I- Considerando que em processo de extradição solicitada pelo Estado Brasileiro, com o extraditando detido:
a) A detenção preventiva(quer a provisória quer a validada posteriormente em processo formal de extradição) de extraditando, na sequência do pedido nesse sentido inserido no Sistema de Informação Interpol, emitido pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras, com vista à sua extradição para o Brasil foi ordenada por Juiz competente do Tribunal da Relação nos termos do artigo do artº62 da Lei 144/99, que ainda dentro do prazo de 40 dias após a sua detenção provisória foi apresentado o pedido formal de extradição e que a Procuradoria-Geral da República comunicou nos autos de Proc. Extradição que as autoridades brasileiras apresentaram dentro da data prevista o pedido de extradição contra o requerente;
b) A detenção provisória e a detenção não solicitada, prévias ao pedido formal de extradição formulado a Portugal por um Estado estrangeiro, constituem e integram já o processo de extradição em sentido amplo mas são anteriores à formalização daquele e que nestas situações, o procedimento e os prazos máximo da detenção do extraditando até que o Estado requerente apresente pedido formal de extradição, constam essencialmente do art.º 64º da LCJIMP;
c) Aos prazos máximos de detenção preventiva, em processo de extradição, no caso especialmente aplicáveis, e subsidiariamente ao apenas parcialmente previsto no artº 21º, nº 4 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, os previstos na Lei 144/99;
d) A detenção provisória e a detenção não solicitada, prévias ao pedido formal de extradição formulado a Portugal por um Estado estrangeiro, constituem e integram já o processo de extradição em sentido amplo mas são anteriores à formalização daquele pelo que, nestas situações, o procedimento e o prazo máximo da detenção do extraditando até que o Estado requerente apresentação pedido formal de extradição, consta essencialmente do art.º 64º da LCJIMP;
e) A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não regula o prazo final de decisão pelo Tribunal da Relação sendo que é a norma do artigo 63.º, n.º 4 daquela Lei 144/99 que define, de forma clara e inequívoca, que o prazo do n.º 1 do artigo 52.º se conta a partir da data da apresentação do pedido formal em juízo;
f) Apesar de o pedido formal de extradição ter sido formulado atempadamente, não cessa o prazo de detenção por não ter havido decisão final do Tribunal da Relação no prazo de 65 dias posteriores à data em que foi efectivada pois, embora o art. 52º, nº 1 da Lei de CJMP disponha que a detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coacção processual se a decisão final do tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efectivada, este prazo é aplicável apenas aos casos em que o processo de extradição tenha início sem outra fase prévia.
g) Quando exista, como no caso, uma situação de detenção antecipada, prévia à apresentação formal do pedido de extradição, estipula claramente o art. 63º, nº 4 que, recebido o pedido (formal) de extradição, a distribuição do processo na Relação é imediata e o prazo referido no nº 1 do artigo 52º conta-se a partir da apresentação desse pedido em juízo.
II- Dadas essas circunstâncias processuais, não existe fundamento para deferir providência de habeas corpus já que, no caso dos autos, ainda se está em prazo para decisão final do Tribunal da Relação, visto que o artº 63º, nº 4 estipula claramente que recebido o pedido (formal) de extradição a distribuição do processo na Relação é imediata e o prazo referido no nº 1 do artigo 52º conta-se a partir da apresentação do pedido (formal) de extradição em juízo.
III- Se assim não se entendesse, caso se contasse o prazo para decisão final logo a partir do dia da detenção provisória, estaria praticamente impossibilitado o cumprimento dos prazos normais do processo de extradição propriamente dito, iniciado que fosse, nomeadamente, só após os primeiros 40 dias de detenção com formalização nessa data do pedido de extradição, objectivo este que o legislador não pretendeu , sob pena de se frustar praticamente a justiça e a defesa dos valores pretendidos com implementação dos instrumentos e mecanismos de cooperação internacional.
Processo 1669/23.3YRLSB-A.S1
Acordam na Secção Criminal (de turno) do Supremo Tribunal de Justiça.
I. RELATÓRIO
1. AA, maior, de nacionalidade brasileira, detido preventivamente à ordem do processo de extradição nº 1669/23.3YRLSB a correr termos na... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, veio requerer providência de HABEAS CORPUS, invocando em suma:
“1.
O requerente encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ... desde as 18:20 horas do dia 1 de Junho de 2023, à ordem do processo de extradição nº 1669/23.3 YRLSB, conforme “Auto de Audiência do Extraditando”, o qual se junta como Doc. 1, dando-se o seu conteúdo inteiramente por transcrito para todos os efeitos legais, o mesmo valendo para os demais documentos que se juntarem nesta petição;
2.
Nos termos do artº 52º, nº1 da Lei nº144/99 de 31 de agosto, a prisão do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coação processual se a decisão final do Tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efetivada.
3.
Entre 1 de junho 2023, dia em que se iniciou a contagem do prazo de prisão preventiva, previsto no artigo supra identificado e até hoje decorreram 73 dias, ou seja, o prazo legal encontra-se ultrapassado;
4.
Apesar de, à presente data, já terem decorrido os 65 dias referentes ao dito prazo, não foi proferida qualquer decisão final no processo, encontrando-se o extraditando preso.
5.
Salvo melhor opinião, esta prisão é ilegal, por o prazo máximo de prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, se encontrar excedido nos termos legais supramencionados;
6.
Uma vez que desde 1 de Junho de 2023 até à presente data já decorreram 73 dias de prisão preventiva, quando o prazo estabelecido legalmente é de 65 dias.
7.
Não obstante os 3 requerimentos que já deram entrada após a decorrência do prazo, para libertação do extraditando, nomeadamente o requerimento apresentado no dia 8/8/2023 com a referência...o qual se junta como Doc. 2.
8.
O segundo requerimento com data de dia 9/8/2023, com a referência..., o qual se junta como Doc. 3.
9.
Bem como o terceiro requerimento com data de 10/8/2023, com a referência ..., o qual se junta como Doc. 4.
10.
Nos quais, entre outros argumentos jurídicos aqui irrelevantes, é alegada a ilegalidade da prisão preventiva por se ter excedido o prazo da mesma nos termos do art.º 52º nº1 da Lei 144/99 de 31 de agosto, motivo este juridicamente relevante.
11.
A manutenção do extraditando em prisão, decorrido que está o prazo referido, constitui um atentado à legalidade, por um lado, por via da violação de uma disposição legal;
12.
E por outro, um abuso de poder por parte do Juiz que insiste, salvo melhor e mais esclarecida opinião, em não proceder à libertação do preso preventivo, decorrido que foi o prazo legal.
13.
Pelo que o extraditando deverá ser imediatamente libertado ainda que sujeito, ou não, a alguma medida de coação, uma vez que a manutenção da prisão, nestes termos é ilegal.
14.
O Tribunal da Relação de... e, em particular o Exmo. Juiz Desembargador responsável pelo processo, o qual, com o devido respeito, que é muito, tem a obrigação de cumprir a Lei, nomeadamente no que concerne aos termos específicos do art.º 52º nº1 da Lei da Extradição a qual determina que: «(…) a detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coação processual se a decisão final do tribunal da Relação não for proferida dentro de 65 dias posteriores à data em que foi efectivada(…)»
15.
O habeas corpus, nos termos elencados, do art.º 222º nº2 alª c) do C.P.P., constitui uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido;
16.
Pretende-se submeter ao Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da manutenção da prisão preventiva do extraditando, excedido que está o prazo de 65 dias nos termos já referidos e alegados, uma vez que não é resolvida no respetivo processo.
17.
O extraditando encontra-se preso na presente data, ilegalmente, em desconformidade com o estatuído legalmente, constituindo essa ilegalidade numa violação dos Direitos Liberdades e Garantias, constitucionalmente previstos.
18.
Esta violação, grosseira, é um claro abuso de poder por via da manutenção da prisão preventiva para além do prazo legalmente previsto, constituindo um atentado ilegítimo à liberdade individual do extraditando, conforme constitucionalmente previsto;
Termos em que deverá ser concedido provimento à presente petição de Habeas Corpus, nos termos do artigo 222º, nº 2 alínea c)do C.P.P., ordenando-se a libertação imediata do Extraditando, por ter decorrido o prazo máximo de prisão preventiva, conforme previsto nos termos do art.º 52º nº1 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto, sem que tenha sido proferida decisão final no processo à ordem do qual o Extraditando se encontra ilegalmente preso”
2. Foi elaborada a informação a que se reporta o nº 1 do artigo 223º do CPP, conforme se transcreve (informação essa datada de 14.8.23):
“O requerente foi detido a 01-06-2023, pelas 18h20m, em cumprimento de pedido de autoridade judiciária do Brasil, com base numa notícia vermelha, inserida no Sistema de Informação Interpol, com o n.º A-4709/5-2023.
O mandado de captura internacional visava a detenção do requerido e sua extradição para o Brasil, a fim de ser sujeito a procedimento criminal, pela prática, segundo a legislação brasileira, de crimes de fraude, burla em comércio eletrónico, branqueamento de capitais e organização criminosa, punidos pelos artigos 171.º§2-A do Código Penal Brasileiro, artigo 1.º da Lei n.º 9613/98 e artigo 1.º da Lei 12850/13.
A tais factos corresponde a moldura penal que pode ir até 26 anos de prisão.
A 02-06-2023, procedeu-se à sua audição, não tendo o ora requerente consentido na extradição, tendo, no final da mesma, depois de validada a respetiva detenção, sido determinada a manutenção da respetiva detenção, em ordem a garantir a efetivação de uma eventual decisão de extradição.
Mediante requerimento junto aos autos pelo Ministério Público, datado de 19-06-2023, foi dada a conhecer a recepção, na Procuradoria-Geral da República, do pedido formal de extradição, formulado pelas autoridades brasileiras.
Mediante requerimento junto aos autos pelo Ministério Público, datado de 30-06-2023, foi junto aos autos o documento de formalização junto da Procuradoria-Geral da República do pedido de extradição do ora requerente, bem como o parecer da Exma Sra. Procuradora-Geral da República favorável à extradição. O ora requerente apresentou requerimento, datado de 07-07-2023, com vista à substituição da “prisão preventiva, por medida de coação menos gravosa.
A 10-07-2023, veio o Ministério Público formular pedido de extradição, de acordo com o disposto no artigo 51.º, n.º1, da lei n.º 144/99 de 31 de agosto, designação de data para audição do extraditando e a continuação da sua sujeição à medida e coação inicialmente fixada. Declara aberta a fase judicial do pedido de extradição, foi o ora requerente ouvido a 12-07-2023, nos termos que constam da ata junta aos autos a fls. 108 e ss., na sequência do que lhe foi concedido prazo para, por escrito, deduzir oposição fundamentada ao pedido de extradição, e requerer o que tivesse por conveniente como meios de prova para a sua defesa, em obediência ao disposto no artigo 55.º da Lei 144/99 de 31 de agosto. Mais foi apreciada a requerida “alteração da medida de coação”, no sentido do seu indeferimento, “mantendo-se a situação de detenção” e expressamente se aludiu que o prazo referido no n.º1 do artigo 52.º da referida Lei, conta-se nos termos previstos no artigo 63.º, n.º4, por remissão do artigo 64.º, n.º4, do mesmo diploma.
Veio o ora requerente deduzir, por escrito, oposição ao pedido de extradição bem como requerer prova, nos termos constantes a fls. 113 e ss., à qual o Ministério Público já deu resposta.
Mediante requerimento junto aos autos a 08-08-2023, veio novamente o ora requerente formular pedido no sentido da “medida de coação” ser substituída por outra não detentiva, por, na sua ótica, ter sido ultrapassado o prazo máximo da detenção, nos termos do artigo 52.º, n.º1 da já citada Lei, tendo, o Ministério Público apresentado resposta, em contrário da posição inicialmente assumida, no sentido de que, seguindo interpretação do Ac do STJ ali citado, o prazo de detenção do extraditando não ter ainda expirado [cfr. promoção de 11-08-2023].
Mantém-se, assim, atualmente, a situação de detenção do ora requerente
Junte cópia das peças processuais relevantes acima citadas.
É o que nos cumpre informar, nos termos do artigo 223.º, n.º1 do Código de Processo Penal. (…)”
3. Convocada a secção criminal, notificados o Ministério Público e o Defensor do requerente, realizou-se a audiência, em conformidade com os artigos 223.º, nºs 2 e 3 e 435.º do Código de Processo Penal, tendo em alegações orais o MPº promovido o indeferimento do pedido e a defesa renovado a posição já assumida nos autos.
Após, a secção de turno reuniu para deliberação, dela resultando a presente deliberação.
II. FUNDAMENTAÇÃO
De toda a documentação e informação que consta do processo resultam apurados os seguintes factos e ocorrências processuais, com relevância para a decisão da providência requerida:
1. O requerente foi detido a 01-06-2023, pelas 18h20m, em cumprimento de pedido de autoridade judiciária do Brasil, com base numa notícia vermelha, inserida no Sistema de Informação Interpol, com o n.º A-4709/5-2023. O mandado de captura internacional visava a detenção do requerido e sua extradição para o Brasil, a fim de ser sujeito a procedimento criminal, pela prática, segundo a legislação brasileira, de crimes de fraude, burla em comércio eletrónico, branqueamento de capitais e organização criminosa, punidos pelos artigos 171.º§2-A do Código Penal Brasileiro, artigo 1.º da Lei n.º 9613/98 e artigo 1.º da Lei 12850/13.
2. A 02-06-2023, procedeu-se à sua audição no Tribunal da Relação de Lisboa, não tendo o ora requerente consentido na extradição. No final da referida audição, depois de validada a respetiva detenção, foi determinada a manutenção da respetiva detenção, em ordem a garantir a efetivação de uma eventual decisão de extradição.
O despacho de validação da detenção e determinante da medida de coacção foi o seguinte:
“Valido a detenção do requerido, a qual foi efectuada a pedido de autoridade judiciária do Brasil, com base numa notícia vermelha inserida no Sistema de Informação Interpol com o n° A-4709/5-2023, por factos que integram crime de fraude, burla em comércio electrónico, branqueamento de capitais e organização criminosa, os quais admitem tal detenção nos termos do disposto no artigo 39° da Lei 144/99 de 31/08. Os factos a que alude o Mandado de Detenção Internacional são puníveis em Portugal, pelos artigos 217°; 218°; 221°; 368°A e 299° do CP.
A sanção que se lhe mostra aplicada é sempre superior aos 6 meses de prisão referidos no art. 2o, n.° 2 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e art. 2o n.° 2 do Acordo sobre a Extradição Simplificada a que alude a resolução da Assembleia da República n.° 12/2015. consente na Extradição, mas torna-se necessário que o Brasil apresente o pedido formal de extradição. Pelas razões constantes da douta promoção que antecede aceita-se como verificado o perigo de fuga que importa acautelar, enquanto não for formalizado o pedido final de Extradição pelas autoridades brasileiras.
Na realidade a medida de coacção de prisão preventiva é a única que, por regra se adequa à necessidade de controlar o perigo de fuga inerente à facilidade que o buscado pela justiça estrangeira detém de se ausentar de Portugal, e bem assim ao perigo de continuação da actividade criminosa, que neste caso se verifica na medida em que para a prática dos crimes em causa basta o manuseamento de um sistema informático, aliado a um telefone. Relativamente à alegada incipiência dos factos ela resulta naturalmente de se estar perante uma simples noticia vermelha que não contem as especificidades próprias do pedido de extradição, por cuja formalização se aguarda.
No que concerne à existência de outros processos desconhece-se em que termos eles se desenvolvem o que inviabiliza qualquer paralelismo com as situações invocadas. Pelo exposto, mantenho a detenção, em ordem a garantir a efectivação de uma eventual decisão de extradição.
Pelo exposto se decide:
a) A comunicação, de imediato, com expressa indicação da data da detenção, à Embaixada do Brasil, à PGR e ao Gabinete Nacional da Interpol, solicitando-se que, pela via mais expedita, as autoridades brasileiras a quem interessa a extradição formulem, com a necessária urgência, o pedido de extradição, com a expressa advertência nos termos do artigo 64°, n° 3, da Lei n° 144/99, de 31/08.
b) Que aguardem os autos o decurso dos prazos de 18 e 40 dias a que se refere o artigo 64°, n° 2, da Lei 144/99, de 31/08, sem prejuízo do preceituado no artigo 40°, n° 6 da mesma.
(…)”
3. A autoridade judicial brasileira, no âmbito do Processo n.º...00, que corre termos na ... Vara Criminal de Secção Judiciária do Distrito Federal – ..., através do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, formalizou junto da Procuradoria-Geral da República o pedido de extradição de AA, cidadão de nacionalidade brasileira, ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, tendo sido feita informação à Sra Ministra da Justiça nos seguintes termos:
“Ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, as autoridades judiciárias brasileiras solicitam a extradição do cidadão de nacionalidade brasileira AA (…)”
No âmbito do processo n°...00, que corre termos na … Vara Criminal de Secção Judiciária do Distrito Federal, ... AA encontra-se indiciado pela prática de crimes inseridos no capítulo denominado Crimes Contra o Sistemas Financeiro Nacional, p.p. pelos artigos 5° "apropriação indébita e desvio de dinheiro, título valor ou qualquer outro bem de que tem a posse", 6° "Sonegação de informação ou prestação de informação falsa", 1° "Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários, falsos ou falsificados sem autorização prévia da autoridade competente" e 22°" exploração de actividade no sistema financeiro sem autorização governamental"todos da Lei 7492/86.
Mais se encontra indiciado pelos crimes de "fraude eletrónica" p.p. pelo artigo 171°, §2°A, do Código Penal; "associação criminosa" p.p. pelo artigo 288 do Código Penal e "lavagem de capitais" p.p. pelo artigo 1 ° da Lei 9613/98.
Os referidos factos foram praticados de 2019 a 2023.
O crime de menor gravidade comina pena máxima de três anos de reclusão, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, a prescrição ocorre em oito anos.
Os crimes pelos quais o arguido se encontra acusado encontram correspondência no disposto dos artigos 217°, 218* n° 2, alínea a), 221 °, 368-A, e 299° do Código Penal português e o decorrente procedimento criminal não se mostra extinto, por efeito de prescrição, conforme resulta do disposto no artigo 118°, n° 1, alínea a) do Código Penal português.
Compulsada a documentação instrutória do pedido bem, como os textos legais oferecidos pelo Estado requerente, analisado o respetivo conteúdo à luz da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Lei n° 144/99, de 31 de Agosto, constata-se que não se detetam obstáculos ao prosseguimento do mesmo, uma vez que respeita a cidadão brasileiro, os factos ocorreram em território da República Federativa do Brasil, e não são puníveis com pena de morte nem com pena de prisão perpétua.
O pedido de extradição em apreço satisfaz os requisitos estabelecidos no artigo 2° e 10° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, bem como o disposto no artigo 31° da Lei n° 144/99, de 31 de Agosto, pelo que sou de parecer, Senhora Ministra, que se encontra em condições de prosseguir. AA encontra-se privado da liberdade à ordem do processo n°1669/23.3YRLSB da … Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. “
4. Mediante requerimento junto aos autos pelo Ministério Público, datado de 19-06-2023, foi dada a conhecer ao processo a anterior recepção, na Procuradoria-Geral da República, daquele pedido formal de extradição, formulado pelas autoridades brasileiras.
5. Mediante requerimento junto aos autos pelo Ministério Público, datado de 30-06-2023, foi junto aos autos o documento de formalização junto da Procuradoria Geral da República do pedido de extradição do ora requerente, bem como o parecer da Srª PGR favorável à extradição.
6. O ora requerente apresentou requerimento, datado de 07-07-2023, com vista à substituição da “prisão preventiva, por medida de coação menos gravosa.
7.A 10-07-2023, veio o Ministério Público junto do TRL formular pedido de extradição, obtido que fora também despacho favorável da Sra. Ministra da Justiça, de acordo com o disposto no artigo 51.º, n.º1, da lei n.º 144/99 de 31 de agosto, solicitando designação de data para audição do extraditando e a continuação da sua sujeição à medida e coação inicialmente fixada.
8. Declarada aberta a fase judicial do pedido de extradição, foi o ora requerente ouvido a 12-07-2023, nos termos que constam da acta junta aos autos a fls. 108 e ss., na sequência do que lhe foi concedido prazo para, por escrito, deduzir oposição fundamentada ao pedido de extradição, e requerer o que tivesse por conveniente como meios de prova para a sua defesa, em obediência ao disposto no artigo 55.º da Lei 144/99 de 31 de agosto. Mais foi ali apreciada a requerida “alteração da medida de coação”, no sentido do seu indeferimento, “mantendo-se a situação de detenção” e expressamente se aludiu que o prazo referido no n.º1 do artigo 52.º da referida Lei, conta-se nos termos previstos no artigo 63.º, n.º4, por remissão do artigo 64.º, n.º4, do mesmo diploma.
9- Tal despacho judicial foi o seguinte:
“ (…) De harmonia com o disposto no artigo 55.° da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto (ex vi artigo 3.° do mesmo diploma), notifique-se o extraditando de que tem o prazo de oito dias para, querendo, deduzir por escrito oposição fundamentada ao pedido de extradição, de que agora é notificado, e requerer o que tiver por conveniente em termos de prova para a sua defesa, nos termos do aludido preceito legal.
Na sequência da detenção com base em notícia vermelha inserida no Sistema de Informação Interpol, procedeu-se à audição do ora extraditando e foi decidido manter a sua detenção em ordem a garantir a efectivação de uma eventual decisão de extradição.
Posteriormente, o pedido de extradição foi recebido e decorreu a fase administrativa, culminando com o Despacho n.° .../.../2023, de 7/07/2023, da Sr.a Ministra da Justiça, que declarou admissível o pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil respeitante ao extraditando, AA.
Na sequência deu-se início à fase judicial do processo de extradição. Entretanto; o extraditando requereu a aplicação de "outra medida de coacção" para prover o seu agregado familiar, mantendo o seu vínculo laboral. A detenção para extradição é uma das restrições do direito fundamental à liberdade admitida pela Constituição da República Portuguesa - artigo 27.°, n.° 3, al. c), da CRP.
A detenção no âmbito da extradição, como se salienta no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 228/97, publicado no D.R., II Série, de 28 de Junho de 1997, visa fins diferentes da prisão preventiva na ordem interna, pois enquanto a prisão preventiva constitui uma medida de coacção, decretada no âmbito de um processo penal, nas condições gerais previstas no artigo 204.° do Código de Processo Penal (e nos termos das disposições dos artigos 191.° a 195.° e 202.° do mesmo Código), a detenção para extradição visa assegurar. na previsibilidade do deferimento do pedido de extradição, a entrega do extraditando ao Estado estrangeiro requerente, tendo lugar no âmbito do respectivo processo, a correr no Estado requerido, com pressupostos e com um regime diverso da prisão preventiva. Por isso, em 2/06/2023 foi decidida a manutenção da detenção que, pese embora a remissão do artigo 3.°/2, da Lei n.° 144/99, não pode ser confundida com a medida de coacção de prisão preventiva, correspondendo a realidades normativas distintas, pois responde, como já se assinalou, a exigências e finalidades que são diversas das salvaguardadas pela prisão preventiva, nomeadamente, afirmar a República Portuguesa como Estado de Direito confiável no âmbito da cooperação judiciária internacional, constituindo medida especial, cautelar, estritamente afectada ao cumprimento do pedido de extradição, com prazos específicos. As diferenças de estatuto entre prisão preventiva e detenção para extradição, quanto às suas finalidades, prazos e pressupostos, são reconhecidas pela jurisprudência, designadamente do S.T.J.
Em qualquer caso, a detenção deve cessar imediatamente e ser substituída por outra medida de coacção processual não privativa da liberdade se forem alcançados determinados prazos (tratando-se de uma detenção que teve por base notícia vermelha, tratou-se de detenção "não directamente solicitada", pelo que releva o prazo referido no n.°1 do artigo 52.° da Lei n.° 144/99, mas a contar nos termos previstos no artigo 63.°, n.°4, por remissão do artigo 64.°, n.°4, do mesmo diploma).
No caso em apreço, o decurso do prazo legal está longe de se mostrar esgotado, não se justificando, nessa base, a cessação da detenção.
Por outro lado, as razões apresentadas em sustento da aplicação de outra medida são essencialmente as mesmas já apresentadas na 1.a audição, ainda que agora acompanhadas de documentos, sendo, por conseguinte, preexistentes em relação à data em que teve lugar essa audição que decidiu a manutenção da detenção, não se justificando que se lance mão do artigo 41.° da Lei n.° 144/99. Os artigos 145.° e seguintes da Lei n.° 144/99 invocados pelo extraditando não são aplicáveis ao caso.
Face ao exposto, indefere-se a pretendida alteração do estatuto processual do extraditando, mantendo-se, por agora, a situação de detenção.
(…)”
10. O extraditando deduziu, por escrito, oposição ao pedido de extradição bem como requereu prova, nos termos constantes a fls. 113 e ss., à qual o Ministério Público deu resposta. Mediante anterior requerimento junto aos autos a 08-08-2023, viera já formular pedido no sentido da “medida de coação” ser substituída por outra não detentiva por, na sua perspectiva, ter sido ultrapassado o prazo máximo da detenção, nos termos do artigo 52.º, n.º1 da já citada Lei, tendo o Ministério Público apresentado resposta, em contrário da posição inicialmente assumida, no sentido de que, seguindo interpretação de Ac do STJ ali citado, o prazo de detenção do extraditando não ter ainda expirado [cfr. promoção de 11-08-2023].
11. Após a audição de 12 de agosto o extraditando veio então peticionar a presente providência de habeas corpus invocando que estava detido além dos 65 dias permitidos por lei para ser proferida decisão final do Tribunal da Relação nos termos do artº 52º nº1 da Lei 144/99 “ (1) ]
III. O DIREITO
3.1-A questão que nos é colocada para apreciação é a de saber se o extraditando detido está ou não nessa situação excessivamente (quanto ao prazo de lei) o que convoca o problema de interpretar as normas aplicáveis ao caso no sentido de saber se o prazo se conta desde o 1º dia da detenção antecipada (1 de Junho)- hipótese esta em que teria já ocorrido excesso de detenção a partir de 5 de Agosto (inclusive)- ou ao invés, apenas a partir da introdução em Juízo do processo formal de extradição, iniciado a 10 de Julho. Contado a partir deste, estaria ainda a decorrer o prazo admissível para detenção até decisão final do Tribunal da Relação (cujo termo ocorrerá apenas, nesse caso, a 13 de Setembro.
3.2-A Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade pessoal, como direito fundamental que é, de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas, sendo que a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias aí previstas e na lei – artigos. 27º, nº 2 e 28º, da CRP, e artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos.
3.3-O artigo 31º, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Habeas Corpus”, consagra no seu nº1 que «Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».
Conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça «É uma providência urgente e expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação direta, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.
“Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o “habeas corpus” testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”. (JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1º a 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508).
E escrevem os mesmos autores (ibidem, V, p. 510): “(…) (1) a providência do “habeas corpus” é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de ação cautelar e de recurso judicial. (…)”2
Por seu turno, concluíu o acórdão do STJ de 30NOV16:
«Em suma: A previsão - e precisão - da providência, como garantia constitucional, não excluí, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação direta, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável»3.
3.4-Assim, em conformidade com os citados preceitos constitucionais, a providência de habeas corpus tem natureza excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente de «medida expedita», com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei.
Em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.°1 do artigo 220.° do CPP e, quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.° 2 do artigo 222.° do mesmo diploma legal. 4
3.5-De acordo com o princípio da actualidade, é necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, consubstanciando-se esta reportada ao momento em que é necessário apreciar o pedido 5.
A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe-a pois, (no sentido da actual ilegalidade da prisão) aferida em relação a tal momento. Trata-se de asserção que consubstancia jurisprudência sedimentada no Supremo Tribunal de Justiça, como se deu nota no acórdão de 21 de Novembro de 2012 (Proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1 – 3.ª Secção), onde se indicam outros arestos no mesmo sentido, bem como no acórdão de 9 de Fevereiro de 2011 (Proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1 – 3.ª Secção).
Também , no mesmo sentido, veja-se o Ac. de 18/07/2014 (6)
3.6 - Esta situação no presente caso está em concreto verificada pois o ora extraditando e requerente mantém-se na situação de detenção preventiva à ordem dos presentes autos de extradição, que se encontra já na sua fase jurisdicional formal para extradição solicitada pela República Federativa do Brasil, decorrida que foi a fase administrativa do processo (antes da qual ocorreu a detenção antecipada para posterior formalização do pedido de extradição) nos termos já enunciados na narrativa do histórico da sua situação processual.
3.7-As medidas de coação são meios processuais de limitação de liberdade pessoal e estão sujeitas aos princípios da legalidade, da adequação, da proporcionalidade, da precariedade e, quanto à prisão preventiva, da subsidiariedade (artigos 191º, nº 1, 193º, 215º e 218º, 202º e 209º, do CPP).
Tais medidas porque limitativas de direitos fundamentais, contudo, têm de estar em conformidade com as garantias da Constituição e da Lei.
3.8-No que respeita à prisão ilegal, sobre a epígrafe, “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”, estabelece o artigo 222º nº 1 do CPP que o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, estabelecendo o seu n.º 2 que a ilegalidade da prisão tem de decorrer de uma das seguintes circunstâncias:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;
3.9-Conforme realça a jurisprudência do Tribunal Constitucional – maxime a contida no Acórdão n.º 228/97 -, “o legislador regulamentou os pressupostos, as condições, a duração e as respectivas garantias da detenção por forma a realizar a finalidade que a mesma pretende realizar com o mínimo de constrangimentos e procurando realizar o máximo de garantias do visado pela detenção. Designadamente, estabeleceu prazos de detenção sensivelmente mais reduzidos do que aqueles que se aplicam à prisão preventiva. E a medida desses prazos não se afigura desproporcionada se se tiver em conta que o processo de extradição requer contactos entre entidades de vários países, envolve a coordenação de autoridades judiciais, administrativas e policiais bem como a formalização dos contactos havidos, o que se traduz em garantia de autenticidade do processo e redunda em protecção do próprio extraditando. O equilíbrio entre as finalidades da cooperação internacional e as restrições dos direitos do indivíduo a extraditar não se mostra a título algum rompido, quer em favor daquelas finalidades, quer em termos de compressão de direitos individuais”
3.10-Detenção esta para extradição que tem os prazos máximos admitidos estabelecidos nos art.º 52º (para proferir decisão) e 60º n.º 2 (para a entrega) da Lei n.º 114/99 de 31 de outubro/Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal/LCJIMP.
No que releva para a decisão da vertente providência liberatória, o primeiro daqueles prazos – até à decisão do pedido pelo Tribunal da Relação (que aqui funciona como 1ª instância) -, é de 65 dias, contados desde a data da detenção do extraditando.
3.11- A lei permite a detenção antecipada.
Conforme estabelece a lei vigente e já realçava o Tribunal Constitucional no regime jurídico anterior – máxime, no acórdão n.º 325/86 -, “a lei, porém, contempla duas possibilidades de detenção antecipada, e antecipada não só à fase judicial do processo de extradição, mas, inclusivamente, ao pedido formal deste: são elas a detenção provisória (artigo [38 e 62º] e a detenção não solicitada (artigo [39 e 64º])”. A primeira, tem lugar quando, «em caso de urgência e como acto prévio de um pedido formal de extradição», a «autoridade competente do Estado requerente» a solicite, através de pedido transmitido directamente ao Ministério da Justiça. É ordenada pelo juiz relator (…) quando se certificar da autenticidade, da regularidade e da admissibilidade do pedido, sendo, para o efeito, entregue mandado ao Ministério Público, para execução”.
A segunda modalidade de detenção antecipada ocorre quando as autoridades de polícia detêm “indivíduos que, segundo informações oficiais, designadamente da INTERPOL, sejam procurados por autoridades competentes estrangeiras para efeito de procedimento criminal ou de cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição”.
3.12-A detenção provisória e a detenção não solicitada, prévias ao pedido formal de extradição formulado a Portugal por um Estado estrangeiro, constituem e integram já o processo de extradição em sentido amplo mas são anteriores à formalização daquele.
Nestas situações, o procedimento e o prazo máximo da detenção do extraditando até que o Estado requerente apresentação pedido formal de extradição, constam essencialmente do art.º 64º da LCJIMP.
Confirmada a detenção, o Estado requerente deve informar, urgentemente, pela via mais rápida, se vai formular o pedido de extradição. Para o que dispõe de 18 dias a contar da detenção.
Se a autoridade competente do Estado estrangeiro a quem a extradição interessar não prestar aquela informação até ao 18º dia posterior à detenção, o detido deve ser colocado imediatamente em liberdade por ter expirado o prazo máximo permitido para a sua detenção antecipada não diretamente solicitada.
Informando o Estado estrangeiro requerente que vai formular pedido de extradição, tem de apresentar o pedido formal de extradição do detido até ao 40º dia, contado da data da detenção.
Se não for recebido na autoridade central de Portugal o pedido formal de extradição até ao 40º dia posterior à detenção, o detido deve ser imediatamente libertado.
Tais prazos não foram inobservados no presente caso.
3.13- Vemos assim que o processo de extradição pode comportar duas fases que correm paralelamente, ambas urgentes: uma administrativa, outra judicial. A fase administrativa destina-se a reunir os elementos legalmente exigidos e a apreciar e decidir, politicamente, da admissibilidade do pedido de extradição. Corre na autoridade central e no ministério governamental orgânica e legalmente competente.
O Estado estrangeiro apresenta, pela via diplomática, o pedido formal de extradição e todas as comunicações ao mesmo respeitantes, na autoridade central do Estado requerente, que, em Portugal, é a Procuradoria-Geral da República. A qual, verificada a sua regularidade formal e, considerando-o devidamente instruído, elabora informação no prazo máximo de 20 dias, submetendo-o à apreciação do Ministro da Justiça. Que, por sua vez decide, em 10 dias, da admissão do pedido de extradição.
Se o Ministro da Justiça indeferir o pedido, a Procuradoria-Geral da República deve ser logo informada, devendo levar, de seguida, a informação ao processo judicial para que o Tribunal determine a libertação imediata do detido e o arquivamento do processo.
Se o Ministro da Justiça considerar o pedido de extradição admissível, informa urgentemente, a Procuradoria-Geral da República, a qual remete o pedido de extradição, conjuntamente com os elementos que o instruírem e a decisão política de admissão, ao Ministério Público no Tribunal da Relação onde corre termos o processo à ordem do qual o extraditando se encontra provisoriamente detido. Ministério Público na Relação que, por sua vez, dentro das 48 horas subsequentes, em requerimento instruído com aqueles elementos, vai ao processo à ordem do qual o extraditando está provisoriamente detido, promover o cumprimento do pedido de extradição.
Em qualquer caso, a detenção do extraditando deve cessar imediatamente e ser substituída por outra medida de coação processual não privativa da liberdade se o pedido não for apresentado em juízo até ao 60º dia ou a decisão final do Tribunal da Relação não for proferida até ao 65º dia, posteriores àquele em que a detenção ocorreu – art. 52º n.º 1 e 63º n.º 3 da LCJIMP.
Prazo máximo da detenção que será aumentado, ope legis, automaticamente, se a decisão da Relação for impugnada através de recurso para o STJ e se for interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
3.14-Quanto aos prazos máximos de detenção preventiva, em processo de extradição, são aqui especialmente aplicáveis, subsidiariamente ao apenas parcialmente previsto no artº 21º, nº 4 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, os já mencionados ou doravante citandos da Lei 144/99.
O referido nº4 do artº 21º da citada Convenção (detenção provisória) dispõe que:
“4 — A pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade se, ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição.”
3.15-Ora, vimos já que a detenção do requerente ocorreu na sequência do pedido nesse sentido inserido no Sistema de Informação Interpol, emitido pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras, com vista à sua extradição para o Brasil, que a legalidade da sua detenção provisória foi apreciada pelo juiz competente, e em tempo oportuno (art.º. 53º, nº 1, da Lei nº 144/99), e que foi efectivada ao abrigo do art.º. 21º da Convenção sobre matéria de Extradição entre países de língua oficial portuguesa (CPLP) - Portugal e Brasil -, subscrita em 23/11/2005, e aprovada pela Resolução da AR n° 49/2008, de 18/7, in DR n° 178, de 15/09/2008, com entrada em vigor em 01/03/2010 (e vigorando na nossa lei interna face ao disposto no art° 8º,nº 1, e nº 2, da Constituição da República), que foi ratificada no Brasil em 01/06/20097, e ao abrigo do art. 39º da Lei nº 144/99.
3.16-No caso dos autos, a detenção preventiva (quer a antecipada quer a validada posteriormente em processo formal de extradição) foi ordenada por Juiz competente do Tribunal da Relação de Lisboa, entidade competente nos termos do artigo do artº62 (7) da Lei 144/99.
Ainda dentro do prazo de 40 dias após a sua detenção provisória foi apresentado o pedido formal de extradição.
A Procuradoria-Geral da República comunicou nos autos de Proc. Extradição que as autoridades brasileiras apresentaram dentro da data prevista o pedido de extradição contra o requerente.
3.17-Uma vez que a providência de habeas corpus se destina tão-somente a pôr cobro a situações de privação de liberdade de evidente e indiscutível ilegalidade, de verdadeiro abuso de poder, (cfr. arts. 31° da CRP e art. 223°, n.° 2, do Cod. Proc. Penal), e que terá de ser feito num curto espaço de tempo (8 dias), não cabe no seu âmbito a apreciação de situações de eventual alteração dos pressupostos da prisão extradicional decretada.
3.18-No caso, a norma fundamental a ser primeiramente considerada é a citada Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a qual porém, não regula o prazo final de decisão pelo Tribunal da Relação.
Trata-se de uma convenção, tal como referido já no Ac. STJ de 21/11/2013 que deriva “da cooperação judicial em matéria penal, entre Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados”.
Consta do preâmbulo desta Convenção que a mesma foi criada com o objectivo de incrementar, simplificar e agilizar a cooperação judiciária internacional em matéria penal, reconhecendo-se a importância da extradição no domínio desta cooperação com o propósito de combater de forma mais eficaz a criminalidade.
E dispõe o art. 1º desta Convenção, sob a epígrafe “Obrigação de extraditar”, que:
“Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.»
A Convenção de Extradição entre os Estados da CPLP vigora “na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português” (art.º. 8º, nº 2, da Constituição da República) tendo primazia sobre o direito interno infraconstitucional, prevalecendo, desta forma, sobre a legislação ordinária interna, por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional.
E, as normas legais desta Convenção também prevalecem sobre as disposições paralelas da Lei nº 144/99, aplicando-se somente este diploma nas matérias não reguladas pela Convenção, como será em parte o caso, no que respeita ao problema concreto que se nos colocou sobre o prazo de detenção máximo até decisão final do TRL.
3.19- Para decidir do caso em concreto seguimos aqui de muito perto o que nos parece ser jurisprudência consensual, a que aderimos por economia de argumentos, nomeadamente o já decidido nos Acs do STJ, de 23-11-2017 ( no procº 1331/17.6YRLSB-B.S1- Relator Nuno Gomes da Silva) e no já citado (também pelo MPº) Ac. do STJ relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, processo 02P368, n.º convencional JSTJ000, em 24 de Outubro 2002, recurso n.º 767/02, oriundo da Relação de Coimbra.
(Vide ainda, de igual modo, o Acórdão de 2015.12.03, proc 143/15.6YFLSB.S1.)
Deste modo, com idêntica linha argumentativa, podemos concluir com segurança que «a norma do artigo 63.º, n.º 4, define, de forma clara e inequívoca, que o prazo do n.º 1 do artigo 52.º conta-se a partir da data da apresentação do pedido formal em juízo.
3.20-O argumento de primeira linha que o recorrente usou, para sustentar que está em prisão ilegal foi o de considerar que embora o pedido formal de extradição tenha sido formulado atempadamente deveria ter cessado a sua detenção por não ter havido decisão final do Tribunal da Relação no prazo de 65 dias posteriores à data em que foi efectivada cujo termo teria já ocorrido a 4 de Agosto conforme o previsto no art. 52º, nº 1 da Lei nº 144/99, não tem pois consistência legal.
Dispõe realmente o citado art. 52º, nº 1 que a detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coacção processual se a decisão final do tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efectivada. Mas este prazo é aplicável aos casos em que o processo de extradição tenha início sem outra fase prévia. Já assim não é quando exista, como é o caso, uma situação de detenção antecipada, prévia à apresentação formal do pedido de extradição.
Isso mesmo decorre da epígrafe da Secção III, do Capítulo I (“Extradição” Passiva) do Título II (“Extradição”) que é a seguinte: “Regras especiais do processo em caso de detenção antecipada”.
Aí, estipula claramente o art. 63º, nº 4 que recebido o pedido (formal) de extradição a distribuição do processo na Relação é imediata e o prazo referido no nº 1 do artigo 52º conta-se a partir da apresentação do pedido em juízo.
Não há, sequer, qualquer conflito de normas pois os arts. 52º e 63º da Lei 144/99 dizem respeito a ocorrências processuais concretas e distintas. A existência de uma detenção não directamente solicitada decorrente de uma informação oficial designadamente oriunda da INTERPOL, como foi o caso e tal como está previsto no art. 39º da citada Lei nº 144/99, dá origem a uma fase com outras ocorrências que o processo previsto na precedente Secção II não contempla.
3.21-Não existem dúvidas em como a norma do artigo 63.º, n.º 4, já o afirmámos, define, de forma clara e inequívoca, que o prazo do n.º 1 do artigo 52.º conta-se a partir da data da apresentação do pedido formal de extradição em juízo. Este argumento, desde logo literal, corresponde ainda à teleologia da norma com o escopo visado pelo legislador, não havendo pois, qualquer ultrapassagem de prazo da detenção do requerente cujo termo o Tribunal da Relação computou oportunamente, como ainda não tendo terminado.
Sequer tal se verifica na presente data, uma vez que aquele termo correrá tão somente a 13 de Setembro.
3.22- Além do mais, se não se considerasse dever contar-se o aludido prazo de 65 dias apenas a partir da detenção desde o dia da apresentação do pedido formal de extradição ) a 10 de Julho mas, antes, desde logo a partir da data inicial da detenção (provisória) a 1 de Junho, estaria praticamente impossibilitado o cumprimento dos prazos normais do processo de extradição propriamente dito, iniciado que fosse, nomeadamente, só após os primeiros 40 dias de detenção com formalização nessa data do pedido de extradição, objectivo este que o legislador não pretendeu , sob pena de, assim não se entendendo, se frustar praticamente a justiça e a defesa dos valores pretendidos com implementação dos instrumentos e mecanismos de cooperação internacional.
3.23-Em conclusão:
Os art.ºs 52º e 63º da LCJP ( Lei 144/99) , são aplicáveis subsidiariamente nos termos do artº 3º: [Em sede de prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais] e que dispõe no seu nº 1:
“- As formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma”, dizem respeito a ocorrências processuais concretas e distintas.
A existência de uma detenção não directamente solicitada decorrente de uma informação oficial designadamente oriunda da INTERPOL, como foi o caso e tal como está previsto no art. 39º da citada Lei nº 144/99, dá origem a uma fase com outras ocorrências que o processo previsto na precedente Secção II não contempla.
O prazo de 65 dias para decisão final previsto no n.º 1 do artigo 52.º da Lei nº144/99 e a considerar para os efeitos da determinação ou não de excesso de detenção em processo extradicional, conta-se apenas a partir da data da apresentação do pedido formal de extradição (in casu a 10 de Julho) e não a partir da data da detenção antecipada, ex vi do disposto no artigo 63.º, n.º 4, parte final, daquele diploma.
IV. DECISÃO:
Termos em que acordam os juízes que compõem a Secção Criminal em turno no Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Indeferir o pedido de habeas corpus peticionado pelo extraditando AA, nos termos do art.223.º, n.º4, alínea a), do C.P.P., por falta de fundamento bastante;
b) Condenar o peticionante, dada a falta de fundamento, nas custas do processo, fixando em 3 (três) UCs a taxa de justiça.
(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
Lisboa, 18 de Agosto de 2023
Agostinho Torres (relator)
Teresa Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)
Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro adjunto)
Cura Mariano (Presidente da Secção)
___________________________________________________
1. “ 1 - A detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coacção processual se a decisão final do Tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efectivada)↩︎
2. Vide AC do STJ de 07JUN17 (relator Pires da Graça), AC de 15FEV17 (relator Raul Borges) proferido no proc. nº 7459/00.4TDLSB-M. S1 e os arestos ali citados; ACS de 22.06.2017 e de 20.12.2017 (relator Manuel Braz), proferidos no mesmo processo, todos citados no AC do STJ de 02.06.2021, PROC 25/19.2FCFUN-A.S1, relatora Conceição Gomes.↩︎
3. Vide AC do STJ de 30NOV16 (relator Pires da Graça), proferido no proc. nº 66/14.6GBLSB-A.S1.↩︎
4. Vide AC de 15FEV17 (relator Raul Borges) proferido no proc. nº 7459/00.4TDLSB-M.S1.↩︎
5. Acórdão de 02 de junho de 2021 (relatora Conceição Gomes) - PROC 25/19.2FCFUN-A.S1↩︎
6. 211/12.6GAMDB-A.S1. in www. Dgsi.pt↩︎
7. “ (…)1 - A detenção provisória é ordenada pelo juiz relator a que se refere o artigo 51.º, quando se certificar da autenticidade, da regularidade e da admissibilidade do pedido, sendo, para o efeito, entregue mandado ao Ministério Público.”
O artº 51º da lei 144/99 dispõe, por sua vez: “1 - Efectuada a distribuição, o processo é imediatamente concluso ao juiz relator para, no prazo de 10 dias, proferir despacho liminar sobre a suficiência dos elementos que instruírem o pedido e a viabilidade deste.(…)”↩︎