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ARRENDATÁRIO
VENDA DO LOCADO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Sumário
- Nos termos do art.º 1091º nº 1 a) do Código Civil, na redacção dada pelo NRAU, em caso de venda de prédio não constituído em propriedade horizontal, não assiste ao arrendatário de um fogo de tal prédio qualquer direito de preferência, quer em relação à totalidade do prédio quer em relação à parte locada. - Actualmente, o direito de preferência do arrendatário circunscreve-se ao caso de prédio constituído em propriedade horizontal, dispondo o arrendatário de uma das fracções autónomas do direito de preferência em caso de venda ou dação em cumprimento dessa mesma fracção.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A, veio intentar e fazer seguir contra B e C, a presente ação declarativa com processo comum, pedindo:
a) Seja reconhecido à Autora o direito de preferência na compra e venda outorgada no dia 10 de setembro de 2014, entre a 1ª Ré, como vendedora e a 2ª Ré, como compradora, tendo por objeto o prédio urbano (do qual faz parte integrante a loja arrendada à preferente com entrada pelo n.º …), não afeto ao regime da propriedade horizontal, localizado na Rua da Prata, n.ºs …. a …, tornejando para a Rua da Assunção, n.ºs …, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 156, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1488 da freguesia de Santa Maria Maior (anteriormente sob o artigo 142 da extinta freguesia de São Nicolau);
b) Serem ambas as Rés condenadas a abrir mão do identificado prédio a favor da Autora, mediante o pagamento, por esta, do preço no montante de €375.000,00 (Trezentos e setenta e cinco mil euros), que vai depositar;
c) Ser, por consequência, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio urbano (do qual faz parte o local arrendado), declarado pertencente à Autora, mais se ordenando o cancelamento do registo de aquisição, na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a favor da 2ª Ré;
d) Ser a 2ª Ré condenada a restituir à Autora todas as rendas que esta venha a pagar-lhe desde a vencida a partir do dia 01 de junho de 2015 e até ao trânsito em julgado da sentença ou acórdão condenatório. Factos apurados
1- A 2ª Ré é proprietária do prédio urbano, não afeto ao regime da propriedade horizontal, localizado na Rua da Prata, n.ºs ……, tornejando para a Rua da Assunção, n.ºs ……., freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 156, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1488 da freguesia de Santa Maria Maior (anteriormente sob o artigo 142 da extinta freguesia de São Nicolau).
2- A data de constituição da sociedade, aqui 2ª Ré, é de 07.08.2014.
3- Desde 27.08.1919, pelo menos, que a Autora tomou de arrendamento a loja com o n.º 192 do prédio supra identificado, a qual destinou à actividade do seu comércio que tem por objeto a exploração de drogas, perfumarias e congéneres.
4- O dito contrato mantém-se em vigor, sendo, por conseguinte, a Autora, arrendatária comercial da aludida loja até à presente data.
5- Por carta registada com aviso de receção, datada de 13 de fevereiro de 2015, a legal representante da 2ª Ré veio comunicar à Autora, para além do mais, o seguinte: (...)"Assunto: Exercício do direito de preferência (...) B , sócio-gerente da empresa C, proprietária do prédio sito na Rua da Prata, 190 a 192, tornejando para a Rua da Assunção, n.ºs 25, 27, 29 e 31, bem como da loja da qual V. Exa é arrendatário, vem nos termos do Art.º 416 do Código Civil, comunicar-lhe a minha intenção de efetuar a venda do referido prédio, ficando V. Exa. com o prazo de oito dias para se pronunciar quanto ao exercício do direito de preferência que lhe assiste. Os termos da referida venda, acompanham esta carta, nomeadamente uma cópia do contrato de promessa de compra e venda, onde estão devidamente expressos os termos e condições do negócio."
6- A aquisição do imóvel identificado em 1) encontra-se registado a favor da 2ª Ré na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, pela apresentação 2494 de 10.09.2014 da CRP de Caldas da Rainha.
7- Por escritura pública celebrada em 10 de setembro de 2014, no Cartório da Dra. AAG, em Miraflores, a 1ª Ré declarou vender à 2ª Ré o imóvel identificado em 1), pelo valor de €375.000,00.
8- Após tomar conhecimento dos factos referidos em 6) e 7), a Autora respondeu à 2ª Ré, através de carta registada com aviso de receção, datada de 23 de fevereiro de 2015, comunicando-lhe, para além do mais, o seguinte: (...) "Assunto: Exercício de direito de preferência (...) Tivemos agora conhecimento através da vossa missiva de que o prédio onde se insere a loja sita na Rua da Prata, n.º 192, em Lisboa, da qual a nossa empresa é arrendatária comercial, foi objeto de venda à vossa sociedade C, sem que nada nos tenha sido comunicado. Ora, atribuindo-nos a Lei o direito de preferência e tendo esse direito sido preterido, vimos, na indicada qualidade, manifestar a intenção de exercer o invocado direito sobre o prédio urbano melhor identificado na vossa carta, pelo preço de €375.000,00 (Trezentos e setenta e cinco mil euros), de acordo com os termos e condições constantes da escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial da Dra. AAG, em Miraflores, no dia 10 de setembro de 2014, e cuja cópia ora se junta em anexo. Propomos assim solucionar a questão extrajudicialmente mediante o pagamento do aludido preço para realizar o negócio desde que da vossa parte haja disponibilidade para nos reconhecerem o preterido direito. Nesta conformidade, colocamo-nos desde já à disposição para agilizar a situação do problema, solicitando, para o efeito, o agendamento de uma reunião, no prazo máximo de 8 dias, sob pena de, não o fazendo, nos vermos forçados a desencadear de imediato a ação de preferência nos termos legais, com depósito do mencionado preço, impostos e despesas resultantes da aludida transmissão."
9- Carta essa que foi igualmente remetida com conhecimento a FF, pessoa que figura como promitente-comprador na cópia do contrato promessa de compra e venda anexa à carta mencionada em 5).
10- Só após receção da carta registada com aviso de receção, datada de 13 de fevereiro de 2015, a Autora teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação da 1ª Ré a favor da 2ª Ré, ao examinar no dia 20 de fevereiro de 2015 o teor da escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial da Dra. AAG, em Miraflores.
11- A presente ação encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, pela apresentação 3987 de 2015.06.09.
Em audiência prévia foi proferida esta decisão:
"Termos em que se considera que, face à redação do art.º 1091º nº 1 al. a) do CC em vigor à data do ato de disposição, a aqui autora não era titular do direito legal de preferência ..." e como tal a acção foi julgada improcedente e os RR absolvidos do pedido.
É esta decisão que a A impugna, formulando estas conclusões:
I- A Recorrente discorda da decisão, no que toca à improcedência do peticionado, pois salvo o devido respeito, uma rigorosa consideração da factualidade apurada e o seu adequado enquadramento jurídico impunham uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal «a quo».
II- A sentença recorrida debruçou-se sobre a alteração legislativa, dando ênfase à expressão -local arrendado Código Civil, o que manifestamente vai contra todos os mais elementares princípios de direito consagrados, razão pela qual não poderá a Recorrente conformar-se com a conclusão tão simplista alcançada a este propósito.
III- Com efeito, enraizou-se unanimemente na nossa Doutrina e Jurisprudência, que quando não se achasse instituído o regime da propriedade horizontal e o direito de preferência existisse a favor dos locatários, o arrendatário de uma parte podia exercer o direito de preferência em relação à totalidade do prédio vendido onde o locado se inserisse (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.09.1981, BMJ 409-779, de 10.04.1986, BMJ 356-333, de 03.10.1989,BMJ 390-408, e de 28.01.1997, in CJ, STJ, T I, ano I, pág. 77, Acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 25.07.1985, CJ X- 4-241, de 16.06.1988, BMJ 378-785, de 04.7.1989, BMJ 389-646).
IV- Os entendimentos unânimes assentavam, quer na finalidade do próprio instituto da preferência e a sua correlação com a consagração constitucional, quer na previsão de licitação entre os vários preferentes (que não se colocava pois no caso de arrendatários de fracções autónomas de prédio constituído em propriedade horizontal), cujo campo de aplicação se encontrava direcionado aos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal com direito de preferência quanto à totalidade do prédio.
V- O Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro, que instituiu o RAU, manteve a opção legislativa instituída pela Lei n.º arrendatário de prédio urbano ou da sua fração autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano
VI- Da redacção do preceito supra com os artigos 1117º e 1119º do Código Civil, resultava que não obstante a referência a local arrendado , o Legislador pretendeu manter a valoração que era feita em textos anteriores perante a Jurisprudência dos nossos tribunais, o que veio a reforçar o entendimento generalizado de que o arrendatário de parte indivisa, teria direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano.
VII- A nossa Doutrina sustentava que tal direito de preferência poderia e devia ser exercido quanto à totalidade do prédio, baseando-se essencialmente em 3 (três) argumentos:
- (i) Alargamento do direito de preferência a todos os arrendamentos urbanos vinculísticos, e a consagração de novos direitos de preferência;
- (ii) A prédio urbano fracção autónoma plicando que a limitação feita quanto ao local arrendado apenas se reportasse aos casos de venda de prédio já constituído em propriedade horizontal;
- (iii) A manutenção da norma da licitação em caso de concurso de preferentes, que ficaria desprovida de campo de aplicação caso não se entendesse que estes poderiam preferir na totalidade do prédio;
VIII- Foi desde sempre entendido que o n.º 2 do artigo 47º do RAU, que manda proceder à licitação em caso de concurso de preferentes, ficaria pois sem âmbito de aplicação, caso não se perfilhasse do entendimento de que estes podem preferir na totalidade do prédio (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-05-2007 disponível in www.dgsi.pt).
IX- Na esteira deste entendimento e a acompanhar a nossa Jurisprudência tínhamos pois Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, 6.a Edição, Almedina, 2002, pág. 314; Pinto Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, 3.a Edição, Almedina, págs. 639 e 640; Romano Martinez, in Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 1.a Edição, 2000, pág. 247, nota 1; Pires de Lima/Antunes Varela, in CC Anot, II, cit. anot. 8 ao art.º 47.º RAU; Luís Miguel Monteiro, in Direito e Obrigações Legais de Preferência no Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano, Lisboa,1992, AAFDL; Agostinho Cardoso Guedes, in o Direito de Preferência (2006), 172-208.
X- Com a reforma de 2006, o artigo 1091º do Código Civil, veio dispor, que o arrendatário tem direito de preferência na compra ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos, alterando-se a redacção e introduzindo a expressão local arrendado.
XI- A partir daí começou a questionar-se se esta expressão deve ou não ser interpretada prédio arrendado local arrendado cumprimento de todo o prédio.
XII- local arrendado residência do arrendatário, baseando-se tão-somente no confronto da letra da lei no artigo 47º do RAU de 1990 e do artigo 1091º do Código Civil, não pode merecer qualquer provimento.
XIII- local arrendado, e nem por isso tal facto foi alguma vez impeditivo da interpretação oposta à defendida agora na sentença recorrida.
XIV- Para efeitos de atribuição do direito de preferência, importará, pois, aferir se o local arrendado tem ou não autonomia material ou jurídica em relação à restante parte do prédio, sendo certo que nos casos de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário de parte do prédio, poderá exercer o direito de preferência em relação à sua totalidade.
XV- Assim a introdução local arrendado é por si só, sinónimo de que o Legislador quis restringir o direito de preferência legalmente consagrado ao andar arrendado, excluindo todo o imóvel onde o arrendamento se situa.
XVI- Mesmo com a prédio urbano ou de sua fração autónoma º 1 (agora transportado para o artigo 1091º do Código Civil) e do n.º 2 do artigo 47º da licitação entre arrendatários, se deverá sustentar e acolher o entendimento de Pinto Furtado (Manual do Arrendamento Urbano, Vol II, 2011, 5ª Edição, pág. 816 e ss.), que refere que quando se vende um prédio urbano indiviso que comporte diversas e distintas unidades locadas a diferentes pessoas, a preferência caberá, indistintamente a cada um dos arrendatários, e não apenas relativamente à sua unidade locada.
XVII- Ter-se-á de acolher o entendimento do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 1272/12.8TBCBR.C1, de 23- 06-2015 publicado in www.dgsi.pt do qual resulta precisamente que a local arrendado e onde o arrendamento se situa.
XVIII- A local arrendado ctualmente inserta na alínea a) do n.º 1 do artigo 1091º do Código Civil, surgiu no anterior Regime do Arrendamento Urbano, com o propósito de retirar dúvidas quanto à extensão do objecto da preferência do arrendatário nos casos em que o inquilino habitava uma fracção autónoma de um prédio em propriedade horizontal (Pinto Furtado, por exemplo, (Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 1988, pág. 327) entendia que no caso da venda de um prédio constituído em propriedade horizontal, os arrendatários das diversas frações autónomas deveriam ser chamados a preferir sobre a totalidade do prédio e não sobre cada uma das respectivas fracções.
XIX- Pelo que, não se alcança qual o fundamento da tese que sustenta que tal expressão veio estabelecer um corte com o anterior entendimento,ainda, para mais quando, nem sequer existe preâmbulo da Lei, do qual se possa retirar para interpretar e valorar qual o real intento do Legislador.
XX- Também Arão Seia defendia que a extensão do direito à globalidade do prédio fundamentava-se na protecção do interesse do inquilino, que seria um dos objectivos da preferência do arrendatário (cfr., cit., pág. 327.
Seguindo a mesma orientação, Henrique Mesquita, postos (Lei n.º in O Direito, ano 120, tomos I-II, Coimbra, Almedina, 1988, pág. 189.).
Veja também neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto,de 19/03/2002, bem como, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2010, de 12/11/2009 e de 20/10/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt
XXI- Na realidade se o Legislador tivesse visado dar um novo rumo, não haveria porque aquele, não o deixar expresso na Lei e/ou em legislação avulsa, ou até no preâmbulo da Lei ou textos de apoio à mesma,precisamente por consubstanciar um corte total com a unanimidade do entendimento perfilhado pela Jurisprudência e Doutrina.
XXII- Acresce que, não existem alicerces para a teoria de que num momento o direito de preferir consagrado se verifica quanto à totalidade do prédio quando o mesmo não se encontra constituído em propriedade horizontal, e num momento posterior, sem qualquer enquadramento ou explicação expressa da vontade do Legislador nesse sentido, se vá concluir que afinal não se poderá permitir o exercício do direito de preferência com essa extensão e/ou expansão, por tal significar atribuição de uma vantagem ao arrendatário que transcende o fim da Lei.
XXIII- Feito esse raciocínio, facilmente se alcançará que tal restrição ao direito de preferência mais do que ilegal e infundada, não encontra suporte jurídico para o efeito, assentando antes sim em meras conjecturas e suposições sobre a vontade do Legislador.
XXIV- Do elemento literal da L o arrendatário tem direito de preferência 1091º nº 1 do Código Civil) e não que o arrendatário de parte de um imóvel não constituído em propriedade horizontal não tem direito de preferência.
XXV- O preceito consagrador encontra-se assim manifestado pela positiva e não pela ne fracção prédio urbano ram do que tentar simplificar a redacção do preceito que concede semelhante direito. Tanto assim é que se manteve a regulamentação quanto à licitação entre preferentes, não a eliminando totalmente do nosso ordenamento jurídico.
XXVI- Aliás, tal como foi defendido pelo Dr. António Agostinho Guedes, in O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica do Porto, 2006, a págs., 369, 371 e especialmente a págs., 402 e ss, dever-se-á estabelecer uma analogia com a situação descrita no artigo 417º Código Civil (venda de coisa juntamente com outras), pois se no caso de o vinculado à preferência vender o bem onerado juntamente com outros o direito do preferente se estende às demais coisas vendidas (ou a vender) então, por maioria de razão, se deverá entender que o preferente tem direito de preferir quando se vende um imóvel que lhe estava parcialmente arrendado, ainda, para mais quando, o mesmo não se encontra constituído em propriedade horizontal, como é precisamente o caso.
XXVII- O elemento sistemático constante do artigo 417º do Código Civil, leva-nos a compreender que o Legislador optou claramente por dar prevalência ao interesse do preferente numa circunstância idêntica à tratada nestes autos, pelo que não haverá como não reconhecer à preferente, aqui Recorrente, o direito a preferir.
XXVIII- Caindo assim por autonomização do bem não se encontrar cabimento jurídico metodológico à luz do artigo 9º do Código Civil, pois sequer existe qualquer indício de fundamento nos regimes conexos e paralelo, que possa eventualmente apontar nesse sentido.
XXIX- Além disso, o próprio elemento teleológico da preferência (finalidade de permitir ao inquilino o acesso à propriedade), é prosseguida e alcançada com o próprio reconhecimento expresso por parte das Recorridas de que a Recorrente tem direito de preferência conforme se demonstra do facto 5º dado como provado constante da sentença recorrida.
XXX- Parece-nos pois que a prisão ao elemento literal da expressão com vista à definição do objecto da preferência, não poderá assumir relevância tal, que possa levar a que se afirme que o Legislador pretendeu restringir o exercício de tal direito, eliminando totalmente o mesmo nos casos em que o arrendatário, verificadas todas as condições para o exercício de preferir, não o possa fazer, simplesmente porque o senhorio/proprietário nunca diligenciou no sentido de constituir a propriedade horizontal (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/01/2012, disponível in www.dgsi.pt).
XXXI- Aliás, o Tribunal da Relação de Coimbra veio recentemente (23-06-2015) proferir Acórdão (disponível in www.dgsi.pt), do qual resulta que não se poderá sem mais suprimir um direito reconhecido, e, por conseguinte, defende que o arrendatário de parte do prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, continua a ter perante o disposto no artigo 1091º, n.º 1,alínea a) do Código Civil, direito de preferência sob a totalidade do prédio.
XXXII- Acrescenta ainda tal Acórdão, que a não consagração no artigo 1091º do Código Civil dos precisos termos constantes do artigo 47º do RAU não é de todo decisiva, importando é local arrendado elementos lógico e teleológico da hermenêutica jurídica e a sensata e razoável ponderação dos interesses em dilucidação.
XXXIII- Apelando ainda e também ao elemento histórico, temos de forçosamente concluir que a justificação que preside à atribuição do direito de preferência ao locatário, é precisamente a de facilitar a aquisição do prédio, proporcionando o acesso à propriedade a quem já beneficia de um direito de gozo mais ou menos prolongado no tempo (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,de 04-02-2014) e que, na situação vertente, se traduz num arrendamento em vigor há mais de um século a favor da Recorrente.
XXXIV- O prédio objecto da preferência, não está sequer submetido ao regime da propriedade horizontal, mas antes sim ao regime da propriedade total, não podendo por isso ser alienado de outra forma que não no seu todo.
XXXV- Pelo que, ao decidir da forma como o fez, a sentença recorrida veio tutelar de modo diverso, situações substantivamente iguais, fazendo assim uma discriminação negativa do arrendatário que não obstante usufruir de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal, e que tem relativamente a ele um contrato de arrendamento válido, eficaz e em vigor, nem por isso poderá retirar os mesmos direitos que assiste a um arrendatário de uma fração autónoma,que tem a mesma antiguidade que o primeiro, mas inserido num prédio constituído em propriedade horizontal.
XXXVI- Tal prerrogativa traduz um desvio ao direito de preferência tal qual ele em regra nos é apresentado, porém, a verdade é que in casu, sequer o prédio poderia ser vendido senão como um todo, pois inexiste propriedade horizontal que permita a venda fraccionada, mesmo que o negócio, reitere-se, tenha sido apresentado como um todo e em conjunto, conforme se demonstra do facto 5º dado como provado constante da sentença recorrida.
XXXVII - No caso sub judice, a alienação decidida efectivar pela 2ª Recorrida, o foi efectivamente pela totalidade do prédio e por um preço global, fazendo nascer na esfera da Recorrente e demais arrendatários a quem foi transmitida a mesma faculdade, o direito de preferir nestes mesmos moldes, ou seja, pelo preço global e o prédio no seu todo.
XXXVIII- Mais, a interpretação deste preceito deve guiar-se pelo disposto no artigo 9.ºdo Código Civil, sob pena de violação de norma expressa, que regula a própria actividade dos tribunais.
XXXIX- Não se conhece qualquer preceito que aponte no sentido de uma exclusão do direito de preferência da esfera jurídica dos arrendatários de prédio não constituído em propriedade horizontal. A propósito neste sentido veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 1130/15.0T8VNF- F.G1, de 07-12-2017, publicado na mesma base de dados.
XL- Os tribunais não podem ser alheios às consequências das soluções em disputa. O não reconhecimento do direito de preferência tem um impacto real na sua esfera jurídica: trata-se de um enfraquecimento da frágil posição dos arrendatários e uma restrição dos mecanismos que têm à sua disposição.
XLI- À luz dos diversos elementos interpretativos elencados no artigo 9º do Código Civil,o artigo 1091º do mesmo diploma legal, só pode ser interpretado nos seguintes termos: o direito de preferência de titular de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal estende-se a todo o prédio.
XLII- Merece por isso censura, a decisão aqui recorrida a qual não se encontra em correspondência com o enquadramento legal efectivado,nem com o elemento gramatical, histórico, sistemático e teleológico do direito de preferência, devendo por isso improceder na sua totalidade.
XLIII- E o facto de a 2a Recorrida, C, ter enviado a carta do alegado direito de preferência à Recorrente é sintomática e só por si constitutiva do direito da Autora devendo considerar-se como um pacto de preferência qua tale, sendo certo que essa circunstância foi alegada na petição inicial e traduziu-se num reconhecimento expresso desse direito por parte da senhoria, nos termos do artigo 416º do Código Civil.
XLIV- Sem conceder em tudo o que supra se alegou, estaríamos perante uma situação que claramente e/ou no limite por analogia, se poderá subsumir ao regime do artigo 417º do Código Civil, uma vez que a obrigada à preferência pretendia vender o prédio em conjunto e por um preço global e criou na Recorrente uma situação objectiva de confiança.
XLV- Com efeito, a mesma Recorrida reconheceu e aceitou de forma expressa a existência, na esfera jurídica da Recorrente, de um direito de preferência sobre todo o prédio sub judice e não apenas sobre a loja arrendada.
XLVI- Pelo que, ao decidir da forma como o fez, a Meritíssima Juiz «a quo», salvo o devido respeito, violou o disposto nos artigos 9º, 416º, 417º e 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil e o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, ao fazer a interpretação no sentido de o arrendatário de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não ter direito de preferência sobre a totalidade do prédio, na compra e venda desse mesmo prédio.
***
As RR contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 663 nº 2 ,608 nº 2, 635 nº4 e 639 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil )sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é saber se o arrendatário de uma parte definida ou delimitada do prédio não constituído em propriedade horizontal goza do direito legal de preferência na venda do prédio.
Vejamos
Continuamos a seguir a mesma orientação jurisprudencial expressa no acórdão desta Relação de Lisboa de 8/2/2018 subscrito por nós na qualidade de adjunta [1],por não se vislumbrarem razões para alterar a posição tomada.
Vejamos ...
A lei reguladora do direito de preferência é a vigente à data da celebração do ato de alienação, pois o direito legal de preferência configura uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário que só a prática do negócio translativo da propriedade, sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, o transforma em direito potestativo (cf Ac do STJ de 21.01.2016, proc.º nº 9065/12.1TCLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
In casu, à data da outorga da escritura pública de compra e venda (10-9-2014), vigorava o disposto no art.º 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU)[2], pelo que será à luz deste normativo (aplicável ex vi do disposto no art.º 59º, nº 1, do NRAU), que será apreciado se assiste à autora o direito de preferir, na qualidade de arrendatária comercial.
A questão em análise coloca-nos perante um problema de interpretação da lei, concretamente da norma do artigo 1091º, nº1, al. a), do CC (na redação aplicável), importando, consequentemente, trazer à colação o disposto no art.º 9º, do CC, onde se prescreve que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, no entanto, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Nesta tarefa interpretativa, afigura-se-nos de toda a conveniência começar por delinear, em traços gerais, os antecedentes do regime jurídico do direito legal de preferência do arrendatário consagrado no art.º 1091º, do CC, a fim de percecionar melhor os contornos da questão a decidir.
O Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, reafirmou o direito legal de preferência do arrendatário urbano, para habitação, comércio e indústria ou exercício de profissão liberal e, perante a diversidade de regimes existentes, uniformizou a matéria nos art.ºs 47º a 49º, daquele diploma.
Estabelecia-se, então, no art.º 47º, do RAU que:
"1. O arrendatário de prédio urbano ou de sua fração autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano;
2. Sendo dois ou mais os preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.".
A doutrina e a jurisprudência maioritárias entendiam que, no caso de alienação da totalidade do prédio, não subordinado ao regime da propriedade horizontal, a preferência teria que ser exercida em relação a todo o prédio e, por isso, competiria ao conjunto dos coarrendatários de partes do mesmo imóvel, abrindo-se licitação entre eles.[2]
Posteriormente, o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, manteve a preferência do arrendatário na compra e venda ou dação em cumprimento, repondo em vigor, no seu art.º 3º, o art.º 1091º, do CC[6], com a seguinte redação:
"1 - O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos; (...)
3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º
4 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º.".
A terminologia utilizada não logrou, porém, sanar as dúvidas anteriormente manifestadas no seio do RAU, concretamente quanto à extensão do objeto da preferência do arrendatário, em particular nos casos em que não esteja constituída a propriedade horizontal sobre o prédio.
Porém, o art.º 1091º do C.C., então em vigor, face ao anterior art.º 47º do R.A.U., deixou de fazer referência a «prédio urbano» e a «fração autónoma» (substituindo estas expressões por «local arrendado»). Além disso, eliminou qualquer referência a licitação entre os diversos arrendatários interessados em exercer concorrentes direitos de preferência.
Nesta conformidade, conhecendo o legislador a controvérsia gerada pelo art.º 47º, do RAU e devendo presumir-se que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. art.º 9º, do CC), ao remover - voluntária e conscientemente - do art.º 1091, nº 1, al. a), do CC as expressões que permitiam justificar, segundo alguns, a possibilidade do exercício da preferência sobre todo o imóvel, parece-nos que deixou bem clara a sua intenção de restringir a preferência do arrendatário na venda ou dação do local objeto do contrato de arrendamento («local arrendado») aos casos em que o mesmo seja autonomamente transacionável, o que implica necessariamente a prévia submissão do prédio ao regime da propriedade horizontal.
Acresce que:
-o interesse protegido pelo direito de preferência do arrendatário é precisamente o acesso à habitação ou instalações próprias, permitindo-lhe a continuação da estabilidade jurídica ao dar como findo o arrendamento. Admitir a preferência para além do local efetivamente arrendado traduzir-se-ia numa vantagem dada ao arrendatário que transcende o fim visado pela lei então em vigor.
Seguindo esta mesma orientação, escrevia também José Pedro Carneiro Cadete, in "Da preferência do arrendatário habitacional, 2011, págs.7-8[7], que: "... a extensão do objeto da preferência a todo o prédio indiviso levantava vários problemas, nomeadamente nos casos em que existia mais do que um arrendatário de uma parte daquele. Por outro lado, extrapolava o objetivo da preferência no arrendamento, na medida em que não se limitava a conceder ao arrendatário a propriedade da sua habitação, mas sim de todo um prédio, o que não se revela no seu interesse.".
Em convergência com esta linha interpretativa, e na vigência do art.º 1091º, do CC (na redação aplicável ao caso dos autos e que é - repete-se - a introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro), se tem pronunciado este Supremo Tribunal, designadamente nos acórdãos de 21.1.16, proc. nº 9065/12.1TCLRS.L1.S1, (Tavares de Paiva), de 24.5.18, proc. 1832/15 (relatado pela ora relatora) e de 18.10.2018, proc. nº 3131/ 16.1T8LSB.L1.S1, (Abrantes Geraldes).
Finalmente, a interpretação normativa que acolhemos vai buscar ainda contributos ao disposto no art.º 7º, nº3, da Lei nº 42/17, de 14 de junho, no qual se estabelece que "os arrendatários de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local gozam de direito de preferência nas transmissões onerosas de imóveis, ou partes de imóveis, nos quais se encontrem instalados, nos termos da legislação em vigor".
Esta estatuição legal evidencia a necessidade que foi sentida de assegurar uma tutela específica para os arrendamentos que apresentam as especificidades previstas na citada norma, diferenciando-a da tutela geral que é alcançada pelo regime do direito legal de preferência regulado no art.º 1091º do CC.
Com tal medida o legislador procurou prosseguir o objetivo de tutelar especificamente as chamadas "lojas históricas" que naturalmente, na maior parte dos casos, estão instaladas em edifícios situados nos grandes centros urbanos sobre os quais ainda não incide ou não pode incidir (por falta dos requisitos legais mínimos) o regime da propriedade horizontal.".
Termos em que improcedem as conclusões. Síntese:
- nos termos do art.º 1091º nº 1 a) do Código Civil, na redacção dada pelo NRAU, em caso de venda de prédio não constituído em propriedade horizontal, não assiste ao arrendatário de um fogo de tal prédio qualquer direito de preferência, quer em relação à totalidade do prédio quer em relação à parte locada.
- actualmente, o direito de preferência do arrendatário circunscreve-se ao caso de prédio constituído em propriedade horizontal, dispondo o arrendatário de uma das fracções autónomas do direito de preferência em caso de venda ou dação em cumprimento dessa mesma fracção.
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pelo apelante
Lisboa, 18 de Junho de 2020
Teresa Prazeres Pais
Rui Torres Vouga
Isoleta Almeida e Costa
_______________________________________________________ [1] Cujo relator foi o Sr. Desembargador António Valente e publicado in DGSI [2] Neste sentido, cf. Aragão Seia, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 7ª edição, Almedina, pág. 308; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 568; Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, 3.a Edição, Almedina, págs. 639-640 ss. Em sentido oposto, Oliveira Ascensão, Subarrendamento e Direitos de preferência no RAU, in ROA, ano 51, pág. 68 e Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª edição, Coimbra, pág. 204.
Na jurisprudência, podem consultar-se, entre outros, os acs. do STJ de 28.1.97, CJ/STJ, V, 1°, 77, de 13.2.97, CJ/STJ, V, 1°, 104 e de 2.6.99, CJ/STJ, VII, 2°, 129.