NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
FORÇA PROBATÓRIA
FALSIDADE
JUROS
ANATOCISMO
Sumário


I – Quando é arguida a falsidade de uma notificação judicial avulsa, fica afastado o seu valor probatório pleno e traz-se à matéria a livre apreciação do julgador, com tudo o que isso implica, nomeadamente a produção de prova testemunhal.
II – Compete a quem o faz, a prova dessa falsidade.
III - A lei não distingue a admissibilidade do anatocismo consoante o tipo de juros em causa, pelo que, preenchidos que estejam os requisitos de admissibilidade e seja observado um limite, o anatocismo é admissível, devendo reconhecer-se ao credor um direito às capitalizações.
IV- Se é certo que a obrigação de juros é acessória de uma obrigação de capital, não podendo constituir-se sem ela, também é inquestionável que o artº 561º do Código Civil lhe confere a característica de autonomia ao estatuir que «Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro».
V – O pagamento dos juros vencidos permitiria ao credor obter um novo rendimento, sem reparo ou censura para ninguém, pelo que não se pode afirmar que, ao notificar o devedor para a capitalização de juros moratórios, a situação é materialmente diversa e ocorre uma dupla indemnização pela mora.

Texto Integral


ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

PROCESSO  38/22.7T8BRG.G1
Relatora: Raquel Rego
1ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes
2º Adjunta: Sandra Melo

I – RELATÓRIO

AA, titular do NIF ..., intentou a presente acção declarativa comum contra BB, titular do NIF ..., pedindo a condenação desta a:

I) reconhecer que se recusou a receber a notificação judicial avulsa que a A. apresentou em juízo a 18 de Dezembro de 2018 e que foi levada a efeito pelo Sr. A.E. CC em 28 de Dezembro de 2018, sem contacto pessoal com a Ré, e que motivou ampliação do pedido da quantia exequenda apresentado em 09 de Janeiro de 2019 no processo de execução de sentença nos próprios autos, que corre termos sob o processo nº 6874/16.... - J..., do anterior proc. nº 802/14....;
II) reconhecer que aquela notificação judicial avulsa e a subsequente ampliação do pedido tiveram por objecto e finalidade obter a notificação da Ré para pagar à A. os juros de mora e os juros compulsórios vencidos sobre a quantia global de 170.065,00 € (cento e setenta mil e sessenta e cinco euros) desde 01 de Setembro de 2016 até 31 de Dezembro de 2018, respectivamente nos montantes de 22.395,44€ e de 14.743,80 € no total de 37.139,24 €, sob pena de capitalização a partir de 01 de Janeiro de 2019;
III) reconhecer que, pelo menos em 09 de Janeiro, tomou conhecimento dos pedidos de pagamento os juros moratórios e compulsórios devidos à A. desde 01 de Setembro de 2016 até 09 de Janeiro de 2019 e que não procedeu ao seu pagamento, nessa data nem no dia seguinte, nem pagou, depositou ou caucionou os referidos juros vencidos até à data em que deduziu oposição ao pedido de ampliação naqueles autos de execução, em 17 de Janeiro de 2019;
IV) reconhecer que a A. tem direito a ver capitalizados os juros de mora e compulsórios vencidos até 31 de Dezembro de 2018, somando assim o capital a quantia global de 195.858,42 € desde 01 de Janeiro de 2019 pela capitalização dos referidos juros vencidos como consequência de não ter procedido ao pagamento desses juros vencidos seja até 31 de Dezembro de 2018, seja até 09 de Janeiro ou até 17 de Janeiro de 2019;
V) subsidiariamente, reconhecer que, pelo menos desde 09 de Janeiro de 2019, ou em última instância desde 18 de Janeiro de 2019 deve à A. juros moratórios à taxa legal de 4 % e juros compulsórios à taxa de 2,5 % sobre as quantias de 170.065,00 € (cento e setenta mil e sessenta e cinco euros) e de 25.793,42 € não pagos até 17 de Janeiro de 2019 e que por isso foram capitalizados nos termos do art.º 560º do C.C. e passaram a vencer juros moratórios e compulsórios desde 18 de Janeiro de 2019 até à presente data.
VI) reconhecer ainda que o vencimento desses juros moratórios e compulsórios continua a ocorrer até ao dia da citação e que os seus montantes globais, serão também capitalizados a partir do dia seguinte ao da citação, se não forem pagos nessa data;
VII) reconhecer que com a sua citação nesta acção para pagar os juros moratórios e compulsórios, vencidos e vincendos sob pena de capitalização desses juros é de maior e melhor força judicial do que qualquer notificação judicial avulsa, na exacta medida em que permite à Ré defender-se, ao contrário daquela;
Subsidiariamente, e sem conceder,
VIII) reconhecer que deve à A. juros vencidos até à presente data no montante de 56.735,58 € sendo de juros moratórios 36.342,42 € e juros compulsórios vencidos até à presente data no montante de 22.722,58 € a que correspondem respectivamente o vencimento diário de juros moratórios no valor de 18,93 € e compulsórios no valor de 11,81 €, juros esses cujo pagamento a A. reclama que seja efectuado no dia seguinte ao da citação, sob pena de capitalização dos montantes vencidos até tal data, os quais passarão, por força da capitalização a vencer juros moratórios e compulsórios às mesmas taxas legais;
IX) reconhecer que decorrido que seja o período de um ano a partir da citação, os juros moratórios e compulsórios, vincendos se não forem pagos no dia do vencimento, serão de novo capitalizados, acrescendo ao capital inicial os juros capitalizados, sucessivamente até ao seu efectivo pagamento;
X) reconhecer que o não pagamento do capital inicial na data do vencimento, nem o pagamento dos juros vencidos durante pelo menos um ano, bem como a não capitalização dos juros causa à A., pelo menos, os prejuízos económicos correspondentes ao não pagamento do valor dos juros vencidos e não capitalizados e assim sucessivamente.

Para tanto, alega que a Ré se confessou devedora a DD da quantia de 142.065,00 € (cento e quarenta e dois mil e sessenta e cinco euros), tendo-se obrigado a pagá-la até 30 de Agosto de 2016, estando prevista uma cláusula penal de 28.000,00 € (vinte e oito mil euros), conforme sentença judicial transitada em julgado proferida no proc.º n.º 802/14.....
Tendo chegado a data do vencimento, a R. não pagou a aludida quantia, pelo que se venceu a cláusula penal.
Por contrato de cessão de crédito autenticado, celebrado em 31 de Agosto de 2016, aquele DD cedeu o crédito que tinha sobre a Ré, com os inerentes juros e garantias, à A.
Em 26 de Outubro de 2016, a A. intentou contra a R. um processo de execução de sentença, nos próprios autos, reclamando o pagamento do capital e dos juros legais já então vencidos e dos vincendos, o qual corre termos sob o proc. nº 6874/16.... - J..., do Juízo de Execução ....
Em 18 de Dezembro de 2018, a A. requereu a notificação judicial avulsa (NJA) da Ré, para proceder ao pagamento dos juros moratórios e compulsórios, esses juros vencidos até 31 de Dezembro de 2018, sob pena da sua capitalização a partir de 1 de Janeiro de 2019.
Com base naquela notificação, feita pelo Sr. A.E. no dia 28 de Dezembro de 2018, a A. deduziu o pedido de ampliação da quantia exequenda em 9 de Janeiro de 2019, adicionando ao capital inicial o valor dos juros moratórios e compulsórios vencidos até 31 de Dezembro de 2018, face ao seu não pagamento pela Ré.
Tendo a Ré tomado pleno conhecimento do teor daquela notificação judicial avulsa relativa ao pedido de pagamento dos juros de mora e compulsórios vencidos, sob pena da sua capitalização, por já ter decorrido mais de um ano sobre os juros vencidos, à taxa legal, sem que tivesse ocorrido o pagamento desses, veio deduzir oposição ao mesmo em 17 de Janeiro de 2019.
Em face disto, a A. passou a adicionar esses juros vencidos ao capital em dívida, nos termos do art.º 560.º do C.C.

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A ré contestou invocando que a notificação judicial avulsa não foi regular e validamente efectuada e que não é legalmente possível a capitalização de juros moratórios, mas apenas os remuneratórios.
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O processo seguiu os seus termos, vindo a ser proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a ré do pedido.
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Inconformada, apelou a autora, apresentando alegações onde conclui nos seguintes termos:

A) Versa o presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a presente acção e em consequência decidiu absolver a Ré BB da totalidade do peticionado pela A.;

I – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
B) A Apelante não se conforma com a decisão de facto que deu como, MATÉRIA DE FACTO declarada NÃO PROVADA os seguintes factos:

“a) A notificação judicial avulsa foi feita pelo Sr. A.E. à Ré no dia 28 de Dezembro de 2018.
b) A Ré recusou receber a notificação judicial avulsa na sua própria pessoa”.
C) Tais factos constantes das als. a) e b) dos factos não provados, devem passar a integrar os factos dados como provados sob os números 12 e 13 respectivamente e com o mesmo teor, porquanto os meios probatórios cujo reexame ou reapreciação se requer, a saber:
- Documento Notificação Judicial Avulsa;
- Documento Certidão da Respectiva Realização da Notificação Judicial Avulsa;
- Documento Contestação da Ré;
- Depoimento da testemunha CC
- Fls. 28 vº a 46 do Proc. Exec. 6874/16.... do Juiz ... do Juízo de Execução ..., determinam por si só que tais factos têm de ser dados como provados;
D) A Notificação Judicial Avulsa possui a natureza de documento autenticado e por isso beneficia da presunção de documento autêntico nos termos do disposto nos arts.º 369º a 372º do C.P.C., e não foi objecto de qualquer incidente de falsidade pela Ré;
E) Ainda que de mero documento particular se tratasse também os factos ali relatados não foram impugnados, nem impugnada foi a autoria pelo que a decisão viola os arts.º 374º e 376º do C.C.;
F) O Sr. Juiz a quo não podia ter valorado o depoimento da testemunha filha da Ré para anular o valor do depoimento do Sr. Agente de Execução fez, na exacta medida em que o Sr. Agente de Execução age no exercício de um poder público e como tal é entidade dotada de fé pública.
G) Pelo que o ónus da prova da factualidade em causa não recaía sobre a A. como o Tribunal a quo o declarou, mas antes sobre a Ré, nos termos do disposto nos arts.º 341º, 342º e 347º do C.C., relativamente a arguição de falsidade do documento em causa;
H) Reapreciada a prova, verifica-se que o Tribunal recorrido violou, na sua interpretação e aplicação, o disposto aos artigos 341º, 342º, 347º e 369º a 377º do C.C.;

II – DO DIREITO:

I) A decisão recorrida violou, na sua interpretação e aplicação o disposto nos arts.º 559º, 560º, 561º, 806º e 829º-A todos do C.C. ao não admitir que decorrido o período de um ano sobre juros moratórios e compulsórios vencidos e não pagos, os mesmo não possam ser capitalizados, para efeito de produzirem juros;
J) A decisão recorrida viola o disposto nos arts.º 227º, 231º e 256º todos do C.P.C. e ainda o art.º 560º do C.C., porque a NJA a que este se refere pode ser substituída por citação em acção de condenação de pagamento de juros vencidos há mais de um ano, sob pena de capitalização.
K) A decisão recorrida não só viola a doutrina maioritária que admite o vencimento de juros sobre juros moratórios vencidos há mais de um ano, como viola a jurisprudência corrente do STJ.
L) Nomeada e concretamente os doutos arestos do STJ de:
- 24/09/2002 no Proc. 2389/02;
- 21/11/2012 no Proc. 3365/04.1TTLSB.L1.S1; e
- 14/07/2021 no Proc. 2687/18.0T8LSB.L1.S1 que confirma com reprodução o Ac. da Relação de Lisboa de 14/01/2021, jurisprudência esta que esteve e está subjacente não só à acção mas também ao presente recurso.

Conclui pela procedência da apelação, com a consequente condenação da ré.
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Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram julgados “Provados” os seguintes factos:
1. No âmbito do processo comum ordinário nº 802/14...., da Instância Central ... – ... Secção Cível – J..., a Ré confessou-se devedora a DD da quantia de 142.065,00 € (cento e quarenta e dois mil e sessenta e cinco euros), quantia que se obrigou a pagar até 30 de Agosto de 2016, conforme sentença judicial homologatória de 16 de Novembro de 2015, transitada em julgado em 17.12.2015 [art.º 1.º da p.i.].
2. Autor e Ré puseram termo ao litígio no âmbito da acção referida em 1 por transacção, onde, além do mais, constavam as seguintes cláusulas:
“I. A Ré confessa-se devedora ao Autor da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de IVA à taxa de 23% de € 11.500,00 (onze mil e quinhentos euros) num total de € 61.500,00 (sessenta e um mil e quinhentos euros), a título de honorários pelos serviços prestados pelo Autor à Ré.
II. A Ré confessa-se ainda devedora ao Autor da quantia de € 80.565,00 (oitenta mil quinhentos e sessenta e cinco euros), a título de indemnização por danos morais.
III. A Ré compromete-se a liquidar as quantias acima referidas ao Autor até 30 de agosto de 2016.
IV. A Ré declara que até ao pagamento da referida importância, de que se confessa devedora ao Autor, não irá onerar ou alienar qualquer prédio que lhe pertença, senão com a finalidade de pagamento da dívida ao Autor, comprometendo-se, nesse caso, a convoca-lo para estar presente em eventuais atos de venda ou hipoteca, para liquidação imediata, total ou parcial, da dívida aqui confessada, ainda que tal suceda em data anterior ao termo limite concedido nesta transação para o seu pagamento.
V. Em caso de incumprimento, total ou parcial, pela Ré, do presente acordo de pagamento e condição prevista na cláusula anterior, vence-se automaticamente a totalidade do capital em dívida e ainda uma cláusula penal, no montante de €28.000,00 (vinte e oito mil euros), acordando ambas as partes na proporcionalidade e equidade de tal montante, considerando a redução, pelo Autor, do montante reclamado nos autos, e a essencialidade para o mesmo, atentos compromissos assumidos, e eventuais cominações decorrentes da sua mora, de receber a quantia confessada dever pela Ré, no referido prazo.
VI. Que para garantia do bom e integral pagamento do montante de capital de € 142.065,00 (cento e quarenta e dois mil e sessenta e cinco euros), a Ré constitui hipoteca voluntária, a favor do Autor, DD, contribuinte fiscal n.º ..., do prédio rústico sito no lugar ..., freguesia ..., ..., a confrontar do Norte com caminho, de Sul com EE, de Nascente com Estrada Nacional e de Poente com FF e outro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...26 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...96, o qual neste ato declara pertencer-lhe e não possuir quaisquer ónus ou encargos.
VII. A referida hipoteca poderá ser executada quando vencida a obrigação cujo cumprimento assegura.” [art.º 2.º da p.i.].
3. Na data de vencimento, a Ré não pagou a quantia de 142.065,00 € (cento e quarenta e dois mil e sessenta e cinco euros) [art.º 3.º da p.i.].
4. Por contrato de cessão de crédito autenticado, celebrado em 31 de Agosto de 2016, aquele DD cedeu o crédito que tinha sobre a Ré com os inerentes juros e garantias à aqui A. [art.º 4.º da p.i.].
5. De acordo com a cláusula VIII da transacção homologada pela sentença de 16 de Novembro de 2015, aquele DD ficou autorizado desde logo a ceder o crédito [art.º 5.º da p.i.].
6. Por carta registada com A.R., datada de 20 de Setembro de 2016, a A. comunicou à Ré a cedência do crédito e pediu o pagamento do valor dos “créditos liquidados e fixados” no processo supra referido “e ainda da sanção penal decorrente do incumprimento”, acrescido de juros legais vencidos [art.º 5.º da p.i.].
7. A Ré, porém não procedeu ao pagamento, pelo que a A., em 26 de Outubro de 2016, intentou um processo de execução de sentença, nos próprios autos, reclamando o pagamento do capital – 170.065,00 € (cento e setenta mil e sessenta e cinco euros) - e dos juros legais já então vencidos – 2.405,79 € (dois mil quatrocentos e cinco euros e setenta e nove cêntimos) - e dos vincendos, o qual corre termos sob o proc. nº 6874/16...., do Juízo de Execução ... – Juiz ... [art.º 6.º da p.i.].
8. Em 18 de Dezembro de 2018, a A. requereu a notificação judicial avulsa da R. para proceder ao pagamento dos juros moratórios e compulsórios vencidos até 31 de Dezembro de 2018, sob pena da sua capitalização [art.º 8.º da p.i.].
9. Com base naquela notificação, a A. deduziu o pedido de ampliação da quantia exequenda, em 9 de Janeiro de 2019, adicionando ao capital inicial o valor dos juros moratórios e compulsórios vencidos até 31 de Dezembro de 2018, face ao seu não pagamento pela Ré [art.º 9.º da p.i.].
10. A Ré tomou conhecimento, em 9 de Janeiro, quer daquela interpelação da A. para pagamento dos juros moratórios e compulsórios vencidos desde a data do não pagamento até 31 de Dezembro de 2018, quer da ampliação do capital exequendo, tendo deduzido oposição, em 17 de Janeiro de 2019, conforme articulado que apresentou com a ref.ª ...46 [art.º 11.º da p.i.].
11. Por decisão proferida no supra aludido processo de execução em 06.04.2020, transitada em julgado em 03.05.2020, foi julgado improcedente o pedido de ampliação da quantia exequenda, por não ser permitida a capitalização dos juros vencidos, conforme pedido pela aí exequente (aqui A.) [Doc.].

E considerou “Não Provados” os seguintes:
a) A notificação judicial avulsa foi feita pelo Sr. A.E. à Ré no dia 28 de Dezembro de 2018.
b) A Ré recusou receber a notificação judicial avulsa na sua própria pessoa.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.
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Para além da discordância em sede de solução jurídica, a apelação que ora se nos apresenta pretende a reapreciação da prova com vista a alterar para “Provada” a factualidade dada por “Não Provada”, elencada sob as alíneas a) e b).

Como acabadas de reproduzir, têm o seguinte teor:
a) A notificação judicial avulsa foi feita pelo Sr. A.E. à Ré no dia 28 de Dezembro de 2018.
b) A Ré recusou receber a notificação judicial avulsa na sua própria pessoa.
De acordo com as, aliás doutas, alegações, a resposta de “Não Provado” a esta matéria resulta da prova documental incorporada na Notificação Judicial Avulsa (NJA) e respectiva certidão por parte do AE, no teor da contestação da Ré, no depoimento da testemunha CC e no que se extrai de fls. 28 vº a 46 do Proc. Exec. 6874/16.... do Juiz ... do Juízo de Execução ....
Além disso –diz – sendo a Notificação Judicial Avulsa um documento autenticado e, por isso, beneficiando da presunção de documento autêntico, não foi objecto de qualquer incidente de falsidade pela Ré, acrescendo que, ainda que de mero documento particular se tratasse, também os factos ali relatados não foram impugnados, nem impugnada foi a autoria pelo que a decisão viola os arts.º 374º e 376º do Código Civil.
Invoca ainda que o Sr. Juiz a quo não podia ter valorado o depoimento da testemunha filha da Ré para anular o valor do depoimento do Agente de Execução, na exacta medida em que este age no exercício de um poder público e como tal é entidade dotada de fé pública, concluindo que o ónus da prova da factualidade em causa não recaía sobre a A. como o Tribunal a quo o declarou, mas antes sobre a Ré, nos termos do disposto nos arts.º 341º, 342º e 347º do C.C., relativamente a arguição de falsidade do documento em causa.
 Vejamos, pois: A emissão de pronúncia quanto ao acerto das respostas dadas à matéria ora em causa, desdobra-se em dois momentos e géneses diversos: num primeiro momento impõe-se averiguar se o tribunal a quo podia, face ao teor dos autos, admitir prova testemunhal para apurar se houve, ou não, notificação judicial avulsa e, num segundo momento, concluindo-se pela afirmativa, se a prova produzida corrobora a decisão tomada.

Começando pelo primeiro, dita o artº 256º do Código de Processo Civil que:

1 - As notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene e são feitas pelo agente de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça, nos termos do nº9 do artigo 231º, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem.
2 - O agente de execução ou funcionário de justiça lavra certidão do acto, que é assinada pelo notificado.
O estatuto dos agentes de execução encontra consagração legal na Lei 154/2015, de 14 de Setembro e subsequentes alterações, conferindo-lhes um papel de cariz público ao fazer constar, nomeadamente, que «são indispensáveis à realização de tarefas de interesse público e à administração da justiça e, como tal, devem ter um comportamento público e profissional adequados à dignidade e à responsabilidade associadas às funções que exercem, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consagrados no presente Estatuto e todos aqueles que as demais disposições legais e regulamentares, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhes imponham» - artº 121º.
Estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do direito e pela rápida administração da justiça – artº 124º.
Nessa decorrência, em articulação com o que se estatui no artº 369º do Código Civil, os documentos por si exarados no exercício de tal profissão, terão de ser qualificados como documentos autênticos.
De acordo com o artº 371º deste último diploma citado, a notificação judicial avulsa faz prova plena dos factos que refere como sendo praticados pelo AE e a força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade, agora por força do artº 372º.
Por outro lado, o documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi – nº2 do preceito.
Em sede de falsidade, como claramente enuncia Fernando Pereira Rodrigues, “A prova em Direito Civil”, pag. 57, é possível fazer distinção entre falsidade material e intelectual. A primeira consiste na divergência entre as declarações ou factos prestados pelos intervenientes e a realidade do que realmente aconteceu, podendo consistir numa adulteração do documento autêntico; a segunda traduz-se numa divergência entre o documento autêntico e a declaração no momento da sua elaboração, e sem ter sido adulterado, embora o documento seja genuíno.
Já no que à ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento concerne, importa atentar no que estatui o artº 446º do CPC, nos termos do qual, no prazo estabelecido no artigo 444.º, devem também ser arguidas a falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico, a falsidade do documento.
O artº 444º impõe que a impugnação da genuinidade de documento seja feita no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento ou no articulado seguinte, se o documento tiver sido junto com o articulado que não seja o último.
Sobre a matéria, pode ler-se in Lebre de Freitas, in “CPC Anotado”, Vol. II, pág. 269 e 270, que a lei adoptou «um incidente simplificado, destinado à arguição, não só da falsidade documental, mas também de outros vícios do documento, inquinadores da sua autenticidade ou força probatória» e que «Todas estas arguições (previstas nos arts. 446º e ss.), embora umas visem atacar a genuinidade (ou autenticidade) presumida do documento e outras destruir a sua força probatória, têm de comum constituírem meios de ilidir presunções estabelecidas por documentos escritos e impunha-se, por isso, que fossem consideradas pela lei do processo e nela tivessem idêntico tratamento, suprimindo-se o incidente de falsidade para criar um novo incidente, de previsão adequada às realidades da lei civil e de processamento mais simples».
No mesmo sentido vai Salvador da Costa quando se recolhe da sua obra “Incidentes de Instância”, pág. 266, que «o velho incidente de falsidade que existia foi excluído do elenco típico de incidentes e diluído neste amplo procedimento incidental atípico e objecto diversificado…
Pretendeu-se, no âmbito da impugnação probatória, criar um meio processual único e de tramitação simplificada que permitisse a arguição de todas as excepções deduzidas contra a admissibilidade ou a força probatória dos documentos em geral apresentados em processos pendentes, independentemente de se tratar ou não do vício de falsidade verdadeiro e próprio…».
Aqui chegados, verifica-se, sem margens para dúvidas, que a ré na sua contestação invocou ser falso o que consta da certidão do AE, dizendo não se encontrar em casa na data em que dela se fez constar que se recusou assinar, nunca tendo sido realizada a notificação judicial avulsa – cfr. artºs 11º a 15º deste articulado.
Por isso, arguida que foi a falsidade desse acto assim atestado, agora em obediência ao disposto no artº 449º, sempre teria o tribunal de considerar a matéria do incidente nos temas da prova - dado ser controvertida -, admitindo os meios de prova; a sua produção e decisão teriam lugar juntamente com a da causa.
De tudo decorre que, quando a ré arguiu a falsidade da notificação, afastou o seu valor probatório pleno e trouxe à matéria a livre apreciação do julgador, com tudo o que isso implica, nomeadamente a produção de prova testemunhal.
Entramos, agora, no segundo dos momentos a que acima se aludiu, isto é, concluindo-se que era admissível a prova por testemunhas sobre a notificação judicial avulsa, resta a este tribunal verificar se acompanha as respostas dadas pelo Sr. Juiz a quo sobre os concretos pontos impugnados.
Na motivação respectiva, o tribunal recorrido consignou que, em função dos depoimentos das testemunhas - Agente de Execução e Filha da Ré -, pesados eles, «não havendo sido apresentada qualquer outra prova sobre a matéria da efectiva realização da notificação judicial avulsa à R -, nenhum deles se afirmou como especialmente credível. Com efeito, apesar de terem prestado depoimentos incompatíveis, ambas as testemunhas depuseram com igual assertividade e pormenorização, nada tendo permitido diferenciar o valor das respectivas narrativas, em termos de credibilidade. Como tal, recaindo o ónus da prova da factualidade em causa sobre a A., por força do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, deverá o Tribunal decidir contra a parte onerada com a prova».
Salvo melhor opinião, não podemos acompanhar a justificação dada em sede de ónus da prova. Como ensina Lebre de Freitas, agora na sua obra intitulada “A Falsidade no Direito Probatório”, pag. 45, «verifica-se que o conceito de falsidade aparece intimamente ligado ao da força probatória plena e que a sua utilidade prática consistirá em eliminar através da sua arguição e prova essa força probatória».
A «força probatória plena do documento autêntico só pode ser ilidida mediante a arguição e prova da falsidade, isto é, de um ou mais factos abrangidos pela força probatória do documento na realidade não se verificaram, não sendo, portanto, quanto a eles, verdadeira a declaração do documentador…» - Lebre de Freitas, in “CC anotado” (Coord. Ana Prata), pág. 461.
Sendo este o entendimento que se reputa como certo, impõe-se averiguar se, no caso concreto, a ré, para além de arguir ser falso que a notificação judicial avulsa tenha ocorrido, conseguiu fazer prova dessa alegação, prova que, como vimos, também pode ocorrer por via testemunhal ou outra.
CC, agente de execução, declarou que foi pela 1ª vez ao local e não conseguiu falar com a ré, vindo-se embora.
Posteriormente, foi noutro dia na hora de almoço, tocou à campainha mas ninguém o atendeu. Entretanto chegou uma senhora que abriu um portão grande para o terreno, falou com ela que lhe disse ser filha da ré e chamar-se AA.
Então, identificou-se e disse-lhe o que estava lá para fazer. A AA referiu que a mãe não estava em casa e trocou contactos com o depoente e disse que ia falar com a mãe.
Passados uns dias voltou lá, também à hora de almoço, e já foi recebido pela ré que lhe referiu que não assinava nada, nem recebia documentos, por instruções do seu advogado.
Conhece muito bem a ré, até já estiveram juntos no tribunal; antes da notificação não a conhecia.
Não pediu a identificação, mas ela identificou-se como a BB. Disse-lhe que podia receber os documentos, mesmo sem assinar; ainda assim, ela recusou.
Embora tendo começado por afirmar que foi lá duas vezes, acaba por acrescentar que foi lá três: da primeira só estava a AA, da segunda estavam a AA e a BB e da terceira vez só esta. Quando fez a notificação só estava a ré.
Esclareceu o tribunal que da segunda vez ainda não fez a notificação porque a filha AA ainda não tinha falado com o advogado e não deixou que a mãe recebesse os documentos.
A instâncias, declarou que, em casos similares, explica à pessoa que vai comunicar a recusa ao tribunal e que o visado terá de ali levantar os documentos.
Mas, no presente caso, afirma que pretendia deixar os documentos e mais tarde recolher a assinatura, o que não foi aceite
Acrescenta que demorou duas semanas com as três diligências.
Quanto a GG, filha da ré, enfermeira, confirma que foi contactada pelo HH.
Um dia chegou a casa e os vizinhos disseram-lhe que tinha estado lá alguém à procura.
Num outro dia, quando lá chegou, estava lá o agente de execução. Disse-lhe que estava ali para contactar a ré e que tinha uns documentos para lhe entregar. Respondeu-lhe que, naquele momento, a ré não estava em casa.
Declara que a mãe, ao longo dos anos, nunca assinava nada sem falar antes com o advogado, nem que fosse da Segurança Social.
Perguntada, afirmou achar normal que, não lhe tendo sido referido que eram papéis do tribunal, não lhe tendo sido dito qual era o assunto, nem lhe tendo sido entregues quaisquer papéis, ainda assim a mãe fosse contactar primeiro o advogado. Para a ré, diz a testemunha, isso era «super normal», sic. Porém, não conseguiu explicar o que iá perguntar ao advogado.
A depoente já ouvia falar do HH, com quem se tinha cruzado num casamento, nunca tendo sido apresentados. Mostrou-lhe um cartão profissional quando lá foi.
Ao portão, só esteve uma vez com o HH. Ali não há campainha.
O acesso à mãe é sempre feito através da depoente. Nunca atende ninguém, nem o telefone.
A ré tem 87 anos e tudo lhe faz confusão.
Afirma repetidamente que o HH nunca falou com a sua mãe.
Ouvidos estes depoimentos, atentemos, agora, no teor de fls.130 dos autos em suporte físico, donde resulta uma certidão de uma outra notificação judicial avulsa da ré, agora feita na pessoa de sua filha, II (que exibiu procuração), datada de 07.10.2022, na qual a ora autora e recorrente, requereu que a ora ré e recorrida fosse notificada para, além do mais, reconhecer que se recusou a receber a NJA apresentada em juízo a 18.12.2018 e que foi levada a efeito pelo AE CC em 28.12.2018, sem contacto pessoal com a ré (negrito nosso).
A ausência de contacto presencial com a ré por parte do AE, HH, ficou também provada no processo 6874/16.... entre as mesmas partes.
Ora, a conjugação destes elementos probatórios, nomeadamente a idade da ré, a ausência de campainha, a ida do AE por mais que uma vez a casa daquela na tentativa de notificação e o depoimento da filha, abalam fortemente a credibilidade do depoimento daquele mesmo AE, interrogando-se este tribunal porque razão, vendo-se obrigado, na sua versão, a ter de ir lá três vezes, não se fez acompanhar de uma testemunha perante o comportamento fugidio que relatou, limitando-se a fazer as cruzes no lugar correspondente do respectivo impresso.
Além disso, referindo que quando há recusa, avisa que terão de levantar os documentos no tribunal, afirma que, neste caso, estava disposto a deixar os documentos, mesmo sem assinatura.
A esta condução pouco assertiva da realização da notificação, alia-se, como se disse, o depoimento da filha da ré, que conseguiu trazer aos autos dados objectivos que alicerçam a sua afirmação de que o AE nunca esteve com a sua mãe, sustentado, agora, no argumento inarredável colhido da notificação judicial avulsa datada de 07.10.2022, na qual é a própria  autora e recorrente que fez constar do teor respectivo  a notificação da recorrida para reconhecer que se recusou a receber a NJA apresentada em juízo a 18.12.2018 e que foi levada a efeito pelo AE CC em 28.12.2018, sem contacto pessoal com a ré.
De todo este arrazoado, afirmamos, então, que, embora a prova da falsidade recaísse sobre a ré (ao contrário do que considerou o Sr. Juiz a quo), a recorrida carreou para os autos prova bastante para tal, permitindo ao tribunal concluir, embora com fundamento diverso, pelo acerto das respostas dadas, que se decidem manter, assim improcedendo a requerida alteração à matéria de facto.

Subsunção Jurídica:

Está em causa, nos presentes autos, saber se à demandante, ora recorrente, assiste o direito à capitalização de juros moratórios e compulsórios referentes a um crédito sobre a recorrida.
Sobre a matéria impõe-se trazer à colação o artº 560º do Código Civil que, sob a epígrafe “Anatocismo”, assim dita:
1. Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
2. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.
3. Não são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio.
Como recorrentemente se escreve sobre a norma, as opções legislativas neste domínio têm sido a de criar restrições ao anatocismo, tendo em vista impedir situações de importâncias desmedidas de juros e aceitações forçadas dos devedores nessa matéria, com vista à obtenção de créditos.
Nessa decorrência, para que ocorra tutela jurídica ao anatocismo, exige a norma do nosso Código Civil que os juros vencidos e não pagos só darão lugar a novos juros havendo convenção posterior ao seu vencimento ou quando se proceda a uma notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
Constata-se, todavia, divergência quanto ao alcance do regime acabado de enunciar, derivado da circunstância de serem múltiplas as espécies de juros. Na verdade, enunciando-se apenas as mais relevantes, os juros podem ser classificados em juros voluntários ou em juros legais, consoante resultem de negócio jurídico ou de normativo legal. Por outro lado, podem assumir natureza remuneratória, indemnizatória ou compensatória.
Se no primeiro grupo se atende á respectiva fonte, já no segundo tem-se presente a respectiva finalidade, sendo certo que uns e outros deste, podem ser legais ou voluntários.
Ora, como se disse, em resultado desta multiplicidade, tem divergido a doutrina e a jurisprudência sobre a amplitude das situações em que pode haver lugar a anatocismo.
O Sr. Juiz a quo laborou profícua a assertivamente sobre ele, tecendo pertinentes e elucidativas considerações, que nos dispensam, agora, de também nos voltarmos a alongar, sob pena de fastidiosos autos, sem qualquer ganho para as partes.
Resumidamente e para delimitação da opção a tomar em sede de apelação, diremos apenas que duas correntes se deparam:
Na primeira delas, a lei não distingue a admissibilidade do anatocismo consoante o tipo de juros em causa, pelo que, preenchidos que estejam os requisitos de admissibilidade e seja observado um limite, o anatocismo é admissível, devendo reconhecer-se ao credor um direito às capitalizações. É disso exemplo o aresto do STJ, alias citado na sentença recorrida, tirado no processo 26897/18.0T8LSB.L1.S1 e outros se poderiam indicar, também do mesmo tribunal.
Este acórdão vem na sequência de recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa, proferido em tais autos a 14.01.2021 que, de modo invulgarmente exaustivo e eloquente que apraz registar, aborda a problemática do anatocismo, enunciando as razões e fundamentos que as diferentes leituras da norma têm suscitado, a que recorreremos mais abaixo, em breves excertos, dada a sua clarividência e assertividade.
Na segunda linha de interpretação, o artº 560º do Código Civil permite a capitalização de juros remuneratórios, mas não de juros moratórios, posto que estes, previstos no artº 806º, são já uma indemnização pelo atraso no cumprimento de uma obrigação pecuniária, pelo que carece de sentido que sobre eles recaia uma outra indemnização.
Da consulta da obra “Manual dos Juros”, de Correia das Neves, Almedina, 1989, pag. 215, retira-se, além do mais, que já à face do anterior Código Civil havia quem - por exemplo, Guilherme Moreira - sustentasse que, depois da interpelação do devedor, os juros não pagos passariam a vencer juros, enquanto outros -Manuel de Andrade - defendia que tal só deveria ocorrer depois de instaurada a competente acção ou execução.
Chamando à liça o anteprojecto do actual Código Civil, aspecto, aliás, que tem merecido particular importância de todos nesta matéria, refere também o autor da obra citada, que o ali artº 791º (actual 560º) dispunha que «o atraso no pagamento dos juros moratórios não dá lugar a novos juros», o que, segundo ele e outros, significa que o legislador não aceitou esta doutrina.
Sabemos, por outro lado, que, para diverso entendimento, onde se inclui a decisão recorrida, esta omissão de consagração resultou, tão só, de a reputar de desnecessária.
Pela nossa parte, chegado o momento de tomar posição, diremos que aderimos à primeira das correntes.
Em primeiro lugar, sendo questão que era já objecto de menções e divergências no anterior código e que, na aprovação do vigente, viu afastada a proibição expressa de juros sobre juros moratórios, não legitima, na nossa modesta opinião, a conclusão de que a ressalva era desnecessária, mas, ao invés, que se quis repudiar essa opção.
Por outro lado, também a nosso ver, não colhe o argumento de que, tratando-se de juros moratórios, estes indemnizam em pleno o credor pelo prejuízo decorrente da mora. Adoptando as felizes palavras do aresto da Relação de Lisboa a que anteriormente aludimos, «há que analisar a figura do anatocismo sem o anátema de proibição antiga e a unilateralidade da visão exclusiva do princípio favor debitoris, devendo ser colocada no outro prato da balança a perda simétrica que a mora dos juros gera na esfera do credor»
Na verdade, se é certo que a obrigação de juros é acessória de uma obrigação de capital, não podendo constituir-se sem ela, também é inquestionável que o artº 561º do Código Civil lhe confere a característica de autonomia ao estatuir que «Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro».
Presente esta autonomia, atentemos, agora, noutra norma do mesmo diploma, inserta no artº 785º, nos termos da qual «Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital».
Ora, na hipótese de o devedor proceder ao pagamento dos juros, ainda que de modo parcial, permanecendo o capital em dívida, o valor daqueles permitiria ao credor obter um novo rendimento, sem reparo ou censura para ninguém, pelo que não se pode afirmar que, ao notificar o devedor para a capitalização de juros moratórios, a situação é materialmente diversa e ocorre uma dupla indemnização pela mora.
Sendo assim, como é, não podemos deixar de acompanhar o que escrevem Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins (RLJ 148, Maio/Junho de 2019), ou seja, «cada montante devido a título de juros que o credor deixa de obter é um montante que ele poderia também aplicar produtivamente, gerando novos proventos, ou cuja ausência o forçará a buscar um empréstimo e suportar os respetivos custos. E, por sua vez, ao furtar-se a pagar as prestações em dívida, escusando-se a devolver esses montantes, o devedor beneficia no fundo de uma nova disponibilização de tais capitais - pela qual deverá pagar o respectivo preço. Pois se devolvesse tais montantes no tempo devido, e se voltasse para um outro credor, teria também que pagar o juro respetivo».
De todo o arrazoado acabado de enunciar, seriamos levados a concluir pela admissibilidade no caso presente do anatocismo consagrado no artº 560º.
Todavia, como foi referido, a norma exige a prévia notificação do devedor, nos termos ali consignados. Por outro lado, não ficou provado que a ré tenha sido notificada, porquanto mereceu resposta negativa que «A notificação judicial avulsa foi feita pelo Sr. A.E. à Ré no dia 28 de Dezembro de 2018» e que «A Ré recusou receber a notificação judicial avulsa na sua própria pessoa».
Ora, de acordo com o entendimento que, a propósito, recolhemos do nosso mais elevado tribunal, a notificação a que alude a norma «Trata-se, dado o contexto, da notificação judicial avulsa a que se reportam os artigos 261º a 263º do Código de Processo Civil, pelo que não basta a mera citação para a acção em que o credor pede a condenação do devedor no pagamento de juros capitalizados» - procº 07B1165, aresto de 03.05.2007.
No mesmo sentido, vai o acórdão também desse tribunal, proferido no procº 176/1998.L1.S1, de 12.04.2012, citando, aliás, o anterior.
Sendo assim, não pode considerar-se que, com a notificação da ré da ampliação do pedido formulado no procº 6874/16...., ampliação alicerçada em NJA que não se provou ter ocorrido, está adquirida para a presente acção a condição de procedibilidade.
Concluindo, não se mostrando verificada a notificação judicial avulsa da ré, exigida pelo artº 560º do Código Civil, não pode proceder a acção.
Finalmente, uma última nota: O Sr. Juiz a quo, depois de ter decidido que os juros em causa nos autos não permitiam, pela sua natureza, o anatocismo, valorou os factos provados e concluiu que o negócio ofenderia os bons costumes e ocorreria abuso de direito, pelo que também com tal fundamento a acção teria de improceder.
Não obstante tratar-se de matéria do conhecimento oficioso, certo é que, como ficou dito, o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões do recorrente.
Ora, sendo esta pronúncia desfavorável à recorrente, a mesma conformou-se com ela, pelo que, salvo melhor opinião, não cabe, agora, a este tribunal sindicar a decisão neste segmento.
De todo o modo, o recurso soçobrou por outros motivos, como vimos.

III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.