PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO
Sumário

Os processos de natureza tutelar educativa - atento o disposto no art.º 28.º nº 1 da LTE – correm seus termos, em 1ª instância, nas secções de família e menores da instância central do tribunal de comarca.

Em sede de recurso, tal jurisdição deve ser mantida; isto é, a competência para o seu conhecimento deveria caber à secção de Família e Menores do Tribunal da Relação territorialmente competente, como determina, aliás, o art.º 67.º (nºs 2 e 3) da LOSJ.

Uma vez que, presentemente, tal secção não se mostra ainda instalada, entende-se aplicável o disposto no art.º 29.º nº 1 e nº 3 da LTE, aos recursos interpostos em relação a processos tutelares educativos. Para tal, necessário se mostra que o tribunal se constitua em secção de família e menores (nº 3 do art.º 29.º da LTE)

Atenta a natureza da decisão alvo de crítica, proferida em processo tutelar educativo, a sua recorribilidade dependerá da sua integração na al. f) do art.º 123.º da LTE, uma vez que se não enquadra em nenhuma das restantes; isto é, só será admissível o recurso interposto pelo MºPº se a decisão proferida afectar um direito do menor, legal ou constitucionalmente tutelado.

Essa apreciação deverá ser feita face ao caso concreto e ao pedido formulado pelo recorrente.

Não se vislumbra – nem o recorrente esclarece – em que medida a transferência do menor para outra instituição permitirá dar satisfação a um seu qualquer direito, que a sua manutenção no actual Centro Educativo lhe nega.

Assim, o recurso interposto pelo MºPº não pode ser admitido, por não ser enquadrável em nenhuma das alíneas do art.º 121.º da LTE.

(sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Decisão Sumária

Notas prévias:
A. Procedeu-se à consulta dos autos 85/20.3T9MFR-A Reclamação, que correu termos neste TRL.

B. Da competência em razão da matéria da secção criminal deste TRL, em sede de processos tutelares educativos.

a. Estamos perante um processo de natureza tutelar educativa, que corre seus termos - atento o disposto no art.º 28 nº 1 da LTE - nas secções de família e menores da instância central do tribunal de comarca, no caso, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Família e Menores de Mafra.

b. Assim, em sede de recurso, tal jurisdição deve ser mantida; isto é, a competência para o seu conhecimento deveria caber à secção de Família e Menores do Tribunal da Relação territorialmente competente.

c. O art.º 67 (nºs 2 e 3) da LOSJ determina que:
3 - Os tribunais da Relação compreendem secções em matéria cível, em matéria penal, em matéria social, em matéria de família e menores, em matéria de comércio e em matéria de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e supervisão, sem prejuízo do disposto no n.º 5.
4 - A existência das secções social, de família e menores e de comércio depende do volume ou da complexidade do serviço e a respectiva instalação depende de deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do presidente do respectivo tribunal da Relação.

d. Até ao momento, não existe secção de família e menores neste TRL.

e. Assim, por interpretação extensiva, entende-se aplicável o disposto no art.º 29 nº 1 e nº 3 da LTE, aos recursos interpostos em relação a processos tutelares educativos.

f. Sucede, todavia, que para ta efeito, necessário se mostra que o tribunal se constitua em secção de família e menores, decisão que não compete à ora relatora (nº 3 do art.º 29 da LTE).

g. No caso, uma vez que irá ser proferida decisão sumária e visto estar-se perante processo de natureza urgente, aceita-se a competência resultante da distribuição.

h. Não obstante, de modo a que, de futuro ou caso venha a ser necessária a intervenção de tribunal colectivo, as regras relativas à competência material no que concerne a este tipo de processos, possa efectivamente ser respeitada, mantendo-se o processo na jurisdição a que por lei se enquadra, entende-se dever ser dado conhecimento à Exª Sr.ª Juiz-Presidente Interina deste TRL desta concreta ocorrência, solicitando os seus bons ofícios para a ultrapassagem e adequada solução da questão que este tipo de processos suscita.

i. Caso venha a ser necessária a intervenção de tribunal colectivo, solicitar-se-á atempadamente que a Exª Sr.ª Juiz-Presidente Interina deste TRL determine quem serão os Srs. Juízes-Desembargadores que comporão tal secção, ainda que em termos de constituição ad hoc e apenas para decisão do presente processo.

I – relatório
1. Os presentes autos de processo tutelar educativo, respeitantes ao menor S__________, encontram-se na fase jurisdicional.

2. O menor, à data da prática dos factos, tinha quinze anos.

3. O menor S__________ beneficia, desde 10 de Fevereiro de 2020 (data em que se deu início ao seu cumprimento) de medida tutelar educativa de internamento em centro educativo, presentemente em regime semiaberto.

4. No requerimento de abertura de impugnação judicial, veio o Ministério Público propor, nos termos do art.90º, alínea e) da LTE, a aplicação ao menor S__________ da medida tutelar educativa de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo período de dezasseis meses, nos termos da alínea i) do nº1, do nº2 e da alínea b) do nº3, todos do art.º 4º da LTE e ainda nos termos dos nºs 1 e 3 do art.º 17º e nº1 do art.º 18º, ambos da mesma Lei.

5. Por despacho proferido em 20-03-2020, foi designada, para a realização da audiência prevista no artigo 115.º e ss. da LTE, o próximo dia 2020-07-09, pelas 15 horas.
Nesse mesmo despacho, a propósito da revisão da medida cautelar, foi determinado o seguinte:
Revisão da medida cautelar:
A medida de cautelar de guarda do menor termina a 10-5-2020.
No entanto, nos termos do artigo 60.º da LTE, o tribunal pode aplicar a medida de guarda de menor em centro educativo com prorrogação para além do régie regra dos três meses, “até ao limite máximo de mais três meses em casos de especial complexidade devidamente fundamentados”.
Esta previsão é também preenchida na situação do estado de emergência que vivemos, pois, estando a situação educacional do menor por ora controlada e adequada, sujeitar os magistrados, juízes sociais, pais, menor, e testemunhas a um contacto no tribunal, perigoso perante a situação de forte contágio que vivemos.
No entanto, antes de efectuar essa revisão, notifique a defesa e o Ministério Público para querendo se pronunciarem em 10 dias quanto ao preenchimento da previsão “sub judice”, atenta a entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, Medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e os termos do artigo 11.º a lei entrou em vigor no dia 20-3-2020, com efeitos retroactivos data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de Março, que produziu efeitos, nos termos do artigo 37.º deste diploma no dia 12-3-2020, data em que foi aprovado pelo Conselho de Ministros.
Prazo: 10 dias.

6. Tal despacho mereceu as seguintes respostas:
A. Por parte do Mº Pº:
O magistrado do MS  junto deste Juízo, notificado em 24 de Março de 2020 do teor do despacho proferido no próprio dia 24 de Março, p. p., no âmbito do processo supra referido, vem, deste modo, referir a V. Ex.ª que, nos termos do disposto no art.º 60º da Lei Tutelar Educativa (doravante, LTE), o prazo máximo da medida cautelar de guarda, no caso em apreço nos autos, é de três meses, até à decisão do tribunal em 1ª instância.
Assim, tendo o menor S__________ sido colocado em medida cautelar de guarda no dia 10 de Fevereiro de 2020, a referida medida cautelar de guarda extinguir-se-á no dia 10 de Maio de 2020, nos termos da alínea a) do nº l do artigo 64 da LTE (cf. art.º 60 da LTE e art.º 31º da CRP).
Mais se refere que, salvo melhor opinião, nada autoriza o salto interpretativo efectuado no referido despacho, a propósito da "previsão (ser também) preenchida na situação do estado de emergência que vivemos", uma vez que o que se prevê é a ''tramitação dos processos como estando em férias judiciais e, nestas, os processos relativos a menores sujeitos à medida cautelar de guarda, continua a ser efectuada, tendo carácter urgente",
Há ainda que ter em consideração que, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 122º da LTE, o prazo para interposição de recurso do referido despacho é de cinco dias, pelo que, caso aquele despacho não seja reparado no mencionado prazo, ter-se-á de ter em consideração aquela norma (sendo certo que foram concedidos dez dias para as partes se pronunciarem, o que, a ser aproveitado aquele prazo, na sua totalidade, prejudicará a possibilidade de recorrer).
Deste modo, promove-se que se altere a data designada para a realização da audiência, tendo presente que a decisão do tribunal de primeira instância deverá ser proferida até ao dia 10 de Maio, p. f..
Chama-se ainda a atenção que não houve pronúncia sobre o promovido pelo Mº Pº, a propósito da medida cautelar de guarda: de facto, o Mº Pº promoveu que, doravante, tal medida deixasse de ser cumprida em regime fechado e passasse a ser cumprida em regime semiaberto, o que se mantém,
B. Por parte do menor:
• DA REVISÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE GUARDA EM CENTRO EDUCATIVO
1. O menor encontra-se à guarda do Centro Educativo de Caxias Padre António Oliveira, desde o dia 10 de Fevereiro de 2020.
2. Encontra-se animado e adaptou-se facilmente “à vida na instituição”, acatando as regras que lhe são impostas, receptivo à aprendizagem, respeitando todos os técnicos com que com ele se cruzam.
3. Também o relacionamento com os seus pares tem sido pacífico.
4. Desde que está à guarda do Centro Educativo tem recebido a visita dos progenitores, bem como as chamadas telefónicas destes e mesmo pela aplicação WhatsApp, principalmente agora que face ao COVID-19 não está a receber visitas.
5. A ora signatária, no princípio do mês, esteve com o menor no Centro Educativo e tem estado em contacto com a sua técnica tutora, Dra. ____________.
6. A verdade é que o menor sente-se bem no Centro Educativo.
7. Assim, e uma vez que não se alteraram os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida cautelar de guarda em Centro Educativo, deverá então o menor aguardar os ulteriores termos à medida cautelar de guarda em centro educativo, em regime semiaberto.
• DA PRORROGAÇÃO DA MEDIDA E AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
8. Defendemos – conforme alegações de recurso em anexo – que ao estarmos perante uma pandemia e em estado de emergência, decretado pela Lei nº. 1- A/2020, de 19 de Março, esse facto, por si só, justifica a aplicação do art.º 60º da LTE.
9. Deste modo, deverá ser prorrogada a medida de guarda do menor em centro educativo, em regime semiaberto, mantendo-se a data já designada para a audiência de julgamento – dia 9 de Julho.
10. Ao antecipar a audiência de julgamento para o mês de maio, mês considerado, quer pela DGS quer pelo Ministério da Saúde, o mês do pico da pandemia, podemos estar a pôr em risco a saúde, quer do menor, quer dos demais intervenientes.

7. Do despacho referido em 5. foi interposto recurso, pelo Mº Pº, que não foi admitido.
Em 8 de Maio de 2020, em sede de reclamação de tal rejeição, foi proferida decisão, pela Ex.ª Sr.ª Juiz-Presidente Interina deste TRL, com o seguinte teor:
O Magistrado do Ministério Público, reclama, nos termos do disposto no art.º 405.º do CPP, aplicável ex vi do art.º 128.º, n.º 1, da LTE, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 8/4/2020, o qual não admitiu o recurso por si interposto do despacho de 20/3/2020, de fls. 7 destes autos, com fundamento em que o despacho recorrido é um despacho de mero expediente, pedindo que o recurso seja mandado admitir por não incidir sobre despacho de mero expediente, tratando-se, antes, de despacho recorrível por afectar direitos pessoais do menor S_______, ao não respeitar o disposto no n.º 1, do art.º 60.º, a al. f). do n.º 1.º do art.º 121.º e o n.º 1, do art.º 124.º, todos da LTE.
Conhecendo.
De acordo com o disposto no n.º 1, do art.º 121.º, da Lei Tutelar Educativa só é permitido recorrer de decisão que:
a) Ponha termo ao processo;
b) Aplique ou mantenha medida cautelar;
c) Aplique ou reveja medida tutelar;
d) Recuse impedimento deduzido contra o juiz ou o Ministério Público;
e) Condene no pagamento de quaisquer importâncias;
f) Afecte direitos pessoais ou patrimoniais do menor ou de terceiros.
Ora, o despacho do qual o MP pretende recorrer não se enquadra em nenhuma das situações previstas neste artigo, por isso é irrecorrível, tal como considerou o despacho reclamado.
O despacho recorrido limita-se a designar data para a audiência de julgamento e relativamente à revisão da medida cautelar limita-se a dar cumprimento ao contraditório.
Recorrível seria, pois, a decisão que considerou que o caso apresenta especial complexidade e estendeu o prazo da medida cautelar por mais três meses e nunca a data que designou a data para a audiência.
E não se pode dizer, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o despacho que designou data para a audiência afecta direitos pessoais ou patrimoniais do menor porquanto a medida cautelar de guarda do menor só terminava em 10/5/2020 e antes dessa data foi prorrogado o seu prazo até 10/8/2020.
Pelo exposto, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 405.º, n.º 4, do CPP.

8. Em 8 de Abril de 2020, foi proferido o seguinte despacho, pelo tribunal “a quo”:
Prorrogação da medida cautelar:
O Ministério Público promoveu que a medida fosse prorrogada e alterada de internamento em regime fechado para semiaberto.
Por despacho que visava garantir o contraditório, foram notificados o menor e o Ministério Público sobre a adequação, designadamente face à situação de pandemia que vivemos, de se aplicar ao caso dos autos a previsão do artigo 60.º-1 da Lei Tutelar Educativa (aprovada pela Lei n.º 166/99, alterada até à Lei n.º 4/2015, de 15 de Janeiro).
O Ministério Público veio dizer simplesmente que não “autorizava” a interpretação”, e que o regime jurídico de estado de emergência não determinava o adiamento de diligências urgentes, havendo meios como videoconferências, que permitem realizar a diligência.
O menor veio fizer que concordava com a interpretação e que a aceitava, que a situação de pandemia só por si, colocando em causa a saúde ou até a vida de menor, pais, testemunhas, técnicos, advogados, funcionários e até magistrados, coloca outros interesses relacionados com o próprio menor, que justificam a prorrogação e a realização da diligência de julgamento na data agendada.
Vejamos:
Está em causa o artigo 60.º-1 da Lei Tutelar Educativa (aprovada pela Lei n.º 166/99, alterada até à Lei n.º 4/2015, de 15 de Janeiro), que dispõe “A medida de guarda de menor em centro educativo tem o prazo máximo de três meses, prorrogável até ao limite máximo de mais três meses em casos de especial complexidade devidamente fundamentados”.
Antes de mais importa dizer que a medida cautelar tem diferente enquadramento da prisão preventiva, que tem prazos imperativos, e conta no cumprimento da medida da pena.
Não é o caso da medida cautelar de internamento, que tem um prazo máximo ordinário de três meses, e outro extraordinário, de mais três meses, todo junto estende esse período até seis meses; por outro lado a medida cautelar não conta no cumprimento da medida final de internamento, embora a duração, sempre previsível, terá sempre em consideração o estado educacional actual do menor, e também assim o que decorreu da evolução no mesmo no internamento cautelar.
Como refere Ramião, “os fins da intervenção tutelar – educação do cidadão menor para o respeito das regras jurídicas mínimas de coexistência social e, nessa medida e com esses limites, protecção dos bens jurídicos essências da comunidade”, ao contrário do direito penal, que tem sempre finalidades gerais de prevenção na protecção dos bens jurídicos como primeiro fito, limitados depois pelas necessidade da pena.
No fundo é preciso lembrar sempre que a Lei Tutelar Educativa (aprovada pela Lei n.º 166/99, alterada até à Lei n.º 4/2015, de 15 de Janeiro não constitui o direito penal dos adolescentes até aos 16 anos, mas uma intervenção para educação de menores que já têm responsabilidade, atenta a sua autonomia decorrente da idade, e que fundamentou a necessidade da reforma com entrada em vigor de 2001, também com a Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (aprovada pela Lei n.º 147/99, alterada até à Lei n.º 142/2015, de 8 de Setembro), na distinção entre proteger e responsabilizar, e determinou na altura a revogação da Parte I da OTM.
A norma em causa, na previsão do legislador, foi desenhada por certo para situações de dificuldades da investigação e produção de prova dos ilícitos criminais praticados pelo menor, que coincide com o prazo do termo do inquérito, mas que estendem também, na interpretação actualista que decorre da realidade, da vida das pessoas, aos aspectos do menor e do seus sistema familiar, por exemplo, como entendeu o TRC, da “sua realidade social e a sua personalidade”.
No caso dos autos tanto o Ministério Público pretende manter o internamento e defenderá, por certo atenta a evolução do caso, a aplicação em acórdão do mesmo, como o próprio menor, e sistema familiar, que assumem esta fase muito positiva e essencialmente educativa e nada punitiva.
A realidade surpreendeu-nos a todos. Esta pandemia e o Estado de Emergência, com as capacidades desproporcionadas de contágio deste vírus, com consequências na saúde e vida de todos (apesar de mais vulneráveis as pessoas com sistemas imunitários vulneráveis, estando os idosos em regra nessa situação), exige que o aplicador do direito pondere todas as variáveis da vida, que é para isso que serve o direito, e se necessário na expressão usada do Dr. Marçal Grilo no dia de ontem no espaço de opinião que tem no programa da RTP3, 360, pelas 22.29 horas, dizia, citando Helena Garrido, com a consciência de “que problemas novos não se enfrentam com remédios antigos”.
É aqui que no direito entra a interpretação actualista, para fazer face à realidade, no caso profundamente adversa, e que coloca em causa a saúde e vida de todos, e também do menor.
A norma em causa do artigo 60.º-1 permite estender a medida cautelar de internamento por mais três meses em casos de especial complexidade, e esta situação actual, que afecta também este caso em particular, na necessidade de juntar 8 testemunhas, menor, pais, técnicos, magistrados, funcionários, advogado, etc., no julgamento a efectuar, cria uma situação de alto risco, que na nossa modesta interpretação preenche a previsão, e assim a ela aderimos, sendo certo que o Ministério Público refere apenas que não autoriza, mas como sabemos o termo é infeliz e inadequado juridicamente, pois não tem competências para autorizar ou não.
Mas ainda que não se aderisse a esta interpretação, mesmo ao nível dos autos de inquérito e produção de prova, encontra-se em curso ainda perícia à ofendida AM_____, que tem agora marcada para o dia 17-4-2020 consulta no Gabinete Médico-Legal e Forense do Oeste, e muito provavelmente pode até nem se realizar atenta a proximidade, e terão ainda de se remeter os elementos pedidos pela perita, e o tempo necessário para o próprio contraditório da perícia, logicamente ainda não efectuado, pelo que tudo nos leva a concluir que é quase certo, no mínimo arriscado, assumir que possa estar nos autos antes do termo dos três meses da medida cautelar máxima, que lembre-se ocorrerá em 10-5-2020, para além do tempo da prolação do acórdão.
Isto é, mais do que certo que teria de se dar este despacho nos autos para impedir que o menor saísse do centro educativo.
Concluindo, é notório que se encontra também preenchida a previsão no seu quadro interpretativo mais, digamos, formalista que o próprio Ministério Público parece defender, mas ainda que não estivesse, reiteramos a nossa posição interpretativa, atentos os valores fundamentais da vida e da saúde de todos, em confronto com uma visão interpretativa formal, sendo certo que não há qualquer oposição por parte do menor e dos seus pais, havendo mesmo adesão do menor e do sistema familiar do mesmo a esta solução, que a todos beneficia.
Por tudo o exposto,
Face à proximidade do termo máximo de três meses da medida cautelar aplicada (10-5-2020), dado que se encontra a ser efectuada perícia, ainda não junta e não notificada às partes, e a pandemia que vivemos actualmente, considera-se assim preenchida a previsão final do artigo 60.º-1 da Lei Tutelar Educativa (aprovada pela Lei n.º 166/99, alterada até à Lei n.º 4/2015, de 15 de Janeiro) de especial complexidade, sem prejuízo do prazo ordinário de revisão de dois meses, e nessa medida prorroga-se por mais três meses o prazo máximo da medida cautelar de internamento, que fica assim fixado no dia 10-8-2020.
Mais se decide, atenta a evolução do caso, alterar a medida cautelar aplicada ao menor para guarda em centro educativo em regime semiaberto.
Notifique.

9. Inconformado, o Mº Pº apresentou recurso de tal decisão, concluindo nos seguintes termos:
1 - No âmbito do processo supra referido, no dia 10 de Abril de 2020, o Me Juiz proferiu despacho no qual se pode, nomeadamente, ler:
"Prorrogação da medida cautelar:
O Ministério Público promoveu que a medida fosse prorrogada e alterada de internamento em regime fechado para semiaberto,
Por despacho que visava garantir o contraditório, foram notificados o menor e o Ministério Público sobre a adequação, designadamente face à situação de pandemia que vivemos, de se aplicar ao caso dos autos a previsão do artigo 60º-1 da Lei Tutelar Educativa (aprovada peia Lei nº l66/99, alterada até à Lei n.º 4/2015, de 15 de Janeiro).
O Ministério Público veio dizer simplesmente que não "autorizava" a interpretação", e que o regime jurídico do estado de emergência não determinava o adiamento de diligências urgentes, havendo meios como videoconferência, que permitem realizar a diligência."
I - Por uma questão de honestidade intelectual, importaria mencionar onde é que "O Ministério Público veio dizer simplesmente que não "autorizava" a interpretação".
Em nenhum lado, acrescentamos.
O que o Mº Pº disse, quando lhe foram concedidos dez dias para se pronunciar (quando o prazo de recurso era só de cinco) foi (em requerimento datado de 25 de Março de 2020) que "nada autoriza o salto interpretativo efectuado no referido despacho, a propósito de "previsão (ser também) preenchida na situação do estado de emergência que vivemos", uma vez que o que se prevê é a "tramitação dos processos como estando em férias judiciais e, nestas, os processos relativos a menores sujeitos a medida cautelar de guarda, contínua a ser efectuada, tendo carácter urgente."
Perdoe-se o lugar comum: "Importa não confundir a Estrada da Beira, com a beira da estrada."
2 - No douto despacho, ora recorrido, é ainda feita uma comparação entre a Lei Tutelar Educativa e a Lei Penal, referindo-se, designadamente que "a medida cautelar tem diferente enquadramento da prisão preventiva, que tem prazos imperativos, e conta no cumprimento da pena."
II - Parece-nos {embora tal não seja dito explicitamente) que a medida cautelar que se refere naquele douto despacho é a medida cautelar de guarda em centro educativo.
Salvo o devido respeito, discordamos que (como parece querer dizer-se naquele douto despacho} a medida cautelar de guarda em centro educativo não tenha prazos imperativos. Importava esclarecer quais os dispositivos legais e/ou jurisprudência e/ou doutrina que permitem efectuar tal afirmação.
III - Para além disso, ao mencionar-se que a prisão preventiva "conta no cumprimento da pena" [estar-se-á a referir, naquela parte do despacho, o disposto no do art.80 do Código Penal, segundo o qual, "A... prisão preventiva ... sofrida(s) pelo arguido... (é) descontada por inteiro no cumprimento da pena"), dando a entender que tal não ocorre na medida cautelar de guarda em centro educativo, (salvo melhor opinião) está-se a dar mais força à argumentação, segundo a qual o desrespeito pelo disposto no nº 1 do art.º 609º da LTE, só prejudica ainda mais o menor S_______.
3 - Naquele douto despacho, depois de se referir "na expressão usada do (sic) Dr. Marçal Grilo no dia de ontem no espaço de opinião que tem no programa RTP3, 360 (julgamos que naquela parte, o douto despacho se pretende referir ao programa 360º), pelas 22.29 horas, dizia, citando Helena Garrido, com a consciência de "que problemas novos não se enfrentam com remédios antigos".
É aqui que no direito entra a interpretação actualista, para fazer face à realidade, no caso profundamente adversa, e que coloca em causa a saúde e vida de todos, e também do menor.
A norma em causa do artigo 602-1 permite estender a medida cautelar de internamento por mais três meses em casos de especial complexidade, e esta situação actual, que afecta este caso em particular..., no julgamento a efectuar, cria uma situação de alto risco, que na nossa modesta interpretação preenche a previsão, e assim a ela aderimos, sendo certo que o Ministério Público refere apenas que não autoriza, mas como sabemos o termo é infeliz e inadequado juridicamente, pois não tem competências para autorizar ou não."
IV - Importa aqui referir que naquele douto despacho (mais uma vez) se atribui ao Ministério Público uma afirmação que não foi efectuada por ninguém.
Mais uma vez se refere que a honestidade intelectual impõe que se diga onde tal está escrito e, se tal corresponder à verdade, faremos "mea culpa".
 V- Mencionam-se termos ''infelizes e inadequados juridicamente", mas, não se citando qualquer doutrina ou jurisprudência (pelo menos, devidamente, identificada), aquele douto despacho socorre-se de citações de programas de televisão, embora não vá além do "dia de ontem".
VI - Aquele douto despacho refere "aderir" a uma tese, segundo a qual a situação de pandemia que vivemos, permite "estender a medida cautelar de internamento por mais três meses em casos de especial complexidade", mas não menciona quais são os outros seguidores de tal tese.
Para se aderir a algo, tem de ser, obviamente, a algo preexistente, mas não conhecemos mais ninguém que tenha aderido a tal tese, pelo que importava mencionar tal.
VII - Parece-nos (salvo o devido respeito por melhor opinião) ser de ter em consideração que o direito penal não admite "interpretações actualistas", nem qualquer espécie de interpretação extensiva, nem tão pouco a analogia.
4 - Refere-se, depois, naquele douto despacho, a dificuldade em obter um relatório pericial atempadamente para a realização da audiência.
VIII - Contudo, neste caso concreto, trata-se de um mero formalismo, já que é perfeitamente possível dispensar tal relatório pericial, valendo-nos apenas do depoimento da testemunha/ofendida.
5 - Refere-se, ainda, naquele douto despacho:
"Concluindo, é notório que se encontra também preenchida a previsão no seu quadro interpretativo mais, digamos, formalista que o próprio Ministério Público parece defender, mas ainda que não estivesse, reiteramos a nossa posição interpretativa, atentos os valores fundamentais da vida e da saúde de todos, em confronto com uma visão interpretativa formai, sendo certo que não há qualquer oposição por parte do menor e dos seus pais, havendo mesmo adesão do menor e do sistema familiar do mesmo a esta solução, que a todos beneficia,
Por tudo o exposto.
Face à proximidade do termo máximo de três meses da medida cautelar aplicada (10-5-2020), dado que se encontra a ser efectuada perícia, ainda não junta e não notificada às partes, e a pandemia que vivemos actualmente, considera-se assim preenchida a previsão final do artigo 602-1 da Lei Tutelar Educativa (aprovada pela Lei nº 166/99, alterada até a Lei nº 4/2015, de 15 de Janeiro) de especial complexidade, sem prejuízo do prazo ordinário de revisão de dois meses, e nessa medida prorroga-se por mais três meses o prazo máximo da medida cautelar de internamento, que fica assim fixado no dia 10-8-2020."
IX - Quanto ao primeiro parágrafo acima transcrito, salvo o devido respeito por melhor opinião, não parece legítima a referência, de forma pejorativa, "aos formalismos processuais", quando são invocados pelo Ministério Público (no interesse do menor S________, no caso) e invocar os "formalismos processuais" quando são úteis a quem proferiu aquele despacho.
Afinal, os Tribunais servem para aplicar a Lei e os "formalismos processuais" são, nada mais, nada menos que a aplicação dessa mesma Lei.
X - Não se consegue alcançar como uma pandemia torna um processo de grande simplicidade, num de especial complexidade, nem tal está devidamente fundamentado, como impõe a parte final do art.º 60º da LIE.
XI - Aliás, o n.º 9 do art.º 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, dispõe que "No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os actos e diligências em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente, diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente... desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridade de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes" (negrito nosso).
XII - Importa referir que estão acautelados os meios electrónicos para realização da audiência em segurança, existindo a possibilidade de realização de videoconferências, uma vez que foram criadas recentemente, nesta comarca de Lisboa Oeste, dez salas de videoconferência multiponto com três ou mais sistemas/intervenientes e com o endereço https://www.webex.com, pelo que não há qualquer razão para se violar o disposto no nº 1 do art.º 60º da LTE.
XIII - Assim, ao prorrogar a medida cautelar de guarda do menor S________, por mais três meses, num total de seis meses, com fundamento na inexistência de condições de segurança (por motivo da pandemia em curso e que tal facto, transforma um processo de grande simplicidade, num de especial complexidade) para realizar a audiência a que se refere o art.º 115º da LTE, o Mmo. Juiz violou o disposto no n.º l do art.º 60º da Lei Tutelar Educativa, bem como o nº 9 do art.º 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.
XIV - Deste modo, o douto despacho do Juiz de 10 de Abril de 2020, deve ser substituído por outro que determine a realização da audiência a que se refere o art.º 115º da LTE, em data anterior a 10 de Maio de 2020, de forma a não permitir que o menor S__________ fique sujeito à medida cautelar de guarda em centro educativo, para além de 10 de Maio de 2020.
XV - Sobretudo, deve ser declarada nula e de nenhum efeito a declaração, segundo a qual o presente processo reveste especial complexidade "e nessa medida prorroga-se por mais três meses o prazo máximo da medida cautelar de internamento, que fica assim fixado no dia 10-8-2020."
XVI - Caso se considere que não estão reunidas as medidas de segurança para realização da audiência a que se refere o art.º 115 da LTE (o que se admite, mas não se concede), antes de 10 de Maio de 2020, salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá ser alterada a medida cautelar do menor S_________, para a medida a que se refere a alínea b) do nº 1 do art.º 57º da LTE: guarda do menor S__________ em instituição pública ou privada (de forma a que o menor S__________ não fique sujeito a medida cautelar de guarda em centro educativo, para além de 10 de Maio de 2020).
Contudo, V Exas farão a costumada

10. Em resposta, o menor alegou o seguinte:
1.O menor encontra-se à guarda do Centro Educativo de Caxias Padre António Oliveira desde o dia 10 de Fevereiro de 2020.
2. Por despacho de 24 de Março do corrente ano, foi declarada aberta a fase jurisdicional relativamente ao menor, tendo sido designado o dia 09 de Julho para a audiência de julgamento.
3. Tendo, nesse mesmo despacho, sido prorrogada a medida de guarda do menor em centro educativo, nos termos do art.º 60º da LTE.
4. O Ministério Público veio opor-se invocando, em suma, que a referida medida cautelar extinguir-se-á no dia 10 de Maio de 2020, devendo, por isso, e em consequência, ser alterada a data designada para a realização da audiência, no sentido de permitir uma decisão de primeira instância proferida até ao dia 10 de Maio.
5. Ora, não podemos concordar com tal posição.
6. Com efeito, efectivamente no dia 10 de maio a medida cautelar de guarda extinguir-se-á.
7. Tendo sido designado para a realização da audiência de julgamento o dia 09 de Julho de 2020, ou seja, 2 meses após o terminus da medida de cautelar.
8. Tendo essa medida sido prorrogada ao abrigo no disposto no art.º 60º da LTE, fundamentada pelo Estado de Emergência.
9. Ora, estamos perante uma pandemia, tendo sido decretado o Estado de Emergência pela Lei nº. 1-A/2020, de 19 de Março.
10. Tal facto, por si só, justifica a aplicação do art.º 60º da LTE.
11. Em contexto normal, não concordaríamos, neste caso concreto, que a medida cautelar se prolongasse para além dos três meses.
12. No entanto, não podemos concordar com a posição do Ministério Público de querer antecipar a audiência de julgamento para o mês de maio,
13. Mês este, que de acordo com as atuais previsões da DGS e do Ministério da Saúde, o país deverá estar a atravessar o pico da Pandemia.
14. Fará então sentido realizar uma audiência de julgamento antes da data designada?
15. Deveremos expor ao risco cerca de, pelo menos 19 pessoas, entre testemunhas arroladas, o próprio menor, progenitores, juízes (judicial e sociais), procurador da república, defensora e funcionário judicial, para se realizar o julgamento?
16. E se porventura a criança adoecer?
17. O menor está entregue à guarda do Estado, através de um Centro Educativo. Não tem o Estado a obrigação de o proteger?
18. A situação de pandemia e o próprio Estado de Emergência decretado já justificam a prorrogação.
19. Assim, estamos, sem dúvida, perante uma situação excepcional, extraordinária e de especial complexidade pelo que, no próprio interesse da saúde do menor, deverá ser prorrogada a medida, nos termos do art.º 60º da LTE.
20. Em matéria de duração das medidas cautelares, o artigo 60.º da Lei Tutelar Educativa, prevê que a medida de guarda de menor em centro educativo tem o prazo máximo de 3 meses, prorrogável até ao limite máximo de 3 meses em casos de especial complexidade devidamente fundamentados.
21. Assim o objecto do presente recurso cinge-se essencialmente em saber se existem motivos de especial complexidade dos autos para a prorrogação da medida cautelar de guarda de menor em centro educativo e se estes estão devidamente fundamentados.
22. Como já referimos, consideramos que a Declaração do Estado de Emergência face à pandemia que assola o país, por si só é suficiente.
23. No entanto, e à cautela, teremos de pôr nos pratos da balança dois princípios constitucionais, o direito à liberdade e o direito à saúde.
24. Se o art.º 27º nº. 1 da CRP define que “Todos têm direito à liberdade e à segurança”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”,
25. Por outro, o art.º 64º, nº. 1 da CRP define que “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.”
26. Se estes dois princípios constitucionais colidirem devemos então nortear a nossa decisão pelos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade.
27. Nesse sentido o próprio preambulo do Decreto 2-A/2020 de 20 de Março refere que “A democracia não poderá ser suspensa, numa sociedade aberta, onde o sentimento comunitário e de solidariedade é cada vez mais urgente. Assim, o presente decreto pretende proceder à execução do estado de emergência, de forma adequada e no estritamente necessário, a qual pressupõe a adopção de medidas com o intuito de conter a transmissão do vírus e conter a expansão da doença COVID-19. Estas medidas devem ser tomadas com respeito pelos limites constitucionais e legais, o que significa que devem, por um lado, limitar-se ao estritamente necessário e, por outro, que os seus efeitos devem cessar assim que retomada a normalidade.”
28. Ora, é mesmo isso que se pretende -conter a transmissão do vírus e conter a expansão da doença COVID-19 – quer em relação ao menor, quer em relação a todas as outras pessoas que terão de estar presentes.
Assim, salvo melhor opinião, parece-nos ser mais sensato não expor o menor, e os demais intervenientes ao risco de serem contaminados pelo novo vírus COVID-19, devendo, desta forma, a medida cautelar de guarda em Centro Educativo ser prorrogada, mantendo-se a data de julgamento já designada.

11. Pela Exª PGA foi apresentado parecer, com o seguinte teor:
O recurso interposto pelo Ministério Público a 27 de Março de 2020 não foi admitido pelo despacho proferido a 10 de Abril de 2020, (data da sua assinatura electrónica) – fls. 10 a 13 e 24v a 25.
Objecto de reclamação, foi a mesma indeferida pelo despacho da Exma. Senhora Desembargadora Presidente Interina, proferido a 8 de maio de 2010, no Proc. 85/20.3T9MFR-A. L1, de que fui notificada.
Os presentes autos de recurso visam, pois, o recurso interposto pelo Ministério Público a 14 de Abril de 2020, do despacho proferido a 10 de Abril de 2020 (data da sua assinatura electrónica) na respeitante à prorrogação da medida cautelar – fls. 23 a 30.
Tem, assim, por objecto este recurso a prorrogação por 3 meses, em sede de revisão, da medida cautelar de guarda em Centro Educativo aplicada a S__________, com o fundamento na especial complexidade essencialmente decorrente da pandemia Covid 19.
Aderimos à fundada argumentação constante da motivação de recurso do Ministério Público junto da 1ª instância,
Salienta-se ainda que o requerimento para a abertura da fase jurisdicional foi elaborado a 18 de Março de 2020, sendo imputada a S__________ a prática de factos qualificados como um crime de ofensas à integridade física grave e um crime de ofensa à integridade física por negligência, arroladas 9 testemunhas e como prova documental, além do mais, o relatório social com avaliação psicológica (peça processual essa que consultei via electrónica, uma vez que a certidão apenas está instruída com a sua 1ª página).
Ora, os Processos Tutelares Educativos relativos a menores sujeitos a medida cautelar de guarda em Centro Educativo têm natureza urgente, nos termos do art.º 44º, nº 1, da Lei Tutelar Educativa.
A medida cautelar de guarda em Centro Educativo tem o prazo máximo de três meses e é prorrogável até ao limite máximo de mais três meses, nos casos de especial complexidade devidamente fundamentados, conforme o disposto no art.º 60º, nº 1, da Lei Tutelar Educativa.
As medidas cautelares extinguem-se quando tiver decorrido o prazo máximo de duração – art.º 64º, nº 1, a), da Lei Tutelar Educativa.
Da conjugação destes artigos resulta que os prazos de duração da medida cautelar de guarda em Centro Educativo são imperativos. Em regra, 3 meses e nos casos de especial complexidade mais 3 meses, no total de 6 meses.
Aliás, como não podia deixar de ser, por se tratar de uma medida restritiva da liberdade do jovem. É fortemente limitativa, restringindo direitos fundamentais.
Neste sentido já se pronunciou o ACÓRDÃO do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2009, DR, 33, Iª SÉRIE, 17-02- 2009, P.1128-1141, onde se lê “Entre elas figura a de guarda em centro educativo que não pode exceder 3 meses, prorrogável até ao limite máximo de mais de 3 meses, em casos de especial complexidade devidamente fundamentados — artigos 57.º, alínea c), e 60.º, n.º 1, da LTE — integrando-se, ab initio, intimamente na teleologia do processo, mostrando-se dominadas pelos princípios da tipicidade, necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precariedade — artigos 56.º, 57.º, 58.º, n.º 1, 61.º e 62.º da LTE”.
Note-se que conforme jurisprudência fixada neste Acórdão «Não há lugar, em processo tutelar educativo, ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo, quando, sujeito a tal medida cautelar, vem, posteriormente, a ser-lhe aplicada a medida tutelar de internamento».
O estado de emergência decorrente da situação de pandemia podia fundamentar a especial complexidade?
Ora, como bem refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março relativa às medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-COV-2 e da doença COVID-19 estabelece no art.º 7º, nº 9 que se realizam apenas presencialmente os actos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
O legislador pronunciou-se, pois, expressamente sobre os processos tutelares educativos de natureza urgente e impôs a sua tramitação e a realização da audiência. Devem para o efeito ser adoptadas as medidas adequadas à sua concretização, designadamente como o recurso a videoconferências.
Discordamos, pois, da necessidade de recurso a qualquer interpretação actualista, como a defendida pelo Mº Juiz “a quo”.
Acresce que, no caso concreto também a falta do relatório pericial de avaliação do dano corporal não se mostra essencial e fundamento da atribuição da especial complexidade, como bem defende o Ministério Público junto da 1ª instância.
A atribuição de especial complexidade que fundamentem a prorrogação da medida cautelar de guarda deve fundar-se em “critérios objectivos que revelem uma dificuldade adicional e extravagante no desenrolar do procedimento, não se devendo cingir apenas ao apuramento dos indícios dos factos correspondentes aos crimes cometidos pelo jovem mas também à indagação da sua realidade social, passada e contemporânea e de prognose quanto a quando ao futuro, bem como ao apuramento da sua personalidade” in Ac. da Relação do Porto, de 27.10.2010, relator Sr. Desembargador Joaquim Gomes, processo 1794/09.3TBVNG-B.P1.
Em suma, acompanhando-se a posição do Ministério Público junto da 1ª instância, entendemos que, por um lado, a conhecida pandemia que determinou que fosse decretado o estado de emergência e mais recentemente a situação de calamidade, e, por outro, a falta de relatório pericial, (já junto), não tornam por si só o caso dos autos de especial complexidade.
Atento o tempo entretanto decorrido, emite-se parecer no sentido da revogação do despacho recorrido e a substituição da medida cautelar de guarda em Centro Educativo pela medida cautelar de guarda em instituição pública ou privada, a que se refere art.º 57º, nº 1, b), da Lei Tutelar Educativa tal como proposto pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, pugnando-se pela procedência do recurso.

II – fundamentação.
Cumpre decidir.
1. A primeira questão que o presente recurso suscita é o da sua admissibilidade.
Senão, vejamos.

2. Determina o art.º 121 da LTE:
Admissibilidade do recurso
1 - Só é permitido recorrer de decisão que:
a) Ponha termo ao processo;
b) Aplique ou mantenha medida cautelar;
c) Aplique ou reveja medida tutelar;
d) Recuse impedimento deduzido contra o juiz ou o Ministério Público;
e) Condene no pagamento de quaisquer importâncias;
f) Afecte direitos pessoais ou patrimoniais do menor ou de terceiros.

3. No caso, a decisão proferida não se inscreve em nenhuma das circunstâncias constantes nas alíneas a) a e), uma vez que, pese embora no despacho ora alvo de crítica se tenha procedido à apreciação da manutenção da medida cautelar, tendo sido apenas alterado o seu regime (que passou para regime semiaberto), a verdade é que o Mº Pº não discorda de tal segmento decisório.

4. Assim, o único fundamento que viabilizaria a recorribilidade do decidido, fundar-se-ia na previsão contida na al. f) do acima mencionado artigo, em conjugação com o disposto no art.º 123.º do mesmo diploma legal (f) Afecte direitos pessoais … do menor …. Têm legitimidade para recorrer: a) O Ministério Público, mesmo no interesse do menor …).
 
5. No caso, o Mº Pº recorre precisamente, no seu entendimento, em defesa e protecção do menor (e no interesse deste), por considerar que a decisão proferida afecta um direito constitucionalmente tutelado daquele, designadamente o disposto no art.º 32 nº2 da CRP – direito a um julgamento o mais célere possível, compatível com as garantias de defesa.

6. Sucede, todavia, que em sede de direitos, não é este o único de que o menor goza, uma vez que lhe é de igual modo constitucionalmente assegurado o direito à protecção da sua saúde, como decorre do disposto no art.º 64.º da CRP. Estamos, pois, perante uma questão de colisão de direitos.

7. Fundando-se a decisão recorrida na prevalência da protecção do direito à saúde sobre o direito à celeridade processual, tendo-se o menor pronunciado expressamente no sentido de entender que, atenta a acima mencionada sobreposição de direitos, entendia que devia ser dada primazia ao primeiro direito enunciado (à protecção da sua saúde, bem como a de terceiros), dando o seu acordo, nos circunstancialismos então vigentes, a tal primado, terá de se entender que a decisão recorrida não se insere na mencionada al. f) e/ou, que não assiste legitimidade ao Mº Pº para, em nome do menor, pretender reverter uma decisão que acolhe um dos seus direitos constitucionalmente protegidos.

8. E essa conclusão mostra-se ainda reforçada pelas consequências que resultariam da eventual procedência do recurso.

9. De facto, ultrapassada que se mostra a data de 10 de Maio de 2020 (que já se mostrava esgotada quando este recurso foi distribuído a este TRL – em 20.05.2020), a não ser legítima a prorrogação realizada, o resultado seria, em primeira linha, a cessação da medida cautelar.
Nesse contexto, poder-se-ia dizer que o recurso, tendo por efeito a cessação do internamento, poderia (a ser dada razão ao recorrente) determinar um efeito de sobreposição do direito ao não confinamento institucional; isto é, que o interesse do menor que o recorrente pretendia assegurar seria o do acautelamento da restrição da liberdade do menor (diga-se todavia, en passant, que esse entendimento seria contraditório com o facto de o próprio ora recorrente ter promovido, na abertura da fase jurisdicional, a imposição ao menor de medida tutelar de internamento em regime semiaberto).

10. Sucede, todavia, que o que é peticionado neste recurso, nessa eventualidade (ultrapassagem do prazo de 3 meses, no momento do seu conhecimento) não é o de cessação de tal medida cautelar, mas antes que ao menor seja aplicada a medida cautelar a que se refere a alínea b) do nº 1 do art.º 57º da LTE: guarda do menor S__________ em instituição pública ou privada.

11. Em síntese, o que se peticiona, neste recurso, neste momento temporal, é que o menor continue cautelarmente em situação de internamento, mudando-se apenas o local onde tal medida será cumprida (de centro educativo para outro tipo de instituição, que se desconhece sequer de que natureza ou situação geográfica).

12. E aqui, cabe perguntar – qual é o direito do menor que o Mº Pº pretende acautelar?
E mais: afirmando o próprio menor, que se mostra bem adaptado ao Centro Educativo onde presentemente se encontra (6. A verdade é que o menor sente-se bem no Centro Educativo.), mostrando-se bem-sucedida a sua adaptação à vida na instituição (acatando regras, mostrando-se receptivo à aprendizagem, respeitando técnicos e pares, com relacionamento pacífico, como o próprio refere), cumpre perguntar em que medida é que a sua mudança para uma nova (e desconhecida) instituição, forçando-o a um novo período de adaptação, com prognóstico desconhecido, pode ainda que remotamente ser entendido como a defesa de um direito do menor?

13. A resposta, segundo creio, é simples – não pode.
De facto, um recurso cujo único pedido ainda temporalmente subsistente – e é apenas face às circunstâncias específicas deste caso, que cumpre apurar do preenchimento dos requisitos constantes na al. f) do mencionado art.º 121º da LTE – se reconduz à transferência de um menor de um local de internamento para um outro, sem que haja qualquer alegação de a sua permanência neste Centro Educativo específico determinar, seja porque razão for, a violação de qualquer direito seu (dir-se-ia até que, em sentido inverso, o que decorre dos autos é que tal alteração seria perturbadora da adaptação à instituição que o próprio menor invoca), não é de passível integração no citado normativo.

14. Na verdade, não se vislumbra – nem o recorrente esclarece – em que medida a transferência do menor para outra instituição permitirá dar satisfação a um seu qualquer direito, que a sua manutenção no actual Centro lhe nega.
E se assim é, resta concluir que o recurso interposto não pode ser admitido, por não ser enquadrável em nenhuma das alíneas do art.º 121 da LTE.

15. A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior, como prescreve o n.º 3 do artigo 414.º do C.P.Penal.
Assim, impõe-se rejeitar o recurso interposto pelo Mº Pº, o que obsta a que se conheça de mérito, nos termos do disposto nos art.ºs 414 n.º 2, 417 nº6 al. b) e 420 nº1 al. b), todos do C.P.Penal.

III – decisão.
Face ao exposto, rejeita-se o recurso interposto pelo Mº Pº, por inadmissibilidade legal.   
Sem tributação.
Dê imediato conhecimento do teor desta decisão ao tribunal “a quo”.
Dê igualmente imediato conhecimento desta decisão à Exª Sr.ª Juiz-Presidente Interina deste TRL, tendo em atenção o que se mostra vertido na parte inicial desta decisão (vide Notas prévias; B. Da competência em razão da matéria da secção criminal deste TRL, em sede de processos tutelares educativos).

Lisboa, 29 de Maio de 2020
Margarida Ramos de Almeida