TRANSACÇÃO JUDICIAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
INTERPRETAÇÃO
ACÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
RECURSO DE REVISÃO
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
Sumário

1.A transação judicial reveste a natureza de um contrato processual, bivinculante, oneroso, constitutivo de obrigações recíprocas para os litigantes, dirimente da relação material controvertida trazida à liça no processo e, por consequência, extintivo da relação processual em causa.
2. Como contrato que é, a transação judicial está sujeita ao regime geral do negócio jurídico (arts. 217.º ss. do CC), gozando as partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos, da liberdade de o conformarem, pela melhor forma que satisfaça os seus interesses (art. 405.º do CC).
3. Por conseguinte, o seu sentido e o seu alcance, terão de ser aferidos, o mesmo é dizer, interpretados, à luz das regras contidas nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do CC.
4. O mesmo sucede com a sentença que a homologou, pois trata-se de uma decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado entre as partes, constituindo por isso, um verdadeiro ato jurídico, formal e receptício, a que igualmente se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos, pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma decisão judicial (art. 295.º, do CC).
5. O homem normal e médio a colocar na posição de real declaratário de uma transação judicial e da sentença que a homologou, para efeitos da sua  interpretação, não é um qualquer leigo em matéria de direito civil ou de direito processual civil, mas o advogado, mandatário judicial, profissional do foro, cuidadoso, empenhado e de elevado saber técnico-jurídico, que responde aos legítimos anseios do seu constituinte, esclarecendo-o sobre o direitos de que desfruta e da obrigações que sobre ele impende.
6. A sentença homologatória de uma transação que se limita a condenar as partes, autoras e rés, omitindo qualquer referência à absolvição, acaba por exprimir, implicitamente, também uma «absolvição» nos precisos termos em que julgou válida a transação, pois «validar» uma transação mais não é do que lhe reconhecer eficácia vinculativa, nos seus precisos termos.
7. A sentença homologatória da confissão, desistência ou transação efetuada numa ação declarativa constitui, no nosso sistema jurídico, uma decisão de mérito, equiparada à que julga aplicando o direito aos factos (art. 290.º, n.º 3), sendo dotada de eficácia de caso julgado, na medida em que, por ela, é o réu condenado ou absolvido nos precisos termos do ato dispositivo celebrado.
8. (...) o que significa que a transação judicial homologada e transitada constitui exceção de caso julgado no processo posterior, idêntico ao processo onde foi celebrada a transação, ficando o tribunal da ação posterior impedido de apreciar o seu mérito, por se ter formado caso julgado material sobre a sentença que, homologando a transação, a assumiu como conteúdo.
9. Se alguma das partes pretender, no próprio processo em que foi proferida a sentença de homologação da transação, que ela seja revogada e que, em consequência dessa revogação, seja reposta a situação anterior à sua prolação, de modo a que a causa venha a ser julgada em função dos factos nela alegados, apenas o poderá fazer mediante a interposição de recurso com fundamento num vicio da própria sentença homologatória, e antes de a mesma transitar em julgado.
10. Uma vez transitada em julgado a sentença homologatória da transação, a parte que pretenda reabrir a discussão no processo, de modo a que venha a conhecer-se do pedido formulado por todos ou um por um dos autores, em função dos factos carreados para os autos, tem que, fora do processo, lograr:
- por um lado, a destruição dos efeitos substantivos da transação e o processual resultante do caso julgado atribuído a esses efeitos pela homologação da transação; e,
- por outro lado, a destruição do efeito processual decorrente da extinção da instância no processo em que foi produzida a sentença homologatória,
o que poderá fazer por via:
- de ação destinada à declaração de nulidade ou anulação da mesma; ou,
- de recurso de revisão,
conforme arts. 291.º, n.º 2 e 696.º, al. d).
11. A prolação de sentença homologatória da transação, transitada em julgado, que extingue a instância na sua totalidade, tem como efeito o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. constituindo-se sobre ela caso julgado formal e material.
12. Consequentemente, tudo o que subsequentemente a ela foi tramitado e decidido nos autos, constitui violação:
- do princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz;
- do princípio do caso julgado,
sendo, por isso, juridicamente inexistente.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
P, S.G.P.S., S.A.[i], MIESFG, S.A.[ii], e MIESF (P), S.G.P.S., S.A.[iii], intentaram, no dia 17 de março de 2015, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra NB, S.A.[iv], e CEH, S.À.R.L..[v], concluindo assim a petição inicial:
«Pelo exposto, o Tribunal deve:
I. Como pedido principal:
a) Declarar a nulidade do contrato de penhor constante da Cláusula 16.ª (CLÁUSULA DE PENHOR) do contrato celebrado pelo BES, S.A., pela Autora ESFG e pela Autora P, datado de 2 de Julho de 2014 (o CONTRATO);
b) Subsidiariamente face ao pedido formulado em a), anular o contrato de penhor constante da Cláusula 16.ª (CLÁUSULA DE PENHOR);
c) Subsidiariamente face aos pedidos formulados em a) e b), declarar a ineficácia do contrato de penhor constante da Cláusula 16.ª (CLÁUSULA DE PENHOR);
II. Subsidiariamente face aos pedidos I.a), I.b) ou I.c):
d) Declarar a nulidade do contrato celebrado pelo BES, S.A., pela Autora ESFG e pela Autora P, datado de 2 de Julho de 2014 (o CONTRATO);
e) Subsidiariamente face ao pedido formulado em d), anular o CONTRATO;
f) Subsidiariamente face aos pedidos formulados em d) e e), declarar a ineficácia do CONTRATO;
III. Em cumulação com todos os pedidos anteriores:
g) Declarar a nulidade do contrato celebrado no dia 12 de Setembro de 2014, pelo Réu NB e pela Ré CEH, através do qual foram transmitidas as acções da Companhia de Seguros T, S.A. (CONTRATO DE EXECUÇÃO DO PENHOR);
h) Subsidiariamente face ao pedido formulado em g), declarar a ineficácia do CONTRATO DE EXECUÇÃO DO PENHOR;
IV. Em cumulação com todos os pedidos anteriores:
i) Condenar os Réus NB e CEH na restituição à Autora P das acções da Companhia de Seguros T, S.A.;
j) Determinar o cancelamento do registo de aquisição das acções da Companhia de Seguros T, S.A. a favor da Ré CEH;
k) Determinar a reconstituição do registo de aquisição das acções da Companhia de Seguros T, S.A. a favor da Autora P, sem a oneração do penhor;
V. Também em cumulação com todos os pedidos anteriores:
l) Condenar o Réu NB no pagamento à Autora P da diferença entre o preço de venda das acções da ESAF, S.G.P.S., S.A. pelo BES, S.A. à Companhia de Seguros T, S.A. – 29,7 milhões de Euros – e o valor efectivo das mesmas à data da venda, a liquidar em momento posterior;
VI. Em cumulação com os pedidos I.a), I.b), I.c), II.d), II.e) ou II.f) e subsidiariamente face aos pedidos III.g), III.h), IV.i), IV.j), IV.k) e V.l):
m) Condenar o Réu NB e a Ré CEH no pagamento à Autora P do valor correspondente às acções da Companhia de Seguros T, S.A., a liquidar em momento posterior;
VII. Em cumulação com os pedidos I.a), I.b), I.c), II.d), II.e) ou II.f), subsidiariamente face aos pedidos III.g), III.h), IV.i), IV.j), IV.k) e V.l) e em cumulação com o pedido VI.m):
n) Condenar o Réu NB no pagamento à Autora P da diferença entre o preço de venda das acções da ESAF, S.G.P.S., S.A. pelo BES, S.A. à Companhia de Seguros T, S.A. – 29,7 milhões de Euros – e o valor efectivamente imputado a estas acções no preço do Contrato de Execução do Penhor, a liquidar em momento posterior;
VIII. Subsidiariamente face a todos os pedidos:
o) Condenar o Réu NB no pagamento à Autora P de uma indemnização, pela violação dos deveres de diligência e de lealdade na execução do Contrato de Penhor, a liquidar em momento posterior;
IX. Subsidiariamente face aos pedidos I.a), I.b), I.c), II.d), II.e), II.f), III.g), III.h), IV.i), IV.j), IV.k), V.l), VI.m) e VII.n) e em cumulação com o pedido VIII.o):
p) Condenar o Réu NB no pagamento à Autora P da diferença entre o preço de venda das acções da ESAF, S.G.P.S., S.A. pelo BES, S.A. à Companhia de Seguros T, S.A. – 29,7 milhões de Euros – e o valor efectivamente imputado a estas acções no preço do Contrato de Execução do Penhor, a liquidar em momento posterior.»
*
No dia 19 de abril de 2022, deu entrada nos autos o seguinte requerimento:
«MIESFG, S.A., MASSA INSOLVENTE DA P, S.G.P.S., S.A., Autoras, e NB, S.A. e CEH, S.À.R.L.., Rés nos autos acima identificados, pretendendo pôr termo ao presente litígio, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 283º, nº 2 e 290.º n.º 1 do C.P.C., apresentar Transação, o que fazem nos termos seguintes:
1. As Partes chegaram a um acordo global que permitirá pôr termo ao processo sub judice, conforme resulta também do Plano de Insolvência da P, S.G.P.S., S.A., cuja sentença de homologação foi já proferida no âmbito do processo n.º ____/__._T8LSB, pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa – J_ e, bem assim, aos apensos C e D do referido processo nº ____/__._T8LSB.
2. Em execução do acordo e Plano de Insolvência referidos em 1 anterior:
a. As Autoras desistem integralmente da totalidade dos pedidos formulados nestes autos contra as Rés, reconhecendo, para todos os devidos e legais efeitos:
i. que o penhor sobre as ações da Companhia de Seguros T, S.A. dado em garantia das obrigações da Espírito Santo Financial Group, S.A. foi válida e eficazmente constituído pela P, S.G.P.S., S.A., não padecendo de qualquer invalidade, nulidade ou ineficácia, mormente das alegadas na Petição Inicial que deu origem aos presentes autos;
ii. que a venda das ações da Companhia de Seguros T, S.A pelo NB, S.A. à CEH, S.À.R.L.. constitui igualmente um negócio inteiramente válido e eficaz e, tanto quanto puderam apurar, juntamente com as subsequentes operações de redução e aumento de capital, foi essencial para o restabelecimento da solvência daquela empresa e da continuação da sua atividade seguradora, conforme exigência do Instituto de Seguros de Portugal;
iii. que, de acordo com o que puderam apurar, o preço de venda das ações da Companhia de Seguros T, S.A. pago pela CEH, S.À.R.L.. ao NB, S.A., refletiu o valor de mercado das referidas ações a essa data e no contexto referido em ii.; e
iv. que, tanto quanto têm conhecimento, a execução do referido penhor, por via da venda referida em ii. e iii., liquidou a totalidade das obrigações contraídas pela Espírito Santo Financial Group, S.A. perante o NB, S.A. emergentes do financiamento que lhe foi concedido, no montante de € 48.545.109,17;
b. As Autoras desistem ainda, especificamente e expressamente, do recurso interposto do Despacho com a ref. CITIUS nº ____, de 22 de Outubro de 2020, que julgou inadmissível a retificação/ampliação do pedido inicialmente formulado para passar a abranger as ações da Seguradoras Unidas, S.A., e que se encontra pendente no Apenso C dos presentes autos;
c. A Ré CEH, S.À.R.L.. desiste do pedido de litigância de má-fé formulado contra as Autoras;
d. As Rés aceitam, solidariamente, pagar à Autora P S.G.P.S., S.A. – obrigação que se encontra também prevista no Plano de Insolvência da P – o montante de EUR 4.000.000,00 (quatro milhões de euros), o qual será devido e pago no prazo de 5 (cinco) dias úteis após o trânsito em julgado da homologação da presente transação ou da homologação da transação apresentada no âmbito do referido apenso C do processo nº ____/__._T8LSB, consoante o trânsito em julgado que ocorrer em último lugar;
e. As Rés aceitam, solidariamente, pagar à Autora MIESFG, S.A. o montante de EUR 9.450.000,00 (nove milhões quatrocentos e cinquenta mil euros), o qual será devido e pago no prazo de 5 (cinco) dias úteis após o trânsito em julgado da homologação da presente transação ou da homologação da transação apresentada no âmbito do apenso C do processo nº ____/__._T8LSB que se encontra pendente no Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa – J_, consoante o trânsito em julgado que ocorrer em último lugar;
f. Atento o momento em que a ação finda no que às partes signatárias respeita (sem que tenha sido iniciada a fase de instrução) e, bem assim, o montante absoluto de taxa de justiça remanescente absolutamente desfasado de qualquer utilidade económica, complexidade da lide ou efetivo labor jurisdicional a que poderia conduzir o seu cálculo sobre o atual valor da causa, requerem a Vossa Excelência a dispensa integral do remanescente da taxa de justiça, prescindindo as partes da reclamação recíproca de quaisquer custas de parte e procuradoria relativas a montantes já suportados;
g. Caso, sem conceder, entenda Vossa Excelência não ser de dispensar, ou não ser de dispensar integralmente, a taxa de justiça remanescente, e atenta a desistência integral dos pedidos por parte das Autoras, as partes acordam que quaisquer eventuais custas sejam integralmente da responsabilidade das Autoras.
3. As Partes expressamente renunciam ao recurso da Sentença homologatória da presente transação nos seus precisos termos, não renunciando, contudo, ao recurso da decisão que venha a ser proferida quanto à dispensa de taxa de justiça remanescente e repartição de custas entre as partes.»
*
Sobre esse requerimento recaiu a seguinte decisão, datada de 26 de abril de 2022:
«MIESFG, S.A., MASSA INSOLVENTE DA P, S.G.P.S., S.A., Autoras, e NB, S.A. e CEH, S.À.R.L.., Rés nos presentes autos, vieram, nos termos do disposto no art.º 290º do Cód. Proc. Civil, juntar aos autos o acordo constante do requerimento que antecede.
Tendo em conta a natureza disponível dos direitos objecto dos presentes autos e a qualidade dos subscritores do requerimento que antecede – mandatários com poderes especiais para transigir -, julga-se válida a transacção, a qual se homologa, condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, de acordo com o disposto nos arts.º 283º, nº 2, 284º, 289º, nº 1 e 290º do Cód. de Proc. Civil.
Custas na forma acordada, que se considera justificada.
Registe e notifique.»
*
Essa sentença foi notificada às partes no dia seguinte, 27 de abril de 2022, através de transmissão eletrónica de dados.
*
Notificada dessa sentença, no dia 29 de abril de 2022, a 3.ª ré apresentou o seguinte requerimento:
«MIESF (P), S.G.P.S., S.A., Autora melhor identificada nos autos em epígrafe, notificada que foi da Douta sentença por V. Exa, proferida, vem expor e requerer:
1.
Certamente por lapso, não considerou o Tribunal que a ora Autora não é parte da transação que deu entrada nos presentes autos através de requerimento de 19-04-2022, subscrito pelas Autoras MIESFG, S.A. e Massa Insolvente da P, S.G.P.S., S.A. e pelos Réus NB, S.A. e CEH, S.À.R.L...
2.
E, consequentemente, ao homologar a dita transação, não atendeu ao facto de não se ter ainda esgotado o prazo de pronúncia da aqui A. relativamente à transação junta e aos seus efeitos, ao abrigo do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
3.
Princípio esse que determina que não seja lícito ao Tribunal conhecer de questões sem dar oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem.
4.
Caso entenda o Tribunal dever manter-se a sentença proferida, sem conceder à ora A. a possibilidade de exercer o contraditório, incorrerá o mesmo em nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195º, n.º 1 do CPC.
5.
Nulidade que expressamente se argui.»
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No dia 2 de maio de 2022, a senhora juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«Informe a secção o que tiver por conveniente relativamente ao requerimento que antecede.»
*
No cumprimento desse despacho, a Secção prestou a seguinte informação:
«(...) ao juntar o requerimento de 19/04/2022, com ref. 32311657, a secção não aguardou o prazo do contraditório, uma vez que se tratava de uma transação entre Autoras e Rés, pelo que solicita a V. Exa. Que se digne relevar o lapso.»
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Na sequência da informação prestada pela Secção, no dia 3 de maio de 2022, a senhora juíza a quo proferiu despacho, do qual consta, além do mais, o seguinte:
«Aguarde-se o prazo de contraditório em curso.»
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No dia 5 de maio de 2022, a 3.ª autora apresentou nos autos o seguinte requerimento:
«MIES (P), SA, notificada da junção aos autos do requerimento em que as co-autoras MIESFG, SA e P, SGPS, SA e as rés NB, SA e CEH, SÀRL informam ter concluído entre si um acordo de transação com vista a pôr termo ao presente processo e solicitam a respetiva homologação, vem quanto ao teor desse documento dizer o seguinte:
1. Na presente ação discute-se, fundamentalmente, (i) a validade do penhor, constituído a favor do BES, das ações da Companhia de Seguros T SA, cujo capital que era detido a 100% pela autora P, (ii) a violação do dever de diligência e lealdade do réu NB, enquanto credor pignoratício, na venda das ações penhoradas acima referidas à ré CEH e consequente nulidade deste ato, (iii) e o justo valor que as mesmas ações teriam à data dessa transação.
2. A ora requerente é titular de um interesse direto no presente litígio, ou não teria sido julgada parte legítima, como foi.
3. Com efeito, a requerente era, como consta dos autos, dona de 45% do capital da P e, consequentemente, acionista indireta do capital da T em idêntica percentagem.
4. O seu interesse na relação material controvertida resulta da expectativa legítima de que uma vez reinvestida a P na titularidade do património de que se viu ilegalmente privada, mediante a restituição das ações da T ou pelo pagamento do seu justo valor, ficaria a requerente, por sua vez, reconstituída no valor da sua participação acionista.
5. Ou, em alternativa, caso a P fosse entretanto declarada insolvente, como veio a acontecer, que a satisfação do seu interesse seria obtida com a parte que lhe competisse na partilha do saldo remanescente da liquidação da massa insolvente.
6. Está, portanto, em causa um interesse em demandar cuja tutela não pode ser prejudicada pelo acordo que foi junto aos autos.
7. O que, no entender da ora requerente até se afigura admitido pelas subscritoras da aludida transação.
8. Ora, as autoras signatárias do acordo decidiram reconhecer que o penhor das ações da T “não padece de qualquer invalidade, nulidade ou ineficácia, mormente das alegadas na Petição Inicial ”, que a venda das ações daquela seguradora pelo réu NB à ré CEH “constitui igualmente um negócio inteiramente válido e eficaz “ e, ainda, que “ de acordo com o que puderam apurar ” o preço de venda das ações da T pago pela CEH ao NB “ refletiu o valor de mercado das referidas ações a essa data…”.
9. Tudo isto, ao arrepio e em total e flagrante oposição ao que vinham alegando desde o início dos autos, que era exatamente o contrário.
10. Perante o requerimento das autoras e rés signatárias do acordo entendeu este Tribunal apreciar o mesmo (antes de o poder fazer, por mero lapso da secretaria prontamente reconhecido), e validá-lo invocando a natureza disponível dos direitos envolvidos e a qualidade e poderes dos respetivos subscritores.
11. Entende, no entanto, a requerente que dada a natureza dos pedidos constantes da ação, qualquer acordo que vise pôr termo à mesma, apenas poderá ser válido e eficaz se implicar a totalidade das partes no processo.
12. Ou, sem porém conceder, que o efeito máximo que o acordo junto aos autos poderá produzir, será o de desobrigar as rés de terem de pagar qualquer outra compensação às autoras signatárias, que vá além dos montantes que nele são referidos, e sem que dele possam resultar quaisquer outros efeitos, oponíveis ou não à requerente, relativamente aos pedidos formulados na presente ação.
13. Se for esse o entendimento do tribunal, a requerente procederá à alteração do pedido que se mostre necessário em consequência do desenvolvimento da ação, designadamente a sua redução para o que corresponda aos limites do seu direito.»
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No dia 11 de maio de 2022, o 1.º réu respondeu assim ao requerimento apresentado pela 3.ª autora no dia 5 de maio de 2022:
«NB, S.A., Ré melhor identificada nos autos acima referenciados, tendo sido notificada do requerimento da Autora MIESF (P), de 5 de maio de 2022 (notificação com n.º de referência citius ____), vem, nos termos e para os efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), expor a V. Exa. o seguinte:
1 O contraditório exercido pela Autora ESFP em nada afeta os fundamentos decisórios que levaram o Tribunal, no passado dia 26 de abril, a homologar a transação oportunamente celebrada, uma vez que, entre outras razões, se está perante direitos disponíveis (cf. artigo 289.º, n.º 1, do CPC) e o presente caso não é de litisconsórcio ativo necessário (cf. artigo 288.º do CPC).
2 Pelo que deverá a transação ser homologada pelo Tribunal.
3 Sem prejuízo do exposto, no requerimento em causa a Autora ESFP tece, ainda, algumas considerações adicionais, nada requerendo, contudo, a esse respeito e sem que tais considerações tenham alguma relação com a questão da homologação da transação celebrada (vide, nomeadamente, a afirmação da Autora de que irá proceder à alteração do seu pedido).
4 Relativamente a estas questões, e uma vez que quanto a elas nada se encontra requerido pela Autora ESFP, a Ré NB reserva o seu direito de pronúncia para momento ulterior, caso e na medida em que alguma coisa venha efetivamente a ser requerida a esse respeito.»
*
Na mesma data, a 2.ª ré respondeu assim:
«CEH, S.À.R.L.., Ré nos autos à margem identificados, notificada do requerimento apresentado pela “ESFP”, com a ref. CITIUS nº ____, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), dizer o seguinte:
1. Como assinalado pelo douto Tribunal na Sentença Homologatória de transacção com a ref. CITIUS nº ____, de 26 de Abril p.p., os direitos objecto dos presentes autos têm natureza disponível e os subscritores do requerimento encontravam-se munidos de poderes especiais para o efeito, pelo que se encontram integralmente preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 290º, nº 3 do CPC para a referida homologação.
E assim sendo, como é,
2. Deve ser mantida tal decisão, com a qual o exposto pela ESFP no seu requerimento nada contende.
3. No que respeita ao demais alegado pela ESFP, nomeadamente a respeito da sua posição processual e substancial na presente lide na sequência da homologação da transacção, e visto que nada de concreto nessa matéria é requerido, a aqui Ré reservar-se-á o seu contraditório para se, e quando, o for.»
*
No dia 13 de maio de 2022, a 1.ª e a 2.ª autoras, e as rés, apresentaram requerimento conjunto nos seguintes termos:
«MASSA INSOLVENTE DA P, S.G.P.S., S.A. e MIESFG, S.A., Autoras nos autos em cima identificados, em que são Réus CEH, S.À.R.L.. e NB, S.A., tendo sido notificadas do requerimento apresentado pela Autora MIESF (P), S.G.P.S., S.A. (“ESFP”) no passado dia 05.05.2022 (ref.ª citius ____), vêm, muito respeitosamente, expor o seguinte:
1. Por requerimento datado de 05.05.2022, a ESFP veio pronunciar-se sobre a transação judicial apresentada pelas demais partes nos presentes autos no dia 19.04.2022 (ref.ª citius ____) (“Transação”).
2. Como resulta evidente de uma análise das peças processuais apresentadas nos presentes autos e da Transação, as Autoras ora subscritoras transigiram sobre os seus direitos litigiosos, os quais são direitos disponíveis[1], tendo, portanto, as Autoras ora subscritoras legitimidade para transigir sobre os mesmos nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 283.º e 288.º, n.º 1, do CPC e sendo a Transação válida e eficaz.
3. Por conseguinte, inexiste qualquer motivo para a não homologação da Transação.»
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No dia 6 de junho de 2022, a senhora juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«MIESFG, S.A., MASSA INSOLVENTE DA P, S.G.P.S., S.A., Autoras, e NB, S.A. e CEH, S.À.R.L.., Rés nos presentes autos, vieram, nos termos do disposto no art.º 290º do Cód. Proc. Civil, juntar aos autos um acordo que contempla uma transação quanto ao objecto dos presentes autos.
Por decisão datada de 26/04/22, foi homologada a transação, por se ter considerado a mesma válida, tendo em conta a natureza disponível dos direitos objecto dos presentes autos e a qualidade dos subscritores do requerimento de transação – mandatários com poderes especiais para transigir -, tudo em conformidade com o disposto nos arts.º 283º, nº 2, 284º, 289º, nº 1 e 290º do Cód. de Proc. Civil.
Sucede, porém, que a A. MIESF (P), S.G.P.S., S.A. não foi parte na transação e, uma vez notificada da mesma, veio dizer nos autos que não prescinde do prosseguimento da causa para fazer valer os seus direitos contra as RR., nos termos peticionados.
Assim sendo, e uma vez que não existe qualquer razão que aponte para decisão diversa, decide-se manter a sentença homologatória de transação datada de 26/04/22, que aqui se renova, pelos fundamentos apontados, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos para apreciação dos pedidos formulados pela A. MIESF (P), S.G.P.S., S.A..
Notifique, sendo a A. MIESF (P), S.G.P.S., S.A. também para, em 10 dias, vir requerer o que tiver por conveniente quanto ao prosseguimento dos presentes autos.»
*
No dia 27 de junho de 2022, a 3.ª ré apresentou o seguinte requerimento:
«MIESF (P), notificada do douto despacho de fls, vem pronunciar-se sobre o prosseguimento dos autos, o que faz nos seguintes termos:
1.
As Autoras MIESFG, SA e Massa Insolvente da P, SGPS, SA e as Rés NB, SA e CEH, SÀRL, por requerimento conhecido nos autos, vieram submeter para homologação um acordo de transação com vista a pôr termo ao presente processo, dizendo que o mesmo resulta de um acordo global que é parte do Plano de Insolvência da P, cuja sentença homologatória já teria sido proferida no respetivo processo.
2.
Do requerimento acima referido, consta que contra o pagamento, pelas Rés, às autoras acima referidas, das importâncias de nove milhões quatrocentos e cinquenta mil euros à primeira e de quatro milhões de euros à segunda, ambas declaram desistir de todos os pedidos constantes da presente ação.
3.
E, ainda, que as mesmas autoras reconhecem que o penhor sobre as ações da Companhia de Seguros T, SA foi válida e eficazmente constituído não padecendo de qualquer invalidade, nulidade ou ineficácia, que a venda das ações da mesma empresa pelo NB à CEH foi, igualmente, um negócio válido e eficaz e que o preço dessa venda, de acordo com o que puderam apurar, refletiu o valor que aquelas ações teriam ao tempo da transação.
Nessa sequência,
4.
Pronunciou-se então a ora Requerente sobre o requerido, dizendo que, no seu entender, dada a natureza interdependente dos pedidos formulados, qualquer acordo que visasse pôr termo à ação, para ser válido e eficaz teria de incluir a totalidade das partes no processo.
5.
Pelo que, o efeito máximo que o acordo dos autos poderia produzir seria o de desobrigar as Rés de terem de pagar qualquer outra compensação às Autoras signatárias, que fosse além dos montantes nele referidos, sem que dele possam resultar quaisquer outros efeitos oponíveis à Requerente relativamente aos pedidos da ação.
Entretanto,
6.
Por douto despacho de 26/04/22 foi o referido acordo de transação homologado, com fundamento na natureza disponível dos direitos envolvidos e na qualidade dos seus subscritores, decisão mantida e confirmada por novo despacho de 06/06/22 que ordenou, ainda, a notificação da Requerente para se pronunciar sobre o prosseguimento dos autos.
Ora,
O pedido base na presente ação é o de que seja declarada a nulidade do penhor constituído sobre as ações do capital da T, o qual foi executado pelo NB, que subsequentemente vendeu aquelas ações à Ré CEH.
8.
Como consta do processo, a Requerente era dona de 45% do capital social da P e, em consequência, acionista indireta do capital da T em igual percentagem, pertencendo os 55% remanescentes à Autora Espírito Santo Financial Group.
9.
À data da execução do penhor, aquela participação acionista indireta de 45% no capital da T era o único ativo da Requerente e, portanto, a única garantia dos seus credores.
10.
Como também se encontra referido nos autos, a Requerente não foi “tida nem achada” na decisão de constituição do penhor.
11.
O qual foi constituído sem que a P, dona das ações, tivesse recebido qualquer contrapartida ou benefício.
12.
Já que o mesmo visou, pelo menos de forma formal, apenas e só garantir o cumprimento de obrigações que a outra acionista da P, a Espírito Santo Financial Group, SA, contraíra para com o BES.
13.
Quando já era patente a sua incapacidade financeira para solver as suas dívidas, o que implicava uma elevadíssima probabilidade de o penhor vir a ser executado, como foi.
14.
A execução do penhor pelo NB privou a Requerente do seu único bem, lançando-a em situação de insolvência com prejuízo total dos seus credores.
15.
Conforme a Requerente alegou na resposta ao pedido de homologação, o seu interesse na relação material controvertida resulta da expectativa de que uma vez reinvestida a P na titularidade do seu património, mediante a restituição das ações do capital da T ou pelo pagamento do seu justo valor, ficaria a Requerente reconstituída no valor da sua participação acionista.
16.
Ou que, em alternativa, caso a P fosse entretanto declarada insolvente, como veio a acontecer, que a satisfação do seu interesse seria obtida com a parte que lhe competisse na partilha do saldo remanescente da liquidação da massa insolvente.
Ou seja,
17.
A constituição do penhor e a sua subsequente execução foram a causa direta da sua insolvência e do tremendo prejuízo dos seus credores.
18.
A Requerente tem, pois, interesse legítimo em que os autos prossigam para que o tribunal possa aferir da legalidade do penhor, bem como da procedência dos demais pedidos.
19.
Por outro lado, está alegado nos autos que o justo valor da T à data em que as respetivas ações foram vendidas pelo NB à Ré CEH se situaria entre 500 e 600 milhões de euros.
20.
Aliás, a Seguradora havia, poucos meses antes, sido sujeita a avaliação pela auditora PwC a pedido do Banco de Portugal, no âmbito do Exercício Transversal de Revisão das Imparidades às Carteiras de Crédito dos diversos bancos portugueses (ETRICC II), vulgo stress tests, que em relatório datado de 14 de Março de 2014 concluiu que 700 milhões de euros era o valor razoável estimado de alienação da T (...).
21.
Porém, o preço de venda acordado entre o NB e a CEH, conforme o contrato de compra e venda datado de 12 de Setembro do mesmo ano, foi, como consta dos autos, de apenas 25 milhões de euros.
22.
O que só poderá ter ficado a dever-se, como alegado na p.i., a uma inaceitável negligência no cumprimento dos deveres legais do NB, que não apenas descurou o processo de venda, negociando apenas com um único interessado e ignorando manifestações de interesse de outras seguradoras internacionais, entre as quais a Seguradora Z e a Seguradora LI, como tampouco se deu ao cuidado mínimo de apurar o valor do activo em venda.
23.
Sendo, por isso, responsável pelo enorme prejuízo sofrido pela Requerente.
24.
Tendo esta, portanto, e de igual modo interesse legítimo em que as condições do negócio da venda das ações da T e a actuação do NB nesse processo sejam apreciadas pelo tribunal, conforme pedido, pela utilidade que lhe poderá advir do resultado dessa avaliação.
25.
A Requerente é, pois, parte legítima da relação material controvertida tal como esta foi configurada na petição inicial e, além disso, sujeito da relação jurídica processual pela utilidade que lhe advém da procedência da ação.
26.
O facto de as outras Autoras declararem, no acordo dos autos, que desistem integralmente de todos os pedidos formulados na ação contra as Rés, é uma decisão própria destas, que apenas a elas respeita e que não pode limitar os direitos da Requerente.
27.
A Requerente não perfilha, muito pelo contrário, nenhuma das declarações exoneratórias da responsabilidade das Rés produzidas no acordo pelas outras Autoras, declarações que, aliás, constituem contradição flagrante com o que as mesmas sempre haviam defendido na ação.
28.
Entenderam fazê-lo, naturalmente, no pressuposto de que a posição de cada uma das Autoras na ação configura uma pluralidade de interesses autónomos que, sendo embora convergentes, poderão ser geridos material e processualmente de forma separada.
29.
O que não podem é pretender que o acordo que celebraram ponha termo à relação processual entre a Requerente e a Rés, porque se assim fosse esse acordo seria inválido.
30.
A Requerente mantém, assim, todos os pedidos constantes da petição inicial, não obstante ficarem as Rés exoneradas de qualquer responsabilidade para com as outras Autoras, por força do acordo celebrado.
31.
Todavia, uma vez que os pedidos na ação passam a visar a satisfação apenas do direito da Requerente, qualquer reparação que o tribunal possa vir a julgar ser-lhe devida deverá ser feita diretamente a ela aliás, por igualdade de tratamento com o pagamento que é atribuído à Autora MIESFG, SA no acordo dos autos.
32.
Consequentemente, a Requerente procede à redução proporcional dos pedidos da ação, designadamente os constantes dos números V, VI, VII, VIII e IX do Título IV (Pedido) da petição inicial (fls.48 e 49), para 45% dos respetivo valores totais a apurar, por correspondência com a sua participação accionista no capital da P.
33.
Todos os demais pedidos manter-se-ão inalterados.
Subsidiariamente,
34.
Caso se entenda diversamente do alegado em 31. supra, manter-se-ão os pedidos acima indicados pela sua totalidade, conforme consta da petição inicial.
35.
E se, porventura, prevalecer o entendimento de que a Requerente carece de legitimidade para formular os pedidos acima indicados, vem esta fazê-lo expressamente, ainda a título subsidiário, mediante o exercício da ação sub-rogatória prevista nos artigos 606.º e segs. do Código Civil, sub-rogando-se nos direitos da P, com os seguintes fundamentos:
36.
A Requerente é titular de um direito de conteúdo patrimonial sobre a P resultante da sua participação acionista no capital social desta.
37.
A P, por sua vez, era acionista da totalidade do capital da Companhia de Seguros T.
38.
As Autoras alegaram na presente ação que o valor das ações da T se situaria, pelo menos, entre 500 e 600 milhões de euros.
39.
A Requerente considera que essa alegação corresponde à realidade e propõe-se fazer prova disso mesmo.
40.
Por tal motivo, entende que o pagamento de 4 milhões de euros aceite pela P no acordo dos autos em contrapartida da sua desistência dos pedidos nesta ação e da exoneração total da responsabilidade das Rés, dado ser uma percentagem irrisória do justo valor da T à data em que foi vendida pelo NB, equivale ao não exercício, ou ao exercício deficiente e parcial do direito que lhe cabia, e que isso afeta gravemente os direitos da Requerente.
41.
A sub-rogação ora exercida é, portanto, essencial à satisfação do direito da Requerente a obter justa reparação pelo que considera serem os vícios da constituição do penhor sobre as ações do capital da T e da transação que lhe sucedeu, visto que não dispõe de nenhum outro meio que lhe permita satisfazer os direitos dos seus credores.
42.
O direito de conteúdo patrimonial sobre a P que a Requerente invoca é aquele, já antes mencionado, de que uma vez reconstituída a situação patrimonial da massa insolvente daquela, através da restituição das ações objeto do penhor, ou do pagamento do seu justo valor, ficaria ela própria, através do rateio do remanescente da liquidação da referida massa, investida nos meios que lhe permitam solver as suas obrigações.
43.
Estando este direito dependente do resultado da própria ação, torna-se evidente que não pode a Requerente aguardar pela sua verificação para acionar o direito de sub-rogação aqui exercido, sob pena de o mesmo não lhe poder ser reconhecido por a decisão da ação poder depender desse próprio exercício.»
E conclui assim:
«Face ao exposto, deverá este Tribunal:
A. Em substituição do pedido V da p.i.:
Em cumulação com os pedidos I,II,III e IV da p.i. –
l) – Condenar o Réu NB a pagar à aqui Autora o montante correspondente a 45% da diferença entre o preço de venda das ações da ESAF - Espírito Santo Ativos Financeiros, SGPS, SA pelo BES, SA, à Companhia de Seguros T, SA – 29,7 milhões de euros – e o valor efetivo das mesmas à data da venda, a liquidar em momento posterior;
l)1 – Subsidiariamente, condenar as Rés nos exatos termos constantes da p.i.
l)2 – Subsidiariamente, condenar as Rés no pagamento por força do direito, acima exercido, de sub-rogação dos direitos da P;
B. Em substituição do pedido VI da p.i.:
Em cumulação com os pedidos I.a), I.b), I.c), II.d), II.e) ou II.f) e subsidiariamente face aos pedidos III.g), III.h), IV.i), IV.j) IV.k) e V.l) da p.i.-
m)- Condenar o Réu NB e a Ré CEH a pagar à aqui Autora o montante correspondente a 45% do valor das ações da Companhia de Seguros T, SA, a liquidar em momento posterior;
m)1 – Subsidiariamente, condenar as Rés nos exatos termos constantes da p.i.
m)2 – Subsidiariamente, condenar as Rés no pagamento por força do direito, acima exercido, de sub-rogação dos direitos da P;
C. Em substituição do pedido VII da p.i.:
Em cumulação com os pedidos I.a), I.b), I.c), II.d), II.e) ou II.f) e subsidiariamente face aos pedidos III.g), III.h), IV.i), IV.j), IV.k) e V.l), e em cumulação com o pedido VI.m) todos da p.i.-
n) – Condenar o Réu NB a pagar à aqui Autora o montante correspondente a 45% da diferença entre o preço de venda das ações da ESAF, SGPS, SA pelo BES, SA, à Companhia de Seguros T, SA – 29,7 milhões de euros – e o valor efetivamente imputado a estas ações no preço do contrato de execução do penhor, a liquidar em momento posterior;
n)1 – Subsidiariamente, condenar as Rés nos exactos termos constantes da p.i.
n)2 – Subsidiariamente, condenar as Rés no pagamento por força do direito, acima exercido, de sub-rogação dos direitos da P;
D. Em substituição do pedido VIII da p.i.:
Subsidiariamente face a todos os pedidos
o) – Condenar o Réu NB a pagar à aqui Autora uma indemnização pela violação dos deveres de diligência e de lealdade na execução do contrato de penhor, na proporção de 45% dos danos daí resultantes, a liquidar em momento posterior;
o)1 – Subsidiariamente, condenar as Rés nos exatos termos constantes da p.i.
o2 – Subsidiariamente, condenar as Rés no pagamento por força do direito, acima exercido, de sub-rogação dos direitos da P;
E. Em substituição do pedido IX da p.i.:
Subsidiariamente face aos pedidos I.a), I.b), I.c), II.d), II.e) ou II.f), III.g), III.h), IV.i), IV.j) IV.k) e V.l), VI.m) e VII.n) da p.i. –
p) – Condenar o Réu NB a pagar à aqui Autora o montante correspondente a 45% da diferença entre o preço de venda das ações da ESAF, SGPS, SA pelo BES, SA, à Companhia de Seguros T, SA – 29,7 milhões de euros – e o valor efetivamente imputado a estas ações no preço do contrato de execução do penhor, a liquidar em momento posterior;
p)1 – Subsidiariamente, condenar as Rés nos exactos termos constantes da p.i.
p)2 – Subsidiariamente, condenar as Rés no pagamento por força do direito, acima exercido, de sub-rogação dos direitos da P;
F. Condenar as Rés em todos os demais pedidos constantes da p.i. nos precisos em que se encontram formulados.
- Requer-se a citação da P para contestar, querendo, o direito de sub-rogação acima exercido (artº 608º CC).»
*
A 1.ª autora pronunciou-se sobre aquele requerimento da 3.ª autora, concluindo assim:
«Nos termos ora expostos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o requerido pela ESFP no Requerimento a que se responde ser julgado totalmente improcedente, por falta de base legal para o efeito, com as devidas consequências legais que daí decorrem, não devendo a P ser citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 608.º do CC.»
*
O 1.º réu respondeu também àquele requerimento da 3.ª autora, concluindo assim:
«Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, deverão os pedidos da Autora da ESFP constantes do requerimento de 27 de junho ser indeferidos pelo Tribunal, e, em consequência, serem as Rés absolvidas de todos os pedidos deduzidos nos presentes autos.»
*
A 2.ª ré respondeu igualmente àquele requerimento da 3.ª autora, concluindo assim:
«Face a tudo quanto se expôs, o exercício da ação sub-rogatória pela ESFP revela-se, no caso, manifestamente improcedente, devendo ser liminarmente indeferido pelo Tribunal.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, deverão os pedidos da ESFP constantes do requerimento de 27 de junho ser indeferidos pelo Tribunal, e, em consequência, serem as Rés absolvidas de todos os pedidos deduzidos nos presentes autos.»
*
No dia 27 de janeiro de 2023, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
«Da repercussão da transacção e sua homologação no prosseguimento da causa - req. apresentado pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A. em 27/06/2022:
Por despacho de 06/06/2022 foi determinado o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos formulados pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A., mantendo-se a sentença homologatória da transacção celebrada pelas restantes AA e pelas Rés na causa.
Mediante requerimento em epígrafe, veio a 3ª Autora requerer o prosseguimento dos autos, a fim de que, em suma, o tribunal possa aferir da legalidade do penhor, bem como da procedência dos demais pedidos, alegando que era dona de 45% da 1ª Autora P e em consequência “acionista indirecta do capital da T”, e que a constituição do penhor e a sua execução foram a causa directa da sua insolvência. Refere que mantém todos os pedidos constantes da petição inicial “não obstante ficarem as Rés exoneradas de qualquer responsabilidade para com as outras Autoras, por força do acordo celebrado”, procedendo à redução proporcional dos pedidos da acção, designadamente os constantes dos nºs V, VI, VII, VIII, e IX do seu pedido, “para 45% dos valores totais a apurar, por correspondência com a sua participação acionista no capital da P.
Acrescenta que, subsidiariamente, mantém os pedidos na sua totalidade, mediante o exercício da acção sub-rogatória prevista nos arts. 606º e segs. do Cód. Civil, sub-rogando-se nos direitos da P. Refere que o pagamento de 4 milhões de euros aceite pela P no acordo dos autos em contrapartida da sua desistência dos pedidos nesta acçáo, dado ser uma percentagem irrisória do justo valor da T à data em que foi vendida pelo NB equivale ao não exercício ou exercício deficiente do direito que lhe cabia.
Conclui em conformidade pedindo em substituição dos primitivos pedidos V a IX, a condenação das Rés no pagamento à Autora dos valores correspondentes a 45% dos valores aí constantes; e subsidiariamente, pede a condenação das Rés nos exactos termos da p.i. e subsidiariamente no pagamento por força do direito de sub-rogação dos direitos da P.
Notificadas as demais partes, veio a 1ª Autora Massa Insolvente da P, SGPS, S.A. opor-se, pugnando pelo indeferimento do requerido por falta de fundamento legal, não devendo a P ser citada nos termos do art. 608º do Cód. Civil.
Alega em suma que, a detentora das participações sociais da Companhia de Seguros T até à sua alienação à Ré CEH sempre foi a P, pelo que todos os direitos litigiosos associados à detenção destas participações sociais apenas e somente podem ser exercidos pela P. A P dispôs validamente dos seus direitos litigiosos através da homologação de um plano de insolvência, homologação que transitou em julgado. Assim, a Requerente/co-Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A. não se pode sub-rogar nos direitos exercidos pela P, pois os direitos foram exercidos validamente pelo titular e já não existem, além de que a Requerente era apenas acionista da P, nunca foi sua credora, não estando preenchidos os pressupostos da sub-rogação legal prevista nos arts. 606º e segs. do Cód. Civil. A sub-rogação consubstanciaria ainda uma violação do plano de insolvência da P.
Por seu turno, também o Réu NB, S.A. veio pugnar pelo indeferimento dos pedidos da Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A., com extinção dos autos, absolvendo-se as Rés de todos os pedidos.
Alega em suma que, desde logo a Autora pretende prevalecer-se de um valor atribuído à T reportado a 31/12/2012 e que não considerou o impacto do colapso do grupo Espírito Santo na situação patrimonial e financeira da T.
Relativamente à manutenção dos pedidos I a III da petição inicial, refere que tais pedidos visam a declaração de nulidade do negócio constitutivo do penhor sobre as acções da T e de venda destas acções, e subsidiariamente a anulação e ineficácia deste negócios. A Autora ESF (P) não é credora da Autora P detendo apenas uma participação minoritária de 45%, não foi parte nos negócios em causa na acção e e os pedidos destinam-se exclusivamente a produzir efeitos na esfera jurídica da P. Perante a transacção celebrada e desistência integral dos pedidos apresentadas pela Autora P e pela Autora ESFG, a Autora ESF (P) não tem qualquer legitimidade para invocar a anulabilidade e declaração de ineficácia dos negócios jurídicos em causa, como reconheceram as AA na p.i.. O mesmo sucede com a declaração de nulidade, pois a Autora ESF (P) não foi parte nos negócios, nem é credora de qualquer parte, e não pode como tal ser considerada parte interessada na declaração de nulidade. Por seu turno a redução dos pedidos nºs V a IX não é admissível, pois o que verdadeiramente está em causa é uma substituição dos pedidos, que se traduz numa completa substituição da P como sujeito receptor dos pagamentos pela Autora ESF (P).
No que tange à subsidiariamente pretendida manutenção dos pedidos, refere que a desistência da P dos pedidos implicou a extinção dos alegados direitos que a P queria fazer valer contra as Rés, não tendo a ESF (P) legitimidade para os manter. E quanto à sub-rogação, a ESF (P) não é credora da P, e esta agiu exercendo o seu direito, pelo que está vedada a possibilidade de recurso à sub-rogação.
Finalmente, também a Ré CEH SARL, veio opor-se à pretensão da Requerente, pugnando pelo seu indeferimento e absolvição da instância dos RR.
Aduz em resumo que, face ao acordo homologado nos autos, a ESF (P) não tem legitimidade, nem interesse em agir que justifiquem a continuação dos autos. Desde logo não é verdade que a causa da sua insolvência tenha sido a execução do penhor, até porque esta é de data posterior, e não é verdade que o valor da T fosse de 700 milhões de euros. Refere ainda que diferentemente da ESFG, a ESF (P) não detém qualquer crédito sobre a P, nem a maioria do capital social, e nenhum dos pedidos afecta directamente a posição jurídica da ESF (P), antes visam produzir efeitos jurídicos na esfera da Autora P. A Autora ESF (P) não detém individualmente a posição jurídica exigida pelos artigos 286º e 605º do Cód. Civil para preencher o conceito de interesse nos mesmos ínsito. As acções da T não constituíam um bem propriedade da ESF (P), no limite o património da P era garantia dos credores desta, pelo que, carece a ESF (P) de legitimidade individual e autónoma para, face à desistência das demais AA, prosseguir a lide com assento nas causas de pedir de nulidade invocadas. E também não está em causa uma redução do pedido, mas sim, uma alteração dos pedidos efectuados que não é admissível nos termos do art. 265º do C.P.C., como também não se verificam os pressupostos da sub-rogação nem é exequível a sua utilização.
Vejamos
De facto importa começar por lembrar quais foram os pedidos formulados e quem visavam beneficiar, para então indagar se a acção pode prosseguir nos termos visados pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A..
Assim, a presente acção foi intentada pela P, SGPS, S.A. (1ª Autora) e pelas suas duas accionistas, a Massa Insolvente da ESFG, S.A. (2ª Autora) e a Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A. (3ª Autora), com invocação de que a 1ª Autora era a única acionista da Companhia de Seguros T, sendo a 2ª Autora detentora de 55% do capital social da 1ª Autora, e a 3ª Autora detentora dos restantes 45%. A causa de pedir assenta na constituição de um penhor financeiro pela 1ª Autora sobre as acções da T a favor do BES, S.A., como um acto fraudulento contra credores das AA. Conforme alegam as AA o contrato de penhor foi estabelecido num outro contrato mais amplo (cfr. arts. 22º e 23º da p.i.) celebrado entre o BES, a 2ª Autora e a 1ª Autora.
Analisando o petitório, vemos que nos pontos I a III, é pedida a nulidade, subsidiariamente a anulação, e subsidiariamente a ineficácia do dito contrato de penhor, e subsidiariamente a nulidade, anulação e ineficácia do contrato (mais amplo no qual a constituição do penhor se insere) celebrado pelo BES, S.A., pela 2ª Autora e pela 1ª Autora (pontos I e II), bem como a declaração de nulidade do contrato celebrado pelos RR através do qual foram transmitidas as acções da T, e subsidiariamente a ineficácia do contrato de execução do penhor. Em cumulação com estes pedidos, no ponto IV foi pedida a condenação dos RR na restituição à 1ª Autora das ditas acções com reconstituição do seu registo a favor da 1ª Autora. Nos pontos V a VII foi pedida, em cumulação com os pedidos anteriores, a condenação dos RR no pagamento de diversos valores à 1ª Autora. Nos pontos VIII e IX, as AA pedem, subsidiariamente face a todos os pedidos, a condenação do Réu NB no pagamento à 1ª Autora de uma indemnização pela violação dos deveres de diligência e lealdade na execução do contrato de penhor, e subsidiariamente, a condenação do Réu NB no pagamento à 1ª Autora de um outro valor a liquidar correspondente à diferença entre o preço de venda das acções da ESAF, SGPS, S.A. pelo BES à T e o valor efectivamente imputado a estas acções no preço do contrato de execução do penhor.
Também resulta de toda a causa de pedir e da sua economia própria a relação de dependência (para além da subsidiariedade) que os pedidos constantes dos pontos IV a VII têm relativamente aos primeiros, os quais visam, repete-se, a invalidação de negócios jurídicos.
Como se vê a 3ª Autora não era beneficiária, pelo menos directa, de qualquer dos pedidos formulados, os quais não apresentam repercussão na sua esfera pessoal. Aliás, nada obrigava à sua presença na acção que continuava a ter o seu efeito útil ainda que a mesma não tivesse intervindo ao lado das demais Autoras.
Decorre do acordo homologado nestes autos e que pôs imediatamente termo à acção no que toca à 1ª e 2ª Autora, que o mesmo surge em execução de um acordo mais vasto obtido na insolvência da 1ª Autora e aí homologado, dele resultando, a par da desistência dos pedidos formulados na presente acção, o pagamento de quantias às 1ª e 2ª Autoras (cfr. requerimento de 19/04/2022).
Isto posto, é bom de ver que a substituição dos pedidos V a IX pretendida pela 3ª Autora, no sentido de lhe serem pagos os montantes reclamados na proporção de 45%, não corresponde a uma redução do pedido inicial mas antes a uma verdadeira alteração do pedido, pois a 3ª Autora não era credora dos mesmos, nem parcialmente, e pretender passar a sê-lo. Não estamos perante uma situação em os pedidos ora formulados estivessem contidos nos pedidos primitivos. Nenhum destes pedidos formulados tem uma repercussão directa na esfera da 3ª Autora, pelo que, não podem ser alvo de redução ou qualquer confinamento à sua esfera individual.
Como tal, desde logo, não existindo acordo das Rés para tal alteração, a alteração do pedido não é processualmente admissível nos termos dos arts. 264º e 265º nº 2 a contrario do C.P.C., impondo-se o seu indeferimento.
Quanto ao pedido de condenação das Rés nos exactos termos da p.i., importa notar que os pedidos constantes dos pontos IV a IX, nos termos em que se apresentam, não são susceptíveis de poder beneficiar a 3ª Autora justamente por deles não ser credora, tendo a respetiva credora, a 1ª Autora, deles disposto em transacção, o que era seu direito, com o que se operou a sua extinção processual e substantiva. Todos os pedidos foram formulados na petição inicial numa altura que todas as AA litigavam representadas pelo mesmo mandatário. Não oferece dúvida que os pedidos constantes dos pontos IV a IX visavam beneficiar apenas a 1ª Autora P produzindo efeitos exclusivamente na sua esfera jurídica, e só muito remotamente beneficiavam a Requerente enquanto acionista da P, e não da T.
O que redunda na falta de legitimidade processual da 3ª Autora individualmente considerada para os ver apreciados e decididos, por não ter interesse em demandar isoladamente tal como a relação controvertida foi configurada na p.i..
Também não colhe a pretensão subsidiária no sentido da sub-rogação dos direitos da 1ª Autora nos termos do art. 606º do Cód. Civil. É que, como bem notaram a 1ª Autora e os Réus, a 3ª Autora, na mera qualidade de acionista da 1ª Autora, não é sequer credora da 1ª Autora, nem estamos perante uma situação em que a 1ª Autora não tenha exercido os seus direitos, pelo que não estão preenchidos os pressupostos da sub-rogação legal prevista nos arts. 606º e segs. do Cód. Civil.
Finalmente, quanto aos pedidos de invalidação dos negócios constantes dos pontos I a III, para além de as partes intervenientes nos negócios deles terem disposto, é notória a falta de legitimidade substantiva e processual da 3ª Autora relativamente aos pedidos de anulação e ineficácia de negócios dado que não foi parte nos mesmos (cfr. art. 287º do Cód. Civil).
Restam os pedidos de declaração de nulidade constantes desses pontos I a III.
É certo que nos termos do art. 286º do Cód. Civil, qualquer interessado pode invocar a nulidade.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (in Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed., Pág. 263), em termos inteiramente actuais, “qualquer interessado” é “o titular de qualquer relação jurídica cuja consistência tanto jurídica como prática, seja afectada pelo negócio”. A 3ª Autora é uma acionista minoritária da 1ª Autora que foi a parte nos negócios, pelo que sótem quando muito uma expectativa relativamente à distribuição de proventos, não detendo qualquer direito subjectivo relativamente à 1ª Autora nem relativamente aos Réus, sendo certo que estando a 1ª Autora insolvente, qualquer incremento patrimonial é afecto aos credores da insolvência, não pagos. Ademais, a 3ª Autora é detida pela 2ª Autora que também chegou a acordo com os Réus. E tanto a 3ª Autora não foi afectada na sua esfera que nenhuma das pretensões ressarcitórias dependentes da invalidade dos negócios foi peticionada a seu favor.
Como se afirma no acórdão da Relação de Lisboa de 17/06/2021 (proferido no processo n.º __/__._T8OER.L1-2 disponível in www.dgsi.pt), também citado pela 2ª Ré: “(…) O direito de invocação da nulidade não é conferido a todos. Não é qualquer pessoa a quem dê jeito, de alguma maneira, a declaração de nulidade do negócio, que preenche os requisitos do conceito de interessado para efeito do artigo 286.º. O sujeito legitimado deve ter um interesse direto na nulidade e não apenas um interesse vago e indireto. O interesse que atribui a uma pessoa legitimidade para invocar a nulidade de um negócio jurídico segundo o artigo 286.º, é um interesse de direito substantivo, que pressupõe a oponibilidade do negócio, porque o negócio nulo prejudica a consistência prática ou económica, de um direito seu (Lebre Freitas, 2007, 384). Por exemplo, são terceiros legitimados para invocar a nulidade o cônjuge responsável por dívida contraída pelo outro através de contrato nulo celebrado sem a sua intervenção e os adquirentes de direitos reais ou pessoais sobre o mesmo bem. Ajuizando acerca de situação potencialmente consubstanciadora de legitimidade indirecta, referenciou-se no douto aresto desta RL de17/01/2012 (omitem-se as expressas referências às citações) [23] que “a ressalva constante do nº 3 do art. 26º (“na falta de indicação em contrário”), respeita às hipóteses em que, excepcionalmente, o legislador reconhece legitimidade a quem não é sujeito (ou só é em parte) da relação material controvertida submetida à apreciação do tribunal.
Ou seja, para além de se atribuir legitimidade aos sujeitos da relação material controvertida (legitimidade directa), resultante de uma presumida coincidência entre as partes na acção e os sujeitos da relação material, a lei excepcionalmente atribui legitimidade aos não titulares da relação material (legitimidade indirecta).
E, nas palavras de Paula Costa e Silva, a legitimidade enquanto pressuposto processual adquire relevância precisamente quando em juízo se encontram, não aspartes materiais, mas as partes formais, naquelas situações em que quem está em juízo alega não ser o titular da relação material controvertida.
(...)
A doutrina é unânime em considerar como exemplos de atribuição do direito de acção versando sobre relação jurídica a que é estranho ou em que tem apenas um interesse indirecto, a acção de declaração de nulidade dos negócios jurídicos, a acção sub-rogatória prevista no art. 606º do CC, e a acção popular prevista no art. 26º-A do CPC.
Em todas estas hipóteses, em que é atribuída legitimidade processual a quem é titular de um interesse indirecto, surge um fenómeno de substituição processual: a acção é deduzida em nome e no interesse próprio, mas sobre relação jurídica de outrem”.
(...) “quando a disponibilidade adjectiva não decorre da alegada titularidade da situação objectiva, é indispensável a atribuição legal da legitimidade, pois sem essa atribuição legal, a parte não será legítima” (sublinhado nosso).
(...) Ora, na aferição da legitimidade directa, urge ajuizar, na ponderação do concreto litígio, se a previsível procedência da acção, nos termos configurados pela Autora, é susceptível de lhe trazer, objectivamente, uma situação de vantagem ou utilidade. No que se traduz a adopção do denominado critério da utilidade ou prejuízo, com enfoque no nº. 2 do artº. 30º, do Cód. de Processo Civil. (…)” (o destacado a bold é nosso).
Na situação vertente, sob o prisma da legitimidade processual nos termos do art. 30º do C.P.C., parece-nos evidente que a 3ª Autora que é um terceiro relativamente aos contratos e não tem por isso interesse directo em demandar pois da eventual procedência dos pedidos concernentes à nulidade dos contratos não resulta uma qualquer situação de vantagem ou benefício para mesma. O interesse visado no art. 30º nº 2 do C.P.C. é sempre um interesse directo, e não meramente reflexo, mediato ou derivado.
Portanto, a 3ª Autora não tem legitimidade directa para os pedidos que visam a nulidade dos contratos identificados nos pontos I a III do petitório constante da p.i..
Restaria apenas a legitimidade indirecta para a apreciação de tais pedidos (e só desses como vimos), o que implica saber se tem aplicação a 1ª parte do nº 3 do art. 30º do C.P.C., posto que na configuração constante da p.i a 3ª Autora não é sujeito da relação material controvertida, o que afasta a segunda parte.
Ou seja, importa aferir se não existirá normativo legal que faça estender tal legitimação. Esse normativo só poderia ser o art. 286º do Cód. Civil, mas como vimos tal passa por avaliar se se a relação jurídica pela mesma invocada é afectada, na sua consistência jurídica ou prática, pelos efeitos que os negócios pretendiam produzir, o que passa por concluir se a 3º Autora tem algum interesse de direito substantivo, um interesse directo na nulidade, e não meramente um interesse vago, indirecto ou reflexo.
Não vemos como a Autora na sua qualidade de mera acionista minoritária da 1ª Autora tenha qualquer direito subjectivo a proteger com tal actuação. Enquanto acionista não é detentora dos bens ou activos da 1ª Autora, os quais no limite servem para pagar os credores desta (que a 3ª Autora não é, diversamente do que sucede por exemplo com accionistas que prestam suprimentos). De facto, enquanto titular de simples expectativas quanto a proventos (e mesmo neste caso não poderia olvidar-se a circunstância de a 1ª Autora se encontrar insolvente com as limitações inerentes à disposição do seu património), a 3ª Autora não tem ao seu dispor qualquer meio de tutela ou conservação da sua mera expectativa jurídica. Na situação vertente permitir que a acção prossiga para apreciação da nulidade de negócios em que as partes interessadas e envolvidas já transigiram significaria sobrepor os interesse da acionista minoritária aos da sociedade de que é sócia e da accionista maioritário, colocando em causa o acordo celebrado e que surgiu no âmbito de um acordo mais vasto obtido no processo de insolvência da 1ª Autora em que o respectivo plano de insolvência foi já homologado por sentença transitada em julgado (cfr. consulta do respectivo processo de insolvência nº ____/__._T8LSB na aplicação citius).
Daqui resulta que, sem as demais AA, a 3ª Autora não tem como assentar a sua legitimidade individual no art. 286º do Cód. Civil, com o que fica afectada a sua legitimidade processual indirecta para apreciação dos pedidos de nulidade nos ternos do art. 30º do C.P.C..
Ou seja, não se reconhece à 3ª Autora legitimidade indirecta para a apreciação dos pedidos de nulidade constantes dos pontos I a III.
Em suma, com a saída de cena da 1ª e da 2ª Autoras a 3ª Autora deixou de ter legitimidade individual para prosseguir a acção nos termos em que foi proposta por nenhum dos pedidos lhe dizer respeito individualmente ou afectar a sua posição jurídica, o que vem a ser um efeito do acordo e da sentença homologatória e das limitações processuais à alteração dos pedidos primitivamente formulados.
Em consequência, de todo o exposto resulta que, não obstante a não intervenção da 3ª Autora no acordo de transacção celebrado entre as demais partes, não existem pedidos formulados que possam relativamente à 3ª Autora ser apreciados com autonomia.
O despacho que determinou o prosseguimento dos autos não inviabiliza a constatação a que ora se procede no sentido de que, em face dos pedidos primitivos que se mantêm e da posição da 3ª Autora, os autos não podem prosseguir para apreciação dos pedidos formulados por falta de legitimidade da 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A. individualmente considerada.
Pelas razões expostas, indefere-se o pedido de substituição dos pedidos primitivos e o exercício de sub-rogação, e quanto ao demais peticionado, por ilegitimidade da 3ª Autora, indefere-se o requerimento de prossecução dos autos apresentado pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A., absolvendo-se as Rés da instância de todos os pedidos deduzidos (enquanto pedidos exclusivamente peticionados pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A.).»
*
Essa decisão foi notificada às partes no dia 31 de janeiro de 2023.
*
Notificado dessa decisão, o 1.º réu veio, no dia 8 de fevereiro de 2023,  requerer a sua retificação, ao abrigo do disposto no art. 614.º, n.º 1, do CPC, o que fez nos seguintes termos:
«1. Do dispositivo da sentença proferida consta:
“Pelas razões expostas, indefere-se o pedido de substituição dos pedidos primitivos e o exercício de sub-rogação, e quanto ao demais peticionado, por ilegitimidade da 3ª Autora, indefere-se o requerimento de prossecução dos autos apresentado pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A., absolvendo-se as Rés da instância de todos os pedidos deduzidos (enquanto pedidos exclusivamente peticionados pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A.)” (realce acrescentado).
2. Considerando que em todos os excertos em que o tribunal se debruça sobre a legitimidade da 3.ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A., fá-lo afastando a sua legitimidade substantiva – decidindo sobre a sua não pertença à efetiva relação material controvertida, em face das situações jurídicas das quais esta não é titular -,
3. E encontrando-se hoje afastada a contenda sobre o conteúdo do artigo 30.º do CPC, que integra uma formulação de legitimidade processual assente não na efetiva relação material controvertida, mas na relação controvertida tal como configurada pelo Autor[vi],
4. A Ré assume que a frase final do dispositivo da sentença inclua um lapso de escrita, ao mencionar “absolvendo-se as Rés da instância de todos os pedidos”.
5. Deste modo, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 614.º do CPC, a Ré vem requerer a correção da sentença, sendo o excerto mencionado substituído por “absolvendo-se as Rés de todos os pedidos deduzidos (enquanto pedidos exclusivamente peticionados pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A.).”»
*
Sobre esse requerimento recaiu a seguinte decisão, datada de 2 de março de 2023:
«Pedido de rectificação da decisão final - req. de 08/02/2023:
Veio o Réu NB S.A. requerer a rectificação da sentença no sentido de o excerto final decisório ser substituído por “absolvendo-se as Rés de todos os pedidos deduzidos (enquanto pedidos exclusivamente peticionados pela 3ª Autora Massa Insolvente da ESF (P) SGPS, S.A.).”.
Aduz em suma que em todos os excertos em que o tribunal se debruça sobre a legitimidade da 3ª Autora fá-lo afastando a sua legitimidade substantiva, pelo que presume que a frase final do dispositivo da sentença, ao absolver as Rés da instância, inclua um lapso de escrita.
Nada foi oposto ou dito pelas demais partes. Vejamos
Desde já adiantamos que a decisão de absolvição da instância em consequência de ilegitimidade (processual) não foi inadvertida.
Conforme decorre da decisão proferida, entendemos que há pedidos para os quais a 3ª Autora individualmente considerada não tem legitimidade processual tout court (são eles os pedidos constantes dos pontos IV a IX do petitório), e outros (os pedidos de invalidação dos negócios) para os quais a 3ª Autora não tem legitimidade processual por a lei (substantiva) não lha reconhecer, o que levou a afastar a 1ª parte do nº 3 do art. 30º do C.P.C. e concluir também pela ilegitimidade processual (indirecta) enquanto pressuposto processual. A ilegitimidade processual conduz à absolvição da instância nos termos do disposto nos arts. 576.º, nº 2, 577.º al. e) e 578.º do C.P.C., admitindo-se que a decisão poderia ter sido mais clara neste particular, o que ora se aproveita para fazer
Uma decisão de absolvição do pedido implicava que o tribunal tivesse proferido uma decisão de fundo, de mérito, maxime tivesse apreciado uma excepção peremptória ou os fundamentos dos pedidos de invalidação, o que não aconteceu.
Quando apelámos à ilegitimidade substantiva foi no sentido de a lei substantiva não conferir legitimidade à 3ª Autora, seja para pedir a anulação ou ineficácia, seja para pedir a declaração de nulidade por não preencher o conceito de interessado e por ser neste conceito que in casu se basearia a sua legitimidade processual indirecta.
Mas tal não conduziu a qualquer decisão de mérito. Movemo-nos sempre no âmbito da aferição do pressuposto processual da legitimidade activa, cuja falta constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso.
E diga-se que o acórdão amplamente citado na decisão por nós proferida (acórdão da Relação de Lisboa de 17/06/2021 proferido no processo nº ___/__._T8OER.L1-2) no qual se densificou o conceito de legitimidade indirecta e no qual se concluiu que a aí Autora, enquanto sucessível legitimária não possuía legitimidade, nomeadamente conferida pelo artº. 286º, do Cód. Civil (não preenchendo o conceito de interessada ali enunciado), para, durante a vida da aí 1ª Ré sua mãe, pedir a declaração de nulidade da doação por esta efectuada ao aí 2º Réu seu irmão, confirmou uma decisão que havia julgado procedente a excepção (dilatória) de ilegitimidade da Autora, e consequentemente absolveu os Réus da instância (e não do pedido).
Nesta conformidade, a nosso ver, estando em causa uma excepção dilatória, o segmento final da decisão proferida não padece do assinalado lapso, e consequentemente indefere-se a rectificação pretendida.»
*
No dia 7 de março de 2023 a 3.ª autora interpôs recurso da decisão proferida no dia 27 de janeiro de 2023, concluindo assim as respetivas alegações:
«i. Os autos contêm a demonstração suficiente de que, ao contrário do que é dito na sentença, a esfera jurídica da Apelante foi claramente afectada pelo penhor e que a procedência da acção lhe será de inequívoca utilidade.
ii. A constituição e execução do penhor impugnado nos autos tiveram por efeito imediato a destruição total do valor económico do património restante da Apelante deixando-a, tal como, aliás, à P, em situação de insolvência.
iii. A aferição do preenchimento do conceito de interessado, para efeitos do artº 286º do C Civil, deverá ter em conta não apenas os elementos concretos da relação material controvertida dos autos, tal como ela é configurada pelas partes, porque isso são os requisitos de aplicação da 2ª parte do nº 3 do artº 30º do CPCivil, mas ainda todas as demais circunstâncias alegadas que permitam concluir se a esfera jurídica da parte é ou não indiferente à procedência da acção, porque é isso que qualifica o seu interesse.
iv. A afirmação, na sentença recorrida de que a Apelante é uma accionista minoritária da P, que foi a parte nos negócios, não detendo qualquer direito subjectivo relativamente a ela nem aos réus, pelo que qualquer incremento patrimonial é afecto aos credores da insolvência, não pagos, ignorou que a confirmar-se que o valor da T era, conforme foi alegado, significativamente superior ao do preço pago pelo comprador, isso permitirá à Apelante ressarcir os seus credores comuns.
v. E ignorou, também, que o direito subjectivo que nesse caso assiste à Apelante, será o de receber a parte que lhe couber no saldo da liquidação da massa insolvente da P, conforme estabelecido no artº 184º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), e que terá como destinatários os seus credores.
vi. A sentença, não terá entendido que o direito, que a Apelante invoca, ao recebimento do remanescente que lhe competir no procedimento de liquidação da massa insolvente da P, em nada altera ou interfere com esse procedimento, antes é consequência do mesmo.
vii. Tampouco tem razão a sentença quando afirma que permitir o prosseguimento da acção para apreciação da nulidade de negócios em que as partes interessadas e envolvidas já transigiram, significaria sobrepor os interesses da accionista minoritária aos da sociedade de que é sócia e da accionista maioritária, colocando em causa o acordo celebrado.
viii. Em primeiro lugar porque o regime da nulidade é de interesse e ordem pública e, como tal, terá sempre de sobrepor-se a quaisquer interesses ou convenções privadas.
ix. Mas, também, porque o acordo celebrado não seria afectado pela procedência da acção quanto às partes que o subscreveram, e foi por isso que a Apelante reduziu os seus pedidos proporcionalmente à parte que lhe correspondia no efeito útil pretendido com a acção.
x. Justificado que está nos autos o seu interesse em demandar e a utilidade que lhe advirá da procedência da acção, a Apelante preenche os critérios de atribuição da legitimidade indirecta conferida pelo artº 286º do C Civil.
xi. Nem se diga que o interesse invocado é vago ou ilusório porque a nulidade do acto é uma mera opinião da Apelante, ou que o valor que esta atribui às acções da T será irrealista, porque dos autos constam indícios sérios de que tais afirmações não são gratuitas.
xii. A Apelante tem interesse directo e objectivo na nulidade e não um mero interesse vago ou hipotético.
xiii. O argumento de que a Apelante não foi afectada na sua esfera jurídica porque nenhuma das pretensões ressarcitórias dependentes da invalidade do negócio foi peticionada a seu favor, é uma abstracção que ignora o que está repetidamente alegado nos autos.
xiv. O ressarcimento directo não pode ser um critério de validação da legitimidade excepcional ou indirecta, porque senão não teriam fundamento as normas legitimantes do artº 77º do Código das Sociedades Comerciais, que estabelece o direito dos sócios a propor acção de responsabilidade contra gerentes ou administradores com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, ou da acção sub-rogatória do artº 606 do C Civil.
xv. Normas estas que estabelecem um direito basicamente idêntico ao que a Apelante pretende exercer nos autos.
xvi. A norma legitimante do artº 286º do C Civil não pode ser sujeita a uma interpretação que imponha critérios mais exigentes na concretização do interesse em demandar do que os que resultam das normas acima indicadas, tanto mais quando a questão da nulidade é de ordem pública.
xvii. O argumento de que qualquer incremento patrimonial da P é afecto aos credores desta, pelo que a Apelante, não sendo credora daquela, não tem interesse em demandar, também não colhe, porque a confirmar-se que as acções da T tinham os valores que foram alegados, a Apelante será largamente beneficiada.
xviii. Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.01.2021, (Procº 589/17.5T8ESP.B.P1) “em matéria de legitimidade para arguição da nulidade, impõe-se o afastamento de orientações restritivas, devendo ser seguida a orientação ampla pretendida pelo legislador, que transparece desde logo, da imposição de conhecimento oficioso, por razões de interesse público (sendo declaração de efeito jurídico já produzido, a operar ipso iure e não sanável por confirmação, daí ser invocável a todo o tempo.”.
xix. Ao não reconhecer que a Apelante tem legitimidade indirecta para a apreciação dos pedidos de nulidade constantes dos autos, a douta sentença recorrida fez errada aplicação dos artigos 30º, nº 3 do CPCivil e 286º do CCivil.»
A 3.ª autora remata assim as conclusões do recurso:
«Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao presente recurso, revogando a sentença de que ora se recorre, farão V. Exas. a costumeira justiça.»
*
Os réus contra-alegaram, separadamente, pugnando ambos pela improcedência do recurso.
*
No dia 9 de março de 2023, o 1.º réu interpôs recurso:
- da decisão proferida no dia 27 de 27 de janeiro de 2023; e,
- da decisão proferida no dia 2 de março de 2023,
concluindo assim as respetivas alegações:
«A. No âmbito de uma ação proposta contra o NB e a sociedade CEH, pelas Autoras P, ESFG e ESFP, dirigida ao conhecimento da validade e eficácia (i) do penhor financeiro sobre as ações representativas do capital social da T, constituído pela P, a favor do BES, S.A., bem como (ii) do negócio de venda das mesmas ações pelo NB à CEH, em execução do referido penhor financeiro, as partes, com exceção da ESFP, transacionaram quanto ao objeto do processo, transação esta homologada por sentença transitada em julgado.
B. Tendo a ESFP requerido o prosseguimento dos autos e a manutenção dos pedidos aí formulados, o Tribunal a quo proferiu sentença em 27 de fevereiro de 2023, indeferindo as pretensões por aquela formuladas, tendo, relativamente aos pedidos de declaração de nulidade, anulação e declaração de ineficácia de negócios jurídicos, considerado que a Autora carecia de legitimidade para os mesmos, absolvendo as Rés da instância.
C. Todavia, o NB entende que o Tribunal a quo deveria ter absolvido as Rés dos pedidos de declaração de nulidade, anulação e declaração de ineficácia daqueles negócios jurídicos, o que, atento o disposto no artigo 631.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, lhe atribui legitimidade para interpor o presente recurso.
D. A sentença recorrida (complementada pelo despacho de retificação de erros materiais de 2 de março de 2023) não parece lograr diferenciar, com inteira clareza, o conceito de legitimidade processual do conceito de legitimidade substantiva, revelando o Tribunal recorrido entender que a primeira parte do n.º 3 do artigo 30.º do CPC se refere à legitimidade substantiva das partes e que qualquer tipo de legitimidade (seja processual ou substantiva) constitui uma exceção dilatória – o que, no entender do NB se afigura incorreto.
E. Ponderadas as razões que levaram o Tribunal a quo a concluir pela ilegitimidade da ESFP, resulta evidente que este decidiu sobre a ilegitimidade substantiva daquela.
F. Na verdade, o Tribunal recorrido chega mesmo a referir-se expressamente à ausência de legitimidade substantiva da ESFP: assim no caso dos pedidos de anulação ou declaração de ineficácia do negócio constitutivo do penhor financeiro sobre as ações representativas do capital social da T e do negócio de transmissão dessas ações celebrado entre as Rés NB e a CEH, considerando que a ESFP não foi, naqueles, parte e considerando a transação celebrada e a desistência integral dos pedidos apresentada pelas Autoras P e ESFG.
G. Acontece que quanto aos pedidos de declaração de nulidade dos negócios jurídicos em causa, o Tribunal a quo concluiu pela verificação de uma ilegitimidade processual indireta, confirmando este entendimento através do despacho proferido em 2 de março de 2023.
H. Constata-se que o Tribunal a quo deriva a sua conclusão de um enquadramento sobre os conceitos de legitimidade processual e substantiva, e sobre as consequências da verificação de uma situação de ilegitimidade substantiva, que no entender do NB não encontra respaldo no estado da arte sobre o tema.
I. Afinal resulta inequívoco da evolução da previsão legislativa do atual artigo 30.º do CPC, bem como da doutrina e jurisprudência que o estudam e aplicam, que (i) o pressuposto da legitimidade processual se afere pela análise da relação controvertida tal como configurada pelo autor e (ii) a totalidade do artigo 30.º do CPC rege sobre a determinação desse pressuposto processual, incluindo o seu n.º 3.
J. Sucede que a leitura do n.º 3 do artigo 30.º do CPC preconizada na sentença recorrida acaba por comprometer a rigorosa aplicação aos autos dos conceitos de legitimidade direta e indireta que, sendo conceitos densificadores da legitimidade processual, não podem ser convocados para designar a não verificação, na esfera jurídica da ESFP, de situações jurídicas substantivas que lhe permitissem obter as pretensões que veio formular aos autos.
K. A respeito das consequências da verificação de uma situação de ilegitimidade substantiva, dúvidas não existem sobre a circunstância de esta representar uma exceção perentória de conhecimento oficioso, impeditiva do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, e que importa a absolvição do pedido (artigos 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC).
L. Todavia, o Tribunal, fazendo sempre uso de um juízo de Direito substantivo para se referir à falta de aptidão da ESFP para lograr obter sucesso nas pretensões que formula nos autos, afirma que, estando no campo da ilegitimidade, não se encontra necessariamente a decidir questões de mérito – posição que não pode acolher-se.
M. Afinal, o Tribunal recorrido (i) afirmou que a ESFP carece de legitimidade substantiva no que respeita aos pedidos de anulação e declaração de ineficácia do negócio constitutivo dos negócios jurídicos em causa; (ii) quanto aos pedidos de declaração de nulidade, afastou que aquela tivesse um interesse juridicamente atendível à luz do artigo 286.º do Código Civil; (iii) considerou que a transação celebrada conduziu à extinção de quaisquer posições substantivas que pudessem advir do seu objeto e (iv) no demais, decidiu sobre a efetiva ausência de titularidade de concretas situações jurídicas por parte da ESFP – não é credora, não é parte nos negócios jurídicos outrora em disputa, não é titular de um qualquer direito subjetivo que lhe permita atuar perante o NB e tanto que não é afetada na sua esfera que nenhuma das pretensões ressarcitórias dependentes da invalidade dos negócios foi peticionada a seu favor.
N. Em suma, decidindo como decidiu – com base em critérios substantivos – o Tribunal a quo determinou a ilegitimidade substantiva da ESFP, decidindo não sobre a relação controvertida tal como configurada pelo autor, mas sobre a verdadeira composição da esfera jurídica da ESFP relativamente às suas pretensões.
O. Termos em que, o Tribunal recorrido apreciou uma exceção perentória, pronunciando-se sobre aspetos que redundam na ilegitimidade substantiva da ESFP e não na sua ilegitimidade meramente processual, devendo o NB ser absolvido de todos os pedidos conta si formulados por aquela, nos termos nos termos da primeira parte do n.º 3 do artigo 576.º do CPC.
P. Considerando que as presentes alegações não versam sobre os pedidos constantes da petição inicial, pretendendo o NB apenas o reconhecimento de que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido versou sobre a ilegitimidade substantiva da ESFP, a questão em disputa resume-se ao reenquadramento jurídico dos excertos decisórios já tomados. Sendo, assim, os interesses em causa são interesses imateriais, que verdadeiramente não têm expressão pecuniária, pelo que, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 303.º do CPC, atribui-se ao presente recurso o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).»
Remata assim as conclusões:
«Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. se dignem julgar totalmente procedente o presente recurso e, em consequência, (i) revogar a sentença proferida na parte em que esta decide absolver as Rés da instância e (ii) absolver a mesmas do pedido, nos termos da primeira parte do n.º 3 do artigo 576.º do CPC.
Apenas assim se fazendo,
JUSTIÇA!»
*
O 3.º autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso
***
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal “a quo” (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, “ex vi” do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso vai decidir-se pela inexistência jurídica de tudo quanto foi tramitado e decidido nestes autos após a prolação, no dia 26 de abril de 2022, da sentença que homologou a transação entrada nos autos no dia 19 de abril de 2022.
***
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante é a que resulta do relatório que antecede.
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3.2 – Fundamentação de direito:
A solução do verdadeiro imbróglio em que se transformou este processo tem de começar, necessariamente, pela interpretação, tanto da transação celebrada entre as 1.ª e 2.ª autoras e as rés, como da sentença que a homologou, retirando, em seguida, dessa operação, as devidas consequências.
Dispõe o art. 1248º do Cód. Civil:
«1. Transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.»
Resulta do citado preceito, assim como do disposto nos arts. 277.º, al. d), 283.º, n.º 2, 284.º, 290.º e 291.º, que segundo o regime legal vigente entre nós, a transação judicial reveste a natureza de um contrato processual, bivinculante, oneroso, constitutivo de obrigações recíprocas para os litigantes, dirimente da relação material controvertida trazida à liça no processo e, por consequência, extintivo da relação processual em causa.
Tiago Soares de Oliveira afirma que «a transação, tomando como referência a sua noção legal, é um contrato, sendo-lhe aplicáveis as regras gerais de formação dos negócios jurídicos.
Por outro lado, não obstante um dos elementos da transação ser a concessão (que não tem necessariamente de ser uma obrigação), a circunstância de aquela ter de ser recíproca, com a finalidade de terminar um conflito, permite qualificar este contrato como sinalagmático.
A transação é ainda um contrato oneroso e, dentro desta classificação, cumutativo. Oneroso, porque, mediante as concessões recíprocas, as partes obtêm simultaneamente vantagens sucessivas de avaliação em dinheiro. Cumutativo, porque as concessões (paradigmáticas) acordadas não dependem da realização de um acontecimento futuro, encontrando-se determinadas com a celebração do contrato.
Extrajudicial ou judicial, a transação é sempre um contrato solene. Tendo sempre de ser celebrada (pelo menos) por documento escrito, a transação extrajudicial poderá ser, nalguns casos, mais solene do que outros negócios de onde poderiam derivar os mesmos efeitos que os da transação. Sempre que a transação judicial se encontre exteriorizada por termo  ou ata, qualquer destas formas, uma vez homologada, substitui a forma estabelecida para a transação extrajudicial, sem prejuízo de eventuais cautelas adicionais das partes.
Atendendo à situação jurídica atingida pelo ato, isto é, ao conflito jurídico que termina, a transação deve ser reconduzida a um negócio de disposição.»[vii].
Como contrato que é, a transação judicial está sujeita ao regime geral do negócio jurídico (arts. 217.º ss., do CC), gozando as partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos, da liberdade de o conformarem, pela melhor forma que satisfaça os seus interesses (art. 405.º, do CC).
Por conseguinte, o seu sentido e o seu alcance terão de ser aferidos, o mesmo é dizer, interpretados, à luz das regras contidas nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do CC.
E o mesmo sucede com a sentença que a homologou!
Trata-se de uma decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas 1.ª e 2.ª autoras e pelas rés na ação, constituindo, por isso, um verdadeiro ato jurídico, formal e receptício, a que igualmente se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos, pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma decisão judicial (art. 295.º, do CC).
Tal como afirmado no Ac. do S.T.J. de 07.12.2016, Proc. n.º 187/13.2TBPRD.P1.S1 (Silva Gonçalves), in www.dgsi.pt, «a transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita - a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões - art. 1248.º, n.º. 1, do Cód. Civil.
Ao homologar tal acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram.
A exigida exigência da presença do Juiz na homologação da transacção faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva; não toma, porém, o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado.
Ora, se é assim, a decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos (art.º 295.º do C.Civil).
Neste contexto terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz, ao homologá-la, jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação".»
A interpretação, tanto da transação, como da sentença homologatória, deve, assim, no caso concreto, fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente (art. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do CC).
Constituindo ambos – a transação e a sentença que a homologou – atos formais, tem de se aplicar à respetiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode ela valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Entende-se por declaratário normal aquele que é medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido[viii].
Assim sendo, todas as dúvidas que eventualmente possam surgir na determinação do sentido e alcance das declarações de vontade exaradas na transação judicial homologada por decisão judicial terão de ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos, adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, apenas com esta limitação: para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele.
Em cumprimento desta imposição legal, deve ter-se em conta, como já referido, que a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição de real declaratário, lhe atribuiria, nas concretas condições em que este se encontrava, tendo-se em conta os elementos que ele conheceu efetivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido, afigurando-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável[ix].
Por sua vez, a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante[x].
Aqui chegados, e a este propósito, cumpre salientar o seguinte: o homem normal e médio que vamos colocar na posição de real declaratário não é um qualquer leigo em matéria de direito civil ou de direito processual civil.
No processo, todas as partes são representadas por ilustres advogados, profissionais do foro que, demonstrando cuidadoso empenho e elevado saber técnico-jurídico, respondem aos legítimos anseios dos seus constituintes, esclarecendo-os sobre os direitos de que desfrutam e das obrigações que sobre eles impendem.
Desde que o processo se inicia - e muitas vezes mesmo na fase pré-judicial - até à sua ultimação, é percorrido, na generalidade dos casos, um longo caminho através do qual se antolham êxitos e fracassos.
A transação judicial surge como uma forma de pôr termo ao litígio judicial, com cedências mútuas, formalizadas com a assunção expressa de determinadas obrigações por uma ou ambas as partes.
Neste contexto, os termos a dar à redação que concretiza estas obrigações, o mesmo é dizer, o sentido e o alcance da transação judicial, têm sempre por detrás de si a autoridade dos ilustres advogados patrocinadores da causa.
Na situação sub judice, só atendendo a este enquadramento se poderá indagar o alcance e a dimensão da transação judicial e, consequentemente, da sentença que a homologou.
As duas primeiras autoras e as rés celebraram, como se viu, a transação junta aos autos, através do requerimento apresentado no dia 19 de abril de 2022.
A 3.ª autora não interveio nessa transação.
Apesar disso, no entanto, as partes intervenientes na dita transação (as duas primeiras autoras e as rés) pretenderam, através dela, extinguir totalmente a presente instância, pondo definitivamente termo à lide.
É isso que inequivocamente resulta das seguintes passagens do texto da transação:
- «(...) pretendendo pôr termo ao presente litígio, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 283º, nº 2 e 290.º n.º 1 do C.P.C. (...)»;
- «(...) As Partes chegaram a um acordo global que permitirá pôr termo ao processo sub judice (...)»;
- «a. As Autoras desistem integralmente da totalidade dos pedidos formulados nestes autos contra as Rés (...)».
E a sentença proferida no dia 26 de abril de 2022, que homologou aquela transação, extinguiu a instância na sua totalidade, não tendo o tribunal a quo, porventura, reparado que nela não teve intervenção a 3.ª autora.
Veja-se que a sentença, «tendo em conta a natureza disponível dos direitos objecto dos presentes autos e a qualidade dos subscritores do requerimento» julgou válida a transação, que homologou, «condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, de acordo com o disposto nos arts.º 283º, nº 2, 284º, 289º, nº 1 e 290º do Cód. de Proc. Civil», com «custas na forma acordada».
Uma palavra quanto à fórmula utilizada na sentença homologatória da transação: «(...) condenando-se as partes a cumpri-la nos seus precisos termos (...).»
Resulta dos n.ºs 3 e 4 do art. 290.º que uma vez validada a transação, esta será homologada por sentença, a qual condenará e/ou absolverá as partes nos precisos termos da transação.
Conforme certeiramente refere Tiago Soares da Fonseca, «apesar da condenação ou da absolvição das partes ser uma exigência da sentença homologatória, a mesma é incompleta porque, muitas das vezes, além de condenar ou absolver, declara direitos.
Em rigor, a condenação ou absolvição, nos precisos termos da transação, só se justifica quando, atendendo ao seu conteúdo, sejam constituídas ou reconhecidas obrigações.»[xi].
No caso concreto, tendo em conta o conteúdo da transação, em rigor, não poderia a sentença que a homologou ter-se limitado a condenar as partes «a cumpri-la nos seus precisos termos.»
Em casos como o presente, a simples «condenação das partes apenas pode significar a obrigação de “ne bis in idem transactum” ou de observarem tudo o que admitiram.»[xii].
É de notar ainda que a sentença homologatória se limita a condenar as partes, autoras e rés, omitindo qualquer referência à absolvição.
Deve, no entanto, considerar-se que a referida sentença exprime, implicitamente, também uma «absolvição» nos precisos termos em que julgou válida a transação[xiii]. É que, «validar uma transação mais não é do que lhe reconhecer eficácia vinculativa, nos seus precisos termos.»[xiv].
Prosseguindo, não visasse a sentença homologatória a extinção total da instância e seguramente:
a) não teria «condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, de acordo com o disposto nos arts.º 283º, nº 2, 284º, 289º, nº 1 e 290º do Cód. de Proc. Civil», mas apenas as duas primeiras autoras e as rés, a cumpri-la nos seus precisos termos[xv];
b) antes teria declarado a extinção parcial da instância, objetiva e subjetivamente, e determinado o prosseguimento da ação para apreciação e decisão das (eventuais) questões não abrangidas pela transação, respeitantes à 3.ª autora (enquanto parte não interveniente na transação) e às rés. É que, sendo parcial, objetiva ou subjetivamente, a sentença homologatória determinará a prossecução do processo quanto à parte não transigida[xvi].
Sucede que a própria 3.ª autora, a aqui declaratária, notificada que foi, na pessoa do seu ilustre advogado, da sentença homologatória da transação, ela própria a interpretou como tratando-se de uma decisão de extinção da instância na sua totalidade.
É o que resulta das seguintes passagens do requerimento que apresentou no dia 29 de abril de 2022:
- «Certamente por lapso, não considerou o Tribunal que a ora Autora não é parte da transação que deu entrada nos presentes autos através de requerimento de 19-04-2022»;
- «E, consequentemente, ao homologar a dita transação, não atendeu ao facto de não se ter ainda esgotado o prazo de pronúncia da aqui A. relativamente à transação junta e aos seus efeitos, ao abrigo do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil.»;
- «Princípio esse que determina que não seja lícito ao Tribunal conhecer de questões sem dar oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem»;
- «Caso entenda o Tribunal dever manter-se a sentença proferida, sem conceder à ora A. a possibilidade de exercer o contraditório, incorrerá o mesmo em nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195º, n.º 1 do CPC.».
Não interpretasse a 3.ª autora a sentença homologatória da transação como constituindo uma decisão de extinção da instância na sua totalidade, e não faria qualquer sentido a apresentação do sobredito requerimento; ou seja, de outra forma dizendo: tivesse a 3.ª autora interpretado a sentença homologatória da transação como de extinção apenas parcial da instância quanto às pretensões deduzidas nos autos pelas 1.ª e 2.ª autoras contra as rés, devendo o processo prosseguir com a preparação e julgamento das questões que, em seu entender, subsistiam por resolver entre si, 3.ª autora, e as rés, e não se perceberia a razão de ser daquele requerimento, pois, sendo aquele o caso, a ação prosseguiria seus regulares termos para tal efeito.
Isto, no entanto, sem que deixe de se afirmar que, em qualquer caso, tendo sido apresentada nos autos a transação a que nos vimos reportando, não se vislumbra, salvo o devido respeito, a que «prazo de pronuncia» se refere a 3.ª autora, e que, em seu entender, ainda não se encontrava esgotado aquando da prolação da sentença homologatória, para se pronunciar «relativamente à transação junta e aos seus efeitos, ao abrigo do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil».
Consequentemente, e sempre com ressalva do devido respeito, também não se compreende a tramitação que imediatamente a seguir foi imprimida aos autos, a saber:
- o despacho datado de 2 de maio de 2022, a ordenar à seção que informasse o que tivesse «por conveniente relativamente ao requerimento que antecede»;
- a informação prestada pela secção, onde a senhora funcionária judicial informa que «(...) ao juntar o requerimento de 19/04/2022, com ref. 32311657, a secção não aguardou o prazo do contraditório, uma vez que se tratava de uma transação entre Autoras e Rés, pelo que solicita a V. Exa. Que se digne relevar o lapso»[xvii];
- o despacho datado de 3 de maio de 2022, a determinar que se aguardasse «o prazo de contraditório em curso»[xviii].
No prosseguimento da atípica tramitação imprimida aos autos, no dia 5 de maio de 2022, a 3.ª autora apresentou o requerimento acima transcrito, no qual, afinal de contas…nada requer.
No dia 11 de maio de 2022, o 1.º réu respondeu àquele requerimento pugnando, no essencial, no sentido de que a transação deve ser homologada[xix].
Na mesma data, a 2.ª ré também respondeu, pugnando para que seja mantida a sentença homologatória da transação.
No dia 13 de maio de 2022, a 1.ª e a 2.ª autoras e as rés, apresentaram requerimento conjunto, no qual afirmam que «inexiste qualquer motivo para a não homologação da Transação»[xx].
Finalmente, no dia 6 de junho de 2022, a senhora juíza a quo proferiu o também acima transcrito despacho, onde, além do mais, se afirma «que não existe qualquer razão que aponte para decisão diversa, decide-se manter a sentença homologatória de transação datada de 26/04/22, que aqui se renova, pelos fundamentos apontados, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos para apreciação dos pedidos formulados pela A. MIESF (P), S.G.P.S., S.A.»,  e se determina, «Notifique, sendo a A. MIESF (P), S.G.P.S., S.A. também para, em 10 dias, vir requerer o que tiver por conveniente quanto ao prosseguimento dos presentes autos.»
A partir daqui, e sempre com ressalva do devido respeito, instalou-se nos autos o verdadeiro caos processual que o relatório supra retrata, e que assenta numa série ininterrupta de equívocos.
Conforme esclarece Lebre de Freitas, «a decisão judicial transita em julgado quando já não é suscetível de reclamação nem de recurso ordinário, quer nenhuma impugnação tenha tido lugar nos prazos legais, quer se tenham esgotado os meios de impugnação admissíveis e efetivamente utilizados (art. 628.º do Código de Processo Civil: CPC). Forma-se então o caso julgado, com efeitos circunscritos ao processo concreto em que a decisão é proferida, constituindo caso julgado meramente formal, quando ela seja de absolvição da instância (art. 279.º, CPC), extinga a instância por causa diversa do julgamento (art. 277.º, CPC) ou constitua despacho interlocutório que não seja de mero expediente (art. 152.º-4, CPC), e com efeitos dentro e fora do processo, constituindo caso julgado simultaneamente formal e material, quando tenha sido de mérito (art. 619.º-1, CPC)[xxi].
Dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida[xxii]. Fora do processo, produz-se um efeito preclusivo material: não só precludem todos os possíveis meios de defesa do réu vencido e todas as possíveis razões do autor que perde a ação, mas também, com maior amplitude, toda a indagação sobre a relação controvertida, delimitada pela pretensão substantivada (pedido fundado numa causa de pedir) deduzida em juízo.» [xxiii].
Segundo o citado Autor, «a sentença homologatória da confissão, desistência ou transação constitui, no nosso sistema jurídico, uma decisão de mérito, equiparada à que julga aplicando o direito aos factos (art. 290.º-3, CPC).»[xxiv].
Ainda de acordo com Lebre de Freitas, «a sentença homologatória da desistência do pedido, da confissão ou de uma transação efetuada numa ação declarativa é dotada de eficácia de caso julgado, na medida em que por ela é o réu condenado ou absolvido nos precisos termos do ato dispositivo celebrado.»[xxv].
A este propósito, impõe-se atentar, uma vez mais, nas esclarecedoras palavras de Tiago Soares da Fonseca: «A circunstância de a transação judicial ser objeto de uma sentença homologatória, posteriormente transitada em julgado, parece ser uma exceção diferente da transação extrajudicial, concretamente uma exceção dilatória de caso julgado [arts. 577.º/i), in fine, 580.º e 581.º do CPC] ou, pelo menos, uma exceção que produz os mesmos efeitos que a exceção de caso julgado. Há semelhança com esta última, perante uma nova ação sobre o conflito objeto da transação homologada, pois aparenta existir uma repetição da causa, em virtude de a questão controvertida já ter sido decidida por sentença transitada em julgado, sentença absolutória ou condenatória nos precisos termos da transação.
Conforme tem sustentado a doutrina, a exceção de caso julgado é uma exceção material, assente numa decisão do mérito da causa, ou seja, sobre a relação material controvertida (art. 619.º, n.º 1 do CPC), cuja razão (...) é a necessidade de certeza do direito e e a segurança das relações jurídicas, que seriam postas em causa se fossem admitidas duas decisões de mérito sobre a mesma causa (art. 580./2).
Ora, no que à sentença homologatória da transação judicial diz respeito, é controvertido que seja uma sentença de mérito sobre o mérito causa, pois, (...), o seu objeto é o mérito do negócio de autococomposição das partes. Não obstante, alguma doutrina e jurisprudência[xxvi],  considera que a sentença homologatória da transação é já uma decisão de mérito da causa, pois condena e absolve as partes, nos precisos termos do acordo (art. 290.º/3 e 4, in fine, do CPC).
(...)
Nos nossos tribunais, o Supremo Tribunal de Justiça e as Relações do Porto, de Coimbra, de Évora e de Guimarães, apreciando a questão, sustentaram a a existência de uma exceção atípica[xxvii], a exceção de transação ou a “exceptio litis per transactionem finitae”. De acordo com o seu entendimento, a exceção de caso julgado pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, se repita posteriormente a mesma causa, circunstância que não se verifica na sentença homologatória da transação, pois esta não tem por função decidir a controvérsia substancial, “mas unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo celebrado”[xxviii]. Deste modo, a defesa perante uma repetição da controvérsia consistirá na alegação que a questão objeto da ação foi anteriormente desfeita por transação judicial, posteriormente homologada.
No entanto, em sentido contrário, também podemos encontrar arestos[xxix], do Supremo Tribunal de Justiça, da Relação do Porto e da Relação de Coimbra, reconhecendo que a transação homologada produz o efeito de caso julgado material, atendendo ao facto de a sentença homologatória e transação não ser um mero controlo judicial da mesma, pois, tendo transitado em julgado, tem força obrigatória correspondente à decisão sobre a relação material controvertida[xxx].
Na doutrina, a natureza da exceção de transação judicial homologada por sentença transita em julgado também não gera consenso.
Rita Lobo Xavier[xxxi] afasta a invocação da exceção de caso julgado, apesar de reconhecer à transação homologada por sentença transitada em julgado o efeito preclusivo de impedir nova apreciação judicial da situação jurídica anteriormente submetida a tribunal. Defende, por isso, “a invocação da sentença que homologou a transação e condenou o autor nos seu precisos termos”, exceção que considera dilatória.
Em sentido contrário, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[xxxii], Teixeira de Sousa[xxxiii], Joana Campos[xxxiv] e, mais recentemente, Isabel Alexandre[xxxv], defendem que é aplicável a exceção dilatória de caso julgado à sentença homologatória da transação.
Por nossa parte, consideramos que a ratio da provisão da exceção de caso julgado se encontra também na propositura de uma nova ação judicial sobre os factos objeto da transação homologada: evitar uma nova decisão judicial sobre uma questão já decidida (...).
De outro lado, há que ter em consideração que, no seu juízo de mérito sobre a transação, o juiz, além de controlar a validade da transação, decide, sempre que seja esse o caso, condenar as partes a observar o acordo nos precisos termos em que foi celebrado. Isto é, a sentença homologatória da transação chama a si, ainda que em necessária concordância com a vontade das partes, a solução do litígio, podendo ser condenatória (...). Por outras palavras, sem a sentença homologatória, a instância manter-se-ia.
Finalmente, temos ainda de reconhecer, no regime adjetivo, que a verificação da nulidade ou da anulabilidade da transação judicial homologada permite a revisão da decisão homologatória , sendo, pois, fundamentos de recurso de uma decisão judicial transitada em julgado [art. 696.º/d) do CPC].
Em síntese, não merece dúvidas o efeito preclusivo da transação judicial homologada: A questão é saber de que modo esse efeito deve operar: se através da exceção de caso julgado; se através de uma exceção atípica, e, nesse caso, se dilatória ou perentória.
Como se viu, a sentença homologatória da transação judicial faz caso julgado. A sua particularidade – ter por objeto a apreciação de um negócio de autocomposição incorporado no processo – não justifica um efeito distinto das demais sentenças transitadas, quer dizer, uma exceção com efeitos distintos dos da execução provenientes das demais sentenças transitadas. Pelo contrário, atendendo à identidade das situações, impõe-se o mesmo efeito. Seria, ademais, atentatório da unidade do sistema jurídico que, no processo laboral, onde a transação não necessita de ser homologada para produzir os efeitos de caso julgado (art. 52.º/2 do CPT), no processo civil declarativo, onde tem de ser homologada, a homologação transitada não tivesse um efeito igual ao efeito do caso julgado.
Em face do exposto, é nosso entendimento que a transação judicial homologada transitada constitui exceção de caso julgado no processo posterior, idêntico ao processo onde foi celebrada a transação, ficando o tribunal da ação posterior impedido de apreciar o seu mérito, por se ter formado caso julgado material sobre a sentença que, homologando a transação, a assumiu como conteúdo.»[xxxvi].
No Ac. do S.T.J. de 25.03.2004, Proc. n.º 03B4074 (Araújo Barros), escreveu-se: «(...) "a sentença homologatória de transacção ... constitui, no nosso direito, uma sentença de condenação como as restantes, sem prejuízo de os actos dispositivos das partes que a determinam estarem, como negócios jurídicos de direito civil, sujeitos a um regime de impugnação que não se confunde com o da sentença homologatória, da qual resulta, designadamente, o efeito da exequibilidade"[xxxvii].
(...) "a transacção, do ponto de vista substantivo, é um acordo vinculativo pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio, mediante recíprocas concessões ou dando uma à outra alguma coisa em troca do reconhecimento do direito em litígio - art. 1248º do CC"[xxxviii].
E o simples facto de "uma transacção ser efectuada em audiência e homologada por sentença, não lhe retira o carácter e natureza contratual: consiste num contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, através das quais se podem até constituir, modificar ou extinguir direitos diversos do direito controvertido"[xxxix].
Por isso, "transitada em julgado uma sentença homologatória de transacção, a força obrigatória da referida decisão sobre a relação material controvertida impõe-se dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos arts. 497º e seguintes - art. 671º, nº. 1, do C.Proc.Civil"[xl].
Ademais, embora revista natureza substantiva ou material, a transacção "comporta teleologicamente uma evidente dimensão processual: visa, em última análise, pôr fim a um litígio pendente e, por isso mesmo, é exigida ainda a respectiva homologação por sentença do juiz do processo, que condenará ou absolverá os transaccionantes nos seus precisos termos (art. 300º, nºs. 3 e 4, do Cód. de Processo Civil). Isto é, a sentença homologatória como que se apropriará das cláusulas do contrato de transacção e, em conformidade com o aí concertado pelas partes e tendo ainda por referente a própria controvérsia litigiosa, condená-las-á ou absolvê-las-á correspondentemente. Tal sentença homologatória, que inicialmente arranca da transacção lavrada no processo, em acta ou termo, ou fora do processo, em documento autêntico ou particular, acaba assim por ganhar e adquirir, pelo princípio da absorção, valência a se. Ou dito de outro modo, tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera"[xli]».
No recente Ac. desta Relação e Secção, datado de 28.03.2023, Proc. n.º 60697/20.2YIPRT.L1-7 (Diogo Ravara), in www.dgsi.pt, escreveu-se: «(...) como negócio jurídico que é, a transação pode ser declarada nula ou anulada – art.º 291º nº 1 do CPC. Tal vício não se convalida pela circunstância de a mesma poder ser objeto de homologação judicial.
Daí que o nº 2 do art.º 291º do CPC estabeleça que o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transação não obsta a que se intente ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, embora o mesmo preceito ressalve expressamente a eventual caducidade do direito à anulação.
Considerando a letra deste preceito poderíamos ser levados a concluir que sendo a transação homologada por sentença, a mesma só poderia ser impugnada por via de nova ação declarativa, ou mediante recurso de revisão.
Contudo, alguma doutrina e jurisprudência vêm admitindo a possibilidade de impugnação judicial da sentença homologatória através de recurso de apelação, o que pressupõe, naturalmente que tal seja feito antes de a mesma sentença transitar em julgado.
Com efeito, em comentário ao art.º 291º do CPC dizem JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE[xlii]:
«“3. No direito anterior ao DL 38/2003, quer a anulação, quer a declaração de nulidade, da confissão do pedido, desistência ou transação só podiam, após o trânsito em julgado da sentença que as homologasse, ser feitas valerem ação autónoma; esta ação, dirigida contra o ato das partes, teria de ser seguida, se fosse procedente, pela interposição de recurso de revisão, dirigido contra a sentença homologatória, a fim de lhe destruir os efeitos; este recurso devia ser interposto no prazo de 60 dias posterior ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação de declaração de nulidade ou de anulação, mas não depois de 5 anos decorridos sobre o trânsito em julgado da sentença homologatória; mas, no caso de demora da ação que pudesse pôr em risco o respeito por este último prazo, o recurso de revisão devia ser interposto antes da decisão da ação de declaração de nulidade ou anulação e suspenso até que ela fosse proferida; quanto à ação, só estava sujeita a prazo de caducidade (um ano sobre a cessação do vício) quando, sendo de anulação, os efeitos do ato impugnado tivessem sido produzidos (art.º 287 CC), isto é, quando o negócio de autocomposição tivesse sido cumprido ou o ato de desistência da instância tivesse dado lugar à extinção desta.
Esta duplicidade de meios (ação e recurso) fundava-se na distinção entre os efeitos (negociais) do ato de confissão do pedido, desistência ou transação e os efeitos (processuais) da sentença que o homologa (…). Mas, sendo desnecessariamente complexa, melhor seria um esquema, como o do CPC de 1939, que se contentasse com um único meio processual para a impugnação simultânea do ato das partes e do ato jurisdicional.
Este esquema vigora de novo desde o DL 38/2003: a ação prévia ao recurso de revisão é dispensada (art.º 696-d); o recurso de revisão tem de ser interposto no prazo de 60 dias, contado a partir do momento em que a parte tem conhecimento do fundamento de nulidade ou anulabilidade do negócio de autocomposição do litígio, mas não depois do prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão homologatória (art.º 697-2). (…).
O n.º 2 prevê, porém, em alternativa ao recurso de revisão, a proposição de ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação da confissão, desistência ou transação. Tem-se assim em conta a eventualidade de se pretender atacar apenas o negócio jurídico de autocomposição e não também a sentença que o homologou, sem prejuízo da responsabilidade do autor pelas custas (art.º 535-1-d). O único prazo que a ação terá de respeitar é o da caducidade do direito à anulação.
4. Estando a ação ainda pendente, compadece-se com o regime da nulidade a sua invocação no processo - perante o juiz da causa se este ainda não tiver homologado o ato da parte ou em recurso da sentença homologatória.
É solução indubitável perante a necessidade de o juiz só homologar o ato depois de verificar a sua validade (art.º 290-3).
Mas, em caso de anulabilidade, o direito potestativo de anulação só pode ser feito valer através de ação judicial (art.º 287 CC).”
Em sentido aproximado e reportando-se ao mesmo preceito, dizem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[xliii]:
“1. Perante uma decisão homologatória de confissão, desistência ou transação é legítimo, desde logo, reagir através de interposição de recurso, embora este expediente esteja reservado para a parte que for vencida ou para as pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão (…).”
A distinção entre as situações de nulidade e anulabilidade da transação homologada por sentença a que se reportam LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE tem inteira pertinência, na medida em que constitui entendimento pacífico na doutrina e a jurisprudência que os recursos não servem para invocar e discutir questões novas, mas apenas reapreciar questões debatidas e decididas em 1ª instância, ressalvando, contudo, as questões de conhecimento oficioso.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, ABRANTES GERALDES[xliv], FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA[xlv], RUI PINTO[xlvi][16], e, no plano da jurisprudência, os acs.:
- STJ 21-09-1993 (Fernando Fabião), p. 083983;
- STJ 01-07-2004 (Salvador da Costa), p. 04B4671;
- STJ 28-11-2013 (Salazar Casanova), p. 161/09.3TBGDM.P2.S1;
- STJ 07-07-2016 (Gonçalves Rocha), p.156/12.0TTCSC.L1.S1;
- STJ 17-11-2016 (Ana Luísa Geraldes), p. 861/13.3TTVIS.C1.S2;
- STJ 12-07-2018 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 2069/14.1T8PRT.P1.S1;
- STJ 14-07-2018 (João Camilo), p. 1530/15.5T8STS-C.P1.S1;
Assim, e porque a nulidade configura um vício de conhecimento oficioso (art.º 286º do CPC), admite-se o recurso da sentença homologatória quando a mesma vise invocar a nulidade da transação, mas o mesmo não sucede no caso da anulabilidade, dado que esta não é de conhecimento oficioso, antes depende de arguição por quem tenha interesse direto (art.º 287º do CC).
A admissibilidade da impugnação da sentença homologatória da transação por meio de recurso de apelação tem tido ampla consagração na jurisprudência, podendo referir-se, a título de exemplo, os seguintes arestos:
- STJ 29-04-2008 (Sebastião Póvoas), p. 08A1097;
- RL 12-12-2013 (Rui Vouga), p. 6898/11.0TBCSC.L1-1;
- RL 17-03-2015 (Mª Teresa Albuquerque), p. 51/15.0YLPRT.L1-2;
- RE 26-10-2017 (Albertina Pedroso), p. 1682/14.1TBFAR.E1;
- RG 16-05-2019 (Joaquim Boavida), p. 6144/17.2T8BRG.G1;
- RC 26-04-2022 (Teresa Albuquerque), p. 651/20.7T8LMG-A.C1;
Mas cremos que ainda assim, nem sempre a nulidade da transação poderá constituir fundamento bastante para a impugnação da sentença homologatória por meio de recurso de apelação.
Com efeito, como como bem apontou o ac. RG 04-10-2018 (Jorge Teixeira), p. 1047/14.5TBGMR-A.G1 se é certo que os Tribunais superiores devam apreciar as exceções de conhecimento oficioso que sejam invocadas pelas partes apenas em sede de recurso, tal não significa que para o fazer, haja que considerar, em sede de recurso, factos que não foram alegados nos articulados, nem se podem considerar adquiridos nos autos.
Daqui emerge, de forma mais clara que estamos longe de poder concluir que os únicos requisitos da impugnabilidade da transação mediante recurso de apelação interposto da sentença que a homologou são a circunstância de a mesma não ter transitado em julgado, e de o recurso se fundar na nulidade da transação[xlvii].
Com efeito, e como sublinhou o já mencionado ac. RG 16-05-2019 (Joaquim Boavida), p. 6144/17.2T8BRG.G1, deve entender-se que “o recurso interposto da sentença homologatória de uma transacção apenas pode incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transacção homologada, ou seja, sobre a validade intrínseca do contrato de transacção celebrado entre as partes.”
Concretizando:
Em recurso de apelação só pode invocar-se a violação, pelo Tribunal a quo, dos deveres de controle da legalidade da transação que decorrem do disposto nos 290º, nº 3 do CPC por referência aos art.ºs 287º e 289º do mesmo código, o que sucederá, nomeadamente quando:
- o objeto do litígio se encontre fora do âmbito da disponibilidade das partes;
- se verifique falta de idoneidade negocial;
- os intervenientes na transação não disponham de capacidade ou legitimidade para o ato;
- o vício possa ser aferido sem necessidade de alegação e/ou prova de factos que não tenham sido invocados até à prolação da sentença homologatória.
Já a ação anulatória constituirá a forma adequada para impugnar transações nulas ou anuláveis:
- em caso de vícios da vontade e/ou da declaração, ou de vícios quanto ao objeto da transação enquanto negócio jurídico – vd. o já referido ac. RC 26-04-2022 (Teresa Albuquerque), p. 651/20.7T8LMG-A.C1;
- em qualquer outras circunstâncias em que a nulidade ou anulabilidade da transação dependa da alegação e prova de factos novos.»
No Ac. da R.L. de 17.03.2015, Proc. n.º 51/15.0YLPRT.L1-2 (Maria Teresa Albuquerque), in www.dgsi.pt, escreveu-se:
«A sentença homologatória da transacção constitui, também ela, uma sentença de mérito - e por isso condena e absolve nos seus precisos termos – mas, por vontade das partes expressa no negócio jurídico em que se traduz a transacção, não aplica o direito objectivo aos factos em causa na acção. É também em função da vontade das partes que tal sentença extingue a instância sem proceder a essa aplicação – art 277º al d) CPC – e que faz caso julgado material – art 291/2 CPC – pelo que, quando condenatória, forma título executivo.
(...)
Como refere José Lebre de Freitas, “através (da desistência do pedido, da confissão do pedido e) da transacção, as partes dispõem da situação jurídica de direito substantivo afirmada em juízo (…). Estes actos dispositivos de direito civil determinam, assim, o conteúdo dos direitos e deveres das partes (…) que a subsequente homologação judicial vem tutelar, extinguindo o processo (tornado inútil pela supressão do litígio) e abrangendo-as na autoridade do caso julgado.
No momento de proferir a sentença homologatória, o juiz encontra-se assim perante as situações jurídicas definidas pelas partes. A tutela judiciária é, ainda aqui, tutela de situações jurídicas dela carecidas, já não porque necessitadas duma definição, mas porque à definição feita pelas partes falta a força do caso julgado”[xlviii].
A transacção constitui um negócio jurídico privado, com cujo intrínseco conteúdo material o juiz nada tem a ver, limitando-se, para conceder a respectiva homologação, à verificação de determinadas condições que se mostram extrínsecas àquele conteúdo.
Assim, a sentença homologatória só pode ser concedida se o objecto do litigio estiver na disponibilidade das partes - art 289º CPC -, tiver idoneidade negocial – 280º e 281º CC-, se as pessoas que intervêm na transacção tiverem capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objecto – art 287º CPC -, devendo o juiz, no caso de transacção, «verificar também a pertinência do objecto do negócio para o processo, isto é, a sua coincidência com o pedido deduzido», sem prejuízo de ter em conta que «a transacção pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido» – cfr referido art 1248º/2 CC - podendo estas finalidades fazerem intervir terceiro para assegurar a disponibilidade subjectiva do direito[xlix].
Por isso, a sentença homologatória não constitui “resposta” ao pedido formulado pelo autor na acção. Sendo uma sentença de mérito, não o é por ter conhecido do pedido do A. ou do do R., mas porque absorve o conteúdo do negócio jurídico em que se traduz a transacção, condenando e absolvendo nos termos exactamente pretendidos e resultantes das concessões reciprocas das partes em que aquela se traduz. Com o que, “havendo homologação, a sentença é proferida em conformidade com a vontade das partes e não mediante aplicação do direito objectivo aos factos provados, tutelando o direito subjectivo ou o interesse juridicamente protegido que, em conformidade, se verifique existir”[l].
Note-se que do negócio jurídico em que se traduz a transacção, não resulta, só por si, nem o caso julgado, nem a extinção do processo.
Estes dois efeitos processuais advêm da intermediação da sentença homologatória que só pode ser concedida, como acima se referiu, na ocorrência das referidas condições.
Ora, se alguma das partes pretende no próprio processo em que foi proferida a sentença de homologação da transacção que esta seja revogada, e que, em consequência dessa revogação, seja reposta a situação anterior à mesma, de modo a que a causa venha a ser julgada em função dos factos nela alegados (...) apenas o poderá fazer se no recurso que dela interponha fizer valer a inexistência em concreto de algumas das acima referidas condições para a mesma ter sido proferida.
Quer dizer, haverá de demonstrar – pese embora a sua responsabilidade pelo resultado homologatório, pois que o pediu enquanto parte do negócio em que a transacção se analisa – que a fiscalização pelo juiz da regularidade e validade do acordo foi irregularmente realizada, já que, afinal, o objecto do litigio não estava na disponibilidade das partes, ou não tinha idoneidade negocial, ou as pessoas que intervieram na transacção não se apresentavam com capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objecto.
O recurso da sentença homologatória da transacção há-de, pois, incidir sobre um vício da própria sentença homologatória, como se faz notar no Ac desta Relação 12/12/2013[li], sendo que o normal é que, existindo tal vício, se apresente a fazê-lo valer em recurso dessa sentença terceiro que se mostre afectado pelo caso julgado que daquela decorre.»
Fora desta situação, tal como afirmado no citado Ac. da R.L., proferida sentença homologatória extintiva da instância na sua totalidade, a parte que pretenda reabrir a discussão no processo, de modo a que venha a conhecer-se do pedido formulado por todos ou um por um dos autores, em função dos factos carreados para os autos, tem que, fora do processo, «lograr, por um lado, a destruição dos efeitos substantivos da transacção e o processual resultante do caso julgado atribuído a esses efeitos pela homologação da transacção, e por outro, a destruição do efeito processual decorrente da extinção da instância no processo em que foi produzida a sentença homologatória.
A destruição daqueles efeitos substantivos obtê-la-á a parte, em processo autónomo, alegando e provando a existência de vícios da vontade nos outorgantes, ou vício no objecto do negócio jurídico em que se traduz a transacção – cfr Ac RL 3/2/2009[lii] – e pedindo a declaração da nulidade ou a anulabilidade desse negócio jurídico (no caso desta, sem prejuízo da caducidade correspondente), servindo-se para o efeito do regime geral dos negócios jurídicos.
Por isso o nº 1 do art 291º CPC refere que “a (…) transacção pode ser declarada nula ou anulada como os outros actos da mesma natureza», querendo com isso tornar claro que se pretende neste particular remeter para o regime jurídico do negócio jurídico – arts 285/289º CC - como o salienta Lebre de Freitas[liii].
A destruição do efeito de extinção da instância produzido pela sentença homologatória só pode obtê-lo através da interposição de recurso de revisão.
Desde o DL 38/2003 - que no âmbito do aCPC deu ao então nº 2 do art 301º a redacção que hoje consta do nº 2 do art 291º do actual CPC[liv] – que a parte que pretenda um e outro dos referidos objectivos os pode obter interpondo meramente recurso de revisão, e não já, como anteriormente, através da propositura de dois processos.
Referindo-se a essa situação referem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[lv]: “Esta duplicidade de meios (acção e recurso) fundava-se na distinção entre os efeitos (negociais) do acto de confissão do pedido, desistência ou transacção e os efeitos (processuais) da sentença que o homologa (…) Mas sendo desnecessariamente complexa, melhor seria um esquema, como o do CPC de 1939, que se contentasse com um único meio processual para a impugnação simultânea do acto das partes e do acto jurisdicional”. Acrescentando: “Este esquema vigora de novo desde o DL 38/2003; a acção prévia ao recurso de revisão é dispensada (art 696-d); o recurso de revisão tem de ser interposto no prazo de 60 dias contado a partir do momento em que a parte tem conhecimento do fundamento de nulidade ou anulabilidade do negócio de auto composição do litígio, mas não depois do prazo de cinco anos sobre o trânsito da sentença homologatória - art 697º/2. (…) O nº 2 prevê em alternativa ao recurso de revisão, a proposição de acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação da confissão, desistência ou transacção. Tem-se assim em conta a eventualidade de se pretender atacar apenas o negócio jurídico de auto composição e não também a sentença que o homologou, sem prejuízo da responsabilidade do autor pelas custas - art 535º/1-d). O único prazo que a acção terá de respeitar é o da caducidade do direito à anulação”.
Deverá fazer-se notar que quando deixe ser possível à parte servir-se do recurso de revisão – porque o não haja interposto no prazo de 60 dias após o conhecimento do fundamento da nulidade ou da anulabilidade do negócio jurídico em que se traduz a transacção e dentro dos cinco anos sobre o trânsito da sentença homologatória – deve considerar-se haver ainda interesse processual na interposição da acção para fazer valer a nulidade ou anulabilidade do negócio de auto composição do litigio, ou na defesa que para esse efeito a parte apresente na oposição à execução, por subjazer à parte que assim aja interesse directo e legítimo nesse sentido, como se o faz notar no Ac da R G 27/5/2010[lvi].
Evidentemente que não utilizando a parte o recurso de revisão – porque o não pretenda, ou porque já esteja fora do contexto temporal em que o teria de fazer – apenas vai obter a anulação da transacção, pelo que “a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto titulo executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que nesta parte se deve considerar eliminada ou inutilizada pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida”, e já não a reabertura da instância no processo em que foi proferida a sentença homologatória, efeito que só poderia alcançar através do recurso de revisão.»
Retornemos ao caso concreto:
Nos termos que acima se deixaram explanados, a sentença proferida no dia 26 de abril de 2022, homologatória da transação apresentada no dia 19 de abril de 2022, constitui uma decisão de mérito que, bem ou mal, não interessa agora, extinguiu a instância na sua totalidade.
Dispõe o art. 613.º:
«1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3 – (...).»
Por conseguinte, no caso concreto, com a prolação, no referido dia 26 de abril de 2022, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da presente causa.
Para devida compreensão do princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, nada melhor do que atentar nas sempre esclarecedoras palavras de Alberto dos Reis:
«Qual o alcance e justificação do princípio?
O alcance é o seguinte: o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.
Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro.
Para ele a decisão fica sendo intangível.
Convém atentar nas palavras “quanto à matéria da causa». Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se. Mas isso não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida.
A justificação do principio a que nos referimos é fácil de descobrir. O principio justifica-se cabalmente por uma razão de ordem doutrinal e por uma razão de ordem pragmática.
Razão doutrinal: o juiz quando decide, cumpre um dever - o dever jurisdicional - que e a contrapartida do direito de acção e de defesa.
Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante a do devedor que satisfaz a obrigação…. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.
A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão Jurisdicional.
Que o tribunal superior possa, por via de recurso alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão».
O poder jurisdicional extingue-se logo que a decisão foi exarada no processo e portanto mesmo antes de as partes serem notificadas.»
Resulta das palavras de Alberto dos Reis que proferida a sentença, antes mesmo da notificação, não é licito ao tribunal, por sua iniciativa, voltar a ocupar-se da matéria ou vir a tomar decisão que contrarie o decidido ou a respetiva fundamentação.[lvii].
É certo que esta regra comporta uma exceção!
Conforme já salientava o citado Autor, pode haver homologação de transação posterior à sentença sem que isso colida com o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, contanto que esta ainda não tenha transitado em julgado.
Assim, afirma que «o artigo 298.º [art. 283.º do CPC/13] admite a transacção em qualquer estado da instância. Pode, por isso, transigir-se logo em seguida a citação do réu e antes de oferecida a contestação, assim como já depois de julgada a causa na 1ª e na 2ª instância contanto que a decisão não haja transitado em julgado.»[lviii].
Com efeito, o n.º 2 do art. 283.º do atual CPC dispõe que «é lícito também as partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa.»
Não é esta, no entanto, como é bom de ver, a situação dos presentes autos.
A sentença proferida no dia 26 de abril de 2022, que homologou a transação apresentada nos autos no dia 19 de abril de 2022, independentemente da sua bondade, ou não (questão que não está, nem pode estar aqui em equação), não foi objeto de recurso, pelo que transitou em julgado.
Na verdade, em vez de, notificado que foi daquela sentença homologatória, dela interpor recurso de apelação, a 3.ª autora limitou-se a apresentar os, salvo o devido respeito, incompreensíveis e inconsequentes requerimentos datados de 29 de abril de 2022 e de 5 de maio de 2022, sendo que, inclusivamente, quando no dia 6 de junho de 2022, a senhora juíza a quo proferiu o supra transcrito despacho, a ordenar o prosseguimento dos autos «para apreciação dos pedidos formulados pela A. MIESF (P), S.G.P.S., S.A.» e a ordenar a notificação das partes, «sendo a A. MIESF (P), S.G.P.S., S.A. também para, em 10 dias, vir requerer o que tiver por conveniente quanto ao prosseguimento dos presentes autos», já a dita sentença se encontrava transitada em julgado.
Em suma: com a prolação da sentença homologatória da transação, que extinguiu a instância na sua totalidade, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, constituindo-se sobre ela caso julgado formal e material.
Por conseguinte, tudo o que subsequentemente a ela foi decidido e tramitado nos autos, desde logo, o despacho de 6 de junho de 2022, constitui violação:
- do princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, consagrado no art. 613.º, n.ºs 1 e 3;
- do caso julgado formal, consagrado no art. 620.º, n.º 1.
A violação, de tais princípios, torna juridicamente inexistente tudo quanto foi tramitado e decidido nos autos subsequentemente à prolação daquela sentença homologatória.
No Ac. da R.L. de 09.03.2021, Proc. n.º 23822/17.9T8LSB-H.L1-7 (Luís Filipe Sousa), in www.dgsi.pt, que o aqui relator subscreveu na qualidade de segundo adjunto, escreveu-se o seguinte:
«Nos termos do Artigo 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria a causa.”
Quanto ao sentido precípuo desta norma, acolhemos o ensinamento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.4.2012, Henrique Antunes, 116/11, nos termos do qual:
“Com o proferimento da decisão dá-se o imediato esgotamento – rectior, extinção – do poder jurisdicional do juiz (artº 666 nºs 1 e 3 do CPC). Dessa extinção decorre esta consequência irrecusável: o juiz não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada.
Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem, assim, dois efeitos: um positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
Todavia, a intangibilidade, para o juiz, da decisão que proferiu, é, naturalmente limitada pelo objeto dela: a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às questões sobre incidiu a decisão. Por isso nada obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida: o juiz pode - e deve - resolver todas as questões que não tenham com o objeto da decisão proferida uma relação de identidade ou ao menos de prejudicialidade, e, portanto, que não exerçam qualquer influência da decisão que emitiu, relativamente à qual o seu poder jurisdicional se extinguiu e se esgotou (sublinhado nosso).
Caso o juiz profira nova decisão sobre a mesma matéria, em violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, a segunda decisão padecerá do vício da inexistência jurídica – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.5.2010, Álvaro Rodrigues, 4670/2000 (“Fora dos casos em que, nos termos legais, é permitido ao Juiz retificar a decisão (artºs 666º e 667º do CPC), o seu poder jurisdicional esgotou-se por imperativo legal, pelo que a nova decisão que padeça de tal vício é juridicamente inexistente, não vale como decisão jurisdicional.”
Em sentido confluente, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.3.2015, Belo Morgado, 756/09, que: «Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inatividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões. No mesmo sentido apontam outros princípios processuais estruturantes, como é o caso dos da boa-fé, cooperação e lealdade processual, os quais obrigam, não só as partes e seus mandatários, mas também os magistrados (arts. 7.º e 8.º, CPC). / É inerente à natureza/essência do processo que, proferida a sentença, fique imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 613.º, n.º 1, CPC), embora o mesmo possa e deva continuar a exercer no processo o seu poder jurisdicional para resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu”.»
Assim sendo, uma vez proferida aquela sentença homologatória da transação, que, reitera-se, é de mérito, e extintiva da instância na sua totalidade, estava vedada ao tribunal a quo a prolação das decisões que posteriormente veio a tomar, em violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional e do respeito devido ao caso julgado formal.
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar juridicamente inexistente tudo quanto nestes autos foi tramitado e decidido após a prolação, no dia 26 de abril de 2022, da sentença homologatória da transação apresentada no dia 19 de abril de 2022, inexistindo, por isso, qualquer recurso pendente carecido de apreciação.
Custas, na vertente de custas de parte, a cargo da apelante – arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, do CPC.
Lisboa, 12 de setembro de 2023
José Capacete
Micaela Sousa
Diogo Ravara
_______________________________________________________
[1] «Como, aliás, já salientado pelo Tribunal na sentença homologatória datada de 26.04.2022 (ref.ª ____).»
[i] Doravante referida como 1.ª autora.
[ii] Doravante referida como 2.ª autora.
[iii] Doravante referida como 3.ª autora.
[iv] Doravante referido como 1.º réu.
[v] Doravante referida como 2.ª ré.
[vi] «Sobre o tema, e a título meramente exemplificativo, veja-se Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 14.ª edição, Almedina, 2018, pp. 123 e 124.»
[vii] A Transação Civil na Litigância Extrajudicial e Judicial, Gestlegal, 2018, pp. 357-376.
[viii] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, p. 223.
[ix] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 419.
[x] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil…cit., p. 153.
[xi] A Transação…, cit., p. 981. 
[xii] Tiago Soares da Fonseca, A Transação…cit., p. 981.
[xiii] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º Vol., Coimbra Editora, 1946, pp. 543-545.
[xiv] Tiago Soares da Fonseca, A Transação…cit., p. 982.
[xv] Não interessa aqui e agora aferir da bondade de uma decisão que, no caso de uma transação com o conteúdo daquela que foi apresentada nos autos, se limita a condenar as partes a cumprí-la nos seus precisos termos.
[xvi] Cfr. Tiago Soares da Fonseca, A Transação…, cit., p. 977, nota 3266.
[xvii] A secção não tinha que aguardar qualquer prazo para o «exercício do contraditório», pois nenhum prazo para tal efeito se encontrava em curso; apresentada a transação em juízo a secção fez exatamente o que tinha a fazer: concluir os autos à senhora juíza para decisão.
[xviii] Conforme afirmado, nenhum «prazo de contraditório» se encontrava em curso.
[xix] O que, de todo, não se compreende, uma vez que a transação já havia sido homologada por sentença datada de 26 de abril de 2022
[xx] Mais uma vez não se compreende tal afirmação, pela razão vertida na nota anterior.
[xxi] «A epígrafe do art. 620.º, CPC, encerra alguma ambiguidade, na medida em que possa dar a entender que só a decisão que recaia sobre a relação processual produz o efeito de caso julgado formal, com o que a decisão de mérito produziria apenas o efeito de caso julgado material.»
[xxii] «Trata-se dum efeito preclusivo intraprocessual.»
[xxiii] Um polvo chamado caso julgado, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 79, N.ºs 3-4, julho-dezembro de 2019, pp. 691-692.
[xxiv] Um polvo…, cit., p. 692, nota 1.
[xxv] «Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, p. 497.»
[xxvi] «Assim, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II (Arts. 264. a 466.º). 3.ª ed., p. 78, e Lebre de Freitas, Introdução ao processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.º ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 162, «este A. referindo a sentença com o valor de decisão de mérito.». Na jurisprudência, neste sentido, vd. S.T.J. 16-mar.-1995 (Henrique Araújo), in BMJ n.º 4445, 1995, (pp. 397-401), p. 401.»
[xxvii] Cfr. os arestos citados na nota 3318 da p. 993 da obra que vimos citando.
[xxviii] «Ver 10-jan-2013 (Francisco Xavier), Proc. n.º 2830/08.6YBPTM:E1.»
[xxix] «Cfr., respetivamente: S.T.J. 20-mar.-2014 (Fernandes do Vale), Proc. n.º n.º 392/10.3TBBRG.G1,S1, S.T.J. 25-mar.-2004 (Araújo Barros), Proc. n.º 03B4074, S.T.J. 14-mar.2002 (Neves Ribeiro), Proc. n.º 02B329, S.T.J. 1-fev.-1994 (Cardona Ferreira), in CJ S.T.J., a. 2,, t 1, 1994 )pp. 79-85), pp. 83-84 (...), RPt 20-fev.-2001 (Antas de Barros), Proc. n.º 0021168; RCb 15-jun.-2010 (Manuela Fialho), Proc. n.º 152/09.4TCVZL.C1, defendendo que a transação judicial homologada assume o mesmo valor que uma decisão proferida sobre a causa. Vd., por fim, RCb 8-set.-2009 (Teles Pereira), Proc. n.º 1589/08.1TBGRD.C1, mencionando um caso julgado com expecial feição, por resultar de um negócio de autocomposição do litígio.»
[xxx] «S.T.J. 20-mar.2014 (Fernandes do Vale), Proc. n.º 392/10.3TBBRG.G1.S1.»
[xxxi] «Transação Judicial e processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Senhor Prof. Sérvulo Correia, 3.º Vol., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 825-826.»  
[xxxii] «Código de Processo Civil anotado, Vol. 2.º, “Artigos 381.º a 575.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 713-714.»
[xxxiii] Comentário S.T.J. 17-nov-2016 (Ferreira Pinto), Proc. n.º 311/13.5TTEVR.E1.S1., em https://blogippc.blogspot.pt/201703/jurisprudencia-569.html (mar. 2017), e Anotação RGm 26-mar.-2015 (Estelita Mendonça), Proc. n.º 2454/149TBBBR.G.1, em  https://blogippc.blogspot.pt/201505/jurisprudencia-132.html, e Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 204.
[xxxiv] «A Conciliação Judicial, FDUN (policopiado), Lisboa, 2009, p. 63.»
[xxxv] «Modificação do caso julgado material civil por alteração das circunstâncias, FDUL (policopiado), Lisboa, 2010, p. 411, considerando que o caso julgado proveniente das sentenças homologatórias não merece menor proteção, extensão diversa da generalidade das sentenças.»
[xxxvi] A Transação…, cit., pp. 991-996.
[xxxvii] «José Lebre de Freitas, in "A Acção Executiva à luz do Código Revisto", 2ª edição, Coimbra, 1997, pág. 44.»
[xxxviii] «Ac. STJ de 26/04/2001, no Proc. 803/01 da 7ª secção (relator Sousa Inês).»
[xxxix] «Ac. STJ de 10/05/2000, no Proc. 258/00 da 1ª secção (relator Garcia Marques).»
[xl] «Ac. STJ de 08/05/2003, no Proc. 329/03 da 2ª secção (relator Ferreira Girão).»
[xli] «Ac. STJ de 04/11/93, in BMJ nº 431, pág. 417, maxime pág. 422 (relator Raul Mateus); Ac. RP de 09/03/2000, in CJ Ano XXV, 2, pág. 186 (relator Paiva Gonçalves).»
[xlii] «“Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Almedina, 2018 (reimpressão de 2020), pp.»
[xliii] «“Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, p. 337.»
[xliv] «“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 119.»
[xlv] «“Direito Processual Civil”, Vol. II, 2.ª Ed., Almedina, 2019, p. 468.»
[xlvi] «“O Recurso Civil. Uma Teoria Geral”, AAFDL, 2017, p. 69.»
[xlvii] «Já que, como salientam LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, nos casos de anulabilidade terá a parte que intentar ação anulatória.»
[xlviii] «Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 36.»
[xlix] «”Código de Processo Civil Antado”, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Vol. I, 3.ª ed, p. 571.»
[l] «”Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 35.»
[li] «Relator Rui Vouga».
[lii] «Relatora Conceição Saavedra».
[liii] «”Código de Processo Civil”, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, lugar citado.»
[liv] «Redacção essa que é a seguinte: “O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transacção não obsta a que se intente acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação”»
[lv] «”Código de Processo Civil”, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, lugar citado.»
[lvi] «Relatora, Mª Catarina Gonçalves»
[lvii] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V. Coimbra, 1984, pp. 126-127.
[lviii] «Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, p. 496.»