INJUNÇÃO
FORÇA EXECUTIVA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
PRECLUSÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
PROIBIÇÃO DA INDEFESA
Sumário

I - É admissível a oposição à execução baseada em injunção com o fundamento de que o executado não foi notificado do requerimento de injunção, houve acordo das partes na modificação do preço do serviço prestado e a dívida encontra-se prescrita.
II – O indeferimento liminar da oposição à execução com base no disposto no artº 857º, nº1, do CPC, interpretado no sentido de limitar aqueles invocados fundamentos pelo executado, colide com o princípio de proibição da indefesa previsto no artº 20º, nº1, da CRP, tendo-se aplicando norma inconstitucional.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Apelante (s): AA… (executado);
Apelado (s): BB…, S.A. (exequente);

*****
Nos presentes autos de embargos de executado, pediu este, aqui apelante, que se julgasse procedentes aqueles, alegando, em síntese, que não foi notificado do requerimento de injunção, que a exequente acordou consigo em alterar o valor do serviço prestado constante da factura emitida e que a dívida correspondente à aludida factura está prescrita.
Foi proferida decisão a declarar que os fundamentos alegados pelo embargante não se enquadram em nenhuma das situações previstas no artº 729º, do Código de Processo Civil (doravante CPC), motivo pelo qual se indeferiu liminarmente a oposição, nos termos do artº 732º, nº1, al. b), do CPC.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs o embargante o presente recurso de apelação, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:
1. O artigo 857º, nº 1, do Código de Processo Civil vigente, é inconstitucional quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base no requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do artigo 20º, nº 1 da Constituição.
2. O Tribunal recorrido deveria recusar a aplicar do artigo 857º do Código de Processo Civil vigente, devendo por consequência admitir os embargos de executado com todos os fundamentos alegados.
3. O Tribunal Constitucional em 28-10-2014, data anterior à prolação da sentença, proferiu o Acórdão nº 714/2014.
4. No referido aresto foi julgada inconstitucional o artigo 857º, nº 1 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, quando seja interpretado no sentido de restrição dos fundamentos de oposição à execução quando o título executivo seja requerimento de injunção do qual tenha sido aposta fórmula executória.
5. É precisamente o caso dos presentes autos, pelo que se remete para o teor do referido acórdão.
6. O Tribunal Constitucional alicerçou esta posição no facto de que, pese embora o alargamento dos meios de defesa introduzidos pelos nºs 2 e 3 do mencionado artigo 857º, tal não belisca o entendimento já cristalizado de que a equiparação entre a sentença judicial e o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos possíveis fundamentos de oposição à execução traduz uma violação do princípio da proibição da indefesa, em virtude de restringir desproporcionalmente o direito de defesa do devedor em face do interesse do credor (…) em obter um título executivo de forma célere e simplificada.
7. O Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Pede que a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que recuse a aplicação da norma do artigo 857º do Código de Processo Civil vigente, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base no requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do artigo 20º, nº 1 da Constituição, devendo por consequência admitir os embargos de executado com todos os fundamentos alegados.

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do CPC.

A questão suscitada pelo recorrente pode sintetizar-se no seguinte item:

É admissível legalmente a deduzida oposição à execução baseada em requerimento de injunção com os aludidos fundamentos (não notificação do requerimento de injunção, alteração do valor do serviço prestado e prescrição da dívida), devendo ser arredada a aplicação da norma contida 857º do CPC vigente, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base no requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

É a seguinte a factualidade a considerar:

1. A execução de que estes embargos são dependência funda-se em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória em data anterior a 27.05.3014 – data da dedução dos presentes embargos.
2. Nos presentes embargos o executado alega que não foi notificado do requerimento de injunção, que acordou com a exequente a alteração do valor a pagar pelo serviço prestado e que a dívida se encontra prescrita.

*****

2. De direito;

a) Da admissibilidade legal da oposição;

O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, argumentando que o tribunal a quo indeferiu liminarmente a oposição à execução por considerar que não se verifica nenhum dos fundamentos taxativos previstos no artº 729º, do CPC (precludindo-se o seu direito de discutir as questões que invoca, ao não as suscitar em sede de procedimento de injunção) e não se verificam as situações processuais de justo impedimento e de conhecimento oficioso que determina a improcedência parcial ou total do requerimento de injunção ou a ocorrência neste de excepções dilatórias de evidente conhecimento oficioso – nºs 2 e 3, als. a e b) do artº 857º, do CPC.
Tal norma assim aplicada e interpretada, limitando os fundamentos de oposição à execução instaurada com base no requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, deve ser afastada.

Entende-se que assiste razão ao recorrente.
Em primeiro lugar, afigura-se-nos que os fundamentos da jurisprudência do Tribunal Constitucional já plasmados no seu acórdão nº 388/2013 de 09.07.2013, publicado no DR nº 184, Série I, de 22.09.13, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, não deixam de ter validade, pese embora a actual norma do artº 857º, do CPC, nomeadamente a válvula de escape contida nos seus nºs 2 e 3.
Como refere José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, 6ª Ed. Pág. 429, “ A ressalva do art. 857-3 ainda permite superar a crítica fundada na falta dum jogo sobre a adequação do montante da dívida aos factos de que ela derivaria. Mas o uso de meios de notificação expeditos não se compadece com a garantia constitucional do direito de defesa ( (…) A mais a norma do CPC de 2012 só tem as duas ressalvas indicadas , a primeira das quais inócua: o justo impedimento teria de ser declarado perante a secretaria de injunção, nos termos do art. 140, o que nada (ou muito pouco) resolve.). A única forma de compatibilizar o art. 857 com a Constituição da República consiste em, na adaptação a fazer, o circunscrever de tal modo que ele só se aplique nos casos em que o devedor, na execução, não invoque a diminuição de garantias registada no anterior processo de injunção e naqueles em que não se prove que ele teve efectivo conhecimento da notificação, contendo esta a advertência de que a não oposição à injunção preclude definitivamente a discussão sobre a existência da dívida (o que a muito pouco reduzirá o âmbito da equiparação)”.
E sublinha o mesmo autor (opus cit., pág. 430) “Que a pretendida equiparação de regimes não tem como suporte a equiparação das situações que estão na base de um e de outro (uma sentença; um ato de funcionário judicial) tem sido afirmado repetidamente pela doutrina”.

Em segundo lugar, à luz do estatuído no próprio artº 857º, no seu nº3, prevê-se aí duas situações excepcionais em que ao executado é ainda admitido deduzir oposição à execução, para além dos fundamentos contidos no artº 729º, a saber com base “em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção” [al. a) do aludido nº3] e “na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de excepções dilatórias de conhecimento oficioso” [al. b) do mesmo nº3].

Ora, atento o circunstancialismo fáctico alegado pelo executado na sua oposição à execução, este invocou desde logo factualismo atinente à diminuição das suas garantias de defesa, a saber a sua falta de notificação do requerimento de injunção.
Tanto bastava para que devesse ser admitido liminarmente a sua oposição à execução, sob pena de violação do princípio de proibição de indefesa. Perante tal alegada omissão de notificação, jamais o mesmo se poderia ter oposto ao procedimento de injunção e, consequente, evitar a aposição de fórmula executória.

Mais recentemente o Acórdão do TC nº 714/2014, de 28.10.2014, veio reiterar a declaração de inconstitucionalidade do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória.
Secunda, aliás, os mesmos argumentos aduzidos no assinalado Acórdão do TC nº 388/2013 de 09.07.2013, concluindo que, não obstante o alargamento dos meios de defesa operado pelo citado artº 857º, nºs 2 e 3 do NCPC, não se mostram afastados os fundamentos que presidiram anteriormente ao juízo de inconstitucionalidade de previsão normativa similar, designadamente a prevista no artº 814º, nº2, do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro.
E esses fundamentos alicerçam-se na diminuição de garantias associada ao efeito preclusivo derivado da falta de oposição decorrente da notificação postal na injunção, ao invés da exigência de citação no caso de sentença, havendo aqui um maior reforço dessas garantias, tanto mais que na notificação, em sede de injunção, nem sequer existe a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (“o notificado fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção”, nos dizeres do Acórdão do TC nº 529/2012).
O outro fundamento é o de que a injunção tem carácter não jurisdicional, ao passo que a sentença resulta de um procedimento judicial, sendo um acto materialmente judicial.
Trata-se, a injunção, de um tipo específico de título executivo cujo processo de formação tem cariz essencialmente ‘tabeliónico’, conferindo-se a uma mera aparência da existência de um crédito um efeito preclusivo para o qual não houve advertência adequada, equiparando-se e assimilando-se as vias de defesa entre a injunção e o processo executivo, além de a preclusão de oposição naquela arredar a defesa neste.

Assim sendo, ante as considerações acima aduzidas, a decisão recorrida - ao aplicar a apontada norma prevista no artº 857º, nº1, do CPC, no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória e com tal argumentação legal indeferir liminarmente a oposição deduzida pelo recorrente - violou o artº 20º, nº1, da CRP, por infracção ao princípio da proibição da indefesa, ínsito ao direito de acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos – o que declara.

Estando em confronto, por um lado, interesses de celeridade e economia processual inerentes ao procedimento de injunção e à aposição da sua fórmula executória por funcionário judicial e, por outro lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva perante ameaça ou violação desse direito, deve este último prevalecer, facultando-se ao executado a possibilidade de deduzir a oposição à execução nos termos sobreditos.

Destarte, pelas razões expendidas, procede a apelação, revogando-se a decisão sob recurso.

Sintetizando:
I - É admissível a oposição à execução baseada em injunção com o fundamento de que o executado não foi notificado do requerimento de injunção, houve acordo das partes na modificação do preço do serviço prestado e a dívida encontra-se prescrita.
II – O indeferimento liminar da oposição à execução com base no disposto no artº 857º, nº1, do CPC, interpretado no sentido de limitar aqueles invocados fundamentos pelo executado, colide com o princípio de proibição da indefesa previsto no artº 20º, nº1, da CRP, tendo-se aplicando norma inconstitucional.

DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de Apelação interposto pelo executado, declarando-se a não aplicação da norma prevista no artº 857º, do CPC, interpretada no sentido de limitar os fundamentos da oposição à execução deduzida pelo executado, como decorre da decisão recorrida, por violação do artº 20º, nº1, da CRP, e, por consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que a oposição à execução siga os seus trâmites processuais com a sua admissibilidade liminar.

Custas pelo vencido a final.

Guimarães, 24.09.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Miguel Baldaia