o direito fundamental ao acesso à justiça!
113. Verifica-se, então, que as taxas de justiça constituem restrições ao exercício do direito fundamental de acesso à justiça, devendo, pois, ser filtradas pelo princípio da proporcionalidade, nisto concorrendo o carácter sinalagmático da relação que subjaz à aplicação de uma taxa.
114. Conclui-se, portanto, que a interpretação conforme à Constituição do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais é a de que o juiz está investido no dever de proceder à dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça quando esta for desproporcional ao custo da administração da Justiça.
115. E, decorrendo ainda a aprovação do Regulamento das Custas Processuais da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2007, deve ter-se em consideração que o sentido e a extensão da autorização legislativa concedida foi de que se deveria estabelecer um sistema de custas processuais simplificado, assente no pagamento único de uma taxa de justiça e no pagamento de encargos que reflitam os custos efetivos da justiça, prevendo-se critérios de fixação da taxa de justiça variáveis em função não apenas do valor atribuído ao processo mas também da efetiva complexidade do mesmo.
116. Fica, deste modo, confirmado que a interpretação do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais conforme à lei habilitante tem de ser no sentido de se dever sempre proceder a essa dispensa quando exista desproporcionalidade entre a taxa de justiça e o custo efetivo da justiça.
117. Nota-se ainda que, fixando o art.º 6.º, n.º 1, o art.º 11.º e a tabela I, todos do Regulamento das Custas Processuais, o valor da taxa de justiça, como regra geral, em função do valor da causa, violam, deste modo, o disposto no art.º 2.º, n.º 1, alíneas b) e c), da Lei n.º 27/2007, enfermando, pois, do desvalor da ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, nos termos do art.º 112.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
118. Vício esse que se invoca expressamente para os efeitos previstos no art.º 280.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa e do art.º 70.º, n.º 1 alíneas c) e f) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
119. Conclui-se, deste modo, que deve ser revogado o acórdão recorrido e, consequentemente, reformada a decisão a quo quanto a custas, dispensando-se os Recorrentes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.».
Terminam pedindo, no que ora importa, que seja admitido e julgado procedente o presente recurso de revista, por estar o acórdão recorrido sustentado numa fundamentação essencialmente diferente da sentença da 1.ª instância; e, consequentemente, pugnando pela revogação do acórdão recorrido.
Os RR. contra-alegaram concluindo nos termos seguintes:
«A) É o presente recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, que, decidindo julgar improcedente a apelação, confirmou a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, porque os Recorrentes entendem que, não obstante a existência de dupla conforme, aquele acórdão fê-lo mediante fundamentação essencialmente diferente.
B) Sobre a densificação da expressão “fundamentação essencialmente diferente” refere ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª Edição, Almedina, 2016, pp. 316-318 o seguinte: “A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso de outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1ª instância.” (realces e sublinhados nossos).
C) No mesmo sentido, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, em Direito Processual Civil, Volume II, 2ª edição, Almedina, 2019, p. 580, refere o seguinte: “Para que se possa concluir pela existência de fundamentação essencialmente diferente, torna-se, pois, mister que a sentença e o acórdão recorrido tenham seguido orientações jurídicas distintas, sendo, porém, irrelevantes as discrepâncias marginais ou a mera densidade do discurso fundamentador.”
D) No caso “sub judice”, a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, quanto aos pedidos de declaração de ineficácia e nulidade das cessões de quotas dos AA., representados pelo 1º Réu, para os 2º a 5º RR., feitas em Junho e Julho de 2018, com base na falta de poderes de representação, abuso de representação e não ratificação desses negócios, e anulação dessas cessões com base na celebração de negócio consigo mesmo, os mesmos foram julgados improcedentes com fundamento na procuração referida no ponto 3.1.65 dos factos provados, outorgada a título pessoal pelos AA. a favor do 1º Réu, e seu contexto, ou seja, relação subjacente à emissão daquela procuração.
E) Na fundamentação dessa decisão consta o seguinte: “Tendo em consideração a origem das sociedades – a actividade desenvolvida pelo 1º R. ao logo de mais de 40 anos – e as razões pelas quais as participações sociais e a gerência foram inscritas em nome dos AA. – as imputadas dívidas ao fisco por parte do 1º R. – impõe-se considerar estar afastado o conflito de interesses e, assim a possibilidade de dano ou prejuízo com a actuação do 1º R., relativamente às supra referidas cessões.”
F) E acrescenta-se: “Neste ponto importa referir que em momento algum da petição inicial os AA. invocaram qualquer facto aquisitivo das participações sociais (limitando-se a uma alegação vaga, genérica e inaproveitável a não ser nos estritos limites já referidos supra) e, nomeadamente, a doação, o que também não seria viável, uma vez que umas foram adquiridas de terceiros – Quinta do M..., Lda. e S....; Lda. – e outras foram inscritas originariamente em seu nome – P... - Administração de Propriedades, Lda. e T..., Lda – sendo que também em parte alguma alegam que o 1º R. lhes doou os recursos financeiros necessários para tais aquisições e a mesma estaria afastada face à factualidade provada, que não traduz qualquer vontade de doação, mas apenas de uma intenção (legítima ou ilegítima não está aqui em discussão) de salvaguarda do património face à possibilidade de apreensão pelo fisco.”
G) Por seu turno, no acórdão da Relação ora recorrido, quanto à questão prévia sobre a titularidade das quotas objeto de cessão, isto é, quanto a saber a quem pertenciam as quotas aquando da sua transmissão (em 2018), impugnada nos autos, ateve-se, com base nos factos dados como provados, que o 1º Réu, para evitar que o seu património fosse penhorado e vendido judicialmente, colocou os seus filhos na titularidade das sociedades Rés, face ao grau de proximidade familiar e extrema confiança que depositava nos mesmos.
H) Desta forma, o acórdão da Relação ora recorrido considerou que nas quatro aquisições das participações sociais das sociedades Rés de 2002, 2004, 2010 e 2014, foi então adquirente o 1º Réu, mas, nos atos jurídicos respetivos, figuraram como adquirentes os Autores, havendo, pois, interposição de pessoa nesses negócios jurídicos.
I) Sendo uma interposição real de pessoa, o acórdão da Relação ora recorrido entendeu constituir aquela um mandato sem representação, por força do qual (artigos 1161º, al. a) e 1181º, nº 1, ambos do Código Civil) os AA. estavam obrigados a restituir ao 1º Réu as participações sociais assim adquiridas logo que este o solicitasse.
J) Sendo que na fundamentação do acórdão da Relação ora recorrido consta o seguinte: “…, servindo a procuração em causa precisamente para o 1º Réu poder ter autonomia na gestação das participações sociais e tendo a sua utilização nas alterações societárias permitido o seu retorno à esfera jurídica do 1º Réu, a quem era devida essa restituição por força dos mencionados artigos 1161º e 1181º do CC.”
K) Face ao exposto, o acórdão da Relação ora recorrido concluiu, quanto aos mesmos pedidos decididos pela sentença da 1ª instância, pela não verificação da invalidade das cessões de quotas por falta de poderes de representação do 1º Réu para as outorgar, por abuso de representação e por negócio consigo mesmo.
L) Assim, confrontando o percurso decisório de ambas – sentença da 1ª instância e acórdão da Relação – parece curial concluir não existir uma fundamentação essencialmente diferente no tocante ao objeto recursivo, constituindo o entendimento jurídico da figura do mandato sem representação e suas consequências legais, perfilhado pelo acórdão da Relação ora recorrido, um mero aditamento de outro fundamento jurídico que não tinha sido considerado, ou o reforço da decisão recorrida através do recurso de um outro argumento para sustentar a solução alcançada, mas sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1ª instância.
M) Pelo que, não se encontrando preenchido o requisito formulado pela segunda parte do nº3 do artigo 671º do CPC quanto à existência de uma “fundamentação essencialmente diferente”, não deverá ser admissível o presente recurso de revista, nos termos da interpretação à contrário da invocada norma legal e do previsto no artigo 671º, nº 1 do CPC, com todas as consequências legais.
N) Sem prejuízo do acima exposto, e para o caso de superior entendimento em contrário, dir-se-á que não assiste qualquer razão aos Recorrentes no tocante aos fundamentos invocados no presente recurso de revista normal, porquanto, sendo o mandato normalmente um contrato consensual, dado que a lei não exige forma especial, o mandato sem representação (artigos 1180º e seguintes do Código Civil) não está, também, em princípio, sujeito a forma especial.
O) Assim sendo, no âmbito da formação do mandato sem representação, que se dá nos termos gerais dos contratos, a proposta do mandante e a aceitação do(s) mandatário(s) podem ser expressas ou tácitas (artigo 217º do Código Civil), sendo tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam, o que, perante os factos dados como provados nos autos quanto à aquisição pelos AA. ora Recorrentes das participações sociais das sociedades Rés, todas elas previamente negociadas e com a intervenção do 1º Réu, sem que aqueles tivessem procedido ao pagamento de qualquer quantia pelas transmissões ou pelas subscrições dessas participações sociais, se verifica quanto à atuação daqueles (enquanto mandatários sem representação) em conformidade com a vontade e instruções recebidas do 1º Réu (enquanto mandante).
P) Como ensinam PEDRO PAIS DE VASCONCELOS e PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, em Teoria Geral do Direito Civil, 9ª edição, Almedina, Reimpressão 2022, pp. 463-468, “A declaração negocial é uma acção final. Como tal, o comportamento declarativo deve ser entendido no quadro da intencionalidade e da finalidade que o impulsiona. Assim, deve ser tido como declaração expressa o comportamento finalisticamente dirigido a exprimir ou a comunicar algo. Declaração tácita será então o comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.” (…) “As declarações tácitas correspondem, na realidade, à compreensão do sentido que está implícito num qualquer comportamento, em termos tais que dele se deduz com toda a probabilidade.” (realces nossos).
Q) E acrescentam os citados autores o seguinte: “Também os chamados comportamentos concludentes estão próximos das declarações tácitas. A doutrina alemã, que não conhece a classificação das declarações negociais em expressas e tácitas, distingue as declarações negociais propriamente ditas e os comportamentos concludentes ou comportamentos juridicamente relevantes ou facta concludentia. Os comportamentos concludentes podem ser entendidos, em sentido mais amplo, como todos os comportamentos que não sejam uma linguagem e que tenham um sentido relevante ou, num sentido mais restrito, limitado de entre esses comportamentos apenas àqueles que não sejam directamente dirigidos a significar ou a comunicar um conteúdo negocial.” (realces nossos).
R) Ainda segundo LUÍS MENEZES LEITÃO, em Direito das Obrigações, Volume III, cit., p. 449: “Nos termos do art. 1180º, o mandato sem representação é aquele que seja exercido por conta do mandante em nome próprio do mandatário, ou seja, sem contemplatio domini, isto mesmo que o mandatário tenha recebido poderes representativos ou o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes.” (realce nosso).
S) Também MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, em Contrato de Mandato, cit., p. 113: “De acordo com o disposto no art.1180º, o mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra. Tal aquisição dos efeitos do acto jurídico pelo agente-mandatário, não é prejudicada pelo facto de os terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes saberem que aquele actua por conta doutrem e não por conta própria. A mesma aquisição não é também prejudicada ainda que os terceiros saibam quem é o dominus, por cuja conta actua o agente-mandatário.” (realce nosso).
T) Por outro lado, o efeito resultante do registo comercial consagrado no artigo 11º do Código do Registo Comercial é meramente presuntivo, tratando-se de uma presunção legal relativa ou iuris tantum, que pode, pois, ser ilidida mediante prova em contrário, de acordo com a regra geral do artigo 350º, nº 2, do Código Civil.
U) A prova em contrário tem por fim a demonstração de que certo facto – neste caso, o facto presumido – não é verdadeiro, de que tal facto não existe, sendo a respetiva negação feita pela prova do facto contrário, ou seja, por prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, de acordo com o disposto no artigo 347º do Código Civil.
V) Como refere LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, em Prova Por Presunção no Direito Civil, cit., p. 103: “Poderá, assim, a parte não beneficiada pela presunção legal propor-se provar que, no caso concreto, existem concretas razões para desvirtuar a vigência da máxima da experiência introduzida pelo legislador. É certo que tal tarefa é dificultada pelo facto de o legislador, em regra, omitir na norma a máxima de experiência que subjaz à presunção legal relativa mas tal não impede a identificação da mesma.
Concordamos com António Vitorino quando conclui que “(…) a elisão das presunções não constitui a negação do juízo de probabilidade genérico formulado na norma legal, ou seja, da verosimilhança da máxima de experiência, mas da sua eficácia concreta. O grau de probabilidade da afirmação presumida diminui na medida em que outros factos justificam um juízo de probabilidade maior que inviabiliza a prova do facto presumido.” (realces nossos).
W) Como resulta dos factos dados como provados nos autos quanto à aquisição formal pelos AA. ora Recorrentes das participações sociais das sociedades Rés, todas elas previamente negociadas e com a intervenção do 1º Réu, sem que aqueles tivessem procedido ao pagamento de qualquer quantia pelas transmissões ou pelas subscrições dessas participações sociais, dúvidas não podem subsistir quanto à verdadeira titularidade material das mesmas em favor do 1º Réu, contrariando, assim, a realidade registral e a presunção legal relativa dela derivada.
X) Tendo o acórdão da Relação ora recorrido concluído, e bem, pela verificação de uma situação de interposição real de pessoa na aquisição pelos AA. ora Recorrentes das participações sociais das sociedades Rés, e, por conseguinte, na existência de um mandato sem representação, de acordo com o previsto nos artigos 1161º, al. e) e 1181º, nº 1, ambos do Código Civil, aqueles estavam obrigados a restituir ao 1º Réu as participações sociais assim adquiridas.
Y) Para o efeito, ficou demonstrado nos autos que a outorga da procuração a título pessoal pelos AA. ora Recorrentes a favor do 1º Réu (não confundir com a procuração outorgada pelos mesmos em igual data, mas em representação de quatro sociedades), a qual em nada colide com a existência do referido mandato sem representação uma vez que são duas figuras jurídicas distintas, serviu de instrumento legal conferindo a este todos os poderes jurídicos necessários para, com autonomia, continuar a administrar todo o património que havia colocado na titularidade formal daqueles, na sequência de desentendimentos que começavam a surgir com estes.
Z) A terminologia empregue pelo acórdão da Relação recorrido de “titularidade formal” trata-se, não de uma qualificação jurídica ou de um juízo de valor conclusivo em matéria de direito, mas de uma asserção com base na realidade registral, como acima vimos, pelo que não enferma de qualquer vício a alteração da matéria de facto efetuada por aquela instância.
AA) Cumprindo uma vez mais salientar que os pareceres jurídicos juntos aos autos ainda durante a fase de julgamento em 1ª instância assentam em manifestos erros sobre os pressupostos de facto, uma vez que não atendem ao resultado sobre a fixação da matéria de facto feita pelas instâncias, não se tendo verificado em nenhuma das sociedades Rés qualquer aquisição de participações sociais pelos AA. ora Recorrentes por doação do 1º Réu, nem existido qualquer indeterminabilidade de conteúdo das procurações subscritas por aqueles, antes pelo contrário.
[excluem-se as conclusões exclusivamente relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]
KK) A questão principal apresentada pelos AA. ora Recorrentes para fundamentar o seu recurso de revista excecional prende-se com a elisão da presunção legal relativa ou iuris tantum decorrente do efeito presuntivo do registo comercial consagrado no artigo 11º do Código do Registo Comercial, a qual, como acima se disse, pode ser feita mediante prova em contrário, de acordo com a regra geral do artigo 350º, nº 2, do Código Civil.
LL) Não sendo esta uma questão nova, ou controversa na doutrina e na jurisprudência, que justifique a admissão do presente recurso de revista excecional, sempre se dirá que a força probatória dos documentos autênticos – a que correspondem as certidões emanadas do Registo Comercial tendentes a comprovar a realidade registral – pode ser ilidida com base na sua falsidade (artigos 371º e 372º do Código Civil).
MM) Em primeiro lugar, de acordo com MÁRIO DE BRITO, em Código Civil Anotado, 1967, p. 466: “A presunção iuris tantum distingue-se da dispensa ou liberação do ónus da prova. A presunção só facilita a prova, pois basta ao onerado provar, em vez do facto que constitui o thema probandum, aquele outro, de demonstração mais cómoda, que serve de base à inferência; a dispensa liberta da prova, invertendo o respectivo ónus. Na presunção, está diante do juiz um facto diverso daquele que importa provar, mas que a lei reputa concomitante deste último; na dispensa, a lei admite desde logo como certo um dado facto se não for provado o contrário.” (realce nosso).
NN) Em segundo lugar, o artigo 347º do Código Civil, sobre o modo de contrariar a prova legal plena, dispõe que esta só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei.
OO) De acordo com JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em Código Civil Anotado, Volume I, Ana Prata (Coord.), Almedina, 2017, p. 431: “Produzido um meio de prova a que a lei atribui força probatória plena (…), a sua eficácia só pode ser abalada com a produção de prova de que resulte que os factos que através dele são provados na realidade não se verificaram. (…).
Assim acontece, designadamente, com as presunções legais stricto sensu (art. 350º): provado o facto que constitui a base da presunção, só com a prova, por outro meio, de que o facto presumido afinal não se verificou é que fica afastada a ilação que a lei tira do primeiro para estabelecer a realidade do segundo.”
PP) Como refere MÁRIO DE BRITO, em Código Civil Anotado, cit., p. 501, “Estabelecida a autenticidade (força probatória formal) do documento, segue-se determinar a sua força probatória (material), ou seja, o valor probatório do documento quanto ao seu conteúdo.”
QQ) Segundo nº 1 do artigo 371º do Código Civil, o documento apenas faz prova plena:
1º) Dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo;
2º) Dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. – Neste sentido, vejam-se PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 327.
RR) A título de exemplo, um documento, provando plenamente que ao notário foram feitas as declarações nele atestadas, já não prova, porém, plenamente que tais declarações sejam verdadeiras e eficazes: não prova, por conseguinte, as circunstâncias suscetíveis de infirmar a sua eficácia jurídica. – Neste sentido, vejam-se PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil Anotado, Volume I, cit., p. 328.
SS) Desta forma, haverá falsidade do documento quando a falta de veracidade incide, precisamente, sobre aquilo que se considera plenamente provado. – Neste sentido, vejam-se PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil Anotado, Volume I, cit., p. 329.
TT) Ou seja, como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em Código Civil Anotado, Volume I, cit., p. 461: “A força probatória plena do documento autêntico só pode ser ilidida mediante a arguição e a prova de falsidade, isto é, de que um ou mais factos abrangidos pela força probatória do documento na realidade não se verificaram, não sendo, portanto, quanto a eles, verdadeira a declaração do documentador.”
UU) Trata-se, pois, de uma falsidade ideológica e não de uma falsidade material do próprio documento, que respeita ao conteúdo da declaração do documentador, traduzindo uma falsa atestação, contemporânea da formação do documento e só possível nos documentos (autênticos) narrativos, e não relativa à própria materialidade do documento. – Neste sentido, veja-se JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em Código Civil Anotado, Volume I, cit., p. 461.
VV) Por outro lado, no que concerne ao meio de prova admissível para demonstrar não ser verdadeiro o facto que é objeto da presunção legal relativa ou iuris tantum decorrente do efeito presuntivo do registo comercial consagrado no artigo 11º do Código do Registo Comercial, a lei não impede que o mesmo seja feito através das declarações de parte previstas no artigo 466º do Código de Processo Civil, sobretudo quando a sua apreciação pelo tribunal é feita conjugadamente e valorada à luz de outros meios de prova como sejam as declarações de parte da parte contrária beneficiária da presunção, assim como com a demais prova documental e testemunhal produzida nos autos.
[excluem-se as conclusões exclusivamente relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]
Terminam pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, em qualquer caso, pela improcedência do mesmo.
3. Tendo o acórdão recorrido decidido julgar improcedente o recurso de apelação confirmando a decisão da 1.ª instância, vieram os AA. interpor recurso de revista por via normal, invocando existir fundamentação essencialmente diferente (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC) pelas razões assim explanadas:
- «No acórdão recorrido, e como procuraremos salientar, a diferença residiu maioritariamente na argumentação levada a cabo pelo Tribunal a quo do instituto da interposição real de pessoa e da existência de um contrato de mandato sem representação.
- Desde logo, iniciou o Tribunal da Relação a exposição da sua argumentação definindo como ponto de partida que “a primeira questão a apreciar é a de saber a quem pertenciam as quotas aquando da sua transmissão, impugnada nos autos”.
- De facto, na argumentação levada a cabo pelo Tribunal a quo, é definido, logo à partida, que nas quatro aquisições das participações sociais aqui em questão, figurou como adquirente o 1º R. CC, embora nos respetivos atos jurídicos figurassem como adquirentes os AA., concebendo-se uma situação de interposição de pessoa nos referidos negócios jurídicos.
- Entendeu, pois, o Tribunal a quo que, no caso dos autos, esta ‘interposição real de pessoa’ se demonstrava por ter sido o 1º R. a custear as aquisições pelos AA. das participações sociais, conclusão que, de facto, o Tribunal de 1.ª instância nunca extraiu dos factos aqui em causa e que determina uma enorme disparidade entre a substância das decisões.
(...)
- Neste sentido, demonstra-se evidente que a fundamentação de cada uma das decisões é substancialmente diferente: girando a decisão de 1ª instância claramente na falta de evidência apresentada pelos AA. para a admissibilidade dos vícios apontados, enquanto a decisão da Relação, de forma quase antagónica, se respalda tão só e exclusivamente na figura do mandato sem representação e do negócio por interposição real de pessoa para dispensar os vícios apontados pelos AA.».
Em sentido inverso pronunciam-se os Recorridos, alegando essencialmente o seguinte:
«[C]onfrontando o percurso decisório de ambas – sentença da 1ª instância e acórdão da Relação – parece curial concluir não existir uma fundamentação essencialmente diferente no tocante ao objeto recursivo, constituindo o entendimento jurídico da figura do mandato sem representação e suas consequências legais, perfilhado pelo acórdão da Relação ora recorrido, um mero aditamento de outro fundamento jurídico que não tinha sido considerado, ou o reforço da decisão recorrida através do recurso de um outro argumento para sustentar a solução alcançada, mas sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1ª instância.».
Considera-se que a razão está com os Recorrentes. Com efeito, o facto de o acórdão recorrido, diversamente da sentença da 1.ª instância ter apreciado a questão da titularidade das participações sociais não pode ter-se apenas como um reforço da fundamentação da decisão de improcedência. Com efeito, o entendimento do tribunal a quo de que, não obstante as participações sociais se encontrarem registadas em nome dos AA., a titularidade substantiva das mesmas pertence ao pai dos AA., o aqui 1.º R., não constitui um simples acréscimo à fundamentação da decisão, antes constitui uma diferença significativa da dita fundamentação, com consequências decisivas na apreciação das demais questões que integram o objecto do recurso de apelação.
Conclui-se, assim, pela existência de fundamentação essencialmente diferente entre as decisões das instâncias, sendo o recurso de revista admissível por via normal ao abrigo do art. 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.
4. Vem dado como provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção da Relação):
3.1.1. Pela ap. 10/000530 foi matriculada na 4ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 9128/000530, estando hoje matriculada sob NIPC .......58, uma sociedade por quotas denominada Quinta do M..., Lda., tendo, então, por objecto a promoção imobiliária, construção e administração de prédios, compra, venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e o capital social de € 5.000,00 e sócios GG, com uma quota de € 2.500,00 e HH, com uma quota de € 2.500,00, tendo sido designados gerentes ambos os sócios.
3.1.2. A 21 de Maio de 2002, no Cartório Notarial de Lisboa de II, foi lavrada a fls. 89 a fls. 90v. do livro de notas para escrituras diversas n.º 740-B a escritura certificada a fls. 220-221v. em que GG declarou ceder a BB, que aceitou a cessão, a quota de que era titular na Quinta do M..., Lda. pelo seu valor nominal e HH declarou ceder a AA, que aceitou a cessão, a quota de que era titular na mesma sociedade pelo seu valor nominal, tendo ainda os referidos GG e HH declarado renunciar á gerência e os referidos AA e BB, na qualidade de sócios, declarado designarem-se gerentes.
3.1.3. A 21 de maio de 2002 GG e HH, na qualidade de primeiros outorgantes e BB e AA, na qualidade segundos outorgantes, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 222-222v., denominado “Contrato de Cessão de Suprimentos”, em que os primeiros declaram ter realizado suprimentos à sociedade no montante global de € 1.995.440,00, na proporção de 50% para cada um e pelo referido contrato transmitem para os segundos, na proporção de 50% para cada um, os referidos suprimentos.
3.1.4. A cessão de quotas referida em 3.1.2. e a cessão de suprimentos referida em 3.1.3. foi negociada pelo pai dos AA., o aqui 1º R., com os então sócios da Quinta do M..., Lda., GG.
3.1.5. O valor da cessão de quotas relativa à Quinta do M..., Lda. referido em 3.1.2. e o valor da cessão de suprimentos na mesma sociedade referido em 3.1.2, foi pago com recursos financeiros na disponibilidade do Pai dos AA., aqui 1º R..
3.1.6. Pela ap. 17/020716 foi inscrita a cessão a favor de BB, de uma quota de € 2.500,00, feita por GG
3.1.7. Pela ap. 18/020716 foi inscrita a cessão a favor de AA de uma quota de € 2.500,00 feita por HH.
3.1.8. pela ap. 19/020716 foi inscrita a cessação de funções dos gerentes GGe HH, por renúncia de 020521.
3.1.9. pela ap. 20/020716 foi inscrita a alteração do contrato de sociedade quanto à forma de obrigar – pela assinatura de um gerente – e quanto aos gerentes – foram designados gerentes ambos os sócios BB e AA.
3.1.10. A 27 de Março de 2003 reuniu a Assembleia Geral da Quinta do M..., Lda., tendo os sócios deliberado:
“a) fazer prestações suplementares à sociedade por todos os sócios e na proporção do capital detido, no montante de 15.000 euros, cabendo a cada um o seguinte:
- BB – 7.500 euros; - AA – 7.500 euros.
b) A realização será imediata, por transferência da conta de suprimentos. (…)”
3.1.11. Pela ap. 166/20130111 foi inscrita a alteração do objecto social que passou a ser a gestão de imóveis próprios, a promoção imobiliária, construção e administração de prédios, compra, venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
3.1.12. A 22.06.2018. foi inscrita a “Menção Dep 5534” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 2.250,00 resultante da divisão da quota de € 2.500,00 - titular DD e sujeito passivo BB.
3.1.13. A 22.06.2018. foi inscrita a “Menção Dep 5535” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 250,00 resultante da divisão da quota de € 2.500,00 - titular EE e sujeito passivo BB.
3.1.14. A 22.06.2018. foi inscrita a “Menção Dep 5536” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 2. 500,00 - titular S....; Lda. e sujeito passivo AA.
3.1.15. Pela ap. 155/20180622 foi inscrita a cessação de funções de gerentes BB e AA, por renúncia.
3.1.16. Pela ap. 156/20180622 foi inscrita a alteração dos sócios – os sócios passaram a ser a S....; Lda., com uma quota de € 2.500,00, DD, com uma quota de € 2.250,00 e EE, com uma quota de € 250,00 – do contrato de sociedade – a sociedade passou a obrigar-se pela assinatura de um gerente – e pela alteração da gerência – foi designado CC.
3.1.17. pela ap. 15/890922 foi inscrito na CRComercial de ... sob o n.º 00913/890922 ( tendo posteriormente passado a estar matriculada na CRComercial de ... sob o n.º 10630/19960304 e estando hoje actualmente matriculada sob o NIPC .......85) o contrato de sociedade da sociedade por quotas denominada S....; Lda., tendo, então, por objecto a promoção de investimentos nos sectores imobiliário, turístico e hoteleiro, na compra e venda de imóveis e na administração de bens móveis ou imóveis pertencentes á sociedade ou a terceiros, nomeadamente complexos turísticos, hotéis e aparthotéis, o capital social de 300.000.000$00 e sócios a P..BV, com uma quota de 299.900.000$00 e a I... - Investimentos Turisticos e Imobiliários, Ldª com uma quota de 100.000$00 e gerentes JJ, KK, LL e MM.
3.1.18. Pela ap. 31/910725 foi inscrita a transmissão da quota de 299.900.000$00 tendo como sujeito activo a L...BV e passivo a P..BV.
3.1.19. Pela ap. 32/910725 foi inscrita a transmissão da quota de 100.000$00 tendo como sujeito activo I...Investimentos T. e D..., Lda. e passivo I... - Investimentos Turisticos e Imobiliários, que usou a designação de I... - Investimentos Turisticos e Imobiliários
3.1.20. Pela p. 01/960109 foi inscrita a transmissão resultante de divisão, sendo a quota de 299.900.000$00, dividida em duas quotas, uma de 150.000.000$00 e outra de 149.900.000$00, tendo a primeira sido cedida a Soc..., Lda e a segunda a favor de E... - Administração de propriedades, Lda, por cessão de L...BV
3.1.21. Pela ap. 29/960109 foi inscrita a transmissão da quota de 100.000$00 a favor de E... - Administração de propriedades, Lda por cessão de I...Investimentos T. e D..., Lda.
3.1.22. Pela ap. 08/960304 foi designado gerente CC.
3.1.23. Pela ap. 424/011228 foi inscrita a redenominação do capital social que passou a ser de 1.496.393,70 euros e os sócios e respectivas quotas: Soc..., Lda, com uma quota de € 748.196,85; E... - Administração de propriedades, Lda, com duas quotas: uma de € 747.698,05 e outra de € 498,80.
3.1.24. Pela ap. 33/040330 foi inscrita a transmissão da quota de € 748.196,85 a favor de AA por cessão da Soc..., Lda.
3.1.25. pela ap. 34/040330 foi inscrita a transmissão das quotas de € 747.698,05 e € 498,80 a favor de BB por cessão da E... - Administração de propriedades, Lda
3.1.26. A 04.09.1995 a L...BV e a I...Investimentos T. e D..., Lda., na qualidade de primeiras outorgantes e representadas por JJ e Soc..., Lda e E... - Administração de propriedades, Lda, na qualidade de segundas outorgantes, ambas representadas por CC, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 235v-239, denominado “Contrato” e cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, ali tendo ficado a constar ter sido “acordado pelo presente reduzido a escrito o contrato-promessa constante das cláusulas seguintes:
Primeira
1.1. As primeiras outorgantes são as únicas sócias da sociedade comercial S....; Lda. (…)
1.2. O capital social da S....; Lda. é actualmente de 300.000.000$00 (…) correspondendo á soma das seguintes quotas:
1.2.1. Uma quota do valor nominal de 299.900.000$00 (…) pertencente à sócia L...BV Uma quota do valor nominal e 100.000$00 (…) pertencente á sócia I...Investimentos T. e D..., Lda.
(…) Quarta
4.1. Pelo presente documento, as primeiras outorgantes prometem ceder, respectivamente, à terceira e quarta, e estas aceitam, as duas quotas identificadas em 1.2.1. e 1.2.2., representando a totalidade do capital social, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes.
Quinta
5.1. O preço global das cessões é de 300.000.000$00 (…) correspondendo a cada quota o seu valor nominal e será acrescido do valor contabilístico dos suprimentos e prestações suplementares existentes na data da outorga da escritura de cessão de quotas.
(…)”
3.1.27. O contrato-promessa referido em 3.1.23. foi subscrito na sequência de negociações entre os representantes das outorgantes, ali identificados.
3.1.28. Os AA. não procederam ao pagamento de qualquer quantia pelas transmissões de quotas referidas em 3.1.24. e 3.1.25.
3.1.29. A 04.03.2004. realizou-se a reuniu a Assembleia Geral da S....; Lda., tendo os sócios deliberado por unanimidade aprovar a seguinte proposta:
“Ponto único: Deliberação sobre a realização de prestações suplementares de capital à sociedade no valo de seiscentos mil euros por cada sócio…”
3.1.30. As referidas prestações suplementares foram realizadas com recursos financeiros na disponibilidade do 1º R.
3.1.31. Pela ap. 28/20070726 foi inscrita a alteração do contrato de sociedade quanto á forma de obrigar – com a assinatura de qualquer um dos gerentes – e designados gerentes BB e AA.
3.1.32. A 22.06.2018. foi inscrita a “Menção Dep 5530” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 498,80 - titular EE e sujeito passivo BB.
3.1.33. A 22.06.2018. foi inscrita a “Menção Dep 5531” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 747.698,05 - titular DD e sujeito passivo BB.
3.1.34. A 22.06.2018. foi inscrita a “Menção Dep 5532” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 748.196,85 - titular Quinta do M..., Lda. e sujeito passivo AA.
3.1.35. Pela ap. 148/20180622 foi inscrita a cessação de funções de gerentes BB e AA, por renúncia.
3.1.36. Pela ap. 149/20180622 foi inscrita a alteração dos sócios – os sócios passaram a ser a Quinta do M..., Lda., com uma quota de € 748.196,85, DD, com uma quota de € 747.698,05 e EE, com uma quota de € 498,80 – do contrato de sociedade – a sociedade passou a obrigar-se pela assinatura de um gerente – e pela alteração da gerência – foi designado CC.
3.1.37. Está matriculada na CRC sob o NIPC .......09 uma sociedade por quotas denominada P... - Administração de Propriedades, Lda., tendo por objecto a administração de propriedades, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim e o capital social de € 20.000,00.
3.1.38. Pela ap. 29/20100709 foi inscrita a constituição da sociedade tendo como sócios BB, com uma quota de € 10.000,00 e AA com uma quota de € 10.000,00 e designados ambos gerentes.
3.1.39. O depósito do montante do capital social da P... - Administração de Propriedades, Lda. foi efectuado com recursos financeiros na disponibilidade do aqui 1º R..
3.1.40. A 26.07.2018. foi inscrita a “Menção Dep 16001” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 10.000,00 - sujeito activo Quinta do M..., Lda. e sujeito passivo AA.
3.1.41. A 26.07.2018. foi inscrita a “Menção Dep 16003” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 10.000,00 – sujeito activo S....; Lda. e sujeito passivo BB.
3.1.42. Pela ap. 184/20180726 foi inscrita a cessação de funções de gerentes BB e AA, por renúncia.
3.1.43. Pela ap. 185/20180726 foi inscrita a alteração da gerência – foi designado CC.
3.1.44. Está matriculada na CRC sob o NIPC .......89 uma sociedade por quotas denominada T..., Lda, Ldª tendo por objecto a aquisição e venda de imóveis, administração de imóveis, prestação de serviços de gestão, promoção e realização de empreendimentos imobiliários, compra, venda, exploração, arrendamento e administração de imóveis, próprios ou alheios, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, prestação de serviços de consultoria e elaboração de estudos e projectos de qualquer natureza e realização das operações necessárias ou adequadas aos referidos fins, com o capital social de € 439.603,00. 3.1.45. Pela ap. 379/20141218 foi inscrita a constituição da sociedade tendo como sócios BB, com uma quota de € 219.801,00 e AA com uma quota de € 219.801,00 e uma quota de € 1,00 em partes iguais de BB e AA, tendo sido designados ambos gerentes.
3.1.46. Consta da referida inscrição a seguinte menção: “Redomiciliação da sociedade T... Limited com sede em Malta”.
3.1.47. A T... Limited, tinha representação permanente em Portugal sob a firma T...Trust Reg, NIPC ... ... .89, com sede no Principado do Lichenstein e o capital de 500.000 francos suíços.
3.1.48 – Pela ap. 04/030925 foi inscrita a constituição do autor BB como mandatário da referida T...Trust.
[redacção da 1.ª instância: 3.1.48. pela ap. 04/030925 foi inscrita a constituição de mandatário da referida T...Trust]
3.1.49. Foi o Pai dos AA., aqui 1º R., quem adquiriu a sociedade T... Limited bem como a sociedade sua representante T...Trust, pagando as mesmas com recursos financeiros na sua disponibilidade.
3.1.50. A 19.07.2018 foi inscrita a “Menção Dep 13804” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 219.801,00 - titular S....; Lda. e sujeito passivo BB.
3.1.51. A 19.07.2018 foi inscrita a “Menção Dep 13805” relativa a Transmissão de Quota nos seguintes termos: quota de € 219.801,00 - titular Quinta do M..., Lda. e sujeito passivo AA.
3.1.52. Pela ap. 23/20180719 foi inscrita a cessação de funções de gerentes BB e AA, por renúncia.
3.1.53. Pela ap. 24/20180719 foi inscrita a alteração dos sócios – os sócios passaram a ser a Quinta do M..., Lda., com uma quaota de € 219.801,00, S....; Lda., com uma quota de € 219.801,00 e BB e AA com uma quota de € 1,00 em partes iguais – e a alteração da gerência – foi designado gerente CC.
3.1.54. O 1º R., é um empresário conhecido na área da promoção imobiliária e sócio e adepto do Sport . . ., conhecido como o “NN” do ....
3.1.55. Em 2001 o 1º R. declarou publicamente que em 1987 tinha declarado pouco mais de 700 contos de IRS e que desde então não voltou a apresentar mais declarações.
3.1.56. Nesse mesmo ano foi alvo de acção inspectiva por parte da Administração Tributária, de que resultou a liquidação adicional de IRS, com referência ao ano de 2001, no valor de € 13.783,586,63.
3.1.57. Tal liquidação foi objecto de impugnação judicial, julgada parcialmente procedente;
3.1.58. A Fazenda Nacional interpôs recurso para o TCA Sul, que julgou o recurso improcedente.
3.1.59 – Foi esta situação que motivou o 1º réu, como forma de evitar a penhora e venda judicial do seu património, a colocar os filhos, com o seu conhecimento e aceitação, na titularidade formal das participações sociais das sociedades rés, face ao grau de proximidade familiar e extrema confiança que neles depositava.
[redacção da 1.ª instância: Foi esta a situação que motivou a que o 1º R. colocasse os seus filhos, ora AA, na titularidade formal das participações sociais das sociedades RR., atendendo ao grau de proximidade familiar e extrema confiança que depositava nos, como forma de “protecção” do património.]
3.1.60. Assim como, passassem os AA. a ocupar os cargos de gerentes das RR.
3.1.61. - Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da Quinta do M..., Lda. em 2002, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R..
3.1.62. Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da S....; Lda. em 2007, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R..
3.1.63. Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da P... - Administração de Propriedades, Lda. em 2010, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R..
3.1.64. Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da T..., Lda em 2014, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R..
3.1.65. A 5 de fevereiro de 2014, no Cartório Notarial de ..., compareceram os aqui AA. BB e AA que subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 47-49, denominado “Procuração “onde declaram:
“Que, pelo presente instrumento, constituem bastante procurador seu pai, CC, (…), a quem conferem os necessários poderes para:
Comprar ou vender bens móveis ou imóveis, pelos preços, cláusulas, condições que achar convenientes, receber os respectivos preços, dando quitação e assinar as respectivas escrituras; permutar, dar de hipoteca, fazer dação em pagamento ou cumprimento, trespassar, ceder e ou renunciar a quaisquer posições contratuais e ceder a exploração de quaisquer imóveis ou móveis; locar ou dar de locação bens móveis ou imóveis, recebendo rendas, mesmo que se encontrem depositadas em instituições de crédito ou pagando rendas, dando quitação e assinar e passar recibos; celebrar contratos de arrendamento, dando ou tomando de arrendamento, locação financeira e de aluguer de longa duração; celebrar mútuos, garantidos ou não, enquanto mutuante ou mutuário; instituir, alterar ou extinguir o regime de propriedade horizontal em prédios das mandantes, estabelecendo composições, percentagens ou permilagens e o valor relativo das fracções a constituir; para adquirir ou ceder participações sociais em sociedades comerciais por quotas ou ações, ou civis por quotas ou ações, pelos preços e condições que entender por convenientes; realizar e liquidar investimentos, designadamente sob a forma de aquisição e alienação de quaisquer valores mobiliários, e bem assim, de quaisquer simples aplicações de capitais; candidatar-se a/e participar em quaisquer concursos, leilões ou fornecimentos, promovidos pelo Estado, pelas Autarquias ou por outras entidades públicas ou privadas, podendo, nesse contexto, redigir, subscrever, apresentar e, se necessário, melhorar, através de licitação verbal, as ofertas ou propostas respectivas, bem como realizar, quando necessário, os esclarecimentos solicitados e, em geral, actuar em representação dos mandantes em todas as fases dos referidos processos; reclamar, receber e cobrar, no todo ou em parte, as quantias e valores entregues ou atribuídos aos mandantes, por entidades públicas ou privadas, para pagamento de vendas ou fornecimentos realizados, assinando os respectivos recibos ou documentos de quitação; assinar, caso assim suceda, o correspondente documento de adjudicação definitiva; constituir os depósitos ou prestar as cauções, provisórias ou definitivas, que sejam exigidas, bem como substituir e cancelar uns e outras, levantando e recebendo os fundos que os integrem; e, ainda, assinar todos os documentos que sejam necessários para os ditos efeitos; sempre, nos termos das disposições legais aplicáveis, contratar, promover, deslocar, organizar e despedir trabalhadores, fixar e satisfazer os respectivos salários e demais retribuições, determinar os correspondentes serviços a prestar, apresentar inscrições e cancelar as mesmas perante a Segurança Social e entidades afins e pagar as prestações devidas pela sociedade daí resultantes; celebrar contratos de fornecimento de electricidade, água, gás, telefone, serviços de telefax, recolha de lixo, vigilância, seguros em geral e quaisquer contratos de fornecimento de bens ou prestação de serviços que se mostrem necessários, podendo alterar os mesmos ou cancelá--los; celebrar quaisquer contratos promessa para os fins indicados; comparecer e actuar, na qualidade de sujeito activo ou passivo, perante quaisquer autoridades públicas, tribunais, magistraturas, cartórios notariais, conservatórias de registo, serviços de finanças, repartições ou dependências de qualquer grau, ordem ou jurisdição, praticando quaisquer actos e exercendo todo o tipo de direitos, acções, excepções e recursos em quaisquer processos, podendo assinar quaisquer documentos; transigir nesses processos, levantar quaisquer montantes pagos pelos mandantes ou que sejam devidos aos mandantes, submeter quaisquer questões ao juízo de árbitros ou de qualquer entidade que julgue com base em princípios de equidade; desistir e confessar em juízo; designar advogados, solicitadores e outros profissionais forenses, com faculdades gerais ou especiais para pleitos judiciais, inclusive para interpor recursos de qualquer natureza; contestar e, em geral, responder a quaisquer notificações; intervir em quaisquer processos de insolvência ou recuperação de empresa, podendo participar em quaisquer actos processuais, pessoalmente ou através de mandatário judicial e apresentar e alterar quaisquer propostas nesses processos, podendo igualmente aceitar ou aderir a propostas de outras entidades; se for o caso, aceitar e tomar posse dos cargos para os quais os mandantes sejam nomeadas; receber quaisquer fundos ou pagamentos de qualquer entidade, e deles dar quitação; representar as sociedades mandantes perante quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente, Repartições de Finanças, Câmaras Municipais, Banco de Portugal, organismos de coordenação económica, Ministérios ou outros serviços públicos, podendo requerer, praticar e assinar os actos, requerimentos ou formulários que se mostrem necessários; representar os mandantes junto das Conservatórias do Registo Automóvel, Comercial e Predial, podendo assinar pedidos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, pagamento ou outras causas; assinar quaisquer documentos públicos ou privados relacionados com qualquer dos actos acima mencionados e solicitar cópias e certidões de todos os documentos em que as sociedades possam ter interesse, directo ou indirecto; podendo prestar declarações, realizar e assinar todos os actos e documentos, incluindo escrituras públicas, necessárias à execução dos poderes ora conferidos”.
3.1.66. A 05 de Fevereiro de 2014, no Cartório Notarial de ..., compareceram os aqui AA. BB e AA, na qualidade de administradores e em representação da Cap..., S.A. e da E... - Administração de propriedades, Lda e na qualidade de únicos sócios e únicos gerentes das sociedades por quotas Quinta do M..., Lda. e S....; Lda., que subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 50-53v., denominado “Procuração” onde declaram:
“Que, pelo presente instrumento, constituem bastante procurador das sociedades suas representadas, seu pai, CC, (…), a quem conferem os necessários poderes para em nome das suas representadas:
Comprar ou vender bens móveis ou imóveis, que pertençam às sociedades ou venham a pertencer, pelos preços, cláusulas, condições que achar convenientes, receber os respectivos preços, dando quitação e assinar as respectivas escrituras; permutar, dar de hipoteca, fazer dação em pagamento ou cumprimento, trespassar, ceder e ou renunciar a quaisquer posições contratuais e ceder a exploração de quaisquer imóveis ou móveis; locar ou dar de locação bens móveis ou imóveis, recebendo rendas, mesmo que se encontrem depositadas em instituições de crédito ou pagando rendas, dando quitação e assinar e passar recibos; celebrar contratos de arrendamento, dando ou tomando de arrendamento, locação financeira e de aluguer de longa duração; celebrar mútuos, garantidos ou não, enquanto mutuante ou mutuário; instituir, alterar ou extinguir o regime de propriedade horizontal em prédios das mandantes, estabelecendo composições, percentagens ou permilagens e o valor relativo das fracções a constituir; para adquirir ou ceder participações sociais em sociedades comerciais por quotas ou ações, ou civis por quotas ou ações, pelos preços e condições que entender por convenientes; realizar e liquidar investimentos, designadamente sob a forma de aquisição e alienação de quaisquer valores mobiliários, e bem assim, de quaisquer simples aplicações de capitais; candidatar-se a/ e participar em quaisquer concursos, leilões ou fornecimentos, promovidos pelo Estado, pelas Autarquias ou por outras entidades públicas ou privadas, podendo, nesse contexto, redigir, subscrever, apresentar e, se necessário, melhorar, através de licitação verbal, as ofertas ou propostas respectivas, bem como realizar, quando necessário, os esclarecimentos solicitados e, em geral, actuar em representação das sociedades em todas as fases dos referidos processos; reclamar, receber e cobrar, no todo ou em parte, as quantias e valores entregues ou atribuídos às sociedades, por entidades públicas ou privadas, para pagamento de vendas ou fornecimentos realizados, assinando os respectivos recibos ou documentos de quitação; assinar, caso assim suceda, o correspondente documento de adjudicação definitiva; constituir os depósitos ou prestar as cauções, provisórias ou definitivas, que sejam exigidas, bem como substituir e cancelar uns e outras, levantando e recebendo os fundos que os integrem; e, ainda, assinar todos os documentos que sejam necessários para os ditos efeitos; abrir, legalizar e, em geral, encarregar-se de todos os livros das sociedades; sempre, nos termos das disposições legais aplicáveis, contratar, promover, deslocar, organizar e despedir trabalhadores, fixar e satisfazer os respectivos salários e demais retribuições, determinar os correspondentes serviços a prestar, apresentar inscrições e cancelar as mesmas perante a Segurança Social e entidades afins e pagar as prestações devidas pela sociedade daí resultantes; celebrar contratos de fornecimento de electricidade, água, gás, telefone, serviços de telefax, recolha de lixo, vigilância, seguros em geral e quaisquer contratos de fornecimento de bens ou prestação de serviços que se mostrem necessários ao exercício da actividade, podendo alterar os mesmos ou cancelá-los; celebrar quaisquer contratos promessa para os fins indicados; comparecer e actuar, na qualidade de sujeito activo ou passivo, perante quaisquer autoridades públicas, tribunais, magistraturas, cartórios notariais, conservatórias de registo, serviços de finanças, repartições ou dependências de qualquer grau, ordem ou jurisdição, praticando quaisquer actos e exercendo todo o tipo de direitos, acções, excepções e recursos em quaisquer processos, podendo assinar quaisquer documentos; transigir nesses processos, levantar quaisquer montantes pagos pela sociedade ou que sejam devidos à sociedade, submeter quaisquer questões ao juízo de árbitros ou de qualquer entidade que julgue com base em princípios de equidade; desistir e confessar em juízo; designar advogados, solicitadores e outros profissionais forenses, com faculdades gerais ou especiais para pleitos judiciais, inclusive para interpor recursos de qualquer natureza; contestar e, em geral, responder a quaisquer notificações; intervir em quaisquer processos de insolvência ou recuperação de empresa, podendo participar em quaisquer actos processuais, pessoalmente ou através de mandatário judicial e apresentar e alterar quaisquer propostas nesses processos, podendo igualmente aceitar ou aderir a propostas de outras entidades; se for o caso, aceitar e tomar posse dos cargos para os quais as sociedades sejam nomeadas; receber quaisquer fundos ou pagamentos de qualquer entidade e deles dar quitação; representar as sociedades mandantes perante quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente, Repartições de Finanças, Câmaras Municipais, Banco de Portugal, organismos de coordenação económica, Ministérios ou outros serviços públicos, podendo requerer, praticar e assinar os actos, requerimentos ou formulários que se mostrem necessários; representar as sociedades junto das Conservatórias do Registo Automóvel, Comercial e Predial, podendo assinar pedidos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, podendo prestar declarações complementares; nas Câmaras Municipais apresentar projectos e suas alterações, requerer licenças de obras e outras, vistorias e liquidar taxas e impostos, reclamando dos indevidos ou excessivos; em nome das sociedades, retirar das estações postais, de caminho de ferro e outras, cartas registadas, encomendas, mercadorias e tudo o mais que se destine às sociedades mandantes; fazer despachos nas alfândegas e assinar os conhecimentos ou os seus pertences e endossos, podendo substabelecer estes poderes em despachantes oficiais; conferem em nome das sociedades mandantes poderes forenses gerais e especiais para confessar, desistir e transigir em quaisquer efeitos judiciais em que as sociedades mandantes sejam parte, devendo substabelecer estes poderes, total ou parcialmente, em advogado ou solicitador; abrir, movimentar e cancelar contas de qualquer natureza com instituições de crédito de todo o tipo; nesse âmbito, depositar, transferir e levantar dinheiro ou valores, ordenar transferências e efectuar pagamentos por débito nessas contas, renovar o prazo dos depósitos a prazo e, em geral, dispor dos seus saldos através de qualquer meio ou procedimento, incluindo praticar estes actos através de acesso à internet; acordar e contratar aberturas de crédito e assinar os formulários e documentos de qualquer natureza necessários para esse efeito, incluindo escrituras públicas; geral, celebrar qualquer operação conhecida no tráfego bancário; solicitar e dispor de quaisquer montantes emprestados; requisitar, emitir, endossar, negociar, aceitar, intervir a qualquer título, cobrar e pagar cheques, letras de câmbio, promissórias à ordem, livranças, e demais títulos de crédito, e protestá-los por falta de pagamento ou outras causas; assinar quaisquer documentos públicos ou privados relacionados com qualquer dos actos acima mencionados e solicitar cópias e certidões de todos os documentos em que as sociedades possam ter interesse, directo ou indirecto; podendo prestar declarações, realizar e assinar todos os actos e documentos, incluindo escrituras públicas, necessárias à execução dos poderes ora conferidos”.
3.1.67. A 22 de Junho de 2018 CC, DD e EE subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 68-70v. denominado “Título de cessão de quotas”, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, onde consta:
“I – Entidade sujeita a registo comercial: (…)
b) Denominação: Quinta do M..., Lda.
I – Cessão de quotas:
Cedente: AA (…). Cedente: BB (…).
Ambos os cedentes são, neste acto, representados pelo seu pai e procurador CC (…), com poderes para o acto conforme Procurações passadas aos cinco de Fevereiro de dois mil e catorze, no Cartório Notarial em Lisboa de ....
Cessionária: DD (…) Cessionário: EE (…)
Cessionário: S....; Lda. (…) representada neste acto pelo seu procurador CC (…) com poderes para o acto conforme Procuração passada aos cinco de Fevereiro de dois mil e catorze, no Cartório Notarial em Lisboa de ..., acima mencionada.
II – Cessões
a) O Cedente AA, cede à cessionária S....; Lda., a quota de que é titular, no valor nominal de 2.500,00 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
b) o Cedente BB, divide a quota de que é titular no valor nominal de 2.500,00 euros em duas novas quotas, uma no valor nominal de 2.250,00 euros que cede à cessionária DD, e outra no valor nominal de 250,00 euros que cede ao Cessionário EE, cessões que faz pelos respectivos valores nominais.
III – Declarações negociais
a) O representante dos Cedentes, afirma, sob responsabilidade exclusiva dos seus representados que os mesmos são os legítimos donos e possuidores das quotas ora cedidas, as quais se encontram totalmente liberadas e livres de quaisquer ónus ou encargos, e que não são objecto de qualquer litígio de natureza judicial ou extrajudicial.
b) As cessões são efectuadas pelos respectivos valores nominais, passando cada um dos Cessionários a deter uma quota no valor nominal de 2500 euros.
c) O representante dos sócios cedentes, dá quitação dos preços das cessões, por os haver já recebido.
d) Os Cedentes ficam, desde já, expressamente exonerados de todas as responsabilidades a proveniente de toda e qualquer garantia de pagamento, que tenham prestado junto da Banca ou de qualquer outra entidade publica e ou privada, independentemente da sua natureza ou valor, sendo esta uma das condições estabelecidas entre os Contratantes para as aludidas cessões.
e) Os Cedentes, ao cederem as mencionadas quotas cedem também todo e qualquer direito que tenham, decorrente da sua participação social.
(…)
g) A sociedade, prescinde também do direito de preferência na aquisição das referidas quotas, autorizando as divisões da quota pertencente ao Cedente BB.
h) Nesta data, e ainda como consequência das aludidas cessões de quotas, os Cedentes renunciam à gerência para que foram eleitos em Assembleia Geral.
i) O representante dos sócios cedentes declara para todos os devidos e legais efeitos que os seus representados se encontram totalmente ressarcido, pelo que nada mais têm a receber ou a reclamar.
(…)
l) Procedendo-se à cessão da totalidade do capital social, com a consequente renúncia à gerência dos ora Cedentes, os Cessionários, na qualidade de únicos sócios da sociedade e reunidos em Assembleia Geral nos termos do art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais, deliberam, por unanimidade nomear gerente da sociedade, CC (…) alterando em consequência o Artigo terceiro e o número dois do Artigo Quarto do contrato social, mantendo em tudo o restante: (…)”
3.1.68. Para pagamento do preço da cessão da quota correspondente a 50% do capital social da Quinta do M..., Lda., no valor de € 2.500,00, a S....; Lda., emitiu o cheque junto por cópia a fls. 416, com o valor de € 2.500,00, a data de 22/06/2018 e à ordem do A. AA.
3.1.69. Para pagamento do preço da cessão da quota correspondente de 45% do capital social da sociedade Quinta do M..., Lda., no valor de € 2.250,00, bem como do preço de aquisição da quota correspondente a 45% do capital social da S....; Lda., no valor de € 747.698,05, DD emitiu o cheque junto por cópia a fls. 416v., com o valor de € 749.948,05, a data de 22/06/2018 e à ordem do A. BB.
3.1.70. Para pagamento da cessão da quota correspondente a 5% do capital social da Quinta do M..., Lda., no valor nominal de 250.00 euros, por conta de EE, o 1º R. emitiu o cheque junto por cópia a fls. 417, sacado sobre a conta .........01 do BPN, conta esta com três titulares – o 1º R. e os AA. – podendo qualquer um deles movimentá-la, com o valor de € 250,00, a data de 22/06/2018 e à ordem do A. BB, conta aquela que a 05/06/2019 tinha o saldo de € 60,09 e estava bloqueada a favor do Serviço de Finanças de Lisboa.
3.1.71 – Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º réu a 22/6/2018 e estão na posse do mesmo, não tendo sido descontados, nem tendo os autores recebido o valor neles titulado.
[redacção da 1.ª instância: Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º R. a 22.06.2018. e estão na posse do mesmo.]
3.1.72. A 22 de Junho de 2018 CC, DD e EE subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 71v-74, denominado “Título de cessão de quotas”, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, onde consta:
“I – Entidade sujeita a registo comercial: (…)
b) Denominação: S....; Lda. (…)
I – Cessão de quotas:
Cedente: AA (…). Cedente: BB (…).
Ambos os cedentes são, neste acto, representados pelo seu pai e procurador CC (…), com poderes para o acto conforme Procurações passadas aos cinco de Fevereiro de dois mil e catorze, no Cartório Notarial em ... de ....
Cessionária: DD (…) Cessionário: EE (…)
Cessionário: Quinta do M..., Lda. representada neste acto pelo seu procurador CC (…) com poderes para o acto conforme Procuração passada aos cinco de Fevereiro de dois mil e catorze, no Cartório Notarial em ... de ..., acima mencionada.
a) O Cedente AA, cede à cessionária Quinta do M..., Lda., a quota de que é titular, no valor nominal de 748.196,85 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
b) o Cedente BB, cede à cessionária DD, a quota de que é titular, no valor nominal de 747.698,05 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
c) o cedente BB, cede ao cessionário EE, a quota de que é titular, no valor nominal de 498,80 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
III – Declarações negociais
a) O representante dos Cedentes, afirma, sob responsabilidade exclusiva dos seus representados que os mesmos são os legítimos donos e possuidores das quotas ora cedidas, as quais se encontram totalmente liberadas e livres de quaisquer ónus ou encargos, e que não são objecto de qualquer litígio de natureza judicial ou extrajudicial.
b) As cessões são efectuadas pelos respectivos valores nominais.
c) O representante dos sócios cedentes dá quitação dos preços das cessões, por os haver já recebido.
d) Os Cedentes ficam, desde já, expressamente exonerados de todas as responsabilidades proveniente de toda e qualquer garantia de pagamento, que tenham prestado junto da Banca ou de qualquer outra entidade publica e ou privada, independentemente da sua natureza ou valor, sendo esta uma das condições estabelecidas entre os Contratantes para as aludidas cessões.
e) Os Cedentes, ao cederem as mencionadas quotas cedem também todo e qualquer direito que tenham, decorrente da sua participação social.
(…)
g) A sociedade, prescinde também do direito de preferência na aquisição das referidas quotas, autorizando as divisões da quota pertencente ao Cedente BB.
h) Nesta data, e ainda como consequência das aludidas cessões de quotas, os Cedentes renunciam à gerência para que foram eleitos em Assembleia Geral.
i) O representante dos sócios cedentes declara para todos os devidos e legais efeitos que os seus representados se encontram totalmente ressarcido, pelo que nada mais têm a receber ou a reclamar.
(…)
l) Procedendo-se à cessão da totalidade do capital social, com a consequente renúncia à gerência dos ora Cedentes, os Cessionários, na qualidade de únicos sócios da sociedade e reunidos em Assembleia Geral nos termos do art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais, deliberam, por unanimidade nomear gerente da sociedade, CC (…) alterando em consequência os Artigos terceiro e Décimo do contrato social, passando estes a ter a seguinte redacção, mantendo em tudo o restante: (…)”
3.1.73. Para pagamento do preço da cessão da quota correspondente a 50% do capital social da S....; Lda., no valor € 748.196,85, a Quinta do M..., Lda., emitiu o cheque junto por cópia a fls. 417v., com o valor de € 748.196,85, a data de 22/06/2018 e à ordem do A. AA.
3.1.74. Para pagamento do preço da cessão de quota correspondente a 5% do capital social da S....; Lda., no valor de € 498,80, por conta de EE, o 1º R. emitiu o cheque junto por cópia a fls. 418, sacado sobre a conta .........01 do BPN, com o valor de € 498,80, a data de 22/06/2018 e à ordem do A. BB, conta aquela que a 05/06/2019 tinha o saldo de € 60,09 e estava bloqueada a favor do Serviço de Finanças de Lisboa.
3.1.75 – Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º réu a 22/6/2018 e estão na posse do mesmo, não tendo sido descontados, nem tendo os autores recebido o valor neles titulado.
[redacção da 1.ª instância: Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º R. a 22.06.2018. e estão na posse do mesmo]
3.1.76. A 26 de Junho de 2018 CC, subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 75-77, denominado “Título de cessão de quotas”, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, onde consta:
“I – Entidade sujeita a registo comercial: (…)
b) Denominação: P... - Administração de Propriedades, Lda.
I – Cessão de quotas:
Cedente: AA (…). Cedente: BB (…).
Ambos os cedentes são, neste acto, representados pelo seu pai e procurador CC (…), com poderes para o acto conforme Procurações passadas aos cinco de Fevereiro de dois mil e catorze, no Cartório Notarial em Lisboa de ....
Cessionária: Quinta do M..., Lda., representada pelo seu gerente CC (…);
Cessionária: S....; Lda. (…,) representada pelo seu gerente CC (…);
II – Cessões
a) O Cedente AA, cede à cessionária Quinta do M..., Lda., a quota de que é titular, no valor nominal de 10.000 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
b) o Cedente BB, cede à cessionária S....; Lda., a quota de que é titular, no valor nominal de 10.000 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
III – Declarações negociais
a) O representante dos Cedentes, afirma, sob responsabilidade exclusiva dos seus representados que os mesmos são os legítimos donos e possuidores das quotas ora cedidas, as quais se encontram totalmente liberadas e livres de quaisquer ónus ou encargos, e que não são objecto de qualquer litigio de natureza judicial ou extrajudicial.
b) As cessões são efectuadas pelos respectivos valores nominais.
c) O representante dos sócios cedentes dá quitação dos preços das cessões, por os haver já recebido.
d) Os Cedentes ficam, desde já, expressamente exonerados de todas as responsabilidades proveniente de toda e qualquer garantia de pagamento, que tenham prestado junto da Banca ou de qualquer outra entidade publica e ou privada, independentemente da sua natureza ou valor, sendo esta uma das condições estabelecidas entre os Contratantes para as aludidas cessões.
e) Os Cedentes, ao cederem as mencionadas quotas cedem também todo e qualquer direito que tenham, decorrente da sua participação social.
(…)
g) A sociedade, prescinde também do direito de preferência na aquisição das referidas quotas, autorizando as divisões da quota pertencente ao Cedente BB.
h) Nesta data, e ainda como consequência das aludidas cessões de quotas, os Cedentes renunciam à gerência para que foram eleitos em Assembleia Geral.
i) O representante dos sócios cedentes declara para todos os devidos e legais efeitos que os seus representados se encontram totalmente ressarcido, pelo que nada mais têm a receber ou a reclamar.
(…)
l) Procedendo-se à cessão da totalidade do capital social, com a consequente renúncia à gerência dos ora Cedentes, os Cessionários, na qualidade de únicos sócios da sociedade e reunidos em Assembleia Geral nos termos do art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais, deliberam, por unanimidade nomear gerente da sociedade, CC (…) alterando em consequência o Artigo Décimo Primeiro do contrato social, passando este a ter a seguinte redacção, mantendo em tudo o restante: (…)”
3.1.77. Para pagamento do preço da cessão de quota correspondente a 50% do capital social da P... - Administração de Propriedades, Lda., no valor de € 10.000,00 a Quinta do M..., Lda. emitiu o cheque junto por cópia a fls. 421, com o valor de € 10.000,00, a data de 26/06/2018 e à ordem do A. AA.
3.1.78. Para pagamento do preço da cessão de quota correspondente a 50% do capital social da P... - Administração de Propriedades, Lda., no valor de € 10.000,00 a S....; Lda., emitiu o cheque junto por cópia a fls. 421v, com o valor de € 10.000,00, a data de 26/06/2018 e à ordem do A. BB.
3.1.79 – Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º réu a 26/6/2018 e estão na posse do mesmo, não tido sido descontados, nem tendo os autores recebido o valor neles titulado.
[redacção da 1.ª instância: Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º R. a 26.06.2018. e estão na posse do mesmo]
3.1.80. A 19 de Julho de 2018 CC, subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 75-77, denominado “Título de cessão de quotas”, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, onde consta:
“I – Entidade sujeita a registo comercial: (…)
b) Denominação: T..., Lda, Ldª (…)
I – Cessão de quotas:
Cedente: AA (…). Cedente: BB (…).
Ambos os cedentes são, neste acto, representados pelo seu pai e procurador CC (…), com poderes para o acto conforme Procurações passadas aos cinco de Fevereiro de dois mil e catorze, no Cartório Notarial em Lisboa de ....
Cessionária: Quinta do M..., Lda., representada pelo seu gerente CC (…); Cessionária: S....; Lda. (…,) representada pelo seu gerente CC (…);
II – Cessões
a) O Cedente AA, cede à cessionária Quinta do M..., Lda., a quota de que é titular, no valor nominal de 219.801,00 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
b) o Cedente BB, cede à cessionária S....; Lda., a quota de que é titular, no valor nominal de 291.801,00 euros, cessão que faz pelo respectivo valor nominal.
III – Declarações negociais
a) O representante dos Cedentes, afirma, sob responsabilidade exclusiva dos seus representados que os mesmos são os legítimos donos e possuidores das quotas ora cedidas, as quais se encontram totalmente liberadas e livres de quaisquer ónus ou encargos, e que não são objecto de qualquer litígio de natureza judicial ou extrajudicial.
b) As cessões são efectuadas pelos respectivos valores nominais.
c) O representante dos sócios cedentes dá quitação dos preços das cessões, por os haver já recebido.
d) Os Cedentes ficam, desde já, expressamente exonerados de todas as responsabilidade proveniente de toda e qualquer garantia de pagamento, que tenham prestado junto da Banca ou de qualquer outra entidade publica e ou privada, independentemente da sua natureza ou valor, sendo esta uma das condições estabelecidas entre os Contratantes para as aludidas cessões.
e) Os Cedentes, ao cederem as mencionadas quotas cedem também todo e qualquer direito que tenham, decorrente da sua participação social.
(…)
g) A sociedade, prescinde também do direito de preferência na aquisição das referidas quotas, autorizando as divisões da quota pertencente ao Cedente BB.
h) Nesta data, e ainda como consequência das aludidas cessões de quotas, os Cedentes renunciam à gerência para que foram eleitos em Assembleia Geral.
i) O representante dos sócios cedentes declara para todos os devidos e legais efeitos que os seus representados se encontram totalmente ressarcido, pelo que nada mais têm a receber ou a reclamar.
(…)
l) Procedendo-se à cessão da totalidade do capital social, com a consequente renúncia à gerência dos ora Cedentes, os Cessionários, na qualidade de únicos sócios da sociedade e reunidos em Assembleia Geral nos termos do art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais, deliberam, por unanimidade nomear gerente da sociedade, CC (…) alterando em consequência o Artigo Décimo Quarto do contrato social, passando este a ter a seguinte redacção, mantendo em tudo o restante: (…)”
3.1.81. Para pagamento do preço da cessão de quota correspondente a 50% do capital social da T..., Lda, no valor € 219.801,00, a Quinta do M..., Lda., emitiu o cheque junto por cópia a fls. 424, com o valor de € 219.801,00, a data de 19/07/2018 e à ordem do A. AA.
3.1.82. Para pagamento do preço correspondente a 50% do capital social da T..., Lda, no valor € 219.801,00, a S....; Lda. emitiu o cheque junto por cópia a fls. 424v, com o valor de € 219.801,00, a data de 19/07/2018 e à ordem do A. BB.
3.1.83 – Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º réu a 19/7/2018 e estão na posse do mesmo, não tendo sido descontados, nem tendo os autores recebido o valor neles titulado.
[redacção da 1.ª instância: Todos os referidos cheques foram entregues ao 1º R. a 19.07.2018. e estão na posse do mesmo]
3.1.84. Os RR. DD e EE sabiam que as cessões estavam a ser celebradas sem o conhecimento dos AA.
3.1.85. Os RR. DD e EE sabiam que os AA. não pretendiam aquelas cessões e que era um ato decidido única e exclusivamente pelo 1.º R.
3.1.86. - A 01/03/1993 a 2ª Ré e a Gab..., Lda. subscreveram o instrumento fls. 415-415v, denominado “Contrato de trabalho a termo certo” para o exercício das funções de empregada de escritório, exercendo a mesma, actualmente, as funções de secretária pessoal do 1º R.
3.1.87. – À data das cessões a 2.ª R. vivia em comunhão de mesa, cama e habitação com o 1º R. há mais de 15 anos.
3.1.88. O 3.º R. marido é consultor e amigo pessoal do 1.º R.,
3.1.89. A 28 de Junho de 2018 no Cartório Notarial de ..., compareceram os aqui AA. BB e AA, os quais subscreveram o instrumento junto por cópia a 81-81v, onde declararam:
“Que, pelo presente instrumento, revogam e consideram nulas e de nenhum efeito, a partir de hoje, quaisquer procurações outorgadas a favor de CC (…) nomeadamente a ou as procurações outorgadas a favor do mesmo mandatário no cartório Notarial em Lisboa do Notário OO em seis de Janeiro de dois mil e seis. (…)”
3.1.90. Em 2013 o A. teve um problema de saúde, do foro oncológico.
3.1.91 – As cessões visaram retirar os autores da titularidade formal das sociedades rés a que se refere o ponto 3.1.59, face às desavenças entre estes e o pai, o que foi realizado com a intervenção da 2ª ré e do 3º réu, que, quando adquiriram as participações sociais da Quinta do M..., Lda. e da S....; Lda., agiram por conta e a pedido do 1º réu. [aditado pela Relação]
3.1.92 – Foi por causa dos factos referidos em 3.1.55 a 3.1.58 que foram emitidas as procurações. [aditado pela Relação]
3.1.93 – A outorga daquelas procurações pretendia conferir ao 1º réu todos os poderes jurídicos necessários para, com autonomia, continuar a administrar todo o património que havia sido colocado na titularidade formal dos autores, na sequência de desentendimentos que começavam a surgir com estes. [aditado pela Relação]
Factos dados como não provados
3.2.1. As procurações referidas nos pontos 3.1.65. e 3.1.66 foram outorgadas pelos AA. para, tão só, assegurar que a gestão corrente das sociedades em que são titulares de quotas e gerentes e administradores poderia ser conduzida por alguém da sua confiança (o seu Pai) numa situação inesperada de ausência dos mesmos
3.2.2. As referidas procurações foram outorgadas para que o 1º R pudesse, na ausência dos AA., assegurar a continuidade da atividade das sociedades RR. e de outras onde os mesmos têm participações
3.2.3. A outorga das referidas procurações visava, apenas e só, permitir que o 1.º R. representasse os AA. quando estes, por motivo de férias ou deslocações profissionais, não estivessem presentes
3.2.4. A outorga das procurações referidas visava apenas assegurar que, na ausência dos aqui AA. e sendo necessária a sua intervenção, o 1.º R. os pudesse representar, a pedido dos mesmos e relativamente a atos ou negócios jurídicos previamente discutidos e validados por eles.
3.2.5. Os AA. conferiram poderes de representação ao 1º R. atendendo aos laços familiares que os uniam e com o único propósito de facilitar a resolução de atos esporádicos de gestão corrente das sociedades e dos AA., na ausência dos mesmos.
3.2.6. Os AA. deram conhecimento da revogação das procurações ao 1º R. no dia 29 de Junho de 2018.
3.2.7. Relativamente à 4.ª R. – Quinta do M..., Lda.
- o 1.º A. tem suprimentos no valor de € 9.001.000,00 (nove milhões e mil euros);
- o 2.º A. tem suprimentos no valor de € 7.582.454,90 (sete milhões, quinhentos e oitenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e quatro euros e noventa cêntimos);
3.2.8. Relativamente à 5.ª R.: S....; Lda.
- o 1.º A. tem suprimentos no valor de € 45.385,49 (quarenta e cinco mil, trezentos e oitenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos);
- o 2.º A. tem suprimentos no valor de € 4.998,17 (quatro mil, novecentos e noventa e oito euros e dezassete cêntimos);
3.2.9. Relativamente à 7.ª R.: T..., Lda
- o 1.º A. tem suprimentos no valor de € 500,00 (quinhentos euros);
- o 2.º A. tem suprimentos no valor de € 303,15 (trezentos e três euros e quinze cêntimos);
3.2.10. A 2.ª e o 3.º RR. sabiam que:
- as procurações referidas nos pontos 3.1.65. e 3.1.66. foram outorgadas pelos AA. para, tão só, assegurar que a gestão corrente das sociedades em que são titulares de quotas e gerentes e administradores poderia ser conduzida por alguém da sua confiança (o seu Pai) numa situação inesperada de ausência dos mesmos;
- as procurações referidas foram outorgadas para que o 1º R pudesse, na sua ausência, assegurar a continuidade da atividade das Sociedades Rés e de outras onde os AA. têm participações;
- a outorga das procurações referidas visava, apenas e só, permitir que o 1.º R. representasse os AA. quando estes, por motivo de férias ou deslocações profissionais, não estivessem presentes;
- a outorga das procurações referidas visava apenas assegurar que, na ausência dos aqui AA. e sendo necessária a sua intervenção, o 1.º R. os pudesse representar, a pedido dos mesmos e relativamente a atos ou negócios jurídicos previamente discutidos e validados por eles;
- os AA. conferiram poderes de representação ao 1º R. atendendo aos laços familiares que os uniam e com o único propósito de facilitar a resolução de atos esporádicos de gestão corrente das sociedades e dos AA., na ausência dos mesmos.
3.2.13. O valor nominal das quotas é inferior ao respectivo valor de mercado.
3.2.14. A 2ª R., Sra. PP, é funcionária dos AA., exercendo as funções de administrativa na sociedade Euro..., auferindo uma remuneração mensal de cerca de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
3.2.15 – As cessões visaram transmitir as participações sociais para o património da 2ª ré e do 3º réu.
[redacção da 1.ª instância: As cessões visaram única e exclusivamente retirar aos AA. as participações sociais e transferi-lo para a 2ª e 3º RR e, consequentemente, afastá-los da gestão e administração das sociedades RR.]
5. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
O presente recurso tem como objecto as seguintes questões:
• Erro do acórdão recorrido ao entender que entre o 1.º R. e os AA. existe uma relação de mandato sem representação por falta de prova de tal relação;
• Erro do acórdão recorrido ao entender que a titularidade das participações sociais dos autos cabe ao 1.º R. por tal contrariar a presunção registal (cfr. art. 11.º do Código de Registo Predial), bem como o valor da prova plena (cfr. art. 371.º, n.º 1, do Código Civil);
• Erro do acórdão recorrido ao entender que as cessões de quotas dos autos se destinavam à restituição das participações sociais ao 1.º R.;
• Erro do acórdão recorrido ao não atender a que, enquanto procurador dos AA., o 1.º R. não tinha poderes para celebrar as cessões de quotas, o que conduz à ineficácia das mesmas (art. 268.º do Código Civil); subsidiariamente deve, pelo menos, entender-se que existiu abuso de representação (art. 269.º do CC);
• Erro do acórdão recorrido ao não considerar que, por serem doações simuladas, as cessões de quotas dos autos estão feridas de nulidade;
• Erro do acórdão recorrido ao, em sede de apreciação da ampliação da impugnação da matéria de facto apresentada pelos RR. apelados, ter alterado o facto 3.2.12;
• Em qualquer caso, erro da decisão relativa à matéria de facto, na parte em que nela se incluem factos conclusivos;
• Alteração da decisão de indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
As questões serão apreciadas pela seguinte ordem, colocando-se em primeiro lugar as questões relativas à decisão de factos:
• Erro do acórdão recorrido ao, em sede de apreciação da ampliação da impugnação da matéria de facto apresentada pelos RR. apelados, ter alterado o facto 3.2.12, dado como não provado pela 1.ª instância;
• Erro do acórdão recorrido ao entender que a titularidade das participações sociais dos autos cabe ao 1.º R. por tal contrariar a presunção registal (cfr. art. 11.º do Código de Registo Predial), bem como o valor da prova plena (cfr. art. 371.º, n.º 1, do Código Civil);
• Erro da decisão relativa à matéria de facto, na parte em que nela se incluem factos conclusivos;
• Erro do acórdão recorrido ao entender que entre o 1.º R. e os AA. existe uma relação de mandato sem representação por falta de prova de tal relação;
• Erro do acórdão recorrido ao entender que as cessões de quotas dos autos se destinavam à restituição das participações sociais ao 1.º R.;
• Erro do acórdão recorrido ao não atender a que, enquanto procurador dos AA., o 1.º R. não tinha poderes para celebrar as cessões de quotas, o que conduz à ineficácia das mesmas (art. 268.º do CC); subsidiariamente deve, pelo menos, entender-se que existiu abuso de representação (art. 269.º do CC);
• Erro do acórdão recorrido ao não considerar que, por serem doações simuladas, as cessões de quotas dos autos estão feridas de nulidade;
• Alteração da decisão de indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
6. Consideremos, antes de mais, a questão do invocado erro do acórdão recorrido ao, em sede de apreciação da ampliação da impugnação da matéria de facto apresentada pelos RR. apelados, ter eliminado o facto não provado 3.2.12 (tendo-o, com redacção ligeiramente diferente, aditado aos factos provados).
O facto não provado 3.2.12. tinha o seguinte teor:
«A outorga daquelas procurações pretendia conferir ao 1º R. todos os poderes jurídicos necessários para continuar a administrar e a dispor de todo o património imobiliári[o] e mobiliário, como se fosse seu, isto é, em igualdade de condições como se estivesse na sua titularidade formal».
Tendo o acórdão recorrido fundado nestes termos a sua eliminação dos factos não provados:
«Os apelados, nas conclusões 133 e seguintes das contra-alegações, pretendem que seja considerada provada a matéria do ponto não provado 3.2.12, que tem a seguinte redacção: Ponto 3.2.12. A outorga daquelas procurações pretendia conferir ao 1º R. todos os poderes jurídicos necessários para continuar a administrar e a dispor de todo o património imobiliária e mobiliário, como se fosse seu, isto é, em igualdade de condições como se estivesse na sua titularidade formal.
As declarações do 1º réu, da 2ª ré e do 3º réu confirmam no essencial este ponto de facto não provado.
A cronologia dos acontecimentos e o porquê de estas procurações, de Fevereiro de 2014, não terem sido logo outorgadas aquando da aquisição das primeiras sociedades rés, em 2002, 2004 e 2010 foram explicadas nas declarações de parte do 1º réu, de forma consistente, afirmando que teve um problema grave de saúde em 2013 (ponto 2.1.90) altura em que as relações com os seus filhos se deterioraram, sentindo-se o declarante pouco apoiado na doença e sentindo também que os filhos aproveitaram esse momento de fragilidade para começarem a questionar as suas decisões e sendo a partir daí que o bom entendimento anteriormente existente começou a não funcionar.
Deverá, assim, ser eliminado este ponto 3.2.12 dos factos não provados, bem como o ponto 3.2.11 para evitar contradição, e ser aditada esta matéria aos factos provados.»
Consequentemente, foram aditados os seguintes factos provados:
3.1.91 – As cessões visaram retirar os autores da titularidade formal das sociedades rés a que se refere o ponto 3.1.59, face às desavenças entre estes e o pai, o que foi realizado com a intervenção da 2ª ré e do 3º réu, que, quando adquiriram as participações sociais da Quinta do M..., Lda. e da S....; Lda., agiram por conta e a pedido do 1º réu.
3.1.92 – Foi por causa dos factos referidos em 3.1.55 a 3.1.58 que foram emitidas as procurações.
3.1.93 – A outorga daquelas procurações pretendia conferir ao 1º réu todos os poderes jurídicos necessários para, com autonomia, continuar a administrar todo o património que havia sido colocado na titularidade formal dos autores, na sequência de desentendimentos que começavam a surgir com estes.
Contra a eliminação do facto 3.2.12. dos factos não provados, alegam os Recorrentes o seguinte:
- «Ora, sucede, contudo, que esta alteração da matéria de facto realizada pelo Tribunal a quo padece de profunda errada interpretação, a qual tinha sido decidida – e bem – pelo Tribunal de 1ª Instância ao considerar tal matéria de facto como não provada.
- A errada decisão do Tribunal a quo é, desde logo, comprovada pelo facto de as procurações usadas pelo 1º R. dizerem respeito a apenas 4 sociedades, das 16 de que os AA. eram titulares.
- Logo, se a conclusão do Tribunal a quo de que “A outorga daquelas procurações pretendia conferir ao 1º R. todos os poderes jurídicos necessários para continuar a administrar e a dispor de todo o património imobiliária e mobiliário, como se fosse seu” fosse correcta e verdadeira então a procuração englobaria todas as sociedades dos AA. e não apenas quatro das dezasseis de que são [eram] titulares.»
Vejamos.
Nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».
Não estando em causa qualquer das hipóteses excepcionais previstas na parte final desta norma, não cabe sindicar a referida alteração à decisão relativa à matéria de facto.
7. Passemos a apreciar a questão do invocado erro do acórdão recorrido ao entender que, não obstante as participações sociais dos autos se encontrarem registadas em nome dos AA., a sua titularidade material cabe ao 1.º R. por, alegadamente, tal contrariar a presunção registal prevista no art. 11.º do Código de Registo Predial, assim como o valor da prova plena de acordo com o princípio do art. 371.º, n.º 1, do Código Civil.
Vejamos.
Prescreve o n.º 1 do art. 371.º do CC que «Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.».
O que, nas palavras de Maria dos Prazeres Beleza (anotação ao artigo 371.º, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, págs. 852 e seg.), significa que:
«[F]icam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, autora do documento (que conferiu a identidade das partes, ou que lhes leu o documento…), ou que nele são atestados com base nas suas percepções (por ex., as declarações que ouviu ou os actos que viu serem praticados); mas os meros juízos pessoais do documentador (que a parte se encontrava no pleno uso das faculdades mentais, ou semelhante) ficam sujeitos à regra da livre apreciação pelo julgador.
(...)
A força probatória do documento também não tem qualquer repercussão na validade ou na veracidade da declaração documentada, nem é questionada por eventual arguição de vícios na formação da vontade ou de divergências entre a vontade e a declaração.
(...) Saber se as declarações efectuadas correspondem ou não à vontade real dos declarantes ou se estão afectadas de erro ou outro vício escapa às percepções do documentador.» [negritos nossos]
Temos assim que a força probatória plena – tanto dos documentos autênticos que serviram de suporte às inscrições registais a favor dos AA. como dos documentos que o certificam – não é posta em causa por, com base em meios de prova (incluindo declarações de parte) sujeitos ao princípio da livre apreciação, ter o acórdão recorrido entendido que o adquirente material das participações sociais dos autos foi o pai dos AA., o aqui 1.º R..
Já no que se refere à presunção do art. 11.º do Código de Registo Comercial («O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida»), e socorrendo-nos das considerações de Engrácia Antunes («O registo comercial», in Revista da Ordem dos Advogados, Jan.-Jun. 2017, págs. 353 e seg.), entende-se que:
«(...) a presunção registal é, via de regra, uma presunção relativa ou iuris tantum (nos termos gerais do art. 350.º do Código Civil). Como é timbre das presunções legais, tal presunção tem como efeito principal inverter o ónus da prova: quem tem a seu favor o registo, não necessita de provar que é titular do direito correspondente, sem prejuízo de a presunção poder ser ilidida mediante prova em contrário (95). Vale isto por dizer que o registo comercial confere uma proteção às expectativas dos interessados e dos terceiros em geral que estabelecem as suas relações negociais confiando na situação que ele publicita uma vez que, enquanto a presunção que dele deriva não for ilidida mediante apresentação de prova em contrário e aquele não caducar ou for cancelado, os factos tabularmente consignados consubstanciam para todos os efeitos e erga omnes a situação jurídica das pessoas a que respeitam (96).».
Deste modo, e tendo presente que as disposições relativas ao registo predial constituem direito subsidiário em relação ao regime do registo comercial (cfr. art. 115.º do Código do Registo Comercial), vale aqui a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que admite a elisão da presunção iuris tantum consagrada no art. 7.º do Código de Registo Predial. Neste sentido, cfr., entre outros, os acórdãos de 11-04-2019 (proc. n.º 68/14.2TBPTS.L1.S1) e de 08-09-2021 (proc. n.º 10192/15.9T8STB.E1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt, bem como o acórdão 15-04-2015 (proc. n.º 1203/12.0TBVFR.P1.S1), não publicado.
No caso dos autos, tendo sido os RR. a alegar e provar a elisão da presunção registal e tendo ficado provado (cfr. factos 3.1.12., 3.1.13., 3.1.14., 3.1.16., 3.1.32., 3.1.33., 3.1.34., 3.1.40., 3.1.41., 3.1.40., 3.1.41., 3.1.50. e 3.1.51.) que as cessões de quotas a favor dos 2.º a 5.º RR. foram inscritas no registo comercial, mostra-se irrelevante a formulação de pedido de cancelamento da inscrição registal a favor dos AA., uma vez que a inscrição registal actual se encontra em conformidade com o conteúdo substantivo da decisão recorrida.
Improcede assim, nesta parte, a pretensão dos Recorrentes.
8. Os Recorrentes invocam ainda a existência de erro da decisão relativa à matéria de facto, na parte em que nela se incluem factos conclusivos. Alegam concretamente o seguinte:
- «(...) analisando esta decisão e fundamentação do Tribunal a quo, não se poderá deixar de referir que a terminologia aqui utilizada de “titularidade formal” consubstancia verdadeiramente uma qualificação jurídica, e não um facto!
- Qualificação jurídica esta que se revela altamente indiciosa – especificamente uma qualificação jurídica que o Tribunal a quo atribui em decorrência da subsunção da factualidade a um contrato de mandato sem representação.»
- «Neste sentido, está aqui em causa a utilização pelo Tribunal a quo de uma expressão que reconduz, evidentemente, à formulação de um juízo conclusivo: o da aplicação do contrato de mandato sem representação – sendo que tal conclusão deveria ser extraída apenas dos factos materiais que se integram no thema decidendum.
- De facto, a realidade da factualidade do caso sub judice é outra: a titularidade das participações sociais pelos AA., sendo essa a informação extraída das entidades registais.
- Neste sentido, e como tal, deverão tais factos dados como provados ser dados como não provados por este douto Supremo Tribunal de Justiça, ou, caso assim não se entenda, ser os mesmos expurgados do conteúdo da decisão, eliminando qualquer tipo de carácter conclusivo da matéria factual dada como provada.».
Sobre a questão da sindicância dos denominados factos conclusivos pelo Supremo Tribunal de Justiça convocam-se as considerações tecidas no acórdão de 27-04-2017 (proc. n.º 273/14.1TBSCR.L1.S1)1, consultável em www.dgsi.pt:
«[O] artigo 646.º, n.º 4, do CPC, na redação anterior à reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, determinava que se tivessem por não escritas as respostas dadas, em sede de julgamento de facto, sobre questões de direito, o que implicava, nomeadamente, ajuizar sobre o préstimo do teor dessas respostas para enunciar juízos de facto.
É certo que tal disposição não foi transposta para a atual versão do CPC, mas ainda assim deve manter-se o entendimento de que a questão de saber se determinado enunciado linguístico é adequado a descrever uma factualidade juridicamente relevante reconduz-se a uma questão de direito, de cuja solução dependerá o atendimento ou não, como espécie factual, da matéria ali vertida, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º todos do CPC[14].
Nessa medida, não obstante o preceituado no n.º 2 do artigo 682.ºdo mesmo Código, cabe ao tribunal de revista ajuizar sobre tal adequação e, nessa conformidade, decidir se o enunciado em causa deve ou não ser considerado como matéria de facto.
Como é sobejamente reconhecido, nem sempre se mostra, na prática, tarefa fácil fazer a destrinça entre um juízo de facto e um juízo de direito, tanto mais que os próprios juízos probatórios integram categorias lógicas sinteticamente representativas de uma realidade concreta em que concorrem múltiplas vicissitudes que seria difícil descrever até ao ínfimo pormenor.
Ora, no respeitante à formação do juízo probatório, já longe vão os tempos da tradição empírico-narrativista, em que dominava o lema de que factos são factos e não necessitam de ser argumentados. Com efeito, a verdade judicial é fruto de um raciocínio problemático, sustentado na razão prática mediante a análise crítica dos dados de facto veiculados pela atividade probatória, em regra, mediante inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência comum colhidas da normalidade social. Daí resulta que os juízos probatórios incluam, por vezes, segmentos de pendor conclusivo ou elementos categoriais compreensivos da realidade em análise.
No entanto, na sua formulação, há que estar prevenido contra a ocorrência de dois riscos frequentes: por um lado, a tendência para a generalização fácil do conhecimento empírico; por outro lado, o perigo de obnubilação da concretude factual pela via da abstração conceitual[15]. Assim, na valoração e formulação do juízo probatório, deve procurar-se o equilíbrio entre o sentido do real e a sua razão prática.
Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis[16], os factos são as ocorrências ou eventos da vida material ou espiritual, sejam eles fenómenos da natureza, sejam manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os atos humanos.
O facto ou factualidade pura, ou a se, consiste num acontecer (realidade dinâmica) ou numa situação existente (realidade estática) suscetíveis de ser percecionados pelo homem. Será, pois, a partir dos dados colhidos pela atividade percetiva, através dos mecanismos e esquemas inteletivos, que se reduz a realidade complexa objetiva a conteúdos de entendimento expressos, por via da linguagem, em imagens representativas, ideias, conceitos, juízos e raciocínios.
Em geral, os factos juridicamente relevantes compreendem:
a) - um suporte subjetivo, constituído pelos sujeitos que nele participam;
b) - um núcleo factual, corporizado no evento, ação ou situação em que se sedimenta (modus operandi);
c) – as circunstâncias, nomeadamente de tempo e lugar, em que ocorrem.
São estes elementos estruturantes que permitem individualizar, de uma forma ou outra, o facto como singularidade no mundo do ser.
Todavia, na sua configuração nuclear, os factos apresentam morfologias diversificadas em função da facti species que normativamente os modela.
Mas, no espetro factual consubstanciador da causa de pedir, nem todos os seus segmentos importam o mesmo nível de densificação, o qual deverá ser aferido em função do relevo estratégico de cada um deles. Enquanto que os segmentos com função primacial exigem maior grau de concretude, os segmentos secundários, adjuvantes, contextuais ou periféricos podem não o exigir.
No seu recorte normativo, os factos podem ser configurados como realidades dinâmicas (troços do suceder) ou como realidades situacionais ou estáticas (troços dos ser). Por sua vez, as factualidades dinâmicas podem traduzir-se em ocorrências mais ou menos instantâneas, simples ou complexas, confinadas a determinados lapsos de tempo, ou assumir natureza duradoura, prolongando-se quer de forma ininterrupta (sem solução de continuidade) quer de modo sucessivo (com soluções de continuidade), mormente por integração de eventos reiterados.
Será, pois, em função da morfologia típica de cada facto juridicamente relevante que se deverá ajuizar sobre o quantum satis da respetiva densificação. Em regra, os factos instantâneos requerem maior grau de pormenorização, enquanto que os factos de feição duradoura ou continuada, em particular os ocorridos sob forma reiterada, não o exigem, bastando-se com uma espessura menos concentrada que seja, porém, reveladora dos traços fundamentais da sua distensão ao longo do tempo.
E quanto à terminologia a utilizar na descrição dos factos, devem evitar-se termos puramente jurídicos ou de significação abstracta ou de mera valoração, que comprometam a necessária objetividade, admitindo-se, todavia, o uso de termos conceituais de alcance semântico consensual, em função do contexto factológico em que se inscrevem.». [negritos nossos]
Na linha destas considerações, e com especial relevância para a resolução da questão que ora nos ocupa, entende-se que: (i) os juízos probatórios podem incluir segmentos de índole conclusiva, desde que estes revistam ainda a natureza de conclusões factuais; (ii) ainda que, na formulação dos juízos probatórios, se deva evitar utilizar terminologia puramente jurídica, é admissível a utilização de termos ou expressões que, no contexto em que se inserem, tenham um significado (factual) consensualizado (tal como, por exemplo, os termo “proprietário”, “adquirir”, etc.).
No caso dos autos em que, efectivamente, a matéria de facto inclui, nos pontos 3.1.59, 3.1.91 e 3.1.93, a utilização da expressão “titularidade formal” das participações sociais, considera-se estarmos perante uma dessas situações admissíveis. Com efeito, na presente acção em que é posta em causa a validade e eficácia dos actos jurídicos praticados pelo 1.º R., partindo de múltiplos factos dados como provados em relação às quatro sociedades em causa2, as instâncias, mediante o uso de presunções judiciais (cfr. art. 351.º do Código Civil) extraíram a ilação de que o 1.º R., pai dos AA., e não estes últimos, era, no plano substantivo, o verdadeiro titular das participações sociais em causa. Esta ilação corresponde à elisão da presunção iuris tantum resultante do registo comercial. O tribunal a quo deu como provado que a inscrição registal não é conforme à realidade material, o que configura um juízo de natureza factual, não sindicável por este Supremo Tribunal.
Com base no mesmo conjunto de factos dados como provados, e igualmente por meio de presunção judicial não sindicável por este Supremo Tribunal, deu o tribunal a quo como provado que a outorga de procurações a favor do 1.º R. «pretendia conferir ao 1º réu todos os poderes jurídicos necessários para, com autonomia, continuar a administrar todo o património que havia sido colocado na titularidade formal dos autores» (facto 3.1.93).
Pelo exposto, improcede também, nesta parte, a impugnação dos Recorrentes.
9. Passando a apreciar das questões relativas à decisão de direito, consideremos o invocado erro do acórdão recorrido ao entender que entre o 1.º R. e os AA. existe uma relação de mandato sem representação por falta de prova de tal relação.
O tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
«Com a presente acção, os autores pretendem a declaração de invalidade de quatro cessões de quotas das quatro sociedades rés, celebradas pelo 1º réu com o uso de procuração que lhe foi outorgada pelos autores, o que fazem invocando vários fundamentos que entendem ser causadores de invalidade.
Os réus contestaram alegando que as quotas transmitidas, embora estejam na titularidade formal dos autores, não lhes pertencem, pertencendo sim ao 1º réu, que custeou o a sua aquisição e sempre as geriu como se fossem suas.
Sendo assim, a primeira questão a apreciar é a de saber a quem pertenciam as quotas aquando da sua transmissão, impugnada nos autos.
Ficou provado que o 1º réu, após ter declarado publicamente que desde 1987 não apresentou declarações de IRS, foi sujeito a inspeção fiscal, que levou a liquidação adicional, que, por sua vez, foi objecto de impugnação e cuja decisão foi impugnada por recurso (pontos 3.1.55, 3.1.56, 3.1.57 e 3.1.58) e que, por isso, para evitar que o seu património fosse penhorado e vendido judicialmente, colocou os seus filhos na titularidade das sociedades rés, face ao grau de proximidade familiar e extrema confiança que depositava nos mesmos (ponto 3.1.59).
Foi desta forma que os autores adquiriram a titularidade formal das participações sociais da Quinta do M..., Lda. e T..., Lda, respectivamente em 21/5/2002, 30/3/2004, 9/7/2010 e em 18/10/2014, esta última como redomiciliação de sociedade que existia no estrangeiro, aquisições todas custeadas pelo 1º réu (pontos 3.1.5, 3.1.28 e 3.1.30, 3.1.39 e 3.1.49)
E apesar de formalmente passarem os autores a ocupar os cargos de gerência destas sociedades, era o 1º réu quem comandava os negócios das mesmas (pontos 3.1.60, 3.1.61. 3.1.62. 3.1.63 e 3.1.64).
Nestas quatro referidas aquisições de 2002, 2004, 2010 e 2014, foi então adquirente o 1º réu CC, mas, nos actos jurídicos respectivos, figuraram como adquirentes os autores, havendo, pois, interposição de pessoa nestes negócios jurídicos.
A interposição de pessoa nos negócios jurídicos pode ser fictícia ou real: se for fictícia constitui uma simulação subjectiva, mas se for real constitui um mandato sem representação. Na verdade, a simulação, prevista nos artigos 240º e sgts do CC, é um vício na formação da vontade nos contratos, uma forma de divergência entre a vontade e a declaração, que gera sempre a nulidade do negócio simulado e que pode ser absoluta, por o negócio simplesmente não existir, ou pode ser relativa, por existir um negócio dissimulado e, sendo relativa, poderá eventualmente ser válido o negócio dissimulado, caso se verifiquem as condições previstas no artigo 241º do mesmo código.
O negócio dissimulado na simulação relativa poderá respeitar ao negócio em si, caso em que a simulação é objectiva, ou poderá respeitar aos sujeitos do negócio, por haver interposição fictícia de pessoa ou pessoas, caso em que a simulação é subjectiva.
A simulação subjectiva, ou interposição fictícia de pessoas presssupõe, porém, como qualquer outro tipo de simulação, a existência de um acordo simulatório entre as pessoas que outorgam o contrato, um dos quais, ou os dois, será aquele que age ficticiamente no lugar de terceiro, que é o verdadeiro interveniente no negócio.
Não havendo acordo simulatório, por não haver contraparte, ou por a contraparte não estar conluiada com a pessoa que age em vez do verdadeiro interveniente, não existe simulação, mas sim uma interposição real de pessoas, ou seja, um mandato sem representação, em que alguém intervém no negócio em seu nome próprio, mas no interesse e por conta de um terceiro, que é o verdadeiro interveniente no negócio, mas, por qualquer razão, tem interesse em que a sua intervenção não seja conhecida (cfr Carlos da Mota Pinto, Teoria da Relação Jurídica, 1976, págs .360 e 361 e, entre outros, ac RC 15/12/2021, p. 1612/17, RL 1472/2013, p. 7157/05, STJ 15/3/2003, todos em www.dgsi).
No caso dos autos, tendo havido interposição de pessoa nas aquisições das participações sociais pelos autores, uma vez que foi o seu pai, 1º réu, quem verdadeiramente as adquiriu, custeando-as, não foi alegado nem provado que houvesse qualquer acordo simulatório.
Na compra das quotas da Quinta do M..., Lda. não foi alegado nem provado que houvesse conluio com os dois cedentes das quotas (se é certo que, como se expôs na motivação da matéria de facto, que a um dos cedentes terá sido confidenciado pelo 1º réu que era ele próprio o comprador, não foi alegado que entre ambos tivesse havido um acordo nesse sentido).
Na aquisição das quotas da S....; Lda., as cedentes eram duas sociedades pertencentes ao grupo económico do 1º réu (Construções A... e E.........), inexistindo, portanto, uma contraparte terceira com quem pudesse ter havido um acordo simulatório.
A aquisição das quotas da P... - Administração de Propriedades, Lda. ocorreu com a constituição da própria sociedade, inexistindo também qualquer contraparte.
Igualmente, a aquisição das quotas da T..., Lda ocorreu aquando da sua constituição e redomiciliação em Portugal sem que fosse alegado e provado haver uma parte terceira e qualquer pacto simulatório.
Deste modo, conclui-se que nas aquisições das participações das rés pelos autores houve uma interposição real de pessoa, pela qual a sua intervenção, em seu nome próprio, nas referidas sociedades, resultou da sua posição como mandatários sem representação, nos termos dos artigos 1180º e sgts do CC, no âmbito de mandatos em que é mandante o seu pai, o ora 1º réu, a quem pertencem as respectivas participações sociais.».[negritos nossos]
Insurgem-se os Recorrentes contra este entendimento, alegando essencialmente não se encontrar provado o acordo de vontades entre os AA. e o seu pai, o aqui 1.º R., necessário para a existência de um contrato de mandato sem representação.
Em sede de contra-alegações, contrapõem os Recorridos que «não assiste qualquer razão aos Recorrentes no tocante aos fundamentos invocados no presente recurso de revista normal, porquanto, sendo o mandato normalmente um contrato consensual, dado que a lei não exige forma especial, o mandato sem representação (artigos 1180º e seguintes do Código Civil) não está, também, em princípio, sujeito a forma especial» e ainda que «no âmbito da formação do mandato sem representação, que se dá nos termos gerais dos contratos, a proposta do mandante e a aceitação do(s) mandatário(s) podem ser expressas ou tácitas (artigo 217º do Código Civil), sendo tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam, o que, perante os factos dados como provados nos autos quanto à aquisição pelos AA. ora Recorrentes das participações sociais das sociedades Rés, todas elas previamente negociadas e com a intervenção do 1º Réu, sem que aqueles tivessem procedido ao pagamento de qualquer quantia pelas transmissões ou pelas subscrições dessas participações sociais, se verifica quanto à atuação daqueles (enquanto mandatários sem representação)».
Afigura-se assistir razão aos Recorridos. Com efeito, por um lado, o contrato de mandato sem representação não está sujeito a exigências de forma; e, por outro lado, nos termos da segunda parte do n.º 1 do art. 217.º do Código Civil (a declaração negocial «é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam»), é de considerar que «o CC adotou um conceito amplo de declaração: “é declaração negocial qualquer forma de comportamento que de acordo com os critérios interpretativos tenha significado negocial”» (Evaristo Mendes/Fernando Sá, citando Paulo Mota Pinto, anotação ao artigo 217.º, in Comentário ao Código Civil – Parte Geral, cit., pág. 489).
Assim sendo, considera-se que, a ampla factualidade dada como provada – reproduzida no ponto 8 do presente acórdão – permite, com toda a probabilidade, deduzir a existência de uma relação de mandato sem representação entre o 1.º R, como mandante, e os AA., seus filhos, como mandatários, no que se refere à titularidade formal das participações sociais dos autos, bem como ao exercício formal das funções de gerentes das mesmas.
Conclui-se, também aqui, pela improcedência da pretensão dos Recorrentes.
10. Invocam ainda os Recorrentes erro do acórdão recorrido ao entender que as cessões de quotas dos autos a favor da 2.ª R. e do 3.º R. se destinavam à restituição das participações sociais ao 1.º R..
O Tribunal da Relação fundamentou a decisão da seguinte forma:
«IV) Invalidade das cessões de quotas por falta de poderes de representação do 1º réu para as outorgar, para receber os preços e para a respectiva quitação, para a cedência dos direitos inerentes às participações sociais dos autores e para a renúncia destes à gerência das sociedades.
Face ao acima exposto, não se tendo provado que, apesar de estarem na sua titularidade formal, não pertenciam aos autores as participações sociais transmitidas nas cessões de Junho e Julho de 2018 e impugnadas nos autos, não procedem as arguições de nulidade e de ineficácia dessas transmissões.
Os doutos pareceres jurídicos de fls 1099 a 1167 e de fls 1168 a 1304 partem do pressuposto de que as participações sociais pertencem aos autores, o que não se veio a provar, pelo que não poderão considerar-se válidas as conclusões dos referidos pareceres e em que se baseiam as alegações dos apelantes (sendo que a terceira parte do segundo parecer, a partir de fls 1280 e sgts, “estabilidade das doações” alheia aos factos da presente acção).
Não procede a conclusão de que inexiste a relação jurídica a que se refere o artigo 265º do CC, consubstanciada em mandato entre os autores e o 1º réu e subjacente às procurações em causa, por não existirem instruções para a transmissão das quotas, bem como não procede a conclusão de que as procurações de Fevereiro de 2014 são nulas por terem conteúdo indeterminável, nos termos do artigo 280º nº1 do mesmo código.
Com efeito, a relação jurídica que efectivamente existia entre as partes consubstanciava um mandato, mas em que o mandante era o 1º réu e os seus filhos eram mandatários sem representação, nos termos acima expostos, cabendo aos segundos devolver as participações sociais assim que o 1º réu lhes solicitasse, nos termos dos artigos 1161º a) e 1181º nº1 do CC, conforme acima exposto.»
Insurgem-se os Recorrentes contra este entendimento, alegando, designadamente, não ter sido alegado nem provado que o 1.º R. tivesse direito à restituição das participações sociais, que o juízo da Relação contradiz o entendimento da 1.ª instância de que as cessões não foram gratuitas e ainda que o mesmo é contraditado pelo facto de as cessões das participações sociais terem sido feitas (na parte que ora releva) para a 2.ª R. e o 3.º R. e não para o 1.º R..
A argumentação dos Recorrentes carece inteiramente de razão. Na verdade, perante a alteração da factualidade dada como provada (da qual resulta ser o 1.º R. o titular material das participações sociais dos autos), assim como perante a qualificação, que não merece censura, da relação jurídica existente entre os AA. e o 1.º R. como sendo de mandato sem representação, não poderia o Tribunal da Relação deixar de reconhecer que assistia a este último o direito de determinar o destino a dar às referidas participações. Mais do que especificamente de um direito à restituição das participações sociais para a esfera jurídica do mandante, o que está em causa é a necessidade de, de acordo com a natureza e finalidade próprias do contrato de mandato, se reconhecer que, ao abrigo do princípio ínsito no art. 1170.º do CC, pode o mandante fazer cessar a relação jurídica em causa.
Posto por outras palavras, temos que, com a prova de que a titularidade substantiva das participações sociais cabe ao 1.º R. e não aos AA., não poderia o tribunal a quo senão admitir como legítimos os actos por aquele praticados no sentido de passar a titularidade das ditas participações para terceiros. Por maior censura que mereça o intuito de defraudar o Fisco confessado pelo 1.º R. – constituiria uma grave violação do direito e da justiça permitir que os aqui AA. se apropriassem de participações sociais que ficou provado não lhes pertencerem.
Deste modo, improcede também nesta parte a pretensão dos Recorrentes.
12. Face a estas considerações, não pode deixar de improceder também a questão invocada pelos Recorrentes de que padece o acórdão recorrido de erro ao não atender a que, enquanto procurador dos AA., o 1.º R. não tinha poderes para celebrar as cessões de quotas, o que conduz à ineficácia das mesmas (art. 268.º do CC); e de que, subsidiariamente, deve, pelo menos, entender-se que existiu abuso de representação (art. 269.º do CC).
Na verdade, tendo-se concluído como se concluiu no ponto anterior, que, sendo o verdadeiro titular das participações sociais dos autos, assistia ao 1.º R. o direito de, fazendo uso dos amplos poderes que lhe foram conferidos pelas procurações, determinar o destino a dar às referidas participações, acompanham-se os termos em que a o tribunal a quo se pronunciou:
«(...) face às desavenças que, entretanto, foram surgindo entre o 1º réu e os autores, as procurações foram apenas o instrumento que serviu para concretizar este objectivo de restituição das participações sociais, através da alteração societária das sociedades rés, sem que tenha havido uma efectiva transmissão das participações sociais de que os autores tinham apenas a titularidade formal, pois as participações acabaram por integrar as próprias sociedades rés (ficando no universo do grupo económico do 1º réu, a quem já pertenciam) ou passaram para a titularidade formal da 2ª ré e do 3º réu, que aceitaram adquiri-las em seu nome próprio, mas ficando na sua titularidade meramente formal, por estes réus terem agido por conta e a pedido do 1º réu por mandato sem representação, ficando na mesma situação em que os autores estiveram antes deles.
Não se verifica, pois, a ineficácia das cessões por falta de poderes de representação nos termos do artigo 268º do CC, quer para a celebração das cessões, quer para receber e dar quitação do preço que não teve lugar, por se tratar apenas de alterações societárias, quer para cedência de direitos e da gerência de que os autores tinham apenas a titularidade formal.». [negritos nossos]
Improcede, assim, tanto a invocada ineficácia das cessões de quotas dos autos por alegada falta de poderes de representação do 1.º R. como por alegado abuso dos referidos poderes de representação.
12. Por último, no que respeita à decisão de direito, invocam os Recorrentes padecer o acórdão recorrido de erro ao não considerar que, por serem doações simuladas, as cessões de quotas dos autos estão feridas de nulidade.
Alegam designadamente o seguinte: «uma vez que os AA. não receberam qualquer contrapartida pelo negócio, estamos aqui perante doações para as quais o 1.º R. não tinha poderes para a sua celebração, sendo de considerar, novamente, que os negócios de cessão de quotas celebrados são nulos por força do estipulado no artigo 294.º do Código Civil, uma vez que consubstanciam negócios simulados e o negócio simulado não poderia ser realizado».
A questão apreciada pelo tribunal a quo em termos que se subscrevem:
«(...) quanto à simulação, inexiste um pacto simulatório entre o 1º réu (que se verificaria na sua qualidade de representante, em conformidade com o artigo 259º nº1 do CC), e a 2ª ré e o 3º réu, uma vez que o que teve lugar, como também já acima se expôs, foi um negócio com interposição real de pessoa, em que estes réus agiram em nome próprio, mas por conta e interesse do 1º réu, como mandatários sem representação, na mesma situação em que, antes deles, os autores também o fizeram.» [negrito nosso]
Temos que, de acordo com a factualidade dada como provada pela Relação (que, como se verificou, não pode ser sindicada por este Supremo Tribunal), bem como de acordo com o enquadramento jurídico realizado pela mesma Relação (que não merece censura), constata-se que as cessões de quotas realizadas pelo 1.º R. a favor dos demais RR., ao abrigo dos amplos poderes que lhe foram conferidos pelas procurações dos autos, mais não são do que actos pelos quais aquele, enquanto titular material das participações sociais em causa, passou a titularidade das ditas participações dos AA. para terceiros. Reitera-se que, por maior censura que mereça o intuito de defraudar o Fisco confessado pelo 1.º R., constituiria uma grave violação do direito e da justiça permitir que os aqui AA. se apropriassem de participações sociais que ficou provado não lhes pertencerem.
Conclui-se pela improcedência, por inteiro, das pretensões dos Recorrentes.
13. Vêm ainda os Recorrentes impugnar a decisão do acórdão recorrido que, confirmando a decisão da 1.ª instância, indeferiu o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Consideremos os termos em que a 1.ª instância apreciou o referido pedido:
«Dispensa do remanescente
Os AA. peticionam a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
O art.º 14º n.º 9 do RCP dispõe que nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 9º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado á parte vencida e considerado na conta final.
Uma vez que a acção deve ser julgada totalmente improcedente, as custas devem ficar a cargo dos AA. – art.º 527º n.º 1 do CPC – pelo que também lhes é imputável a taxa de justiça de remanescente.
No entanto cumpre verificar se será caso de dispensa de pagamento da mesma.
Dispõe o art.º 6º n.º 7 do RCP:
“Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente á complexidade da causa e á conduta processual das partes, dispensar o pagamento.” Permite a lei que, numa acção de valor superior a € 275,000,00, o juiz dispense o pagamento da taxa de justiça correspondente à diferença (por excesso) entre o valor de € 275.000,00 e o valor da causa para efeito de custas.
Por outro lado, exige-se que o juiz o faça “de forma fundamentada”, atendendo, designadamente, á complexidade da causa.
O n.º 7 do art.º 530º do CPC densifica actualmente o conceito dispondo:
Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Por outro lado, no Preâmbulo do DL 34/2008, de 26.02. (8º parágrafo a contar do final) constava:
«A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.
De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores.
De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.
Deste modo, quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à afectiva complexidade do procedimento respectivo”.
*
Dispõe o art.º 20º n.º 1 que a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
E o n.º 2 do art.º 18º dispõe que a lei só pode restringir os direitos liberdade e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Quanto ao principio constitucional da proporcionalidade ( também chamado principio da proibição de excesso ) desdobra-se em três subprincipios: a) o principio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei ( salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionais protegidos); b) principio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornarem-se exigíveis) porque os fins visados pela lei não podia, ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; c) principio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “ justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos” – Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª edição, pág. 152.
*
A justiça não é gratuita (tal entendimento vem sendo sufragado pelo TC, nomeadamente nos Ac.s n.ºs 307/90, 467/91 e 214/00).
Mas não sendo gratuita, os respectivos custos deverão ser adequados, necessários e proporcionais, face à natureza e complexidade do processo e à actividade judicial desenvolvida, de forma que a contrapartida pelo acesso aos tribunais não impeça ou restrinja de modo intolerável tal direito ao cidadão médio.
A este respeito considerou-se no Ac. do TC n.º 608/99, in DR, II, de 16 de Março de 2000, que “na área em questão” [matéria de custas judiciais], o principio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três sentidos: o de equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício; o da responsabilização de cada parte pelas custas de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional; e o do ajustamento dos quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes “.
Tendo em consideração estes aspecto, entende-se que permitindo a lei dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida sobre o excesso relativamente a € 275.000,00 (fixando, na prática e á posteriori, o valor da causa para efeito de custas no referido montante), também permitirá dispensar do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida apenas a partir de determinado valor do excesso proporcional á complexidade da causa e á conduta processual das partes.
Ou seja, se a lei permite “o mais” (na prática fixar à posteriori o valor da causa em € 275.000,00, ainda que o valor da causa para efeito de custas seja muito superior), permite o menos (reduzir o valor da causa para um valor superior a € 275.000,00 mas inferior ao valor real).
*
Vejamos se a situação dos autos justifica uma dispensa, ainda que parcial do remanescente
Os AA. vieram deduzir a presente acção formulando um conjunto de pedidos fundados em diversas causas de pedir.
A petição inicial tem 349 artigos e com ela foram juntos os documentos que se mostram juntos de fls. 47 a 148.
*
Os RR. vieram contestar por impugnação.
A contestação tem 189 artigos e foram juntos documentos que vão de fls. 213-541.
*
Entretanto os AA. vieram juntar os documentos de fls. 553v. a 572.
*
O julgamento realizou-se (não se considerou a sessão de 13 de Setembro de 2019 por a mesma se ter destinado à identificação dos factos alegados pelas partes relevantes para a decisão da causa) nos dias:
- 20 de Setembro – entre as 10H10 e as 16H01; - 01 de Outubro – entre as 9H45 10H12;
- 04 de Outubro – entre as 9H45 e 17H22;
- 11 de Outubro – entre as 10H30 e as 16H23; - 24 de Outubro – entre as 9H45 e as 15H08; - 28 de Outubro – entre as 9H45 e 15H48
- 11 de Novembro – entre as 9H30 e 15H11.
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Entre as audiências de julgamento os RR. juntaram aos autos os documentos de fls. 618-977, 987-1017 e os AA. vieram juntar os documentos de fls. 1030-1092
*
A taxa de justiça remanescente ascende a cerca de € 20.640,00. A causa não comporta articulados prolixos
Mas como resulta da sentença, a mesma tinha um elevado número de factos objecto de instrução, um elevado número de depoimentos de parte, declarações de parte e depoimentos testemunhais e um elevado documental, obrigou a esforço de motivação que se estende da pág. 21 a 44 e, além disso, um conjunto de questões jurídicas que só aparentemente primam pela simplicidade.
O julgamento desenrolou-se ao longo de 7 dias. Ou seja: a acção tinha complexidade.
Não se mostra desajustado ou desproporcional a tal complexidade o valor da taxa de justiça remanescente.
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Em face do exposto, improcede a peticionada dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.».
Tendo os AA. apelado desta decisão, o acórdão recorrido apreciou a questão da seguinte forma:
«Pretendem ainda os apelantes que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, por se mostrar exagerado e contrário à norma constitucional do artigo 20º da CRP o valor da mesma a taxa.
O valor da presente acção é de 1 960 995,70 euros e, sendo superior a 275 000,00 euros, acresce o pagamento do remanescente da taxa de justiça, calculado de acordo com a tabela I-A, a cargo dos autores que ficaram vencidos, tudo de acordo com os artigos 6º nº1 e nº7 e 14º nº9, todos do Regulamento das Custas Judiciais, sendo de cerca de 20 640,00 euros o montante da taxa, pela aplicação do referido critério.
Pode, porém, o tribunal dispensar o seu pagamento se a situação concreta, sua complexidade e comportamento processual das partes o justificar (artigos 6º nº7 do RCP e 530º do CPC).
No presente caso foram apresentados apenas dois articulados, a petição inicial e a contestação, não tenho sido suscitados quaisquer incidentes anómalos ou dilatórios.
Contudo, os articulados, não sendo prolixos, são extensos (349º artigos a petição inicial e 189º a contestação).
O julgamento decorreu em sete sessões, com cinco depoimentos de parte que se prolongaram por várias horas e com a audição de 19 testemunhas.
Com a petição inicial foram juntos 15 documentos, com a contestação foram juntos 171 documentos, com a audiência prévia os autores juntaram 2 documentos e os réus juntaram 20 documentos, com o requerimento de fls 552 (27/8/2019) os autores juntaram 6 documentos, com o requerimento de fls 607 a 977 (22/10/2019) os réus juntaram 93 documentos, com o requerimento de fls 983 a 1017 (24/10/2019) os réus juntaram 11 documentos, com o requerimento de fls 1030 a 1092 (29/10/2019) os autores juntaram 10 documentos.
A complexidade da apreciação da matéria de facto apresenta-se assim bastante elevada e as questões jurídicas suscitadas de razoável complexidade.
Sendo assim, não se afigura excessivo o valor da taxa de justiça remanescente, não se mostrando violada a norma do artigo 20º da CRP, que prevê o direito ao acesso ao Direito e tutela jurisdicional, já que este acesso não é gratuito e o maior ou menor custo do mesmo tem de ser graduado consoante as circunstâncias.
Improcede, pois, o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça, improcedendo, também nesta parte, a apelação.».
Contra esta decisão, insurgem-se os Recorrentes invocando o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade e ainda que:
- «(...) decorrendo ainda a aprovação do Regulamento das Custas Processuais da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2007, deve ter-se em consideração que o sentido e a extensão da autorização legislativa concedida foi de que se deveria estabelecer um sistema de custas processuais simplificado, assente no pagamento único de uma taxa de justiça e no pagamento de encargos que reflitam os custos efetivos da justiça, prevendo-se critérios de fixação da taxa de justiça variáveis em função não apenas do valor atribuído ao processo mas também da efetiva complexidade do mesmo.
- Nota-se ainda que, fixando o art.º 6.º, n.º 1, o art.º 11.º e a tabela I, todos do Regulamento das Custas Processuais, o valor da taxa de justiça, como regra geral, em função do valor da causa, violam, deste modo, o disposto no art.º 2.º, n.º 1, alíneas b) e c), da Lei n.º 27/2007, enfermando, pois, do desvalor da ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, nos termos do art.º 112.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.»
Vejamos.
Dispõe o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais:
«Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Assim sendo, afigura-se que, mediante esta previsão normativa, foram respeitados os parâmetros previstos na Lei de autorização legislativa n.º 26/2007, de 23 de Julho – designadamente das invocadas alíneas do seu art. 2.º, n.º 1 («O sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais, são os seguintes: (...) b) Estabelecer um sistema de custas processuais simplificado, assente no pagamento único de uma taxa de justiça e no pagamento de encargos que reflictam os custos efectivos da justiça; c) Prever critérios de fixação da taxa de justiça variáveis em função não apenas do valor atribuído ao processo mas também da efectiva complexidade do mesmo (...)» – razão pela qual se entende não se verificar a arguida inconstitucionalidade por violação do art. 112.º, n.º 3, da Constituição.
Quanto ao mais, isto é, quanto à efectiva ponderação dos factores indicados no referido n.º 7 do art. 6.º do RCP, o teor da fundamentação tanto da decisão da 1.ª instância como do acórdão recorrido que a confirmou, permite verificar que tal ponderação foi realizada, à luz do invocado princípio da proporcionalidade, em termos especialmente detalhados e justificados, razão pela qual se entende ser de improceder a pretensão de alteração «[d]a decisão a quo quanto a custas, dispensando-se os Recorrentes do pagamento do remanescente da taxa de justiça».
Tudo isto sem prejuízo da apreciação infra da questão do remanescente da taxa de justiça na sua globalidade, isto é, abrangendo a fase do recurso de apelação e do recurso de revista.
14. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes, sendo que, em relação ao remanescente global da taxa de justiça (art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais): (i) aceitando-se como proporcional, pelas razões aduzidas pelas instâncias e reproduzidas no acórdão, o valor de cerca de €20.000 para a actividade da 1ª instância, valor que corresponde a uma redução de cerca de 50% do remanescente pois apenas foi considerado o que era imputado a uma das partes; (ii) e seguindo a regra (cfr. n.º 2 do art. 6.º do RCP e tabela I-B anexa ao Regulamento) de que nos recursos a taxa de justiça é reduzida a metade; (iii) se decide conceder uma redução de 50% no remanescente global da taxa de justiça.
Evidenciando os autos, desde logo pela própria alegação do 1.º réu, que as sucessivas transmissões de participações sociais aí apreciadas tiveram como objectivo defraudar os interesses do Fisco, e tendo em vista habilitar este a defender adequadamente tais interesses, remeta, oportunamente, certidão com nota de trânsito deste acórdão à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 14 de Setembro de 2023
Maria da Graça Trigo (relatora)
Catarina Serra
Paulo Rijo Ferreira
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1. Relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes e votado pela aqui relatora como 1.ª Adjunta.
2. 3.1.4. A cessão de quotas referida em 3.1.2. e a cessão de suprimentos referida em 3.1.3. foi negociada pelo pai dos AA., o aqui 1º R., com os então sócios da Quinta do M..., Lda., GG. 3.1.5. O valor da cessão de quotas relativa à Quinta do M..., Lda. referido em 3.1.2. e o valor da cessão de suprimentos na mesma sociedade referido em 3.1.2, foi pago com recursos financeiros na disponibilidade do Pai dos AA., aqui 1º R.. 3.1.24. Pela ap. 33/040330 foi inscrita a transmissão da quota de € 748.196,85 a favor de AA por cessão da Soc..., Lda. 3.1.25. pela ap. 34/040330 foi inscrita a transmissão das quotas de € 747.698,05 e € 498,80 a favor de BB por cessão da E... - Administração de propriedades, Lda 3.1.28. Os AA. não procederam ao pagamento de qualquer quantia pelas transmissões de quotas referidas em 3.1.24. e 3.1.25. 3.1.30. As referidas prestações suplementares foram realizadas com recursos financeiros na disponibilidade do 1º R. 3.1.37. Está matriculada na CRC sob o NIPC .......09 uma sociedade por quotas denominada P... - Administração de Propriedades, Lda., tendo por objecto a administração de propriedades, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim e o capital social de € 20.000,00. 3.1.38. Pela ap. 29/20100709 foi inscrita a constituição da sociedade tendo como sócios BB, com uma quota de € 10.000,00 e AA com uma quota de € 10.000,00 e designados ambos gerentes. 3.1.39. O depósito do montante do capital social da P... - Administração de Propriedades, Lda. foi efectuado com recursos financeiros na disponibilidade do aqui 1º R.. 3.1.44. Está matriculada na CRC sob o NIPC .......89 uma sociedade por quotas denominada T..., Lda). 3.1.45. Pela ap. 379/20141218 foi inscrita a constituição da sociedade tendo como sócios BB, com uma quota de € 219.801,00 e AA com uma quota de € 219.801,00 e uma quota de € 1,00 em partes iguais de BB e AA, tendo sido designados ambos gerentes. 3.1.49. Foi o Pai dos AA., aqui 1º R., quem adquiriu a sociedade T... Limited bem como a sociedade sua representante T...Trust, pagando as mesmas com recursos financeiros na sua disponibilidade. 3.1.61. - Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da Quinta do M..., Lda. em 2002, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R.. 3.1.62. Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da S....; Lda. em 2007, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R.. 3.1.63. Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da P... - Administração de Propriedades, Lda. em 2010, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R.. 3.1.64. Apesar dos AA. terem sido designados gerentes da T..., Lda em 2014, quem comandava os negócios da sociedade era o 1º R..