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ACÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
Sumário
I - O recurso à acção de impugnação pauliana exige que o acto do devedor importe uma diminuição da garantia patrimonial, de forma que impossibilite o credor de obter satisfação integral do seu crédito ou agrave essa impossibilidade. Terá de advir um prejuízo efectivo e concreto do acto impugnado para o credor, traduzido na impossibilidade do credor obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento impossibilidade. II - A data a que deve atender-se, para saber se do acto resultou ou não a impossibilidade, de facto, da satisfação integral do crédito do impugnante, é a do acto impugnado; se nessa data o devedor possuía ainda bens de valor superior ao montante do crédito, não haverá razão para a impugnação. III - Porém, “se do acto realizado pelo devedor, em si mesmo considerado, sem atender às suas sequelas, não resultar imediata ou necessariamente a insolvência dele, mas houver sinais sérios de que ele se prepara para ocultar aos credores e ao tribunal o dinheiro ou outros valores mobiliários, o juiz deve conceder a pauliana”. II - Por outro lado, importa que o crédito seja anterior ao acto de diminuição da garantia patrimonial, uma vez que, aquando da constituição do crédito, o credor toma normalmente em consideração apenas a situação patrimonial do devedor existente nessa altura e não aquela que este virá a ter no futuro.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da relação do Porto
No Tribunal Judicial da Comarca de...., veio B....., S.A., instaurar contra C....., Lda, e contra D..... acção ordinária declarativa, pedindo que seja:
a) declarada a ineficácia (relativa) do contrato de compra e venda celebrado entre a primeira R. e o segundo R. – referente ao prédio urbano correspondente a um armazém de rés-do-chão, sito na Rua de....., freguesia de....., concelho de.... – na medida do necessário à satisfação do crédito da A., e, por via disso,
b) reconhecido à A. um direito de indemnização contra o segundo R. condenando-se este, nos termos dos arts. 616º, nº 2, e 818º do Código Civil, a indemnizar a A. na importância de 7.045.163$00,
c) o segundo R. condenado a pagar à A. os juros de mora vincendos, calculados sobre a quantia de 6 760 219$00, até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alega que, por via de vendas efectuadas à R. tinha um crédito sobre esta no valor de 6 760 219$00, quantia que esta não lhe pagou, a que acrescem juros vencidos de 284 944$00
Por escritura pública de 06/03/2000, essa R. declarou vender ao R. um prédio urbano, cujo valor é bem superior ao preço declarado na escritura e capaz de assegurar a satisfação do crédito da A e com a alienação resultou para esta a impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito ou, ao menos, o agravamento dessa impossibilidade.
O seu crédito é anterior à alegada venda do imóvel e com esta pretendeu a R. subtrair esse prédio à susceptibilidade de penhora, impedindo a satisfação do direito da A., conhecendo o R., desde sempre, a intenção fraudulenta da primeira R., tendo perfeito conhecimento de que a primeira R. pretendia subtrair o preço recebido à acção dos seus credores, nomeadamente à acção da A..
Por escritura pública de 30/05/2000, o R. e seu cônjuge declararam vender à sociedade E....., S. A., que declarou comprar, o mesmo prédio urbano.
Contestou o Réu D..... e, além de impugnar a factualidade alegada pela autora, diz que a primeira ré foi declarada falida em Novembro ou Dezembro de 2000, e cujo património há-de ser rateado por todos os credores, e que a compra por si feita não fez diminuir as garantias patrimoniais da A. que sempre as veria diminuídas por efeito da declaração de falência.
Conclui pela improcedência da acção.
O processo prosseguiu, organizando-se a base instrutória, sem referência à sociedade ré ou à falida, e sem qualquer reclamação.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção intentada por B....., S.A. contra C....., LDA. e D..... e, em consequência, declarar a ineficácia relativa do contrato de compra e venda celebrado entre C....., LDA e D....., referente ao prédio urbano correspondente a um armazém de rés do chão, sito na Rua de....., freguesia de....., concelho de...., na medida do necessário à satisfação do credito da A. e, consequentemente, condenar o réu D..... a indemnizar a autora B....., S.A. na importância € 35.141,12 (correspondentes a 7.045.163$00) bem como condenado o segundo R. a pagar-lhe os juros de mora vincendos, calculados sobre a quantia de € 33.719,83 até efectivo e integral pagamento”.
II. Do assim sentenciado recorreu o R. D....., que conclui as alegações formulando as seguintes conclusões:
“1 - instituto da impugnação pauliana visa tornar ineficaz (ineficácia relativa) os negócios celebrados pelo devedor, por forma a ver conservada a garantia patrimonial.
2 - Os requisitos da impugnação pauliana são os previstos no art. 610º do C.C.
3 - O crédito da A. só pode ser abrangido por tal instituto – impugnação pauliana, pelo montante da dívida à data da escritura de compra e venda (06.03.09) e não pelo montante formulado na p.i. contra o recorrente.
4 - O pedido formulado contra o recorrente e decorrente das vendas e fornecimentos efectuados à 1ª R., não tem qualquer fundamento
5 - Com efeito a credora não pode cumulativamente peticionar em sede de impugnação pauliana a conservação da garantia patrimonial e, simultaneamente exigir de um terceiro ao negócio a satisfação do seu crédito.
6 - Por outro lado e, tendo o tribunal de Primeira Instância verificado a falência da 1ª
R., devia ter remetido para este processo de falência a satisfação total ou parcial dos créditos em função da massa falida e respectivo rateamento.
7 - O Tribunal de Primeira Instância ao decidir como decidiu fez incorrecta aplicação dos factos e aplicação do direito violando nomeadamente os artigos 610º e ss. do C.C. e elementar regra do direito das obrigações, logo, através do artº 397º e ss. e com particular incidência o Capítulo V que se inicia pelo artº 601º, todos do C.C.
Termos em que deverá o presente recurso merece provimento revogando-se a sentença proferida em Primeira Instância, com as legais consequências.”.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
III. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC). Por outro lado, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, pelas conclusões do recorrente, são questões a conhecer:
1 – se o crédito da autora a considerar é apenas o existente à data da compra e venda ou se há razão para a impugnação pauliana também pelo crédito constituído posteriormente ao acto impugnado;
2 - responsabilidade do recorrente pela satisfação do valor do crédito da recorrida.
3 - se o tribunal devia remeter a satisfação do crédito da recorrida para o processo de falência.
IV. São os seguintes os factos provados.
1) A autora dedica-se à produção industrial de massas e bolachas e à sua subsequente comercialização. (A)
2) O segundo réu é trabalhador da primeira ré. (B)
3) Por escritura pública celebrada a 6/3/2000, lavrada a fls.60 a 61 do livro de escrituras diversas nº 149-E, no Cartório Notarial de....., a primeira ré, representada pelo seu gerente F....., declarou vender ao segundo réu que, por seu turno, declarou comprar àquela, o prédio urbano correspondente a um armazém de rés do chão, sito na rua de....., freguesia de....., concelho de...., descrito na Conservatória do Registo Predial de.... sob o nº 1123-....., pelo preço de esc:40.000.000$00, já recebidos pela primeira ré aquando da celebração da escritura, encontrando-se a aquisição do aludido prédio definitivamente registada a favor do segundo réu na Conservatória do Registo Predial, através da inscrição G-dois.(C)
4) No exercício da sua actividade, a autora vendeu à primeira ré diversas quantidades de massas e bolachas. (D)
5) Sempre o segundo réu soube da existência de relações comerciais entre a autora e a primeira ré. (E)
6) Por escritura pública celebrada a 30/5/2000, lavrada a fls.123 a 124, do livro de notas nº 251-D, no ..... Cartório Notarial do...., o segundo réu e o seu cônjuge declararam vender, pelo preço de esc:42.000.000$00, à sociedade “E....., S.A.”, que por seu turno declarou comprar àqueles o prédio urbano identificado em C).(F)
7) A sociedade referida em F) foi constituída por escritura pública de 13/3/2000 no Cartório Notarial do Centro de Formalidades do Porto, encontrando-se a mencionada aquisição registada, provisoriamente por dúvidas, na Conservatória do Registo Predial de...., através da inscrição G-3, a favor de “E....., S.A.”.(G)
8) Por sentença já transitada proferida em 4/9/2000, no Proc. ../00 do -º Juízo do Tribunal do Comércio de Gaia, foi declarada em estado de falência a primeira ré. (H)
9) No exercício da sua actividade a autora vendeu à primeira ré massas e bolachas nas datas, quantidades e preços constantes das facturas juntas a fls. 18 a 55 – documentos cujo teor se dá por integralmente reproduzido- perfazendo o valor global de esc:7.405.308$00.(1º)
10) A autora procedeu ao lançamento de cinco notas de crédito a favor da primeira ré, no valor global de esc:112.933$00 –documentos de fls. 55 a 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.(2º)
11) A primeira ré procedeu ao lançamento de onze notas de débito sobre a autora, no valor global de esc:532.156$00.(3º)
12) As facturas referidas em 1), abatidas as importâncias referidas em 2) e 3), deveriam ter sido pagas no prazo de 45 dias após a sua emissão.(4º)
13) O prédio identificado em C) dos factos assentes constituía o bem de maior valor da primeira ré, capaz de garantir através da sua penhora a satisfação integral do crédito da autora.(5º)
14) Para além do prédio identificado em C), os bens remanescentes pertencentes à primeira ré são de difícil e precária apreensão.(6º)
15) Após a venda do prédio referido em C) a primeira ré continuou a comprar à autora diversas quantidades de massas e bolachas.(7º)
16) Sempre inculcando no espírito da autora a ideia de que mantinha a propriedade do prédio.(8º)
17) Com a venda do prédio identificado em C) pretendeu a primeira ré subtrair à autora o bem de maior valor susceptível de penhora, impedindo desta forma a satisfação do crédito desta(9º)
18) Conhecendo desde sempre o segundo réu a intenção da primeira ré.(10º)
19) O segundo réu conhecia o fornecimento de massas e bolachas realizados pela autora e a que se reportam as facturas mencionadas em 1).(11º)
20) O segundo réu tinha conhecimento de que a primeira ré pretendia subtrair o preço recebido à acção dos seus credores, nomeadamente da ora autora.(12º)
21) Tendo a primeira e segundo réus consciência do prejuízo que a compra e venda do prédio causava à autora.(13º)
22) A primeira ré a partir de determinada altura da sua existência começou a ter dificuldades económicas e financeiras.(14º)
V. No facto sob a al. 8), constante da sentença recorrida, existe um claro erro quanto à data da sentença em que foi decretada a falência da sociedade ré. Como se verifica da certidão dessa sentença de 123 a 131, sentença foi proferida a 19/10/2000, tal com também consta do anúncio que consta a fls. 108. A data que consta dessa alínea resulta de erro da certidão, erro rectificável e se rectifica a data da sentença constantes da al. 8) da matéria de facto para 19/10/2000 (como já se fez constar na matéria de facto).
VI. Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (art. 601º do CC). Constitui esse património do devedor a garantia geral dos credores. Têm estes todo o interesse em defender a integridade desse património de actos do devedor que diminuam ou façam desaparecer essa garantia.
Prescreve-se o artº 610º do CC que os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor nas seguintes circunstâncias:
a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor e
b) resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.
O recurso à acção de impugnação pauliana exige que o acto do devedor importe uma diminuição da garantia patrimonial, de forma que impossibilite o credor de obter satisfação integral do seu crédito ou agrave essa impossibilidade. Terá de advir um prejuízo efectivo e concreto do acto impugnado para o credor, traduzido na impossibilidade do credor obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento impossibilidade.
A data a que deve atender-se, para saber se do acto resultou ou não a impossibilidade, de facto, da satisfação integral do crédito do impugnante, é a do acto impugnado; se nessa data o devedor possuía ainda bens de valor superior ao montante do crédito, não haverá razão para a impugnação. Porém, como ensina o Prof. Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, II, 5ª ed., 448, “se do acto realizado pelo devedor, em si mesmo considerado, sem atender às suas sequelas, não resultar imediata ou necessariamente a insolvência dele, mas houver sinais sérios de que ele se prepara para ocultar aos credores e ao tribunal o dinheiro ou outros valores mobiliários, o juiz deve conceder a pauliana”.
Por outro lado, importa que o crédito seja anterior ao acto de diminuição da garantia patrimonial, uma vez que, aquando da constituição do crédito, o credor toma normalmente em consideração apenas a situação patrimonial do devedor existente nessa altura e não aquela que este virá a ter no futuro.
Mas, como se verifica da citada al. a) desse artigo, a lei admite “uma excepção a essa regra, que consiste na circunstância de o acto ter sido realizado dolosamente com o fim de prejudicar a satisfação do direito do futuro credor. Efectivamente, se apesar de anterior ao crédito, se pude concluir que o devedor visou dolosamente com o acto impedir a satisfação do futuro credor, justifica-se a concessão da impugnação pauliana, para reprimir a fraude ao credor”. (Cfr. Luís Menezes leitão, Dir. Obrigações, II, 2ª ed., 291). No mesmo sentido, A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 5ª ed., 448/449.
Este requisito (da má fé) não pode deixar de se exigir, face à perturbação que causaria no comércio jurídico se os negócios pudessem ser impugnados em consequência de dívidas posteriormente contraídas (Cfr. P. Lima/A. Varela, C. C. Anotado, I/3ª ed., 595, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª Ed., 604).
No caso do crédito ser posterior ao acto, este só pode ser impugnado se houver dolo com o fim de impedir o futuro credor de obter a satisfação do seu crédito ou houver da parte do devedor e terceiro intenção de enganar o futuro credor, fazendo-lhe crer que os bens existem ainda no património do devedor à data da constituição do crédito, quando já haviam sido alienados. Nesse caso, o credor pode reagir por via da impugnação pauliana, face ao conluio fraudulento do devedor e de terceiro para prejudicar o credor.
Corresponde às situações em que o devedor, para obter crédito, faz dolosamente crer ao credor que certos bens por ele alienados ou onerados ainda lhe pertencem.
Como determina o artigo 611º do CC, incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor e terceiro interessado na manutenção do acto a prova que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.
E, ao acolhimento da sua pretensão, ao autor caberá também a prova da má fé do devedor e terceiro, quando o acto lesivo da garantia patrimonial é um acto oneroso.
A impugnabilidade dos actos que envolvem diminuição da garantia patrimonial diverge consoante se trata de acto oneroso ou gratuito.
Tratando-se de acto oneroso, só está sujeito à impugnação “se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé”.
Porém, tratando-se de “actos gratuitos do devedor, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé”.
E o preceitua o artigo 612º, nº 1, do CC, no seu nº 2, que se entende “por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.
Sendo o acto oneroso, a impugnação exige a má fé, tanto do terceiro adquirente como do devedor (o consilium fraudis). Sendo o acto gratuito, para a procedência da acção não é necessária a má fé de qualquer dos intervenientes no acto e procede a pauliana mesmo que estejam de boa fé.
A má fé prevista na norma importa terem as partes conhecimento ou consciência do prejuízo que estão a causar ou vão causa ao credor, o que significa que estão cientes que, com o acto de diminuição da garantia patrimonial, estão ou vão prejudicar o credor. E essa consciência do prejuízo deve ser bilateral (do devedor e do terceiro). Para efeitos de má fé, nos termos dessa norma, o conceito deve abranger tanto o dolo como a negligência consciente em relação à verificação (ou possibilidade provável de verificação) do prejuízo.
Com escreve o Prof. A.ntunes Varela, em ob. cit., 450, “não basta que o devedor e o terceiro, partes no acto realizado, tenham conhecimento da situação precária do devedor, porque podem eles ter até fundadas razões para crer que o acto virá a provocar uma melhoria dessa situação. Essencial é que o devedor e terceiro tenham consciência do prejuízo que a operação causa aos credores”.
Para efeitos de impugnação pauliana, entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (v. Acs. RP, de 9.4.1996, BMJ, 456/501, STJ, de 11/1/2000 e de 3/4/200, em BMJ 493/351 e BMJ, 497/315) sem ser necessário a intenção de causar esse prejuízo ou que haja conluio entre devedor e terceiro com esse fim.
A lei não exige a concertação do devedor e terceiro para atentar contra o direito do credor, uma especial intenção de o prejudicar, bastando para o efeito que tenham agido com consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, isto é, que as partes (devedor e terceiro) estejam cientes de que o acto pode prejudicar o credor.
Não questiona o recorrente o crédito da autora.
E também não põe em causa a razão da impugnação pauliana, em atenção ao crédito de Esc. 5 121 289$00/€ 25.544,88 (crédito da autora que diz existir à data da venda do imóvel pela Ré ao Réu, em 06/03/2000).
Discorda que se considerem os valores das mercadorias que a Ré adquiriu posteriormente a essa data, e como créditos posteriores não justificariam a impugnação pauliana.
Quer que se faça a destrinça dos créditos da A. sobre a sociedade Ré até 06/03/2000 e que só esse montante poderá ser contemplado em sede de impugnação pauliana.
Vejamos.
Resulta provado que a autora era credora da sociedade ré por Esc. 6 760 219$00/ € 33.719,83 – factos 9, 10 e 11 – a que acrescem os juros de mora vencidos.
O prédio em causa foi vendido ao Réu em 6/3/2000, pelo valor declarado de 40 000 000$00/ € 199.519,15 – facto 3.
Mesmo depois dessa venda, a Ré continuou a comprar diversas quantidades de massas e bolachas à autora (assim, aumentado o seu débito em relação à autora) – facto 15 - do que o recorrente tinha perfeito conhecimento – facto 20.
E não obstante continuar a comprar mercadoria (engrossando a sua dívida à autora) sempre a Ré inculcou na autora a ideia que mantinha a propriedade do prédio em causa – facto 16.
Com a venda desse prédio, pretendeu a Ré subtrair à autora o bem de maior valor susceptível de penhora, impedindo desta forma a satisfação do crédito desta – facto 17 – conhecendo desde sempre o Réu (recorrente) essa intenção da Ré sociedade – facto 18.
Acresce que o Réu conhecia o fornecimento das mercadorias feito pela autora, mesmo aquelas posteriores à venda do prédio (facto19), á sociedade Ré e bem assim que esta pretendia subtrair o preço aos credores, nomeadamente à autora – facto 20.
Mais sucede que ambos os RR tinham consciência do prejuízo que a compra e venda do prédio causa à autora - facto 21.
O acto impugnado é oneroso.
A impugnação exige má fé, com o sentido que atrás se deixou exposto, de ambas as partes no negócio (RR).
Essa má fé resulta evidente dos factos provados.
Em primeiro lugar, está assente (como confessado) que a autora detinha um crédito sobre a sociedade Ré e com a venda do prédio identificado no ponto 3) da matéria de facto ficou impossibilitada (tanto assim que, a curto prazo, veio a falir) de satisfazer o crédito à autora. E era esse imóvel o único bem capaz de garantir a satisfação do crédito da autora (facto 13 da matéria de facto).
Verifica-se, deste modo, que do acto impugnado resultou impossibilidade da autora obter satisfação integral do seu crédito que tinha sobre a Ré.
Mais se mostra evidente que devedora (a ré) e adquirente (o réu) estavam conscientes do dano que do acto advinha para a credora, sabiam perfeitamente que a venda causava prejuízo à autora. Isto é, devedor e terceiro adquirente (o réu) agiram de má fé.
Aliás, este é dos casos típicos do devedor que vende o único imóvel capaz de garantir com segurança, através da sua penhora, a satisfação integral dos seus débitos, pensando na fácil subtracção do preço à acção da justiça.
Estão verificados os requisitos necessários à procedência da acção, em consideração do crédito existente á data do negócio impugnado – existência de um crédito da autora, impossibilidade de satisfação integral do crédito da autora por via do acto impugnado e consciência (de devedora e terceiro/recorrente) do prejuízo que desse acto advinha para a autora/credora.
Acontece que parte do crédito afirmado pela autora é posterior à venda do imóvel ao réu, segundo este afirma, se bem que a factualidade assente não discrimine essa parte do crédito, embora se admita nos termos mencionados pelo recorrente, em consideração das datas das facturas que titulam o preço das mercadorias e mencionadas no ponto 9) da matéria de facto.
À procedência, em consideração a esse crédito, importa a existência de dolo das partes com o fim de impedir a satisfação desse crédito (posterior) da autora.
Que nos revela a matéria de facto provada neste aspecto?
Que após a venda do prédio, a Ré continuou a adquirir mercadoria inculcando no espírito da autora que mantinha a propriedade do imóvel, isto é, mantendo a autora convencida que esse imóvel continuava a pertencer à Ré devedora e, por isso, a autora confiante na solvabilidade da ré, atenta a garantia que constituía tal imóvel.
E com a venda pretendeu a Ré devedora subtrair o imóvel à autora, impedindo a satisfação do crédito desta bem como subtrair o preço recebido pela venda à acção da autora (factos 17 e 20).
Esta realidade factual é clara no sentido do dolo da Ré em impedir a satisfação do crédito da autora, mesmo em relação ao valor das mercadorias compradas após a venda, tendo mesmo mantido a autora convencida que mantinha a propriedade do prédio, para assim obter o fornecimento da mercadoria.
E tinha o Réu (recorrente) perfeito conhecimento dessas aquisições da ré à autora.
Mais sabia perfeitamente que era intenção da Ré subtrair o imóvel bem como o preço recebido pela venda à acção da autora. Isto é, há um consilium fraudis doloso de ambas as partes no negócio impugnado, com vista a subtrair o prédio e o preço da venda à acção dos credores, nomeadamente à autora, e, por isso, impedir a satisfação do credito desta, tanto o existente à data do acto de compra e venda como o posteriormente constituído.
Está verificado o requisito previsto no artigo 610º, a), do CC, que permitia a impugnação pauliana também pelo crédito da autora posterior ao acto impugnado.
Improcedem as conclusões 1ª a 3ª.
VII. Quanto à segunda questão.
Prescreve o artigo 616º do CC:
“1. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os acto de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei
2.O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado (...)”.
(...).
Na acção de impugnação pauliana não se pretende a anulação do acto de diminuição da garantia, mas apenas a declaração de ineficácia desse acto em relação ao credor (v. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, nº 3/2001, de 23.01.2001, no DR. IA, de 09/02/2001). O acto, oneroso ou gratuito, é, em princípio, válido e eficaz, produzindo os seus normais efeitos, apenas não sendo eficaz em relação ao credor que recorreu à acção pauliana (v. P.Lima/A. Varela, ob. cit., 602). A procedência da acção determina apenas a ineficácia do acto em relação ao credor e não a sua nulidade.
Com a acção pauliana visa-se determinar a ineficácia do acto de disposição do bem em relação ao credor/autor, o qual, na procedência da acção, pode praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e executar a coisa no património do obrigação á restituição (do terceiro adquirente).
A acção pauliana tem natureza pessoal (v. Acs. STJ, de 28.3.1996 e 24.10.2002, na CJ/3/118 e CJ/1/159). Aproveita apenas ao credor que a tenha instaurado e não aos demais credores do devedor; os seus efeitos medem-se pelo interesse do credor que a promove. Por um lado, atribui ao credor o direito à restituição dos bens (apenas) na medida do seu interesse (sem que os bens tenham de retornar ao património do devedor), por outro, apenas aproveita ao credor que a ela recorre, que não sofre a concorrência dos demais credores do devedor (art. 616º, nº 4, do CC).
Reparado o prejuízo causada à garantia patrimonial do credor impugnante, mantém-se a validade da restante parte do acto não atingida pela impugnação pauliana, produzindo todos os seus efeitos entre as partes, devedor e terceiro adquirente (v. Antunes Varela Das Obrigações em Geral, II, 5ª Ed., 456/457).
Tendo os bens sido alienados pelo adquirente de má fé, responde este nos termos do artº 616º, nº 2, do CC. O credor pode agir contra o alienante pelo valor dos bens alienados.
O credor pode impugnar as transmissões posteriores desde que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente, sendo a transmissão onerosa (art. 613º, nº 1, do CC), mas não tem de o fazer. Pode o credor não accionar o sub-adquirente e exigir apenas do adquirente imediato de má fé a indemnização (Vaz Serra, RLJ, 111/157, em nota 2) e essa indemnização consiste no valor do bem até à concorrência do crédito do credor. Pode exigir deste a reparação do prejuízo que sofreu com a transmissão (v. este autor, em BMJ, 75/221).
O credor pode não accionar o subadquirente (até pela dificuldade de prova da má fé deste necessária à impugnação) e exigir do adquirente de má fé, que alienou a coisa, a indemnização. Responde esse adquirente de má fé, não pelo débito do devedor, mas pelo prejuízo por ele causado ao credor (v. Ac. RP, de 11.11.1993, CJ/5/206), deve indemnizá-lo pelo valor do bem, a não ser que o crédito deste seja inferior, situação em que a essa medida se reduz a sua responsabilidade.
O adquirente de má fé responde pelo valor dos bens que tenha alienado, pelo prejuízo que com essa alienação o credor venha a sofrer, e não pelo crédito do devedor.
Se o adquirente estiver de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado.
A impugnação atribui “ao credor uma pretensão directa contra terceiro, fundada na aquisição de bens por este ao devedor e no prejuízo que essa aquisição representou para o credor em virtude da consequente diminuição da sua garantia patrimonial. Ora, entendida nestes termos parece claro que essa pretensão tem por fonte o enriquecimento sem causa do terceiro à custas do credor, sendo um enriquecimento por desconsideração de património semelhante às hipóteses previstas no art. 481º e no art. 289º, nº 2. A qualificação desta pretensão como resultante de enriquecimento sem causa é, aliás, natural em face do paralelismo de regime do art. 616º, nºs 1 a 3 com os arts. 479º e 480º, uma vez que em ambos os casos se prevê a restituição do obtido à custa de outrem, ou da restituição do valor em caso de impossibilidade, sendo que essa diminuição, em caso de boa fé, é limitada ao enriquecimento” (Luís Menezes Leitão, ob. cit., 297).
Na impugnação pauliana “não se trata de uma simples declaração de ineficácia dos actos em relação ao credor, na medida em que o credor adquire, por via da impugnação pauliana pretensões próprias contra o terceiro adquirente, cujo conteúdo varia consoante a sua boa ou má fé (art. 616º, nºs 1 e 2).
A impugnação pauliana consiste assim numa acção pessoal, que visa restituir ao credor, na medida do seu interesse, os bens com que ele contava para garantia do seu crédito. Nesse âmbito, a procedência da impugnação pauliana constitui um direito de crédito à restituição, que em relação ao adquirente tem por objecto os bens em espécie ou o seu valor, se estiver de má fé, ou o seu enriquecimento se estiver de boa fé” – Luís Menezes Leitão, ob. cit., 300.
E como escreveu Vaz Serra (RLJ, 111/154) “a acção pauliana é dada aos credores somente para obterem, contra o terceiro que procedeu de má fé ou se locupletou, a eliminação dos prejuízos que sofreram com o acto impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na acção exerce contra o réu um direito de crédito, o crédito da eliminação daquele prejuízo”. E continua, “entendidas assim as coisas, pode afirmar-se que a acção se destina a fazer valer o direito de eliminação do prejuízo causado pelo acto ou do restabelecimento da possibilidade de satisfação sobre os bens objecto desse acto”. No mesmo sentido Pedro Romano Martinez e Pedro Fuseta da Ponte, em Garantias de Cumprimento, 4ª Ed., 34.
Assim, “se o terceiro não tiver já os bens em seu poder, mas for, não obstante, responsável ou se a sua aquisição teve por objecto uma quantia em dinheiro, o efeito da acção será dever ele pagar ao credor uma quantia em dinheiro” (Vaz Serra, ob. cit., a fls. 155).
Ora, “o terceiro, se tiver procedido de má fé, responde pelo valor da coisa, se não puder restituí-la em espécie” (art. 616º, nº 2”), pelo que “se a coisa alienada não puder ser restituída, porque foi alienada, deve o terceiro entregar o valor dela ...” (autor e ob. cit., 157).
Tendo o adquirente de má fé transmitido os bens e o credor não queira ou não possa impugnar essa transmissão, só lhe resta o direito de exigir daquele uma indemnização até ao limite do valor dos bens alienados, nos termos ao artigo 616º, nº 2, do CC, já que, em princípio, a sua responsabilidade não deve ir além do valor do património do devedor diminuído pelo acto impugnado, pois só nessa parte foi lesada a garantia patrimonial.
Como se vê da matéria de facto provada, o crédito da autora sobre a Ré devedora ascendia a Esc. 6 760 219$00/ € 33.719,83, a que acresciam os juros vencidos de 284 944$00/ € 1421,29.
O imóvel em causa foi vendido ao réu por 40 000 000$00/ € 199.519,15.
O Réu já alienou esse mesmo imóvel, pelo que é responsável pelo seu valor.
Não querendo ou já não podendo impugnar as transmissões subsequentes, e dado que o Réu é terceiro de má fé responde perante a autora, que recorreu á acção pauliana, pelo valor do prédio alienado. A responsabilidade é limitada, porém, ao prejuízo sofrido, prejuízo que corresponde ao valor do crédito frustrado com a alienação do imóvel.
Não responde pelo crédito da sociedade devedora mas pelo prejuízo que para a autora advém da alienação do prédio e esse prejuízo corresponde ao valor do crédito “frustrado” com o limite do valor do bem alienado.
Quer se baseia a responsabilidade do terceiro de má fé na violação das normas que tutelam interesses alheios (o interesse do credor) – enquanto consagram o princípio da responsabilidade patrimonial e a correspondente garantia geral dos credores, assente nos bes que constituem o património do devedor (ver Ac. RP, atrás referido) - quer se baseie na regras do enriquecimento sem causa, atento o disposto nos arts. 479º, nº 1, 480º e 616º, nº 2, do CC, é o terceiro de má fé responsável pelo prejuízo causado ao credor. Atento o artº 616º, nº 2, é responsável pelo valor dos bens alienados.
É de concluir que, porque o prejuízo da autora é inferior ao valor do imóvel vendido, a obrigação do recorrente limita-se a esse prejuízo efectivo.
É de referir que, por o recorrente ter alienado o imóvel, já não poderia a autora (sem a impugnação da transmissão à subadquirente) executar o bem no património daquele, nem praticar qualquer acto de conservação da garantia patrimonial.
Improcedem as 4ª e 5ª conclusões do recurso.
VIII. A presente é uma impugnação pauliana individual, apenas no interesse do credor que a ela recorre. Não se trata de pauliana colectiva, nem a autora actua no interesse da massa (cuja legitimidade caberia ao liquidatário) nem sequer se tem notícia que a autora haja reclamado o crédito no processo de falência e o tenha visto reconhecido.
Nem à autora estava vedado o recurso à acção para defesa do seu direito.
O prédio alienado não é bem da massa mas de terceiro a quem o recorrente o alienou.
Sem a impugnação dessa transmissão subsequente jamais o bem pode regressar (mesmo que se tratasse de impugnação colectiva) ao património da sociedade ré e, a não ter lugar a impugnação colectiva, não tem a autora que sofrer a concorrência de terceiros na satisfação do seu crédito. O recurso improcede.
IX. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Porto, 06 de Janeiro de 2005
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataídes das Neves
António do Amaral Ferreira