ILEGALIDADE DE OPERAÇÃO DE DESTAQUE
ESCRITURA DE PARTILHA
ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
CONVERSÃO
Sumário

Demonstrando-se a inadmissibilidade legal de uma operação de destaque efectivamente pretendida quando da outorga de escritura pública de partilha, não pode o Tribunal decretar a mesma, mediante anulação parcial da referida escritura pública por erro sobre o objecto e subsequente conversão no negócio pretendido.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
A e B
interpuseram a presente acção comum, contra
C, D, E, F, G, H, I, J e L
Peticionando
Nestes termos, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto  suprimento de Vexa., deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser reconhecido o vício de que padece a escritura de partilhas extrajudicial outorgada aos sete dias do mês de Abril de 2004, no segundo Cartório Notarial de -----, a cargo da Lic. ---, lavrada a fls. 48 a fls 50 do Livro número 184-F das notas daquele Cartório, em que foram interessados e outorgantes A, e marido, M, C e D, e E, em representação dos seus pais N e O, que é causa de anulação parcial, anulando-se, tão só, a parte dispositiva afecta ao destino dado ao logradouro, o qual, por respeito da promessa de destaque e de partilhas, é adjudicado à Autora A mediante a condição de ser destacado do prédio inscrito sob o artigo ..., da freguesia de -----, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ----- sob a ficha ..., e de serem licenciadas as edificações sob os artigos matriciais 2996 e 3347, ambos da freguesia de -----.
Invocam, para tanto, ter a escritura de partilha celebrada em 07-04-2004, de parte dos imóveis deixados por óbito dos ascendentes P e Q, mediante a qual (i) foi adjudicada à autora e ao marido o prédio descrito sob a ficha 11207, (ii) aos réus A e B o prédio descrito sob a ficha ..., ambos da freguesia de ----- e (iii) ter a N visto o seu quinhão preenchido por dinheiro, padecido do vício de nulidade porquanto sempre foi vontade dos outorgantes que um logradouro com cerca de 30 m2 que ainda integra o prédio adjudicado aos réus fosse desanexado e adjudicado em partilha à 1ª autora.
Com efeito, alegam que um prédio que lhes pertence e que habitam desde 1963 tem saída para tal logradouro e daí para o Beco ---, fazendo as autoras uso desse espaço, directa e indirectamente, e dispondo dele, desde a escritura, como seus donos e legítimos proprietários, de forma pública e sem que a tal alguém se opusesse, sendo certo que existiram uns anexos nas traseiras do seu prédio que só tinham saída para a via pública através desse logradouro.
No mais, invocaram terem, inclusive, os herdeiros intervenientes na escritura procurado legalizar essas construções junto da Câmara Municipal de -----, comprometendo-se, então, a desanexar esse logradouro e a adjudicá-lo em partilhas, tendo ficado convencidos na altura da escritura que tal teria sido concretizado, tendo confiado esse procedimento a pessoas habilitadas para o efeito.
Apenas cerca de 15 anos depois da celebração da partilha, e apesar das autoras terem murado e fechado com um portão o referido logradouro, utilizando-o pacificamente, é que se aperceberam do erro cometido na escritura, da qual resulta que esse logradouro teria sido adjudicado ao réu C, tendo este enviado uma carta datada de 04-04-2019 em que reclama a entrega do referido espaço.
Entendem, por isso, verificar-se uma situação de erro sobre o objecto do negócio que determina a anulação parcial da partilha, uma vez que se os declarantes tivessem conhecimento das circunstâncias falsas ou inexactas, não teriam realizado o negócio ou tê-lo-iam realizado em termos diferentes, por forma a que o referido logradouro fosse adjudicado à autora, ainda que tal se encontre dependente da regularização da situação em termos registrais.
Apenas os réus A e B contestaram, na qual invocou a excepção de ilegitimidade passiva por parte dos intervenientes na escritura de partilha terem já falecido, sendo necessária a intervenção na lide de todos os interessados, uma vez que a vontade formada na partilha não pode ser alterada sem a presença de todos os herdeiros.
No mais, suscitaram a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial na medida em que o pedido formulado depende da possibilidade do prédio urbano poder ser dividido por loteamento ou ser objecto de uma operação urbanística, assumindo os autores, inclusive, não terem a certeza do logradouro estar integrado no prédio adjudicado ao réu.
De seguida, suscitaram a excepção peremptória de caducidade uma vez que se encontra decorrido o prazo de um ano a que se refere o art. 298.°, n.° 2, do CC, para os autores exercerem o seu direito, pois têm conhecimento dos factos desde a data da escritura ou mesmo antes, em Fevereiro de 2004, quando procederam à rectificação das áreas na Conservatória do Registo Predial e, se não nessas datas, pelo menos na data em que receberam a carta de 06-04-2019, sendo certo ter a acção apenas dado entrada em juízo em 29-04-2020.
Mais acrescentaram a dedução da excepção de prescrição, por a escritura ter sido celebrada há mais de 16 anos e se encontrar prescrito o direito de requererem a anulação da escritura, invocando ainda que, caso se entenda que, pela presente acção, invocam as autoras a aquisição do logradouro por usucapião, não poderá esta proceder por serem falsos todos os factos alegados relativos à posse do espaço em causa por bem saberem que não lhes pertencia, inexistindo, pois, qualquer posse de boa fé.
Impugnaram, ainda, a factualidade alegada respeitante à escritura de partilha ter sido celebrada em erro, porquanto todo o processo foi acompanhado por uma solicitadora e por a notária ter, certamente, esclarecido os intervenientes, tendo os quinhões sido calculados de acordo com os elementos cadastrais e registrais dos prédios, e tendo em valor o respectivo valor comercial, o que foi aceite por todos os herdeiros que aceitaram a partilha, sem que algum tenha saído prejudicado ou beneficiado. Acresce não ter havido qualquer promessa de destaque e de partilha dessa área, pois tal prejudicaria gravemente o réu que ficaria com menos 30 m2, sem qualquer compensação, não sendo, pois, verdade que a sua vontade fosse essa, a que acresce o facto de serem alheios ao facto do licenciamento não ter sido conseguido.
Finalmente, sustentaram que, ainda que a escritura tivesse sido celebrada com base em erro na formação da vontade, tal não permitiria a sua anulação parcial, mas, eventualmente, a sua anulação na totalidade, uma vez que tal seria ilegal e apenas prejudicaria uma parte.
As autoras vieram responder à contestação defendendo a improcedência da excepção de ilegitimidade por estarem já presentes na acção todos os interessados na escritura, com referência ao direito de correcção da partilha ou não ser necessária a sua intervenção atento o pedido e a causa de pedir em causa nos autos.
Renovaram, ainda, o entendimento segundo o qual o logradouro, devia ter sido desanexado do prédio ... - o que foi adjudicado nas partilhas ao réu C - e anexado ao prédio 2986, tudo como os herdeiros projectaram anteriormente e que faz parte da instrução do processo administrativo camarário para legalização das edificações, tendo a escritura sido celebrada convencidos de que o logradouro já pertencia a este último prédio, pugnando pelo respeito da vontade conjectural dos herdeiros e que corresponde à situação de facto que se seguiu.
Negaram a existência de qualquer ineptidão da p.i., nomeadamente, por formularem um pedido condicionado ao êxito da operação de destaque, a qual corresponde a uma operação urbanística simplificada, sendo que relativamente à caducidade, e não prescrição, alegaram terem-se suspendido os prazos por efeito da legislação relativa ao Covid, nomeadamente, por efeito da Lei n.° 1-A/2020, de 19-03,
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Procedeu-se à realização da audiência prévia, constando da respectiva acta o seguinte trecho:
DESPACHO
Em consonância com o objecto da audiência prévia convocada, na parte respeitante à conformação do pedido de anulação parcial da partilha, convidam-se as autoras a esclarecer o seu pedido para efeitos do petitório incluso no final da Petição Inicial.
Em concreto, quando requerem que seja reconhecido o vício de que padece a escritura de partilhas extrajudicial com a anulação parcial desse acto notarial no que se refere à parte dispositiva afecta ao destino dado ao logradouro, acrescentando “por respeito da promessa de destaque e de partilhas é adjudicada à autora A o referido logradouro”.
Ora, sem prejuízo das questões já suscitadas na contestação relativamente aos efeitos duma anulação parcial, afigura-se-nos que o sentido do pedido formulado na acção e a pretensão materialmente formulada corresponderá não tanto a um pedido de redução do negócio jurídico, nos termos do artigo 292º do CC – que poderá ser incompatível  com a natureza global do próprio acto de partilha – mas antes, a um pedido de conversão dum negócio jurídico, nos termos do artigo 293º do CC, por forma  a que a partilha viciada por erro seja substituída por outro negócio jurídico válido por via da conversão.
Pelo exposto, convidam-se as autoras a esclarecerem se pretendem a conversão do negócio nos termos e para os efeitos do artigo 293º do CC. 
  Dada a palavra ao Ilustre Mandatário das Autoras, pelo mesmo foi dito corresponder ao convite formulado devendo o pedido ser como tal interpretado, tendo a Ilustre Mandatária da Réu contestante dito nada ter a opor.
Foi, então, proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes a nulidade de ineptidão da petição inicial e a excepção de ilegitimidade passiva, tendo em relação à excepção de caducidade sido remetido para final o seu conhecimento por depender da prova a produzir.
Procedeu-se à prolação de despacho de identificação do objecto do litígio e à enunciação dos seguintes temas da prova:
1. A localização, composição, e integração do logradouro no prédio a que se refere o objecto do litigio no prédio adjudicado como verba n.º 1.
2. A utilização feita pelas autoras, por si ou através de inquilinos, desse logradouro remontar a 1963 por estar ao serviço de um outro prédio com o art. 2986 da matriz pertencente às autoras.
3. As diligências de legalização feitas pela autora e pelos outorgantes da escritura junto das autoridades camarárias em 1997 referentes às edificações feitas pela autora nesse prédio e inclusão do logradouro passar a estar incluído nos bens da 1.ª autora.
 4. Tal utilização ter, a partir da data da escritura em 2004, correspondido à colocação de um muro, com um portão com acesso exclusivo às autoras e seus familiares e servido de estacionamento de forma pública.
 5. A vontade dos outorgantes na partilha de desanexação do logradouro e adjudicação à autora.
 6. A insuficiência ou escassez de conhecimento técnicos e jurídicos por parte dos outorgantes na escritura e o terem confiado esses procedimentos a especialistas.
7. A convicção da 1.ª autora de que o logradouro lhe foi adjudicado em partilhas e de que se soubesse que assim não era, não teria outorgado a escritura ou não o teria feito sem a salvaguarda da sua futura desanexação e adjudicação.
8. O conhecimento dessa circunstância pelos restantes outorgantes na escritura e a vontade de todos em que a partilha fosse feita sem essa incorrecção e com adjudicação do logradouro à 1.ª autora.
9. As autoras, desde Fevereiro de 2004, aquando da rectificação das áreas, já terem conhecimento do logradouro estar incluído na verba n.º 1 que foi adjudicado ao réu contestante.
Realizada audiência final, foi proferida sentença, em 20/8/2022, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e, consequentemente, condeno os réus a reconhecerem o vício de erro sobre o objecto de que padece a escritura de partilha extrajudicial outorgada aos 07-04-2004, no 2.° Cartório Notarial de -----, a cargo da Lic. ---, lavrada a fls. 48 a fls 50 do Livro número 184-F das notas daquele Cartório, em que foram interessados e outorgantes A, e marido, M, C e D, e E, em representação dos seus pais N e O, anulando-se a referida escritura e convertendo a mesma numa nova partilha na qual o logradouro, com a área de cerca de 30 m2, identificado na fotografia aérea junta como doc. n.° 22 com a p.i., é adjudicado à autora A mediante a condição de ser destacado do prédio inscrito sob o artigo ..., da freguesia de -----, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de ----- sob a ficha ..., e de serem licenciadas as edificações sob os artigos matriciais 2996 e 3347, da freguesia de -----, mantendo-se no demais o negócio jurídico celebrado.
Custas pelo réu que deduziu contestação.
Notifique e registe.
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Inconformados, os 1º e 2º réus interpuseram recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
Para Vossas Excelências se recorre da decisão, proferida em 05.09.2021, com reapreciação da prova documental e gravada.
1° - O Recorrente não se conforma com a sentença proferida, que julgou a ação procedente, quer no referente à forma como apreciou a prova junta aos autos, quer relativamente ao Direito que aplicou, fazendo com que o decidido não esteja em consonância com a prova produzida, verificando-se um claro erro na apreciação das provas.
2° - Entendem os Recorrentes que a sentença proferida, com o maior respeito, é completamente inexequível e pressupõe a realização de negócios inválidos, nulos, sendo mesmo injusta e imoral
3° - A sentença proferida, reflete uma errada apreensão da realidade e uma errada aplicação do direito, assentando os Recorrentes o seu recurso no erro de julgamento da matéria de facto, pois entende que ficou demonstrado nas suas motivações, a existência de um claro erro de apreciação dos factos e da prova produzida, quer a documental quer a testemunhal.
4° - As AA, mãe e filha, intentaram contra os Réus, ação declarativa de processo comum, pedindo, sob condição, a anulação parcial de uma escritura de partilha realizada em Fevereiro de 2004, no 2.° Cartório Notarial de -----, pedido que alteraram em sede de Audiência prévia para, conversão de negocio jurídico nos termos do artigo 293° do CC, por forma a que a partilha viciada por erro seja substituída por outro negócio jurídico válido por via da conversão.
5° - Os autores da herança eram os pais, N e O, os interessados na partilha foram seus três filhos, os irmãos, A, C e N e seus respetivos cônjuges.
6° - Na data da escritura apenas a N e o seu marido, não estiveram presentes, a escritura foi assinada por um procurador dos mesmos, o filho de ambos, também ele Réu nos autos, em representação de seus pais que entretanto já faleceram.
7° - A Autora A vem ao processo por si e em representação de seu marido, , também já falecido, a A. B vem em representação de seu pai.
8° - Os Réus, são o irmão C e a mulher e todos os herdeiros de N e marido.
9° - Na escritura de partilha celebrada em 7.04.2004, e após uma operação de destaque, foi adjudicada á A. e ao seu marido, uma parcela designada por parcela B, (com a área de 99,22 m2), onde estava implantada a casa dos pais, (prédio que já venderam a terceiros) e ao C uma parcela que ficou designada por parcela A, (com a área de 400,16 m2) tendo sido deste prédio, (designado por parcela A), que era o prédio-mãe, que em fevereiro desse mesmo ano, tinha sido destacada a parcela B.
10° - Quer a ---, já tinham recebido de seus pais, bens imoveis, por isso a N na referida escritura, não recebeu qualquer bem imóvel, apenas viu o seu quinhão preenchido por dinheiro, divisões e quinhões acordados por todos.
11° - Factos que se encontram provados pelos documentos juntos aos autos e conforme factos dados por provados e não colocados em crise pelo ora Recorrente, nomeadamente os factos: 1 a 12, 15 e 25, conforme o facto 39, que o recorrente pretende que seja aditado e ainda conforme documento junto ao processo pelo Reu contestante em 14.06.2022
12° - Fundamentaram as AA. o seu pedido , alegando que a indicada escritura foi celebrada com vicio, pois era vontade de todos os interessados, que uma parcela com cerca de 30 m2, também fosse adjudicada á A. e seu marido, parcela que devia ter sido destacada do prédio mãe, prédio descrito na CRP com o n° ... e inscrito na matriz sob o artigo ...°, prédio que foi adjudicado nessa escritura ao C e a sua mulher.
13° - Apenas o Réu C apresentou contestação, defendendo-se por excepção e impugnação, defendendo que a escritura foi celebrada com a vontade de todos devidamente esclarecida, tendo também sido acompanhados por uma solicitadora.
14° - Juntou documento em 14.06.2022, que consiste em documentos assinados por todos os herdeiros e respeitantes ao processo de pedido de destaque do prédio mãe em duas parcelas, e ao pedido de registo dessas mesmas parcelas na Conservatória Predial, documentos onde se encontra bem discriminado as parcelas, suas configurações e áreas.
15° - As AA. requereram que os Réus E e F, (filho e nora da N e marido já falecidos), prestassem declarações de parte o que fizeram, ele com início ás 10h:04mm e término ás 11h:30mm, ela das 09h40mm ás 10h19mm, conforme registo que ficou gravado no sistema em uso no tribunal.
16° - O Réu E em audiência juntou um documento, admitido pelo tribunal, que é um desenho, uma planta, das duas parcelas, pelo mesmo verifica-se que a área que agora as AA estão a reclamar, fazia e faz parte da parcela A adjudicada ao C, o que está conforme ao destaque que foi feito em fevereiro de 2004.
17° - Documento que prova, que já em Fevereiro de 2004, todos os intervenientes da partilha que foi celebrada em abril desse mesmo ano, tinham conhecimento de qual a divisão das parcelas e das suas áreas.
18° - Este Réu, que na data assinou a escritura de partilha em representação de seus pais, diz claramente que todos sabiam o que iam assinar (ao mm 00:18:57), que era o que estava naquela planta, era o que todos tinham na cabeça, ele é que, na opinião dele se soubesse que a sua tia A ficada sem a área das traseiras de sua casa, é que não tinha assinado, esquecendo-se por completo que a vontade dele era irrelevante.
19° - Mas depois ao mm 00:07:45, diz que na sua opinião, a A ficar com a parcela B (que era a casa da avó), e o C com a A, ficava uma divisão equitativa.
20° - Confirma este Réu que a sua mãe efetivamente já tinha recebido bens de seus pais, por isso naquela escritura não receberia qualquer bem imóvel.
21° - Refere ainda, que os anexos que estavam construídos nas traseiras de casa da AA. A, que estavam alugados, foram demolidos e ai construída a casa da, a A., nada sabendo este Réu sobre áreas.
22° - A Ré F, prestou um depoimento sereno, dizendo que nada sabe sobre a partilha, mas que efetivamente havia uns anexos que estavam arrendados e quem recebia as rendas era o Antonio Assunção, diz ainda que a área que existia na frente dos anexos era utilizada pelos inquilinos.
23° - Com relevância, de forma muito credível, ao mm 00:27:49, diz expressamente que começou a ouvir falar de problemas sobre o logradouro há cerca de 7 anos.
24° - Em audiência foram ouvidas as testemunhas, cujos depoimentos ficaram gravados no sistema em uso no tribunal.
-           …
25° - Depoimentos, cujas partes entendidas pelos Apelantes como relevantes para o presente recurso, se encontram transcritas em sede de motivações.
26° - As testemunhas foram unanimes em dizer que efetivamente, nas traseiras do prédio onde a A vivia, no Beco ---, em tempos havia dois anexos, muito pequenos, anexos que estavam alugados e que quem recebia as rendas era o marido da A e que na frente dos anexos havia um espaço, sem mencionarem qualquer área, que era usada pelos moradores, espaço que segundo a caderneta (dos, 17) era de 8 m2.
27° - Contudo as testemunhas, ---, ao mm 00:16:36, e a testemunha ---, ao mm 00:05:38, dizem claramente que esse referido espaço, era aberto a todos, que era uma rua sem saída, ficando claro que era essa a ideia que as pessoas tinham desse espaço, era um espaço aberto, uma rua que, porque sem saída, era usado pelas pessoas que ali viviam mas que também podia ser usado por todos.
28° - Quer o Réu ---, ao mm 01:04:04, quer a testemunha---, do mm 00:01:56 ao mm 00:04:01, dizem perentoriamente que os referidos anexos foram demolidos, para se construir a casa da A. B.
29° - Ficando igualmente provado pelo depoimento de todas as testemunhas, que os anexos e agora a casa da B, também têm entrada pela estrada principal, pela Rua ---s.
30° - Analisando criticamente, quer as declarações dos Réus, quer o depoimento de todas as testemunhas, tem forçosamente que concluir-se que em tempos existiram dois anexos nas traseiras da casa da A. que os seus moradores utilizavam um espaço que existia na frente do mesmo, que era entendido como sendo uma rua sem saída, espaço que era aberto e que todos podiam utilizar.
31° - Contudo não se provou qual a área desse espaço, nem quais as suas confrontações, e não se provou porque ninguém sabia, nem sequer foi perguntado ás testemunhas,
32° - Acresce ainda, que não ficou provado, porque as AA. não juntaram aos autos qualquer levantamento topográfico ou qualquer outro documento oficial, prova que lhe era exigível, que provasse qual era a área desse referido espeço e suas confrontações.
33° - As próprias AA. na sua p.i. ( artigo 16° e 17°) ), referem que o logradouro com saída para o Beco ---s, tem aproximadamente 30 m2, e dizem que não sabem se a referida área integra ou não o prédio dos Apelantes.
34° - Não podendo o Meritíssimo Juiz a quo, com fundamento nestes depoimento e declarações, remetendo ainda para o doc. 22, 27 e 28, dar como provado que efetivamente aquela área tem 30 m2 e que é a área, o local, que as AA. referem no seu articulado como sendo o logradouro.
35° - E verdade que o doc. 22, foi visionado por todas as testemunhas e pelos declarantes, e todos identificaram o espaço, mas esse documento não passa de uma mera copia de uma fotografia aérea tirada do Google map, sendo que mal estaria a nossa justiça se fosse possível provar áreas e localização de prédios com fotos aéreas tiradas da gogle, mal se estaria se fosse possível registar áreas e prédios com recurso apenas a essas fotos
36° - Também os doc.s 27 e 28, não passam de meros desenhos, feitos não se sabe por quem, desconhecendo-se quem ali identificou os artigos e as áreas, sequer se as mesmas correspondem á realidade.
37° - Acresce que todos esses documentos foram devidamente impugnados pelo Réu na sua contestação.
38° - Ora não tendo as AA juntado aos autos qualquer levantamento topográfico, que com certeza identifique o alegado logradouro, suas áreas e confrontações, tudo elementos essenciais quer para provar a sua área e localização, quer mesmo para efeitos de registo, não pode o Meritíssimo Juiz a quo dar como provado, nem a área da parcela, nem a sua localização.
39° - Muito menos juntam as AA. qualquer comprovativo de que a Câmara Municipal, na data de hoje autoriza a legalização das duas casas das AA., sequer juntam qualquer comprovativo de pedido de legalização das mesmas na respetiva Câmara,
40° - Quanto aos documentos juntos aos autos pelas AA., e conforme a analise critica e detalhada já feita aos mesmos em sede motivações, não são os mesmos susceptiveis de dar como provados os factos assim considerados pelo tribunal a quo.
Vejamos,
41°- Os documentos juntos com os números, 6 e 7 - Certidão predial e caderneta predial, provam que o prédio descrito na CRP de ----- sob a ficha com o n° ... e inscrito na matriz sob° o n° ..., tem a área de 400,16 m2 e encontra-se registado a favor do Réu C, por partilha de 07.04.2004,
42° - Mais provam o facto de, na data não ser possível fazer qualquer outro destaque ao prédio registado na CP com o n° ..., nomeadamente não teria sido possível fazer o destaque de qualquer outra parcela, (do pretendido logradouro que se discute nos autos), para o adjudicar á A. A e ao marido, pois com a divisão - destaque - efetuado pela CMC do prédio ... em parcela A e parcela B, ficou esgotada a possibilidade de qualquer outro destaque, de qualquer outra desanexação,
43° - Não sendo possível desanexar ou destacar qualquer outra parcela para adjudicar á A  A e marido, pois conforme esta certidão predial do prédio ..., verifica-se e prova-se que o prédio ficou com o ónus de não fracionamento por 10 anos, a contar desde 18.02.2004.
44° - Os documentos 17 e 21, são cadernetas, e provam o facto de os anexos, com a área de 32,00 m2, com área de construção de 24 m2 e de logradouro de 8 m2, sitos na Rua --- n° 1024, (não com entrada para o Beco), no ----, se encontrem registados nas finanças desde 1971, tendo registado como o titular do direito aos rendimento o marido e pai das AA., não se provando pela mesma quem são os seus proprietários, pois não foi junto aos autos qualquer certidão predial a provar quem é ou quem eram os seus proprietários.
45° - Os documentos, 23, A, B, C, E, F, 24, A, B, C, D e E , 25 E 26, foram impugnados para todos os efeitos legais, são documentos referentes a um projeto de arquitetura de 1997, não provando as AA porque não foi concluído, pela analise dos mesmos não fica claro a que prédios se refere, pois a verdade é que nessa data os anexos os artigo artigo 2986°, já não existiam, tinham sido demolidos, também destes documentos, não consta qualquer referência a nenhum logradouro
46° - Os documentos 27 e 28, também valorados positivamente pelo Meritíssimo juiz a quo, para determinar a área e localização do logradouro, não foram visionados por nenhuma testemunha, foram impugnados pelos Réus contestantes, e não é possível pelos mesmos determinar onde os prédios se situam, quais são as suas áreas, quais as suas confrontações , as suas identificações registrais, tudo elementos essenciais para se identificar um prédio, trata-se de meros desenhos elaborados não se sabe por quem, nem como,
47° - Acresce ainda dizer , que todos esses documentos, apresentados referem-se a factos e situações muito anteriores á realização das partilhas, não podendo ser valorados como entendimento para a realização das mesmas, pois nessa data nem sequer exista a parcela B que foi adjudicada á A. A em 2004, pela escritura de partilhas, que foi “criada” em 2004 pela operação de destaque
48° - O doc. 30, valorado pelo tribunal positivamente, não identifica o prédio em causa, não se podendo dar como assente que se refere ao prédio inscrito na matriz com o artigo 2986°, (os referidos anexos),
49° - Com base nas declarações de parte, nos depoimentos das testemunhas, entendidos como credíveis pelo tribunal a quo, e nos documentos juntos aos autos, o Meritíssimo Juiz a quo, considerou provados factos, que no entender dos Réus, não o poderiam ter sido, na medida em que não foi produzida prova suficiente para os dar como provados, e foram dados como não provados factos, que deveriam ser dados como provados
50° - Não tomou o Meritíssimo Juiz a quo, em consideração documentos essenciais para a decisão a tomar, nem a falta de outros igualmente essenciais, o que, com o maior respeito tornam a decisão proferida inexequível,
51° - Defendem os RR., Apelantes que não há fundamento probatório para a condenação dos RR no pedido, impugnam a decisão da matéria de facto, não aceitando como provados os factos constantes dos pontos 13 (parcialmente), 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 33. O Ponto 32, deve ser dado como provado, mas alterada a sua redação.
52° - Consideram os Apelantes, que devem ser dados como provados os factos constantes dos ponto B e C, dos factos dados como não provados.
53° - Aos factos dados como provados devem ser aditados cinco factos, 36, 37, 38, 39 e 40,
36.  A A. e marido, em Fevereiro de 2004 e posteriormente na data de assinatura da escritura de partilha, tomaram conhecimento que estavam a ocupar área que pertencia á parcela A, parcela que seria adjudicada ao Reu C.
37.  As AA. , desde pelo menos há cerca de 7 anos, que sabia que estavam a ocupar área de terreno que pertencia a C.
38.  As edificações/anexos que constam da caderneta do artigo 2986°, foram demolidos e nesse local, a A. B e o marido, construíram uma casa de r/c e 1° andar, habitação onde reside a A. B.
39.  Em vida de seus pais quer a Autora A quer a N, já tinham recebido bens imoveis de seus pais.
40.  O prédio inscrito na matriz sob o artigo ...° e inscrito na Conservatória do registo predial com o n° ..., da freguesia ade -----, apos o destaque que o dividiu em parcela A e parcela B, em 18 de fevereiro de 2004, ficou com um ónus registado de não fracionamento por um período de 10 anos.
54° - Entendem os Apelantes, que se encontra provado, pelas declarações do Reu E e F e mesmo pelo depoimento das testemunhas, que os referidos anexos foram demolidos, anexos que tinham as área e configurações descritas na caderneta, doc. 17, conforme inscrição que o titular dos rendimentos fez do prédio na matriz em 1971, que foi o marido e pai das AA.
55° - Ora tendo os anexos sido demolidos em data anterior á data da escritura, a verdade é que nessa data o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986°, já não podia existir, e não existia porque não se encontra provado nos autos quem era o seu proprietário, quem era o proprietário do prédio, da raiz.
56° - Ora não tendo as AA juntado ao processo qualquer certidão predial que prove que são as proprietárias do prédio de raiz, sequer provado quem é o proprietário da raiz do mesmo, não pode o Meritíssimo Juiz a quo, entender que a parcela de 30 m2, que vai ser desanexada pode ser anexada a esse prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986°.
57° - Pois uma parcela de 30m2, se desanexada de um prédio urbano, tem forçosamente que ser anexada a outro prédio, mas a qual??? se não estão provadas as confrontações e se registralmente o 2986° não existe?? Estamos perante uma sentença inexequível, não podendo produzir os seus efeitos.
58° - E é inexequível ainda porque, também não provaram as AA nos autos, que é possível a legalização das construções edificadas nos prédios inscritos sob os artigos matriciais 2996° e 3347, da freguesia de -----, como lhes competia e conforme o tribunal lhes sugeriu em sede de audiência prévia.
59° - Mas as AA. não o fizeram porque sabem que não é possível legalizar as referidas construções.
60° - Não podendo os RR. ficar numa situação indeterminada e indeterminável, pois as AA., podem decidir nunca o fazer ou a CM pode nunca aprovar as construções,
61° - Considerando a decisão do Juiz, devia o mesmo, ao decidir como decidiu, ter fixado um prazo para a legalização de tais construções de forma a “obrigar” as AA. a serem diligentes, prazo que se entendia justo e adequado fixar em 1 (um ) ano.
62° - Na fundamentação da decisão, expressa o Meritíssimo Juiz a quo, a preocupação e cuidado, para evitar que as AA. não “fiquem nas mãos dos RR” para legalizar o destaque da tal parcela, mas inexplicavelmente, não tem o cuidado de evitar que sejam os Réus a ficar nas “mãos” das AA.
63° - Não fixando qualquer prazo para se efetivarem essas legalizações.
64° - Entendem os recorrentes que efetivamente deve ser levado á matéria assente, que A A. e marido, em Fevereiro de 2004 e posteriormente na data de assinatura da escritura de partilha, tomaram conhecimento que estavam a ocupar área que pertencia á parcela A, parcela que seria adjudicada ao Reu C,
65° - Uma vez que assinaram documentos, que entregaram na CM e na conservatória, a requerer o destaque e registo das parcelas e registo das mesmas, conforme se prova pelo documento junto aos autos pelo R. C em 14.06.2022, e conforme escritura de partilha também junta aos autos, doc. 18.
66° - Também não é crível que na data de assinatura da escritura de partilha, as partes não soubessem o que lhes estava a ser adjudicado, pois tinham todos contratado uma solicitadora para os apoiar, que apenas, certamente , fez o que lhe pediram, o notário leu e explicou a escritura e ainda porque tinham obrigação de saber que o referido projeto que iniciaram em 1997, não tinha sido aprovado.
67° - Também a Ré F, testemunho entendido como credível pelo próprio tribunal , refere ao mm 00:27:49 ,que começou a ouvir falar de problemas com o logradouro há cerca de 7 anos, ora se ela começou a ouvir falar desse assunto nessa data, sendo chegada , sobrinha e prima, das AA. , pelas regras da experiencia comum , fica provado que as AA também nessa data tiveram conhecimento que ocupavam área que não lhes pertencia,
68° - Também o Réu E diz claramente que todos tinham conhecimento da planta de destaque de parcelas, que juntou em julgamento, (diz que era o que todos tinham na cabeça),
69° - Entendendo o apelante, que se encontra provado o ponto 9 dos Temas da prova, deve ser declara a caducidade do direito que as AA, tinham para intentar a presente ação,
70° - O ponto C e B, devem ser dados como provados, pois, pelas regras da experiencia comum quando se contrata um técnico para nos prestar ajuda num determinado assunto, primeiro temos que o informar o que se pretende, e segundo porque esse técnico esclarece o seu trabalho, neste caso certamente que foi explicado aos irmãos, pelos menos á A e ao C que era, os que iam receber bens imoveis, como se iria fazer a partilha.
71° - Também decorre das regras de experiencia comum, que se for retirado ao predio que o C recebeu, a área de 30 m2, este ficará, pelo menos relativamente aquela partilha, prejudicado.
72° - Nem as AA em momento algum da sua p.i. referem que a partilha também seria justa ficando os RR C e mulher, com menos 30 m2, nem impugnaram esse facto alegado pelo Réu.
73° - Nem nunca se dispuseram a fazer qualquer troca, aliás dizem mesmo e defendem, que as partilhas se devem manter, com exceção de ao C ser retirado 30 m2, parcela a dar á A.
74° - O Meritíssimo Juiz a quo, de forma completamente incompreensível, partiu de premissas erradas, e por isso condenou os RR no pedido,
- Entendeu que o prédio 2986° é das AA e que ainda existe
- Que o logradouro tem a área de 30m2, não fixando a sua localização
- Que era possível na data realizar a escritura de partilha, adjudicando mais uma parcela de 30m2, a destacar do prédio mãe, o ..., a A e marido
- Que é possível, e que as AA vão diligenciar a legalização das construções que têm ilegais há mais de 20 anos
75° - O artigo 293.° do Código Civil admite a conversão do negócio jurídico inválido ou de uma parte inválida do negócio jurídico, num outro negócio de conteúdo diferente, mas este novo negocio, o sucedâneo, tem que ser válido na data em que o primitivo negócio é celebrado, a conversão só pode ocorrer se dela puder resultar um outro negócio jurídico válido á data.
76° - O negócio sucedâneo, tem que, além da vontade das partes, mesmo que hipotética, conter os requisitos essenciais de substância e de forma.
77° - Entendem os Recorrentes que para além de não estar provado que era aquela a vontade das partes, também o negócio sucedâneo não se podia ter realizado, pois seria um negócio nulo, por contrário á lei.
78° - Pois legalmente não podia ter sido adjudicada á A. e ao seu marido, mais uma parcela com a área de 30 m2, parcela a “sair” do prédio-mãe que foi adjudicado ao Réu contestante.
79° - No caso dos autos, fica claro que a escritura partilha, não podia ter sido realizada conforme pretendido pelas AA.,
80° - Preceitua o Artigo 280.°, n° 1, (Requisitos do objeto negocial), que é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, que é o caso.
81° - Apos o destaque que os herdeiros fizeram e quiseram, dividindo o prédio mãe, o ..., em parcela A e parcela B, este ficou com um ónus de não fracionamento registado, pelo período de 10 anos, conforme certidão predial junta aos autos, doc, 6.
82° - Destaque que não podia ter sido feito na data, nem pode ser feito hoje, pois as operações urbanísticas carecem de processos de licenciamento,
83° - Também não pode ser feito, porque a referida parcela não pode ser anexada ao prédio 2986 uma vez que este não está registado na CRP, não pertencendo ás AA.
84° - O negócio jurídico sucedâneo, tem que cumprir os requisitos necessários para a sua validade. Só ocorre a conversão, e o tribunal só pode declará-la, se for demonstrado que o negócio (ou parte) teria sido celebrado com esse conteúdo diferente (vontade das partes) e cumpria os requisitos de validade.
85° - in casum não era possível a realização de um negocio sucedâneo valido, por força do ónus de não fracionamento do prédio mãe pelo período de 10 anos, com inicio em fevereiro de 2004, portanto ónus registado antes da escritura de partilha.
86° - Também a vontade das partes, in casum não é possível de aferir na medida em que os intervenientes interessados na escritura de partilha outorgada em 2004, foram seis, desses seis apenas uma, a AA. afirma que a mesma não correspondeu á vontade das partes, dois dizem que sim que a escritura correspondeu á vontade das partes, e três nada dizem, porque já faleceram.
87° - Ora sendo o contrato de partilha um contrato bilateral, pressupondo o acordo de todos quanto á composição de quinhões, não pode o seu conteúdo ser afetado apenas parcialmente, não havendo a possibilidade de ser dividido em partes, mantendo-se alguma daquelas, apesar das outras não serem válidas, impedido, também por isso a aplicação da conversão da escritura de partilha outorgada em abril de 2004, numa outra.
88° - Também porque é afirmando desde logo pelo Réu C e a esposa, que caso a partilha tivesse sido feita de outra forma, com ela não concordariam.
89° - A procedência do pedido de conversão dum negócio jurídico, nos termos do artigo 293° do CC, pressupõe que a partilha viciada por erro, pudesse ser substituída por outro negócio jurídico, por outra partilha, válida á data por via da conversão, por outro que cumprisse todos os requisitos para a sua validade.
90° - Esteve mal o Meritíssimo Juiz a quo, pois encontra-se devidamente demonstrado nos autos, a impossibilidade de conversão, quer porque não era essa a vontade das partes, quer pela impossibilidade legal de realização de um novo negocio jurídico valido
91° - A conversão da escritura de partilha violaria as normas legais estabelecidas para o fracionamento de prédios, o que determina a impossibilidade legal da conversão.
92° - Cabia ás AA demonstrar nos autos, que na data da escritura de partilha, era possível a realização do novo negocio, de forma a lhes ser adjudicado o logradouro, mas o contrario foi o que se provou.
93° - Nem sequer as AA provaram que na data de hoje esse destaque é possível, também como lhes competia,
94° - De todo aceitam os Recorrentes, a valoração negativa para os Réus contestantes, que o Meritíssimo Juiz a quo, faz do facto de só este ter apresentado contestação, valoração que prejudicou muito a versão do Réu contestante, na medida que o Meritíssimo Juiz a quo, munido dessa convicção, entende que a vontade das partes aquando da realização da escritura, era a alegada pelas AA. e a maioria dos Réus, já que estes não contestaram, o que não corresponde á verdade dos factos.
95° - Pois a verdade é que está espelhado nas peças processuais, os motivos pelos quais mais nenhum dos Réus contestou, as próprias AA. na replica que apresentam no seu artigo 14°, referem expressamente, de forma correta, que o Reu contestante é o único que tem razões para contradizer.
96° - E assim é, pois é á sua quota parte, ao prédio que lhe foi adjudicado, que a sua irmã A quer tirar mais 30 m2.
97° - Para além da parte que já tinha recebido na data da escritura e em vida de seus pais, ainda quer mais 30 m2 do seu prédio. Claro que era o único que tinha que contestar, pois a sua irmã … em nada sairia prejudicada com o desfecho da ação, já tinha recebido em vida dos pais, não se justificando que os herdeiros da mesma tivessem trabalhos e gastassem dinheiro.
98° - Efetivamente é verdade que nos anos de 1997, foi tentado legalizar os imóveis que a A, e o seu marido, tinham construído ilegalmente, e falou-se de um acordo de partilhas que não chegou a concretizar-se, mas as circunstâncias alteraram-se pois nessa data não existia a parcela B, área que fazia parte do prédio que foi adjudicado ao Apelante e a sua esposa.
99° - Também não foi possível legalmente desanexar qualquer outra parcela.
100° - A partilha, que entende o tribunal a quo estar viciada por erro, não podia ser substituída por outra válida, por via da conversão. Não pode o negócio anulado ser convertido numa nova partilha por via da conversão, pois não era possível na partilha, mesmo que as partes assim o quisessem, adjudicar uma área de 30 m2, o alegado logradouro, á A. e ao seu marido
101° - Em conformidade com tudo o exposto e alegado no presente recurso, deve o pedido das AA. improceder e os Réus serem absolvido do pedido.
102° - Entende o R. que o Meríssimo Juiz a quo, na sentença proferida fez uma errada interpretação e qualificação jurídica dos factos e, por consequência, procedeu a errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso.
103° - A decisão de que se recorre ao decidir como decidiu violou, por erro de interpretação e de apreciação da prova produzida, o disposto nos artigos 414.° e 607°, do CPC, e os art.os 251.°, art.° 280.°, 293.° e 393.°, do Código Civil,
104° - Estamos perante erro notório na apreciação da prova, erro de julgamento, pois existe clara desconformidade entre a decisão proferida, a prova produzida e as regras da experiência, não se trata de uma mera não concordância com a valoração da prova feita pelo tribunal de 1a instância, mas sim de erro de julgamento.
105° - O erro notório resulta do texto da sentença recorrida, conjugada com a prova produzida e não produzida, e as regras da experiência comum, prova imprescindível para a boa decisão da causa.
106° - Decidiu o Meritíssima juíz a quo contra o que se provou e não provou, e deu como provado factos que desconhece em absoluto, por falta de prova, por falta de documentos.
Em conformidade com tudo o exposto e alegado no presente recurso, deve o pedido das Autoras Improceder e os Réus absolvidos do pedido.
Termos em que se requer a V.as Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, que concedendo provimento à presente Apelação, se dignem proferir douto acórdão que, revogando a douta sentença recorrida, julgue a ação totalmente improcedente, ou para o caso de assim não se entender,
Que seja fixado o prazo de um ano para as AA legalizarem as construções referentes aos artigos 2996° e 3347°, sob pena de improceder totalmente o pedido das AA.
*
As autoras contra-alegaram, propugando pela improcedência total do recurso.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Impugnação da matéria de facto.
Caducidade do direito invocado pelas autoras.
Admissibilidade legal da conversão jurídica decretada na sentença.
Necessidade de fixação judicial de prazo.
*
III. Os factos
Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados:
1.  A 1.a autora A e o réu C são irmãos germanos, filhos e herdeiros legitimários de P e Q, tendo o ascendente pai falecido em 18-10-1973 e a ascendente mãe falecido em 1101-1992.
2.  Além deles, existia mais uma irmã unilateral, falecida em 27-09-2016, chamada N que foi filha apenas de Q.
3.  Sucederam a N dois filhos, o réu E e R, entretanto falecido em 11-08-2019.
4.  Em representação do R, já foram declarados habilitados herdeiros, a sua mulher e os seus cinco filhos,.
5.  Em 30-06-2014, faleceu M, marido da 1a autora, tendo-lhe sucedido como herdeiros legitimários esta autora A e a sua filha e aqui 2“ autora B.
6.  Em vida, os ascendentes P e Q foram os donos e legítimos proprietários do prédio descrito sob a ficha ... da 2.ª  Conservatória do Registo Predial de -----, actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de -----, sito no lugar do ---.
7.  A área inicial que integrava o prédio ... foi de 2340 m2, tendo sido sucessivamente desanexadas as seguintes partes:
-    a 24-11-1960, o lote de terreno com a área de 130,35 m2, posteriormente, transformado no prédio urbano sob o artigo matricial 3347, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ----- sob a ficha 9731;
-    a 14-03-1969, o lote de terreno com a área de 500 m2, posteriormente, transformado em urbano e descrito sob a ficha 1437, vendido pelos ante-possuidores à N;
-    a 07-06-2001, foi desanexada para o dominio público a área de 502,65 m2;
-    a 19-09-2001, foi desanexado o lote de terreno com a área de 582 m2, posteriormente, transformado em urbano e descrito sob a ficha 9920, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 13518, tendo sido vendido a … que, por sua vez, o vendeu a …. Neste prédio foi desanexada uma passagem ao dominio público com a área de 125,60 m2;
-    a 07-04-2004, foi desanexado o prédio com a área de 99,22 m2, descrito sob a ficha 11.207, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 14684, da freguesia de -----, adjudicado em partilhas à autora e depois vendido ---.
8.  Em 07-04-2004, no 2.° Cartório Notarial de -----, foram feitas as partilhas dos bens deixados por aqueles ascendentes, tendo concorrido como interessados a autora e o marido, o réu C e a mulher D, e N e e o marido O, representados pelo seu filho e ora réu E.
9.  Os bens então partilhados foram:
-    o prédio descrito sob a ficha ..., da freguesia de -----, lugar do ---, inscrito na matriz sob o artigo ..., que foi adjudicado aos réus A e B, aí identificado como verba um, correspondente à parcela A;
-    o prédio descrito sob a ficha 11207, da freguesia de -----, lugar do ---, inscrito na matriz sob o artigo provisório 14684, que foi adjudicado à autora e marido, aí identificado como verba dois, correspondente à parcela B.
10.  A interessada N viu o seu quinhão preenchido por dinheiro.
11.  Previamente à celebração da referida escritura foi destacado do prédio descrito sob a ficha ..., um novo prédio urbano que corresponde descrito sob a ficha 11207, conforme pedido de inscrição apresentado na Conservatória do Registo Predial de ----- em 18-02-2004.
12.  Daí resultou, nos termos constantes da Planta que constitui o Anexo I à certidão do Pedido de Destaque da Câmara Municipal de -----, junta no decurso da audiência que:
-    o prédio descrito sob a ficha ..., e inscrito na matriz sob o artigo ..., passou a ter a área total de 400,16 m2, correspondendo 31 m2 a área coberta e 369,16 m2 de logradouro, constando aí assinalado como Parcela A.
-    o prédio descrito sob a ficha 11207, da freguesia de -----, inscrito na matriz sob o artigo provisório 14684, foi destacado passando a constituir um prédio urbano com a área total de 99,22 m2, sendo 20 m2 de área coberta e 79,22 m2 de logradouro, constando aí assinalado como Parcela B.
13.  Por sua vez, em 2014, à data do óbito do marido da 1.a autora e pai da 2.a autora, , compunham a herança deste os seguintes prédios, igualmente sitos na freguesia de -----, lugar do ---:
-      o mencionado prédio inscrito sob o artigo matricial 14684 e descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de ----- sob a ficha 11207, que adveio à 1a autora e marido, através da partilha referida em 7. e 8., e que foi vendido em 04-09-2018 a ---;
-      o prédio inscrito sob o artigo matricial 3347 e descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de ----- sob a ficha 9731, adquirido aos pais da 1a autora por esta e pelo marido, por escritura de compra e venda de 24-11-1960, tendo sido anexado a este prédio uma parcela de terreno com 56 m2, adquirida à Camara Municipal de -----;
-      o prédio inscrito sob o artigo 2986 da freguesia de -----, que não consta da matriz como descrito na Conservatória do Registo Predial, mas que aí é referido como habitável desde 01-04-1963, e como sendo composto por rés-do-chão esquerdo e direito, ambas com duas divisões, cozinha e retrete, com a área total de 32 m2, sendo 24 m2 de área coberta e 8 m2 de logradouro (denominados na acção como “anexos”).
14.  O prédio inscrito sob o artigo 2986 tem saída para um logradouro, com aproximadamente 30 m2, e daí para o Beco da Rua ---s, conforme assinalado na fotografia aérea junta como doc. n.° 22 com a p.i..
15.  O logradouro referido em 14. e o prédio inscrito sob o artigo 2986 da freguesia de -----, pelo menos em parte, constam da Planta que constitui o Anexo I à certidão do Pedido de Destaque da Câmara Municipal de -----, como integrando a parcela A, que foi adjudicada ao réu e esposa, através da escritura de partilha referida em 8. e 9..
16.  A 1.a autora, o seu falecido marido, e agora também a 2.a autora, têm, directa ou indirectamente através de inquilinos, se servido do mencionado logradouro há mais de 50 anos, tendo este logradouro estado ao serviço do prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986.
17.  Para tanto, até, pelo menos o ano de 1994, a 1a autora e o seu falecido marido, deram, sucessivamente, os dois anexos de arrendamento a:
-      um dos anexos foi dado de arrendamento, cerca de 1965, a ---, que ali residiram até cerca de 1980;
-      o outro anexo foi dado de arrendamento a ---, que aí residira, pelo menos na década de 1970, tendo de seguida sido inquilino desse anexo um senhor ---;
- por altura da década de 1980,  ---, tomaram de arrendamento um dos anexos e, posteriormente, tomaram o outro de arrendamento e passaram a ser os únicos inquilinos até 1996;
- em 1996, a 1a autora e marido, denunciaram o arrendamento de ambos os anexos para os destinarem à habitação da família constituída pela sua filha e 2 a autora, tendo chegado a acordo, por transacção, quanto à entrega dos anexos e pagamento das benfeitorias.
 18. Após a cessação dos arrendamentos, foram feitas obras de remodelação e uma vez concluídas, a 2.a autora passou a habitar o prédio 2986 e a usar o logradouro.
19.  As autoras e o falecido marido e pai, desde a partilha referida em 8. e 9., continuaram a dispor dele como donos e legítimos proprietários, aos olhos de todos, sem qualquer limitação e são reconhecidos pela vizinhança como tal.
20.  A 1.a autora, após a celebração da escritura de partilha, murou a área do logradouro e fechou-o com um portão que só ela, o seu marido, a sua filha e seu neto acedem e onde estacionam o carro.
21.  Ambos os anexos descritos como integrando o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986 só tinham saída para a via pública através daquele logradouro.
22.  Em 1997, a 1“ autora, o 1º réu e a falecida irmã, fizeram correr na Camara Municipal de ----- o processo de Arquitectura/Legalização n.° 3715/97 em que procuraram legalizar as edificações da 1.“ autora prédio no inscrito sob o artigo 2986 da freguesia de ----- e no logradouro, constando da memória descritiva que a parcela de terreno com a área de 125,20 m2, “em comum acordo com os restantes proprietários, será herdada pela Senhora A”.
23.  O mencionado projecto de arquitectura foi aprovado por despacho de 99/04/06 e os projectos da especialidade aprovados por despacho de 00/08711 e foi emitido o Alvará de Licença de Construção n° 1200 de 27-09-2000, sem que, contudo, tenha sido concluída a legalização dessas construções.
24.  A 1.“ autora é uma pessoa modesta, sabe ler e escrever mas não tem conhecimentos relativamente a procedimentos camarários, o mesmo sucedendo com os seus irmãos intervenientes na escritura.
25.  Por esse motivo, entregaram a resolução destes assuntos a pessoas mais habilitadas para conduzirem o processo de legalização junto da Camara Municipal de ----- e foram acompanhados no processo de partilha pela solicitadora AC.
26.  Os outorgantes da escritura de partilha referida em 8. e 9., quando fizerem as partilhas não pretendiam que aquele logradouro se encontrasse incluído na parcela A nem que fosse adjudicado ao réu e mulher.
27.  Sempre foi vontade dos ascendentes das autoras e dos intervenientes na escritura que aquele logradouro fosse adjudicado em partilhas à 1.ª  autora.
28.  A 1a autora sempre pensou, e continua a ter esse entendimento, de que o logradouro serve o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986 e a propriedade dele adveio-lhe da partilha dos bens deixados pelos seus pais, existindo um acordo entre ela, e os seus irmãos, quanto à forma a dar à partilhar dos bens deixados pelos pais nesse sentido.
29.  Aquando da celebração da escritura de partilha, a 1“ autora e o seu marido, casados sob o regime da comunhão geral de bens, prestaram as suas declarações nos termos que constam do teor da escritura, sem se aperceberem e sem que tivessem a intenção de que o logradouro que serve o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986 fosse considerado como integrando a parcela A que foi objecto de partilha e adjudicação sob a verba um ao réu C e mulher.
30.  Os demais intervenientes na escritura sabiam que não era intenção e vontade da 1.“ autora e do marido que o referido logradouro fosse adjudicado ao réu C e mulher e que, se se tivessem apercebido que assim seria, estes não teriam celebrado a escritura de partilha nos termos que resultam das declarações por si prestadas.
31.  Caso os outorgantes na escritura de partilha se tivessem apercebido que o logradouro estava incluído na parcela A que foi objecto de partilha e adjudicação sob a verba um ao réu C não teriam celebrado a partilha da forma como o fizeram, tendo, ao invés, partilhado os bens dos seus ascendentes por forma a que o logradouro fosse adjudicado à 1.ª autora e ao marido, por essa ser a vontade de todos e por assim pretenderem que fossem feitas as partilhas dos seus ascendentes.
32.  Por carta datada de 04-04-2019, subscrita pelo réu C e mulher e dirigida à 2.“ autora, os primeiros notificaram a segunda para desocupar e entregar-lhes a área do logradouro por entenderem que, como proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ----- sob a ficha ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de -----, este logradouro lhes pertence.
33.  Até ao recebimento dessa carta, no dia 06-04-2019, a 1.“ autora e sua filha a 2.“ autora nunca suspeitaram que o logradouro tivesse ficado incluído e a fazer parte do prédio ..., adjudicado ao réu C, só então, e perante a reclamação da entrega do logradouro, tomaram consciência de que tal resultava da partilha.
34.       Consta no final do teor da escritura de partilha a menção de esta ter sido lida aos outorgantes e os mesmos explicado o seu conteúdo.
 35.      Do teor da escritura de partilha não consta a indicação das áreas de cada uma das parcelas objecto de adjudicação, constando, contudo do processo da Planta de Destaque de Lotes, da Certidão emitida pela Câmara Municipal de ----- em 15-12-2003 e do pedido de registo na Conservatória do Registo Predial de 17-02-2014, assinado pela 1.a autora e pelos herdeiros seus irmãos, a área de cada uma das parcelas após o destaque.
*
Recebeu-se ainda o seguinte elenco factual não provado:
A.        A 1.a autora e o seu falecido marido, deram, de arrendamento, um dos anexos a ---, que ali residiram até 1967.
B.        A solicitadora ---, sendo pessoa idónea, muito profissional e correcta, informou a 1a autora e o marido e deu conhecimento de todos os detalhes da partilha objecto da escritura.
C.        O réu C ficaria muito prejudicado se a partilha tivesse sido efectuada com adjudicação do logradouro com cerca de 30 m2 à 1a autora.
*
A impugnação da matéria de facto.
Dispõe o art. 662º n.º 1 do Código de Processo Civil:
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287:
O actual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
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Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- A decisão alternativa que é pretendida.
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Qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é suscetível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de atos inúteis no processo.
Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt:
“O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
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Neste enquadramento genérico, que flui do texto legal interpretado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, analisemos a impugnação deduzida, restringida aos seguintes pontos.
51° - Defendem os RR., Apelantes que não há fundamento probatório para a condenação dos RR no pedido, impugnam a decisão da matéria de facto, não aceitando como provados os factos constantes dos pontos 13 (parcialmente), 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 33. O Ponto 32, deve ser dado como provado, mas alterada a sua redação.
52° - Consideram os Apelantes, que devem ser dados como provados os factos constantes dos ponto B e C, dos factos dados como não provados.
53° - Aos factos dados como provados devem ser aditados cinco factos, 36, 37, 38, 39 e 40,
36.  A A. e marido, em Fevereiro de 2004 e posteriormente na data de assinatura da escritura de partilha, tomaram conhecimento que estavam a ocupar área que pertencia á parcela A, parcela que seria adjudicada ao Reu C.
37.  As AA. , desde pelo menos há cerca de 7 anos, que sabia que estavam a ocupar área de terreno que pertencia a C.
38.  As edificações/anexos que constam da caderneta do artigo 2986°, foram demolidos e nesse local, a A. B e o marido, construíram uma casa de r/c e 1° andar, habitação onde reside a A. B.
39.  Em vida de seus pais quer a Autora A quer a N, já tinham recebido bens imoveis de seus pais.
40.  O prédio inscrito na matriz sob o artigo ...° e inscrito na Conservatória do registo predial com o n° ..., da freguesia ade -----, apos o destaque que o dividiu em parcela A e parcela B, em 18 de fevereiro de 2004, ficou com um ónus registado de não fracionamento por um período de 10 anos.
69° - Entendendo o apelante, que se encontra provado o ponto 9 dos Temas da prova, deve ser declara a caducidade do direito que as AA, tinham para intentar a presente ação,
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Ora, como infra desenvolveremos, o destino da presente apelação depende da apreciação de uma questão essencial – a legalidade do negócio sucedâneo à conversão jurídica pretendida – a que a impugnação da matéria de facto se mostra totalmente alheia.
Resulta, assim, inútil e prejudicada a sua apreciação.
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IV. O Direito
Fundou o Exmo. Juíz a quo a sua decisão nas seguintes considerações jurídicas:
Do erro sobre o objecto do negócio
O erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio vem previsto no art. 251.° do CC e é tradicionalmente apontado como um vício da vontade reconduzível a uma das modalidades do erro- vício, previsto nos arts. 251.° a 254.° do CC, por oposição ao erro na declaração ou erro-obstáculo, regulado nos arts. 247.° a 250.° do CC.
Conforme ensina a doutrina, “o erro-vício é um vício na formação da vontade, contemporâneo da celebração do negócio e consiste no desconhecimento ou falsa representação de uma circunstância, de facto, ou de direito, passada ou presente relativamente ao momento da emissão da declaração negocial e que determinou a celebração do negócio ou, pelo menos, a celebração naqueles termos. A vontade real e a declarada são coincidentes, mas a vontade é mal formada atendendo ao erro. Numa palavra, a vontade não se formou em termos esclarecidos.” (cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil - Parte Geral, UCP, pág. 592).
Ou seja, na modalidade de erro em causa, “há uma divergência entre a vontade real - o que se quis, a vontade efectivamente formada e exteriorizada pelo declarante - e a vontade conjectural ou hipotética - aquela que teria sido manifestada se não fosse a interferência do erro no processo de formação da vontade.” (ob. cit., pág. 592).
O erro-vício pode ter aplicação em sede de negócios bilaterais, assim como em negócios unilaterais, sendo necessário que seja causal ou essencial à celebração do negócio, isto é, determinante para a decisão de negociar.
Ou seja, para efeitos de verificação deste vício, é necessário que se não tivesse havido uma deficiente ou falsa representação da realidade passada ou presente, o negócio não teria sido celebrado (essencialidade absoluta) ou, a sê-lo, teria sido celebrado em termos diversos - v.g. com objecto ou conteúdo distintos, com outra natureza, com outro sujeito (essencialidade relativa).
Exige-se, assim, a demonstração do requisito da essencialidade, o qual se justifica em face da necessidade de protecção dos interesses da contraparte do negócio jurídico, exigindo-se à parte que negociou em erro a demonstração da essencialidade do elemento sobre que recaiu o seu erro (ob. cit., págs. 594 e 595).
Neste sentido, também na jurisprudência se afirmam de forma coincidente estas características, conforme se pode, exemplificativamente, ler no sumário do recente acórdão do STJ de 14-10-2021, Revista n.° 11570/19.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“ VII - O erro vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de contratar: se tivesse havido esclarecimento sobre essa circunstância, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não o teria realizado nos termos em que o celebrou.
VIII - Assim, o erro só será relevante quando seja causa do negócio jurídico nos seus precisos termos, ou seja, quando corresponda à inserção de um factor anómalo no processo volitivo e quando a sua intromissão determine um resultado diferente, sendo que para a relevância do erro na declaração, a lei portuguesa apenas exige:
- A essencialidade, para o declarante, do elemento sobre erro;
- O conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário ou o dever de a conhecer.
 IX  - A parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio o ónus de demonstrar esse duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo; e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era.
X  - Nada na lei exige que o erro sobre a base do negócio tenha de ser bilateral, isto é, que tem de ser comum a ambas as partes. O erro é-o do declarante, recaindo embora sobre um elemento decisivo do contrato, conhecido pela outra parte. ”
Especificamente a respeito do erro-vício respeitante ao objecto do negócio, discute a doutrina se este se refere apenas às hipóteses em que o desconhecimento ou a falsa representação da realidade respeitam ao bem jurídico - seja este uma coisa ou uma prestação a realizar (objecto mediato), ou se também se pode referir ao conteúdo negocial, à natureza do negócio ou aos efeitos negociais (objecto imediato) - cfr. resenha de doutrina in Ana Filipa Morais Antunes, ob. cit., pág. 596.
No caso presente, está em causa a invocação da existência de um erro sobre o objecto mediato, o qual se refere aos casos em que se desconhece ou se representa erradamente dada coisa ou a prestação na sua configuração objectiva, isto é, nas suas qualidades (características físicas ou jurídicas), identidade ou substância (v.g. dimensão, localização ou outros atributos), na medida em que o erro invocado nos autos se refere à configuração ou à realidade dos bens imóveis objecto da partilha.
Ora, de acordo com a matéria de facto provada, resultou demonstrado ter a escritura de partilha celebrada em 07-04-2004, tido como objecto a partilha dos bens imóveis (ainda) existentes no património dos ascendentes dos outorgantes, no caso, dos falecidos … e …, respectivamente pais da 1.a autora e do réu contestante e mãe da herdeira …, que foram outorgantes desse acto notarial em conjunto com os respectivos cônjuges, sendo todos casados sob o regime da comunhão geral de bens.
Tais bens imoveis foram aí indicados sob a verba um e dois, como correspondentes às parcelas A e B, tendo a primeira sido adjudicada ao réu contestante e mulher e a segunda à 1a autora e marido, declarando-se que a demais herdeira … (irmã uterina dos restantes herdeiros) já tinha recebido o seu quinhão em dinheiro.
Contudo, provou-se, que, sem prejuízo dessas verbas terem sido aí identificados, no seguimento de um anterior destaque do prédio-primitivo, pelas respectivas fichas da Conservatória do Registo Predial e artigos da matriz (correspondendo a verba um, identificada como parcela A, ao prédio descrito sob a ficha ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., e a verba dois, identificada como parcela B, ao prédio descrito sob a ficha 11207, inscrito na matriz sob o artigo provisório 14684, ambos da freguesia de -----, lugar do ---), emitiram a 1a autora e o marido a sua declaração negocial, constitutiva do negócio bilateral de partilha por óbito, sem se aperceberem e sem que tivessem a intenção de que o logradouro que serve o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986 fosse considerado como integrando a parcela A que foi objecto de partilha e adjudicação sob a verba um ao réu que deduziu contestação, C e mulher.
Com efeito, ficou provado que, não só os referidos declarantes, mas, inclusive, todos outorgantes da escritura, quando fizeram as partilhas não pretendiam que aquele logradouro se encontrasse incluído na parcela A nem que fosse adjudicado ao réu C e mulher, tendo sido sempre vontade dos ascendentes das autoras e dos intervenientes na escritura que aquele logradouro fosse adjudicado em partilhas à 1.a autora.
Encontra-se, pois, demonstrado ter o negócio em causa sido celebrado em erro-vício que, se não bilateral ou comum a todos os outorgantes na escritura, pelo menos, seguramente em erro sobre o objecto do negócio por parte da 1a autora e seu marido, na medida em que se provou que esta sempre pensou, e continua a ter esse entendimento, de que o logradouro serve o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2986 e a propriedade dele adveio-lhe da partilha dos bens deixados pelos seus pais, por existir um acordo entre ela, e os seus irmãos, quanto à forma a dar à partilhar dos bens deixados pelos pais nesse sentido.
Em face desta factualidade, por decorrer da matéria de facto provada que, apesar de não ter existido uma situação de divergência entre a vontade real e a declarada susceptível de constituir um erro na declaração ou erro-obstáculo subsumível no art. 247.° do CC, foi o negócio formado tendo por base um erro-vício na formação da vontade, enquadrável no art. 251.° do CC, pelo menos, quanto à declaração emitida pela autora que permitiu a formalização da partilha nos termos em que foi declarada pois baseou-se numa representação inexacta ou numa errada percepção da realidade física dos prédios que estavam a ser partilhados.
Tal erro, atenta a natureza do negócio e à circunstância considerada igualmente provada de os restantes outorgantes na escritura saberem que não era intenção e vontade da 1a autora e do marido que o referido logradouro fosse adjudicado ao réu C e mulher, deve ser qualificado como essencial e do conhecimento dos declaratários, pelo que se mostram preenchidos os requisitos da representação inexacta determinante na decisão de contratar, como também a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre erro, e o conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário, no caso pelos demais outorgantes da escritura da partilha.
Com efeito, este erro-vício deve ser tido como essencial na economia do negócio, porquanto, ainda que as áreas de cada um dos prédios constassem identificadas no processo anterior de destaque que antecedeu a escritura, o relevante para efeitos da realidade dos bens objecto da partilha e para a aferição da existência de um vício da vontade são as características e composição dos próprios bens que estão a ser partilhados, tendo, no caso presente, ficado provado que a 1.a autora e o marido não formaram devidamente, e de forma relevante, a sua vontade quando declararam, em erro, que acordavam na partilha, em termos tais que o logradouro de que se serviam e que lhe deveria ser destinado em partilha, fosse afinal incluído numa parcela que veio a ser adjudicada ao seu irmão.
Com efeito, conforme se refere no sumário do acórdão do STJ de 28-10-2008, Revista n.° 2671/08, disponível em www.stj.pt. “O erro respeitante ao objecto do negócio abrange, não apenas a própria identidade do objecto, mas também as suas qualidades, dependendo a anulabilidade do negócio, neste caso, da circunstância de o declaratário conhecer, ou dever conhecer, a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual recaiu o erro, como resulta da remissão constante do art. 251.°para o art. 247. °, ambos do CC.”
Estamos, assim, perante um erro sobre o objecto do negócio, nos termos do art. 251.° do CC, em relação ao qual ficaram demonstrados todos os elementos necessários à sua relevância, porquanto, ficou demonstrado o vício na formação da vontade, por efeito da falsa representação da realidade relativamente ao bem objecto da partilha (objecto mediato), nomeadamente, quanto à configuração objectiva das parcelas que se encontravam a ser partilhadas, sendo tal essencial para efeitos da formação da vontade da 1a autora e do marido, e mesmo relativamente a todos os outorgantes, não ignorando, pois, estes a relevância desta errónea representação da realidade.
Conclui-se, pois, pela verificação de todos os requisitos necessários à demonstração do erro- vício do negócio de partilha no que respeita ao seu objecto, nos termos do art. 251.° do CC, com referência à inclusão na verba adjudicada ao réu contestante, do logradouro que foi incluído na parcela A.
Das consequências do erro sobre o objecto do negócio e da conversão do negócio As consequências da celebração de um negócio jurídico viciado por erro sobre o objecto são o da sua anulabilidade, nos termos gerais, previstos nos arts. 247.°, 251.° e 287.° do CC.
Com efeito, a verificação deste vício da vontade, possibilita ao interessado a arguição da sua anulabilidade, a qual, salvo confirmação, tem efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, conforme decorre dos arts. 288.° e 289.° do CC.
 Conforme tem entendido a doutrina, o negócio anulável produz, a título provisório, os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto não for julgada procedente uma acção de anulação. No caso desta acão ser julgada procedente, os efeitos do negócio são retroactivamente destruídos, passando o negócio anulável a equivaler a um negócio nulo (cfr. Maria Clara Sottomayor, Comentário ao Código Civil - Parte Geral, UCP, pág. 710).
Contudo, a circunstância do negócio viciado por erro juridicamente relevante poder, nos termos gerais, conduzir à anulação do negócio, não impede a possibilidade de recurso aos institutos jurídicos da redução (art. 292.° do CC), extirpando do negócio os aspectos viciados, e da conversão (art. 293.° do CC), convolando o negócio viciado num negócio de tipo ou conteúdo diverso.
A respeito deste instituto da conversão, remete-se para o decidido no acórdão da Relação de Guimarães, Proc. n.° 387/09.0TBVLN.G1, disponível em www.dgsi.pt, numa acção com contornos próximos à presente em que estava igualmente em causa um pedido de anulação de uma partilha e a possibilidade da sua conversão.
Pode ler-se na fundamentação desse aresto que pelo seu interesse transcrevemos:
«A pretensão da autora/recorrente reconduz-se, assim, ao instituto da conversão dos negócios jurídicos nulos ou anuláveis, nos termos do art. 293°do C. Civil.
Estabelece este preceito «que o negócio nulo pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido se tivessem previsto a invalidade».
A conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por outro do qual contenha os requisitos essenciais, não só de substância como de forma (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3.a edição revista e actualizada, pág. 266).
E acrescentam os mesmos autores: «Como resulta do próprio texto e do espírito da lei, não basta que o negócio nulo ou anulado tenha a mesma substância do negócio em que se pretende convertê-lo. É necessário ainda que este negócio não contrarie, em termos decisivos, a vontade exteriorizada pelo declarante, em relação à forma do negócio.
Para que possa verificar-se a conversão, não basta que o negócio nulo ou anulado contenha os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio que vai substituí-lo. É ainda necessário, de acordo com a parte final do artigo 293°, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes».
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Justiça de 15.10.1996 (in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do S.T.J, Ano IV, Tomo III- 1996, pág. 59):
 «Na conversão está-se perante uma revaloração dada pela ordem jurídica a um comportamento negocial das partes que não tem efeitos jurídicos, mediante a atribuição de uma eficácia sucedânea realizadora do fim visado pelo tipo negocial em vista, respeitando-se os requisitos de validade e de eficácia do negócio que se procurou celebrar.
O seu pressuposto assenta na constatação de negócio jurídico ferido de vícios, como é o caso da nulidade formal ou da anulabilidade, que ponham em causa a sua eficácia. (...).
Os seus requisitos são objectivos e subjectivos.
Aqueles traduzidos em requisitos de substância e de forma, à semelhança do art.° 1242. ° C. C. Italiano.
A causa jurídica do negócio sucedâneo (...) vai mergulhar as suas raízes nos elementos fácticos tradutores do comportamento negocial, assim se obtendo minimamente o fim prático que as partes procuravam realizar com o negócio nulo.
O requisito subjectivo, por sua vez, repousa na vontade conjectural ou hipotética das partes. Esta vontade não deve ser surpreendida por um critério subjectivo em busca de provável vontade das partes na previsão da invalidade do negócio que celebraram.
Ela terá de ser o espelho da ponderação dos interesses em jogo
Corrigida pela boa-fé: positiva ou negativamente, isto é, impondo ou impedindo a conversão.
O juiz não tem de descobrir e depois construir a vontade das partes a partir da sua vontade real.
Terá antes que procurar qual o fim económico-social visado pelas partes, não abstractamente, mas em concreto, servindo tal de ponto de partida para "permitir supor" - artigo 293.°, ou seja, a partir daí é lícito presumir que as partes teriam querido o negócio sucedâneo, pois ele realizaria, em sua essência, o fim pretendido» (Seguindo o Ac. do STJ de 15.10.1996, cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 04.06.2002, proc. 02A1442 e o Ac. da RL de 26.06.2008, proc. 828/2008-6, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.).»
Este entendimento, jurisprudencial e doutrinal, aplica-se integralmente à situação dos autos, porquanto, constituindo a conversão dos negócios jurídicos uma forma de aproveitamento dos negócios jurídicos, deverá ser, à luz do elemento subjectivo da vontade conjectural e da boa-fé, que deverá ser apreciada a viabilidade da conversão do negócio nulo noutro de conteúdo distinto mas que corresponda ao fim prosseguido pelas partes.
É que, conforme refere Carvalho Fernandes, na actual concepção monista do instituto, o que se verifica na conversão é uma re-valoração do comportamento negocial das partes que lhe assegura a produção de efeitos sucedâneos dos que o negócio por elas celebrado produziria, se fosse válido (in Comentário ao Código Civil - Parte Geral, UCP, pág. 731).
Mais acrescenta o referido autor que: “o fundamento jurídico desta configuração do instituto reside no entendimento que liga o conteúdo da vontade funcional a fins de ordem económico-social, com a consciência da vinculação jurídica, o que envolve a consequência de não poderem deixar de se ter como queridos pelas partes quaisquer efeitos que, segundo o Direito, sejam imputáveis ao seu comportamento negocial, desde que ajustados àquele fim. Por outras palavras, esses efeitos estão cobertos pela vontade funcional” (ob. cit., pág. 732).
Subsumindo o exposto ao caso presente, resultou provado que, não obstante o apontado vício da vontade, determinante da procedência do pedido de anulação do negócio jurídico da partilha, caso os outorgantes na escritura de partilha se tivessem apercebido desse erro sobre o objecto do negócio não teriam celebrado a partilha da forma como o fizeram. Ao invés, teriam partilhado os bens dos seus ascendentes por forma a que o logradouro que estava incluído na parcela A e que foi objecto adjudicação sob a verba um ao réu C, fosse antes adjudicado à 1.a autora e ao marido, por essa ser a vontade de todos e por assim pretenderem que fossem feitas as partilhas dos seus ascendentes.
Com efeito, os outorgantes da escritura de partilha, quando fizerem as partilhas não pretendiam que aquele logradouro se encontrasse incluído na parcela A nem que fosse adjudicada ao réu C e mulher, tendo sido sempre vontade dos ascendentes das autoras e dos intervenientes na escritura que aquele logradouro fosse adjudicado em partilhas à 1a autora.
Verifica-se, assim que, para além da presente sentença permitir assegurar o requisito de forma exigido no art. 293.° do CC para a conversão do negócio, que, substantivamente, a vontade conjectural ou hipotética das partes era a de que a partilha se celebrasse por forma a que o logradouro em causa fosse adjudicado à 1a autora e ao marido.
Na verdade, tal solução e conversão do negócio com esse conteúdo respeita o fim económico- social do negócio celebrado e corresponde à vontade conjectural, enquadrada pelas regras da boa-fé, sendo de considerar que as partes, ao vincularem-se juridicamente à realização da partilha, terão pretendido que esta fosse celebrada, suprindo-se o apontado vício, com um conteúdo distinto que importaria a adjudicação do logradouro à 1a autora, mantendo-se tudo o demais acordado na escritura porquanto não afectado pelo apontado vício.
Procedendo, assim, a um juízo de re-valoração do comportamento negocial das partes de harmonia com a vontade hipotética ou conjectural dos outorgantes na escritura, e respeitando o fim a que se referia o negócio, concluímos que o negócio afectado do vício em causa, é susceptível de ser convertido por forma a que seja realizada a partilha sem a parte viciada e em termos distintos do então declarado, assim se convertendo num novo negócio, designado por sucedâneo, e construído com os elementos não viciados do negócio inválido e suprindo-se o apontado vício da vontade.
Termos em que se conclui pela procedência da pretensão de conversão do negócio jurídico anulável, viciado por erro sobre o objecto do negócio, num negócio sucedâneo traduzido na partilha dos bens objecto da escritura mas com adjudicação do logradouro identificado na fotografia junta como doc. n.° 22, à 1a autora e ao seu falecido marido, de que as autoras são herdeiras.
(…)
Da necessidade de realização de uma operação urbanística
O réu na sua contestação, e por referência à invocada nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, defendeu que a procedência do pedido dependeria da realização de uma operação urbanística que permitisse a autonomização da área do logradouro, e eventuais outras áreas que estariam incluídas na parcela que lhe foi adjudicada, por forma ao pedido ser procedente.
As autoras responderam ter o seu pedido sido formulado tendo em consideração essa circunstância, pelo que requereram o reconhecimento do vício da escritura e que, reconhecido este, fosse a situação predial regularizada, pelos seus meios, e nomeadamente através de uma operação urbanística mais simplificada, correspondente a um destaque.
Conforme se referiu, em sede de audiência prévia, tem-se presente o debate que tem existido na jurisprudência a respeito da repercussão ou importância que tem a observância das normas de natureza administrativa referentes ao ordenamento do território no âmbito das acções que correm termos nos tribunais judiciais.
A este respeito, pode indicar-se, exemplificativamente, o acórdão do STJ de 26-01-2016, Revista n.° 5434/09.2TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, sendo certo que, a respeito da prevalência destas normas de ordenamento do território e de natureza púbica em confronto com outros institutos civis, nomeadamente a usucapião, não tem existido na jurisprudência um entendimento uniforme, como se pode comprovar, exemplificativamente da leitura do posterior acórdão do STJ de 18-02-2021, Revista n.° 20592/16.1T8SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e da diversa jurisprudência aí citada, procurando a jurisprudência encontrar, nos casos concretos, soluções que equilibrem os interesses, por vezes conflituantes, em presença.
Nesse sentido, temos entendido que, sem prejuízo do princípio de que os negócios jurídicos devem recair sobre coisas autónomas ou autonomizáveis, pode ser facultada às partes a possibilidade de demonstrarem ou de adequarem as pretensões que formulam perante os tribunais judiciais, à observância e cumprimento das normas de direito de urbanismo que se mostrem aplicáveis, designadamente, e como acontece, por exemplo, com a constituição da propriedade horizontal, com a demonstração de estarem cumpridos os requisitos legais e administrativos para o efeito (cfr., a este respeito, o recente acórdão do STJ de 29-04-2021, Revista n.° 25365/19.7T8LSB.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Transpondo tal princípio para o caso presente, verifica-se que o pedido formulado pelas autoras nos autos teve em atenção a necessidade destas regras serem observadas porquanto, sendo pressuposto da exequibilidade da partilha rectificada que essas operações urbanísticas viessem a ser concretizadas, entendemos que nada impede que as autoras formulem o pedido de anulação do negócio jurídico e da sua conversão, sujeito a procederem, subsequentemente, à conformação dessa decisão em termos registrais, matriciais ou camarários.
Dito de outra forma, tendo as autoras formulado o seu pedido da forma como o fizeram, e peticionando, nesta sede e perante o tribunal, tão só o reconhecimento do vício da vontade e da conversão da partilha noutro negócio de conteúdo diverso, entendemos que, face à autonomia das partes e à garantia de acesso ao direito, consagrados no art. 20.° da CRP e no art. 2.° do CPC, nada impede que formulem tal pedido e que, subsequentemente, diligenciem extrajudicialmente pela correspondência do decidido com a sua conformação predial, ainda que tal dependa da realização de uma operação urbanística de destaque.
De resto, tendo em consideração as diversas e sucessivas desafectações de áreas do prédio original dos antepassados dos outorgantes da escritura correspondente ao artigo ... e, considerando, inclusive, o destaque que precedeu a realização da partilha, não se vê, à partida, que constitua impedimento à procedência do pedido que venha a ser, ulteriormente, promovido novo destaque da área de cerca de 30 m2 correspondente ao logradouro do prédio, identificado na fotografia aérea a que se refere o doc. n.° 22 junto com a p.i..
Assim, não sendo objecto da presente acção, nem competindo ao tribunal decretar essa desafectação, julgamos ponderado e equilibrado reconhecer e julgar procedente o pedido que, em termos substantivos, é apresentado ao tribunal, e relegar para outros procedimentos extrajudiciais a concretização ou conformação, em termos registriais, matriciais e camarários, o necessário à execução da partilha que aqui se decidiu corresponder ao negócio efectivamente querido pelas partes.
De resto, tal solução sempre permitirá que as autoras não fiquem “reféns” dos réus no que se refere à necessária obtenção de consentimento prévio para procederem à operação urbanística em causa, sendo certo que a exigência de que a mesma se encontrasse já efectuada por forma a poder ser julgado procedente o pedido, com grande probabilidade levaria a uma situação de impasse que a presente decisão procura resolver.
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Apesar do respeito que a sentença recorrida nos merece, pela profundidade e acuidade com que analisou juridicamente o litígio, distanciamo-nos da mesma num ponto fulcral – a admissibilidade legal da conversão decretada.
E essa ponderação invalida, a nosso ver, a pretensão das autoras, que se resume, afinal, ao destaque do logradouro relativamente ao prédio adjudicado em partilhas aos recorrentes, na escritura de partilha extrajudicial e incorporação noutro prédio.
Isto porque, a nosso ver, o destaque pretendido do logradouro não se mostrava admissível; senão, vejamos:
Dispunha, à época da celebração da escritura pública de partilhas em causa, o art. 6º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que:
4 - Os atos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano estão isentos de licença desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos.
5 - Nas áreas situadas fora dos perímetros urbanos, os atos a que se refere o número anterior estão isentos de licença quando, cumulativamente, se mostrem cumpridas as seguintes condições:
a) Na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos;
b) Na parcela restante se respeite a área mínima fixada no projeto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respetiva.
6 - Nos casos referidos nos n.os 4 e 5 não é permitido efetuar na área correspondente ao prédio originário novo destaque nos termos aí referidos por um prazo de 10 anos contados da data do destaque anterior.
7 - O condicionamento da construção bem como o ónus do não fracionamento previstos nos n.os 5 e 6 devem ser inscritos no registo predial sobre as parcelas resultantes do destaque, sem o que não pode ser licenciada ou comunicada qualquer obra de construção nessas parcelas.
No caso, encontra-se inscrito o referido ónus de não fracionamento, mediante Ap. 22, de 18/2/2004 (em reprodução da inscrição F-1), relativamente ao prédio descrito sob a ficha ..., Freguesia de -----, 2ª Conservatória do Registo Predial de -----) – que corresponde à parcela A adjudicada, na escritura de partilhas em causa, aos réus C e D – com o seguinte conteúdo:
Ónus de não fracionamento. Prazo: 10 anos a contar de 18 de Fevereiro de 2004.
Recorde-se que se encontra provado o seguinte:
11.  Previamente à celebração da referida escritura foi destacado do prédio descrito sob a ficha ..., um novo prédio urbano que corresponde descrito sob a ficha 11207, conforme pedido de inscrição apresentado na Conservatória do Registo Predial de ----- em 18-02-2004.
12.  Daí resultou, nos termos constantes da Planta que constitui o Anexo I à certidão do Pedido de Destaque da Câmara Municipal de -----, junta no decurso da audiência que:
- o prédio descrito sob a ficha ..., e inscrito na matriz sob o artigo ..., passou a ter a área total de 400,16 m2, correspondendo 31 m2 a área coberta e 369,16 m2 de logradouro, constando aí assinalado como Parcela A.
- o prédio descrito sob a ficha 11207, da freguesia de -----, inscrito na matriz sob o artigo provisório 14684, foi destacado passando a constituir um prédio urbano com a área total de 99,22 m2, sendo 20 m2 de área coberta e 79,22 m2 de logradouro, constando aí assinalado como Parcela B.
Encontrando-se o prédio descrito sob a ficha ... onerado com o ónus de não fracionamento por um período de 10 anos a contar desde 18/2/2004, mostra-se vedada a possibilidade de conversão da escritura pública de partilhas celebrada em 7/4/2004, no sentido pretendido e decidido na decisão recorrida, que, assim, discordamos:
anulando-se a referida escritura e convertendo a mesma numa nova partilha na qual o logradouro, com a área de cerca de 30 m2, identificado na fotografia aérea junta como doc. n.° 22 com a p.i., é adjudicado à autora A mediante a condição de ser destacado do prédio inscrito sob o artigo ..., da freguesia de -----, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de ----- sob a ficha ..., e de serem licenciadas as edificações sob os artigos matriciais 2996 e 3347, da freguesia de -----, mantendo-se no demais o negócio jurídico celebrado.
Pois, em 7/4/2004,  não seria legalmente admissível novo destaque, desta feita do referido logradouro.
Não se acompanhando e apesar da consideração que a sentença recorrida nos merece, pela sua profundidade e acuidade no conhecimento das questões jurídicas suscitadas, este troço da mesma:
De resto, tendo em consideração as diversas e sucessivas desafectações de áreas do prédio original dos antepassados dos outorgantes da escritura correspondente ao artigo ... e, considerando, inclusive, o destaque que precedeu a realização da partilha, não se vê, à partida, que constitua impedimento à procedência do pedido que venha a ser, ulteriormente, promovido novo destaque da área de cerca de 30 m2 correspondente ao logradouro do prédio, identificado na fotografia aérea a que se refere o doc. n.° 22 junto com a p.i..
Assim, não sendo objecto da presente acção, nem competindo ao tribunal decretar essa desafectação, julgamos ponderado e equilibrado reconhecer e julgar procedente o pedido que, em termos substantivos, é apresentado ao tribunal, e relegar para outros procedimentos extrajudiciais a concretização ou conformação, em termos registrais, matriciais e camarários, o necessário à execução da partilha que aqui se decidiu corresponder ao negócio efectivamente querido pelas partes.
Demonstrando-se a ilegalidade da operação de destaque pretendida em 7/4/2004, não pode o Tribunal decretar a mesma, mediante anulação parcial da referida escritura de partilhas e subsequente conversão no negócio pretendido.
O princípio da conservação dos negócios tem uma das suas expressões no instituto da conversão do negócio jurídico a que se refere o art. 293º do Cód. Civil, onde se estatui o seguinte:
«O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.»
Assim, dados certos requisitos, poderá reconstituir-se, com os materiais do negócio totalmente inválido, um outro negócio, cujo resultado final económico-jurídico, embora mais precário, se aproxime do tido em vista pelas partes com a celebração do contrato totalmente inválido.
Não se trata aqui de uma tutela das partes em oposição à autonomia privada, pois deve atender-se ao sentido da vontade das partes e às suas representações sobre os interesses respetivos. Não se trata de uma interpretação, de uma averiguação de uma vontade empírica como uma realidade psicológica; trata-se antes como que de uma “colaboração” do ordenamento jurídico com a vontade das partes no sentido de dar expressão a uma vontade potencial, alargando assim o campo da autonomia privada, como refere Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., pg. 639.
Os requisitos de admissibilidade da conversão são, pois, os seguintes:
1) É necessário que o negócio inválido contenha os requisitos essenciais de forma e substância (capacidade, objeto, vontade), impostos para a validade do negócio sucedâneo.
2) Exige-se que a vontade hipotética ou conjetural das partes seja no sentido da conversão. Só haverá conversão, quando se imponha a conclusão de que as partes teriam querido o negócio sucedâneo se, na hipótese de se terem apercebido do vício do negócio principal, não pudessem tê-lo celebrado sem essa deficiência. Trata-se de um requisito cuja existência deve ser averiguada à luz das particularidades do caso concreto.
3) A conversão deve manter-se dentro do domínio negocial traçado pelas partes, exprimindo-se aqui a ideia de que a vontade hipotética deve inferir-se da concordante finalidade jurídico-económica tida em vista pelas partes.
Por todos, veja-se Mota Pinto, ob.cit., pgs. 641.
Ora, a inadmissibilidade legal do destaque pretendido com o negócio sucedâneo, consequencia a improcedência da demanda, procedendo a apelação e resultando prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso.
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V. A decisão                                                       
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida e, na improcedência do pedido formulado pelas autoras, absolver os réus do mesmo.
Custas, em ambas as instâncias, pelas autoras.
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Lisboa, 14 de Setembro de 2023
Nuno Luís Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas