ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


“I-Considerando que as sequelas suportadas pelo lesado, com uma IPP de 37%, não são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional do (motorista internacional de longo curso) que existe uma dificuldade efectiva, em face das lesões, de o mesmo vir a exercer actividade profissional alternativa, atendendo a que tinha 35 anos de idade aio tempo do acidente ( Fevereiro de 2013) , uma esperança média de vida a situar-se nos 77 anos de idade e que o seu rendimento anual era de € 28.371,28, a indemnização por danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, não deve ser fixada em montante inferior a € 400.000,00.
II- Atendendo a que o lesado com 35 anos, em função das lesões que suportou, sofreu (e sofre) um enorme desgosto e angústia de se ver inutilizado para o resto da sua vida, perdeu a alegria de viver, se sente inútil, e desmotivado, para continuar a viver e a lutar por si, e sua família, incluindo dois filhos menores com 16 e 13 anos de idade, já não convive com os seus amigos, perdeu completamente, a sua libido, não consegue ter relações sexuais com a sua esposa, desde o acidente (padece de disfunção sexual grave, com grave compromisso da libido e disfunção eréctil) o que degrada completamente a sua vida familiar, e o desestabiliza completamente, afigura-se que a indemnização por danos não patrimoniais não deve ser fixada em valor inferior a € 75.000,00.”

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA intentou acção declarativa comum condenatória contra “VAN AMEYDE (PORTUGAL) SOCIEDADE REGULADORA DE SINISTROS, S. A.”, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia global de € 582.225,34, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que, em consequência de acidente de viação, ocorrido em ..., de que foi responsável a condutora de veículo automóvel seguro em entidade seguradora inglesa, sendo a R. que em Portugal assumiu, em representação daquela, a responsabilidade indemnizatória, o A. (condutor de um veículo pesado de mercadorias, embatido no acidente) sofreu diversos danos, que identifica e valoriza (os quantificados no petitório), danos esses que importa reparar integralmente, cabendo a responsabilidade para o efeito àquela R., na vigência de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel ao tempo do sinistro.

Citada, a R. contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção – invocou a sua ilegitimidade passiva – requerendo a intervenção principal da “Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A.” [agora “SEGURADORAS UNIDAS, S. A.”] e concluindo pela improcedência da acção, por não provada.

Tendo o A. apresentado resposta, mantendo o afirmado na petição, veio o Tribunal a suscitar oficiosamente a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgamento da causa, assim julgando verificada tal excepção, com a consequente absolvição da R. da instância.

Recorreu o A. para o Tribunal da Relação, que, por decisão sumária, revogou o despacho recorrido e determinou o prosseguimento dos autos.

Admitida a intervir, a interveniente “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.”, veio contestar, concluindo pela condenação da R. a pagar-lhe diversas quantias (direito ao reembolso do prestado no âmbito do acidente de trabalho), ao abrigo do disposto no art.º 17º, nº 4, da Lei n.º 98/2009, de 04-09.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador – julgando improcedente a excepção de ilegitimidade passiva – seguido de fixação do objecto do litígio e dos temas da prova, após o que o “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - CENTRO DISTRITAL ...” veio deduzir contra a R. pedido de reembolso de montante prestado ao A. a título de subsídio de doença, na quantia de € 24.787,65, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a respectiva notificação.

Contestou a R., pugnando pela improcedência de tal pedido de reembolso.

Procedeu-se à audiência final, com produção de provas, após o que foi proferida sentença (datada de 20/01/2020), conhecendo de facto e de direito e julgando a acção parcialmente procedente, assim condenando a R. a pagar ao A.:

“(…) a quantia de € 25.427,60 (…), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

(…) a quantia de € 3.646,80 (…), a título de a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

(…) a quantia de € 400.000,00 (…), a título de danos patrimoniais futuros correspondentes à sua perda de capacidade de ganho, incluindo o “dano biológico”, na vertente patrimonial, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

(…) a quantia de € 75.00,00 (…), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a sentença até efectivo e integral pagamento.”.

E condenando a R. a pagar à Interveniente “SEGURADORAS UNIDAS, S. A.” «a quantia de € 100.568,33 (…), acrescida de eventuais montantes pagos posteriormente ao Autor no âmbito do mesmo processo laboral acima identificado, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, quantias estas a deduzir na quantia global em que a Ré foi condenada a pagar ao Autor.».

E ainda condenando a R. a pagar «ao Interveniente INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P - CENTRO DISTRITAL ..., a quantia de € 24.787,65 (…), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, quantia esta a deduzir na quantia global em que a Ré foi condenada a pagar ao Autor.» (sic, fls. 561 e seg. do processo físico, com destaques retirados).

Da sentença veio a R., inconformada, interpor recurso de apelação, que foi decidido nos seguintes termos:

“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, em:

a) Alterar a decisão recorrida quanto aos seguintes montantes parcelares indemnizatórios:

1. - Pelo dano patrimonial futuro decorrente da perda de capacidade de ganho, incluindo o dano biológico (vertente patrimonial), diminuem a indemnização para o montante de € 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros), a que acrescem juros moratórios, à taxa supletiva legal, desde a sentença e até efetivo e integral pagamento;

2. - Pelos danos não patrimoniais, diminuem a indemnização para o montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a que acrescem juros moratórios nos mesmos moldes;

b) Mantendo no mais a sentença apelada.

Custas da ação e do recurso por R./Apelante e A./Apelado, na proporção do respetivo decaimento (dependente de simples cálculo aritmético).”

Inconformado, veio o A. interpor recurso de revista, rematando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

“1. Veio a Ré/Recorrente interpor Recurso da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, que julgou a Acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré, ao pagamento, ao Autor, das quantias de 25.427,60€ e 3.646,80€ a título de danos patrimoniais, da quantia de 400.000,00€ a título de danos patrimoniais futuros correspondentes à sua perda da capacidade de ganho, incluindo o “dano biológico”, na vertente patrimonial, e na quantia de 75.000,00€ a título de danos não patrimoniais, todas acrescidas de juros de mora.

2. Cingiu-se o Recurso interposto ao quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais, num total de 475.000,00€, considerando a Ré “ter sido por parte do Tribunal a quo uma fixação incorrecta, por excessiva, desrazoável e infundada, dos valores arbitrados a título de indemnização”, pretensão que colheu, parcialmente, tendo sido tais quantias reduzidas, fixando-se em 270.000,00€ a indemnização devida pelo dano patrimonial futuro, incluindo o dano biológico na vertente patrimonial, e em 60.000,00€ a indemnização pelos danos não patrimoniais, tendo sido fundamentada tal procedência parcial pela ponderação dos critérios jurisprudenciais.

3. Não se conforma o Autor/Recorrido com a decisão proferida, pelo que vem recorrer da mesma, no tocante ao valor pelo qual procedeu a Apelação (num total de145.000,00€), procurando evidenciar que a redução operada é descabida e desprovida de fundamentação idónea, a qual não tem em consideração a verdadeira condição actual do Autor.

4. Estabelece o artigo 562.º do Código Civil (CC) a reconstituição in natura como princípio geral da obrigação de indemnizar.

5. Neste seguimento, determina o n.º 1 do artigo 564.º do CC que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, esclarecendo o n.º 2 da mesma norma que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros (…)”.

6. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 566.º determina que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.

7. Sendo a partir deste ponto que reside a nossa discordância, pois que os n.ºs 2 e 3 do artigo 566.º estabelecem que “2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. 3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

8. A este respeito, entende o Tribunal a quo, na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 09/11/2017, Processo 2035/11.9TJVNF.G1.S1 (Cons. Maria da Graça Trigo) que “a fixação da indemnização não pode aqui seguir – como se faz no acórdão recorrido – a teoria da diferença (prevista no art. 566º, nº 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o nº 3, do mesmo art. 566º, do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados”.

9. O ora Recorrente não coloca em causa a aplicação deste n.º 3 do artigo 566.º, coloca-se, isso sim, em causa a interpretação que dessa norma é feita.

10. Dos autos resulta provado, e porque tal factualidade não foi contestada, que o Autor nasceu a ... de Maio de 1977, tendo sofrido um acidente a ... de Fevereiro de 2013 (com 35 anos de idade), o qual lhe causou uma IPP de 37%, auferindo, à altura, um vencimento anual de 28.371,28€, sendo estes, conjuntamente com as concretas lesões sofridas pelo Autor, aqui Recorrente, os factores a serem atendidos para fixação da indemnização.

11. A fixação da indemnização não pode ser feita de modo “cego”, sem atender ao vencimento anual auferido pelo Autor à data do acidente, sendo necessário recorrer a juízos de equidade, que se traduz na adaptação das regras ao caso concreto, em consideração das circunstâncias desse mesmo caso.

12. O Tribunal a quo não poderia ignorar os rendimentos do Autor, os quais deixou de perceber em virtude das lesões sofridas com o sinistro ocorrido, pelo que terão de ser considerados na indemnização.

13. A redução levada a efeito, num total de 145.000,00€, foi fundamentada pelo Tribunal a quo começando por se fazer referência ao caso tratado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-11-2017, Processo n.º 2035/11.9..., Conselheira BB, no qual a lesada tinha 42 anos à data do sinistro e ficou com uma incapacidade geral permanente de 17,55 pontos, tendo sido arbitrada uma indemnização no valor de 51.965,55€.

14. Seguidamente, refere o caso retratado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2-07-2018, Processo n.º 1842/15.8..., Conselheira CC, em que o lesado tinha 45 anos, défice funcional permanente de 39 pontos, auferia um vencimento anual bruto de 11.199,35€ e foi-lhe atribuída uma indemnização de 80.000,00€.

15. Por último, refere o caso retratado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2019, Processo n.º 683/11.6..., Conselheiro DD, em que a lesada tinha 41 anos de idade, défice funcional permanente de 53 pontos, auferia um vencimento mensal bruto de 1.113,05€ e foi-lhe atribuída uma indemnização de 250.000,00€.

16. A análise efectuada aos casos retratados nos referidos Acórdãos carece, pois, de enquadramento e adaptação relativamente ao caso dos presentes autos, pois que no primeiro caso, a lesada era sete anos mais velha do que o ora Recorrente, tendo ficado com uma incapacidade bastante inferior, tendo sido fixada uma indemnização de cerca de 50.000,00€; no segundo caso, o lesado era dez anos mais velho que o aqui Recorrente, apenas auferindo uma remuneração anual ilíquida de 11.199,35€; no terceiro caso a lesada era seis anos mais velha que o Recorrente, com um vencimento manifestamente inferior.

17. Concluindo-se, assim, que nenhum dos casos se reporta ao caso dos presentes autos, bem como que, em todos eles, as quantias arbitradas são diferentes (e em grande medida!), pese embora todos tenham em comum a consideração pelo vencimento que era auferido pelo lesado.

18. Concordamos com o Tribunal a quo quando refere “que a vida da pessoa não se esgota na sua atividade profissional – esta, de si, relevantíssima –, havendo todo um conjunto de atividades que nela não se integram, mas que fazem parte essencial da vivência/existência do indivíduo”, no entanto, ambas relevam e devem ser valoradas na sua medida, tendo em consideração as circunstâncias concretas do caso.

19. Sendo certo que não poderemos determinar o valor indemnizatório recorrendo à teoria da diferença, pois que tais danos não são determináveis, não sendo possível o recurso a fórmulas matemáticas para a determinação do quantum indemnizatório, sendo necessário, ao invés, que tal determinação seja feita segundo juízos de equidade.

20. Não pode o Tribunal a quo ignorar que o lesado, à data do acidente, tinha 35 anos e auferia anualmente aquantia de28.371,28€, pelo que nunca poderemos determinar o valor de igual modo como se o lesado auferisse anualmente 10.000,00€ ou 20.000,00€, impondo-se a discriminação positiva dos casos, tratando igual o que é igual, e diferente o que é diferente!

21. Pese embora tais danos não sejam determináveis, no que diz respeito à perda da capacidade de ganho é sempre possível fazer-se uma estimativa, pelo mínimo, de quantias que o lesado deixou de auferir.

22. O lesado era bastante novo aquando do acidente, acidente este que mudou radicalmente avida do mesmo, de um modo que nos escusamos de reproduzir, pois que tal matéria já se encontra provada e suficientemente debatida nos autos!

23. Tal alteração radical reflectiu-se inevitavelmente nos valores que o lesado deixou de auferir, pois que, se o mesmo apenas trabalhasse mais 10 anos da sua vida, após o acidente (o que não é, de todo, verosímil), sempre teria deixado de auferir 283.712,80€.

24. Apesar de não se poder recorrer a fórmulas matemáticas na determinação da indemnização, não pode o Julgador, na sua ponderação, deixar de fazer uma estimativa, por defeito, dos valores que o lesado terá deixado de auferir e atender a esse valor calculado no arbitramento do quantum indemnizatório, pois que tal valor integra, definitivamente, o dano futuro.

25. Assim sendo, o valor arbitrado de 270.000,00€ é manifestamente baixo (por nem ser sequer suficiente para cobrir o valor que deixou de auferir em virtude do acidente), impondo-se, pois, a revisão do mesmo e consequente alteração do Acórdão sob recurso, determinando como adequada e conforme aos padrões indemnizatórios jurisprudenciais a quantia anteriormente determinada de 400.000,00€.

26. Também a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais, no valor de 60.000,00€ (redução de 15.000,00€) é manifestamente infundada!

27. A finalidade primordial do ressarcimento destes danos é a de conferir ao lesado alguma compensação pelas lesões sofridas, atribuindo-lhe “determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida” (Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 5.ª edição, Almedina, 2006, p.334), não podendo o Tribunal s olvidar todas as consequências profundas, graves e irreversíveis que o sinistro ocorrido causou no Autor, às quais se encontra inerente toda a carga psicológica extremamente negativa e prejudicial.

28. O Autor, resultado do acidente de viação, ficou afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 37%, tratando-se de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, dada a natureza do seu trabalho; encontra-se impedido de conduzir qualquer veículo para o resto da sua vida; sofre de lesão grave (síndrome do desfiladeiro torácico), o que impossibilita de efectuar a quase totalidade das suas actividades diárias (não consegue, por exemplo, tomar banho sem auxílio da sua esposa); sofre de dores aterradoras, pelo que é medicado diariamente com morfina; sofre de um desgosto e angústia enormes por se sentir (e estar efectivamente) tremendamente inutilizado para o resto da sua vida; perdeu a alegria de viver; não convive com amigos; viu a sua situação inicial de doente renal agravar-se profundamente, sendo actualmente , estando dependente de hemodiálise permanente para sobreviver; sente-se inútil, desmotivado, não tendo força ou vontade de lutar por si e pela sua família; perdeu completamente a sua líbido, motivo pelo qual não consegue ter relações sexuais com a sua esposa, o que degrada completamente a vida do casal; encontra-se instável psicologicamente, necessitando de acompanhamento psiquiátrico.

29. Tal quadro revela o miserável estado em que ora Recorrente vive actualmente, tendo a sua vida completamente devassada, nada na mesma se passando como antes, tendo, portanto, direito a uma justa compensação por tal, que minimize o desgosto e depressão que esta tormenta lhe causa diariamente e lhe irá continuar a causar para o resto da sua vida, pelo que o valor arbitrado em 1.ª instância a título de danos não patrimoniais em nada viola o princípio constitucional da proporcionalidade, sendo adequado à gravidade do caso e à repercussão do dano.

30. O Acórdão sob recurso peca na parca fundamentação desenvolvida a este respeito, pelo que se considera inexistirem, de todo, motivos que possam ter conduzido à alteração da decisão da primeira instância.

31. Na apreciação do Recurso interposto pela Ré o Tribunal a quo interpretou de forma errada, salvo o devido respeito por opinião diversa, as disposições legais aplicáveis (nomeadamente o n.º 3 do artigo 566.º do CPC), nos termos já explicitados, o que conduziu a uma deficiente aplicação do Direito com a redução dos valores arbitrados na primeira instância.

32. Apesar de, in casu, não ser possível a reconstituição in natura e, assim, o regresso à situação anterior, a verdade é que a reparação tem de permitir a aproximação ao máximo dessa mesma situação ex ante, o que não sucede com a atribuição dos valores referidos.

33. Por forma a ser feita Justiça terá de proceder o recurso interposto, com a revogação do Acórdão sob recurso e determinação da indemnização nos termos fixados na primeira instância, sob pena de desvalorização de situações gravíssimas como a dos presentes autos, com consequências nefastas na vida dos sinistrados, e desculpabilização e alívio daqueles que, legalmente, são responsáveis e estão obrigados a compensar os lesados.

E assim, julgando procedente o Recurso interposto, farão V.as Ex.as a tão almejada e acostumada Justiça! “

A R. contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

É a seguinte a factualidade provada:

«1. Em ... de Fevereiro de 2013, cerca das 00.45 horas, circulava o Autor conduzindo um veículo pesado de mercadorias, propriedade de “T..., Lda.”, com sede na Rua ... ..., sendo motorista desta empresa.

2. Circulava o Autor, à data e hora atrás indicada, tendo acabado de sair de uma Estação de Serviço, e seguia já no troço de estrada que dá acesso, à Auto Estrada..., que liga L... a B..., cidade esta para onde se dirigia, com o referido veículo, carregado de mercadorias, destinadas a esta cidade.

3. Foi, quando o Autor se encontrava a circular nesse troço e se preparava para entrar na referida Auto Estrada ..., que o veículo por si conduzido, foi violentamente embatido por trás, por outro veículo, um Jeep, que seguia no mesmo sentido, por distracção e negligência da respetiva condutora.

4. O Autor foi assistido e medicado em Inglaterra.

5. O Autor regressou em 23 de Fevereiro de 2013 a Portugal.

6. Mas tendo chegado o Autor a Portugal de tal forma afectado e combalido, pelas lesões sofridas no acidente, desde logo entrou de baixa médica, pelo Seguro de Acidentes de Trabalho, da entidade patronal, a Companhia de Seguros Tranquilidade, correndo ainda tal processo de acidente de trabalho, seus termos pelo Tribunal do Trabalho ... com o n.º 693/13.9... da Instância Central, ...ª Secção Trabalho – J....

7. As lesões sofridas no acidente foram de tal forma graves que até hoje, o Autor nunca mais pode retomar o seu trabalho, e nem os Peritos Médicos apesar das várias Juntas Médicas, realizadas ao Autor chegaram à conclusão sobre a totalidade das lesões sofridas pelo mesmo, das sequelas advindas ao mesmo do acidente e da Incapacidade que o mesmo ficou a padecer, naquele processo de Acidente de Trabalho.

8. As lesões sofridas pelo Autor no acidente foram as seguintes:

- Queixas permanentes de cervicalgias com irradiação aos membros superiores, de modo mais evidente à direita;

- Dor localizada à região clavicular direita, agravada pelos esforços, mesmo que ligeiros;

- Omalgia direita, com limitação da mobilidade articular, agravada pelos esforços;

- Queixas persistentes de parestesias/formigueiros dos 4 membros (de modo mais marcado nos membros superiores e à direita), agravadas pela mobilização cervical;

- Disfunção sexual grave, com grave compromisso da libido e disfunção eréctil;

- Grave compromisso do funcionamento cognitivo global, traduzido por dificuldades de concentração e aprendizagem, esquecimentos frequentes e incapacidade marcada para a aprendizagem de novas competências.

9. O Autor como motorista internacional de longo curso (TIR), e por conta da Sociedade “T..., Lda.”, auferia de um vencimento mensal de €2.026,00.

10. O Autor tinha um vencimento anual de €28.371,28

11. Após o acidente de viação de que o Autor foi vítima, também foi considerado acidente de trabalho, tendo a Seguradora Tranquilidade S.A., assumido todas as despesas de tratamento, médicas e medicamentosas, realizadas pelo Autor até à data da alta do mesmo.

12. Foi atribuída uma pensão provisória no processo de Acidente de Trabalho, com base numa IPP de 6,9%, de €1.370,33 anuais, desde a data da alta em 30/08/2013.

13. Nunca mais voltou o Autor a retomar o seu trabalho, por incapacidade absoluta para o mesmo, mantendo-se até ao momento de Baixa Médica.

14. Encontrando-se o Autor, desde Fevereiro de 2016, a ser seguido em Consultas de Psiquiatria, durante 6 meses, na Clínica ... em ..., conforme determinado por despacho do tribunal, na Junta Médica de 28/10/2015.

15. O Autor, até à data da Alta em 27/8/2013, data considerada pela Seguradora, recebeu daquela Seguradora Tranquilidade, e devido à Incapacidade Absoluta para o Trabalho (ITA) a quantia de €9.485,07.

16. Tal quantia de €9.485,07, paga ao Autor pela Seguradora Tranquilidade, no período compreendido entre 22/02/2013, data do acidente, e 27/08/2013, data da Alta considerada pela Seguradora (doc. 22), corresponde apenas e nos termos da Lei, artigo 48º n.º 3, al. d) da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, a 70% do vencimento do sinistrado.

17. Apesar da última Junta Médica realizada em 28 de Outubro de 2015, ter atribuído ao Autor apenas uma IPP de 5%, e tê-lo remetido para Consultas de Psiquiatria.

18. O Autor está afectado de uma IPP de 37%, a qual, atendendo à natureza do seu trabalho, especificidades e exigências, esta incapacidade deve ser considerada total e permanente para o desempenho da sua actividade profissional.

19. O Autor nasceu em ... de maio de 1977.

20. Atualmente e para o resto da vida não pode o Autor conduzir qualquer veículo pois ao fim de pouco tempo de condução, tem dores na coluna e adormecem-lhe quer os membros superiores, quer os membros inferiores.

21. O Autor sofre de lesão grave – síndroma do desfiladeiro torácico -, o que o invalida para a, quase totalidade das suas actividades diárias.

22. O Autor sofre um enorme desgosto e angústia de se ver tremendamente inutilizado para o resto da sua vida.

23. Perdeu a alegria de viver.

24. Já não convive com os seus amigos.

25. Devido às lesões graves sofridas no acidente e acima descritas, o Autor, devido aos tratamentos a que foi submetido, viu a sua situação inicial de doente renal, agravar-se e hoje o Autor é um doente cronico renal com uma situação agravada devido ao acidente, que o obrigará a fazer hemodiálise permanente.

26. Tudo isso tem transtornado completamente o Autor e toda a sua vida, que se sente inútil, e desmotivado, para continuar a viver e a lutar por si, e sua família, incluindo dois filhos menores com 16 e 13 anos de idade.

27. O Autor perdeu completamente, a sua libido, não consegue o Autor ter relações sexuais com a sua esposa, desde o acidente, o que degrada completamente a sua vida familiar, e desestabiliza completamente o Autor.

28. Daí, as consultas de psiquiatria, a que por indicação do próprio Tribunal do Trabalho, o Autor, está agora a ser submetido.

29. Ao abrigo do contrato de seguro do ramo automóvel, referente ao veículo de matrícula RN.. NTL seguro na S...Ltd., encontravam-se cobertos os riscos inerentes à circulação do veículo RN53 perante terceiros.

30. A Interveniente celebrou com a T..., Lda., um contrato de seguro de acidente de trabalho, titulado pela apólice 3123814, na modalidade de prémio variável, com efeitos a partir de 01/01/2013, que o referido contrato de seguro abrangia o Autor à data do acidente, cuja transferência de responsabilidade para a Interveniente foi fixada com base no montante anual de €28.371,28.

31. O sinistro veio a ser participado à Interveniente como acidente de trabalho com vista ao exercício do direito de reparação do Autor e no âmbito da participação realizada, o Autor veio a ser avaliado pelos serviços clínicos da Interveniente, tendo-lhe sido atribuída alta no dia 29/08/2013, com IPP de 2%.

32. A Interveniente veio a efectuar o pagamento de outros períodos de incapacidades temporárias.

33. A Interveniente encontra-se actualmente a pagar ao Autor uma pensão provisória, que a Interveniente incorreu ainda noutros custos em despesas médicas, farmacêuticas, transportes e administrativas, no âmbito do acidente de trabalho descrito.

34. A Interveniente pagou ao Autor, ou por sua conta, a quantia global de €100.568,33 (cem mil, quinhentos e sessenta e oito euros e trinta e três cêntimos).

35. Em consequência do acidente descrito nos autos e das lesões sofridas pelo Autor, foi este afetado na sua capacidade para o trabalho, pelo que veio requerer a este organismo subsídio de doença, tendo o mesmo sido pago, no montante de €24.787,65 (vinte e quatro mil setecentos e oitenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), correspondente aos períodos de 02 de setembro de 2013 a 31 de agosto de 2016 e prestação compensatória do Subsídio de Natal.»

Dano patrimonial futuro (incluindo o biológico):

O A. pediu o montante indemnizatório de € 453.150,94 pelos seus danos futuros, incluindo o dano biológico.

Ns sentença, considerando que as sequelas suportadas pelo lesado, com uma IPP de 37%, não são compatíveis com o exercício da actividade profissional do A. (motorista internacional de longo curso), que o lesado tinha 35 anos de idade ao tempo do acidente, uma esperança média de vida a situar-se nos 77 anos de idade, o seu rendimento anual era de € 28.371,28 e, bem assim, considerando a conexão entre as lesões sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais alternativas, compatíveis com a sua preparação técnico-profissional, o Sr. Juiz arbitrou, com recurso à equidade, a indemnização de € 400.000,00.

Porém, a Relação reduziu a indemnização para € 270.000.

Para tanto, começou por destacar as lesões do autor:

«- Queixas permanentes de cervicalgias com irradiação aos membros superiores, de modo mais evidente à direita;

- Dor localizada à região clavicular direita, agravada pelos esforços, mesmo que ligeiros;

- Omalgia direita, com limitação da mobilidade articular, agravada pelos esforços;

- Queixas persistentes de parestesias/formigueiros dos 4 membros (de modo mais marcado nos membros superiores e à direita), agravadas pela mobilização cervical;

- Disfunção sexual grave, com grave compromisso da libido e disfunção eréctil;

- Grave compromisso do funcionamento cognitivo global, traduzido por dificuldades de concentração e aprendizagem, esquecimentos frequentes e incapacidade marcada para a aprendizagem de novas competências. (…)

20. Atualmente e para o resto da vida não pode o Autor conduzir qualquer veículo pois ao fim de pouco tempo de condução, tem dores na coluna e adormecem-lhe quer os membros superiores, quer os membros inferiores.

21. O Autor sofre de lesão grave – síndroma do desfiladeiro torácico -, o que o invalida para a, quase totalidade das suas actividades diárias.

25 (…) viu a sua situação inicial de doente renal, agravar-se e hoje o Autor é um doente crónico renal com uma situação agravada devido ao acidente, que o obrigará a fazer hemodiálise permanente.» (itálico aditado).”

De seguida,, invocando os padrões indemnizatórios jurisprudenciais, elegeu três acórdãos do Supremo: o de 9.11.2017, proc. 2035/11.9TJVNF.G1.S1, que apelando ao critério da equidade para o cálculo da indemnização e danos patrimoniais, fixou uma indemnização por danos patrimoniais futuros de € 51.965, 55, para uma mulher de 42 anos (que auferia um vencimento base mensal de € 450,00) com um índice de incapacidade permanente de 17,55 incapaz para o exercício da profissão habitual de costureira e sem possibilidade de reconversão profissional; o de 12.7. 2018, proc. 1842/15.8T8STR.E1.S, em que estava em causa um lesado com 45 anos de idade, que exercia a profissão de motorista de pesados e auferia a remuneração anual líquida de € 11.199,35,, sendo também que as sequelas resultantes do acidente não eram compatíveis com a sua profissão como motorista de pesados, nem sendo reconvertível em relação ao posto de trabalho (tratava-se de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 39 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro), tendo-lhe sido fixado o montante indemnizatório de € 80.000,00; e o Ac. STJ de 29/10/2019, proc. 683/11.6TBPDL.L1.S2, em que a uma lesada, de 41 anos de idade, com um défice funcional permanente de 53 pontos, cuja consolidação determinou a incompatibilidade para o exercício da sua profissão de enfermeira – âmbito em que auferia o valor mensal bruto de € 1.113,05 –, ocorrendo incapacidade absoluta e permanente para o exercício dessa profissão, ainda que sem obstar à prática de outra profissão ou trabalho, se fixou o montante indemnizatório de € 250.000,00 para ressarcir os prejuízos quanto à perda de capacidade de ganho/dano biológico patrimonial.

Assim “ponderando os critérios jurisprudenciais seguidos nesta matéria e tendo em conta que a indemnização agora a fixar já se encontra atualizada e que é apreciável o lapso de tempo entretanto decorrido (acidente ocorrido em fevereiro de 2013), aqui tido como factor de ponderação, vista, por outro lado, a idade do lesado e os reflexos da incapacidade na sua vida – seja a profissional, seja a extraprofissional –, e adoptando a bitola da equidade, não sendo possível proceder a um cálculo aritmético do dano ”, a Relação arbitrou o montante de € 270.000,00.

Contrapõe o autor recorrente que a análise efectuada aos casos retratados nos referidos acórdãos carece de enquadramento e adaptação relativamente ao caso dos presentes autos, pois que, no primeiro caso, a lesada era sete anos mais velha do que o ora recorrente, tendo ficado com uma incapacidade bastante inferior, tendo sido fixada uma indemnização de cerca de € 50.000,00; no segundo caso, o lesado era dez anos mais velho que o aqui recorrente, apenas auferindo uma remuneração anual ilíquida de 11.199,35€; e no terceiro caso a lesada era seis anos mais velha que o Recorrente, com um vencimento manifestamente inferior.

Vejamos.

No caso de dano biológico, “a solução seguida pela jurisprudência do STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma” (Ac. STJ de 6.12.2017, proc. 1509/13.1TVLSB.L1.S1). Não se pode, pois, descurar o impacto das lesões na capacidade económica do lesado.

Ora, observando o caso concreto, verifica-se que a indemnização de € 270.000 não cobre, sequer, os salários afectados em função da IPP de 37%, ao longo dos restantes 42 anos de vida expectável.

Fazendo um cálculo naqueles termos, meramente indicativo, diríamos, que, atendendo à perda de capacidade geral de ganho, correspondente à perda dos vencimentos na proporção da incapacidade durante o resto da vida, a indemnização não deveria ser inferior a € 330.000,00.

Acresce, porém, que, ainda que não esteja de todo excluída a possibilidade de desempenhar outras funções, e não se possa fazer equivaler, absolutamente, a IPP para a profissão habitual com a IPA para todo e qualquer trabalho, não se pode deixar de reconhecer, perante o quadro geral das lesões de que o autor ficou a padecer (cervicalgias, parestesias), perante a impossibilidade em que ficou de conduzir qualquer veículo, e a afectação em que se encontra pelo síndroma do desfiladeiro torácico que o invalida para a quase totalidade das actividades diárias – não se pode deixar de reconhecer, dizia-se, a dificuldade efectiva de o autor vir a uma exercer actividade profissional alternativa. O desempenho de outra profissão é, assim, se não impossível, muito difícil (e se encontrada, de exercício penoso) o que justifica, a nosso ver, um acréscimo indemnizatório à referida verba de € 330.000. Aliás, com interesse, pode ver-se o seguinte caso: para um lesado com vencimento anual de € 12.325,32 (inferior ao destes autos), com 39 anos à data do sinistro, com uma esperança média de vida que, para homens nascidos em 1964, se situaria, no ano de 2004 – ano do acidente – entre 64 e 75, com uma percentagem de incapacidade geral permanente de 53%, em que o lesado deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas, em que a formação/preparação técnico-profissional correspondia à de um electricista de redes de distribuição, assentando as suas competências na destreza, mobilidade e força, o Supremo fixou a indemnização de € 400.000, aproximando praticamente a incapacidade do autor a uma situação de IPA para todo e qualquer trabalho (Ac. STJ de 1.3.2018, proc. 773/07.0TBALR.E1.S1)

Revertendo ao caso sub judice, com as lesões de que ficou a padecer, e dificultado que se mostra o objectivo de, através de profissão alternativa, atingir um rendimento semelhante ao que auferia à data do acidente, não se nos afigura justo proporcionar ao lesado uma indemnização de apenas € 330.000, propiciadora de um rendimento mensal de cerca de 37% (correspondente à IPP) do vencimento que auferia à data do acidente. A indemnização teria de ser fixada até, a nosso ver, em valor superior a 400.000 (considerando o vencimento anual que o lesado auferia e a incapacidade prática de que ficou afectado), se não se desse o caso de o pedido do recurso se limitar a € 400.000. É nesta quantia que deve ser fixada, pois, a indemnização.

Danos não patrimoniais:

A 1ª instância arbitrou € 75.000 a título de danos não patrimoniais.

A 2ª instância reduziu a indemnização de € 75.000 para € 60.000.

Pretende o A/ recorrente a reposição da indemnização fixada em € 75.000,00.

Para além das lesões já atrás sublinhadas, deve ter-se, ainda, em conta que:

“22. O Autor sofre um enorme desgosto e angústia de se ver tremendamente inutilizado para o resto da sua vida.

23. Perdeu a alegria de viver.

24. Já não convive com os seus amigos.

25. Devido às lesões graves sofridas no acidente e acima descritas, o Autor, devido aos tratamentos a que foi submetido, viu a sua situação inicial de doente renal, agravar-se e hoje o Autor é um doente crónico renal com uma situação agravada devido ao acidente, que o obrigará a fazer hemodiálise permanente. (já descrita)

26. Tudo isso tem transtornado completamente o Autor e toda a sua vida, que se sente inútil, e desmotivado, para continuar a viver e a lutar por si, e sua família, incluindo dois filhos menores com 16 e 13 anos de idade.

27. O Autor perdeu completamente, a sua libido, não consegue o Autor ter relações sexuais com a sua esposa, desde o acidente, o que degrada completamente a sua vida familiar, e desestabiliza completamente o Autor.

28. Daí, as consultas de psiquiatria, a que por indicação do próprio Tribunal do Trabalho, o Autor, está agora a ser submetido. “

Vejamos exemplos de acórdãos, com idades ou incapacidades semelhantes às dos presentes autos.

No Ac. STJ de 9.7.2015, proc. 4931/11.4TBVNG.P1.S1, para uma incapacidade de 36 pontos, que afectou um sinistrado com 58 anos, fixou-se indemnização de € 60.000,00 a título de dano não patrimonial; no Ac. STJ de 16.3.2017, proc. 294/07.0TBPCV.C1.S1, para uma incapacidade de 41 pontos, sinistrado com 19 anos, arbitrou-se uma indemnização de € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais. Ainda, a título de exemplo, o Ac. STJ de 14.1.2021, no proc. 644/12.8TBCTX.L1.S1, atribuiu uma indemnização no valor de € 100.00,00 a um lesado, de 32 anos de idade, que, em consequência de um sinistro, teve um sofrimento físico e psíquico avaliável num grau 5 de 7 e sequelas que lhe determinaram um dano estético avaliável num grau 2 de 7, apresentando um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 40 pontos (superior, mas não muito, ao presente), embora, no caso, o aí lesado, apesar de necessitar de empreender esforços acrescidos para o efeito, não tenha, como no caso presente, ficado impossibilitado de exercer a sua actividade habitual, nem se lhe tenha reconhecido qualquer diminuição na capacidade social ou relacional com terceiros.

Finalmente, “num caso em que o lesado ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, teve um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua actividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas actividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, se sentiu menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando apenas tinha 30 anos de idade, a tudo acrescendo a circunstância de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro “ este mesmo colectivo considerou ajustada a indemnização de € 85.000,00 por danos não patrimoniais (Ac. STJ de 21.6.2022, proc. 1991/15.2T8PTM.E1.S1).

Assim, tomando em consideração os casos referidos, e atendendo a que o lesado com 35 anos, à data do acidente, ficou, no caso vertente, com uma IPP de 37%, que, em função das lesões que suportou, sofreu (e sofre) um enorme desgosto e angústia de se ver tremendamente inutilizado para o resto da sua vida, perdeu a alegria de viver, se sente inútil, e desmotivado, para continuar a viver e a lutar por si, e sua família, incluindo dois filhos menores com 16 e 13 anos de idade, já não convive com os seus amigos, perdeu completamente, a sua libido, não consegue ter relações sexuais com a sua esposa, desde o acidente (padece de disfunção sexual grave, com grave compromisso da libido e disfunção eréctil) o que degrada completamente a sua vida familiar, e o desestabiliza completamente, afigura-se-nos que a indemnização não deve ser fixada em valor inferior a € 75.000.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em conceder a revista, revogar parcialmente o acórdão e condenar a ré recorrida a pagar ao autor recorrente a quantia de € 400.000,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da perda de capacidade de ganho, incluindo o dano biológico (vertente patrimonial) e a quantia de € 75.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, quantias sobre as quais devem incidir juros de mora, à taxa legal, desde a sentença até integral pagamento.

Custas pela recorrida.


*


Lisboa, 5 de Setembro de 2023


António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Manuel Aguiar Pereira